Mostrar mensagens com a etiqueta jrd. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta jrd. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, julho 15, 2014

O que vai acontecer a Ricardo Salgado e outros que, à frente do BES, usaram o dinheiro dos depositantes e dos investidores como se este lhes pertencesse e dele pudessem fazer o que lhes apetecesse? E qual o valor das inspecções das troikas, reguladores e demais auditores que nunca dão por nada? E o que vão o Governo e o BdP fazer para evitar uma derrocada sistémica,' agora que tudo arde'? Perguntas simples numa noite de verão. Fazem coro comigo: Craig-James Moncur, Carlos Paz e Viriato Soromenho Marques. E, para me ajudar no tema que se fala, o da Reestruturação da Dívida, trago os especialistas da Porta dos Fundos.







Já aqui falei disto: os empresários portugueses, os ditos grandes empresários, os happy few, construíram os seus impérios em cima de nada, isto é, de dívida. Não os construíram sozinhos porque não têm arte suficiente para isso. Têm, sim, um pressuposto em mente: não investir o seu próprio dinheiro nos seus negócios. E têm, depois, um batalhão de juristas, fiscalistas, auditores, consultores, experts de toda a espécie a trabalhar para si. Corrijo: não para si mas para as suas empresas pois são as empresas que os pagam. As empresas têm que pagar tudo, tudo. Não eles.

São criadas sociedades que detêm participações noutras sociedades, que detêm outras sociedades e mais outras e mais outras e por aí fora e há sociedades onde são parqueadas dívidas, outras que são veículos, outras que são instrumentais. Há consolidações para obter benefícios fiscais, há artifícios, há muito por onde fazer rodar as verbas. Tudo dentro do que é lícito, jogando nos interstícios da licitude. 

É sabido que as leis são estudadas e validadas por assessores e por grupos de trabalho por onde circulam deputados, ex-deputados, membros de escritórios de advogados, empresas de consultoria e auditoria, tudo na maior promiscuidade. O que se passa nos lugares onde tudo se passa,  não é percebido pelos olhos inocentes de quem julga decidir alguma coisa, os eleitores.

Mais: as universidades e institutos mais prestigiados a nível de gestão financeira e de negócios ensinam isto mesmo. Católica, INSEAD, por exemplo. 



Já aqui o disse e sei que me estou a repetir mas gostava que não se esquecessem que se ensina (ou ensinava-se até há muito pouco tempo) nestas grandes escolas que gerir bem é gerir para o accionista e que gerir para o accionista é criar valor para o accionista e que, para isso, bom, bom é a alavancagem financeira. Ou seja: usar um mínimo de capitais próprios, ou seja: um máximo de empréstimos financeiros. Quanto mais juros se pagam, maiores são os custos, e se maiores são os custos, menores os lucros brutos e, portanto, menos os impostos que se pagam e melhores são os lucros líquidos (e a isto, entre outras habilidades, se chama optimização fiscal). E, desta forma, investindo capital alheio, escusa mexer-se no capital próprio. Ou seja, os accionistas escusam de lá meter dinheiro. Pagam-se os investimentos com o pêlo do cão (expressão usada para designar que quem paga o investimento é a própria empresa, não o dono da empresa). Podem comprar-se empresas atrás de empresas, fazer investimentos de toda a ordem, sem lá meter um chavo.

Os bancos emprestam.

Qual a garantia que os bancos têm de que os empréstimos são pagos? A garantia, na maior parte das vezes, é a própria empresa, seja através de acções, seja através dos bens ou serviços adquiridos com o empréstimo.

E se o investimento for um fiasco e a empresa não o puder pagar? Nada a saber: dão-se ao banco acções da empresa ou o que se adquiriu com o dinheiro do empréstimo. 

E se as acções valerem zero e o que se comprou valer ainda menos? Azar. Azar para o banco, claro.

[É aquela velha máxima: se eu dever um milhar, o problema é meu; se eu dever um milhão, o problema é do banco]

Claro que para prevenir situações como as descritas, que assentem em garantias precárias, em que há mais do que possíveis riscos, em especial os sistémicos, e para garantir a solidez do sistema bancário, existem os reguladores, os auditores, os agentes responsáveis por fazer testes de stress, por validar contas e rácios de solvabilidade e outros, por atestar o merecimento da confiança. Contudo, estranhamente, como sempre que rebenta uma bronca, verifica-se que falharam todos. Todos. Ninguém percebeu, ninguém viu, ninguém agiu. Uma vergonha. Incompetência, conluio, interesses, cortesia, solidariedade de casta, cobardia? Não sei. Não consigo explicar uma coisa destas.


O que acima descrevi, os empréstimos dados sem garantias reais ou as verbas aplicadas em produtos de risco, foi, mais coisa menos coisa, o que aconteceu ao BCP, por exemplo. É isto que agora está a acontecer às sociedades financeiras do GES e é por isso que o BES vai ter que reconhecer milhares de milhões de dívida incobrável pois financiou toda a espécie de sociedades insolventes do GES, ou não se sabe o quê (por exemplo, em Angola, parece que se perdeu o rasto a milhões e milhões que foram emprestadadas não se sabe a quem nem a troco de quê - embora se desconfie).


Ouço agora os papagaios do costume a dizerem, convictamente como sempre, que isto não é o BPN e a SLN, que esses eram um caso de polícia. Do que tenho lido e ouvido, não sei se há diferenças. Aliás, sei: o BES é muito maior, as implicações muito maiores, o rombo global muito mais difícil de quantificar. Quanto ao resto, alguém terá que me explicar - mas muito devagarinho a ver se eu consigo perceber.

Mas o BES não emprestou apenas dinheiro a rodos e sem garantias reais a empresas da família, isto é do universo GES. Ouço que enfiou milhões nos clubes de futebol e que, por isso, já se estará a assistir a uma venda apressada de jogadores. Não sei. E não tenho dúvidas que o BES enfiou rios de dinheiro em tudo o que é grande e média empresa, grande parte das quais vivem também em cima de dívida - e que, se se virem obrigadas a pagar de súbito o que devem, vão para o buraco em três tempos. É que nem duvidem.


Nunca tivemos economia a sério nem uma verdadeira política de desenvolvimento económico. A infância da democracia e o servilismo deslumbrado de uma classe política pouco culta deu nisto. 

Saímos de um proteccionismo caduco e em grande parte falido (antes do 25 de Abril) para um período de euforia despesista, gerida por gente que não estava preparada para isto. Já aqui o disse muitas vezes: penso que o período mais nefasto para o País neste pós 25 de Abril foi o período cavaquista. 

A troco de fundos e subsídios, Cavaco Silva aceitou acabar com o que restava de tecido económico português e inviabilizou o que podia nascer e prosperar sustentadamente. Fechar a indústria, acabar com a frota pesqueira, pôr os campos agrícolas em regime de set aside foi do mais nefasto que se poderia desejar para um país que dava os primeiros passos no percurso da democracia e do desenvolvimento moderno.

Não se fazem políticos como se saíssem de brinde da farinha Amparo. Gente das jotas, amigos de amigos de amigos, ex-autarcas, funcionários de bancos alcandorados a experts dentro dos partidos, advogados ao serviço e avençados de toda a espécie - tudo farinha do mesmo saco. Espertismo em vez de cultura política.

Há que ter maturidade, sentido de estado, cultura, competência, experiência - e a clique cavaquista e quase tudo o que se lhe seguiu foi de meter dó.

A nata portuguesa tem pouco de verdadeira crème de la crème. Políticos, banqueiros, autarcas, pseudo-empresários, jornalistas: um caldo que tem ajudado a perpetuar esta indigência e a manipular um povo genericamente envelhecido, inculto, com pouco mundo.

A euforia pós-euro fez o resto: crédito a preço de uva mijona, um incentivo permanente ao consumo para que os país pobres e desindustrializados consumissem os excedentes dos países desenvolvidos. As directrizes europeias quando rebentou a crise financeira foram no mesmo sentido: prego a fundo no investimento. E haja financiamento bancário.

Deu no que deu.

Depois, quando se assustaram com o ataque dos abutres especuladores, foi o que se viu: travão a fundo, doa a quem doer. Tiraram o tapete à bruta, e que se lixem os que estavam em cima. Um trambolhão é um dano colateral até muito brando, há coisas piores, então há? Até porque os desgraçados aguentam tudo, ai aguentam, aguentam, já lá dizia o outro.

E assim estamos. Mais pobres, espoliados, entregues à bicharada. Sem governantes capazes, sem reguladores eficientes, sem políticos experientes e responsáveis, com uma múmia em Belém.


No meio disto, a família Espírito Santo parece ser carta fora do baralho do poder económico português (e espero bem que a justiça perceba que tem uma palavra a dizer) mas o rombo nas economias de muitas famílias vai fazer-se sentir por muito tempo e vamos ver se o BdP e o Governo têm a maturidade suficiente para fazer o que deve ser feito mesmo que momentaneamente impopular. 

É indispensável colocar um travão na desconfiança e no temor, há que ter sangue frio e, se necessário for, há que ser capaz de intervir (seja por injecção do fundo que estava reservado a isso, seja de que forma for). A não ser assim, pode assistir-se a uma queda em dominó, de consequências imprevisíveis. Os portugueses não merecem ser ainda mais saqueados por quem não tem um pingo de vergonha. Para proteger os povos existem o Estado e as suas instituições.





___


Permito-me ainda recomendar-vos algumas coisas que achei importantes e que descobri por aí.


1. Do sempre oportuno e acutilante blogue Bons tempos hein?!: 'The banker', magnífico.



"O Banqueiro" poema de Craig-James Moncur, dito por Mike Daviot.



2. Do blogue Aventar, A história do banco do meu avô, da autoria de Carlos Paz. Muito bem descrito.


Transcrevo apenas a parte final mas digo-vos que acho que deve ser lido na íntegra:

Fui falar com os novos políticos com uma proposta: reformo-me, dou lugares de Administração a uma série de políticos do partido do Governo e eles que resolvam o problema do Banco do meu avô.
Continuemos a IMAGINAR coisas…
Os políticos aceitaram a minha proposta (aceitam sempre que se fala de lugares de Administração). 
Finalmente reformei-me. Ainda somos donos de 5% do Banco do meu avô e de uma série de outros negócios (sustentados pelas dívidas ao Banco do meu avô).
Tudo isto sem termos gasto um tostão (o dinheiro da família continua todo guardado na América do Sul).
E, tomei a última medida antes de me reformar: atribuí a mim próprio uma reforma de um milhão de euros por ano (para as despesas correntes).
E, assim, acabou a história IMAGINADA do Banco do meu avô.
**************
Se alguém teve a paciência de ler este texto até ao fim, deixo uma pergunta: Se esta história em vez de ser IMAGINADA, fosse verdadeira, que fariam ao neto?


3. Do Diário de Notícias, mais uma excelente crónica de Viriato Soromenho Marques, Tragédias antigas e modernas


Transcrevo também apenas a parte final mas, como em todos os textos de Viriato Soromenho Marques, todas as palavras contam:

Se Aristóteles contemplasse a moderna tragédia sistémica do mundo financeiro, do Lehman Brothers ao GES/BES, ficaria emudecido. Os personagens que causam a catástrofe não são nobres. São, na verdade, gente grotescamente banal. No lugar de uma consciência moral, muitos possuem uma vertigem narcísica que tudo absorve (por exemplo, o "livro" de João Rendeiro, do falido BPP, tem a profundidade de uma tábua rasa). Depois, os seus actos de mentira, logro, ocultação, são mera predação desprovida de grandeza, causando dano apenas aos outros. Indivíduos e povos inteiros. Desde 2008, foram afectadas centenas de milhões de pessoas, pela desmesura de algumas centenas de figurões do sistema financeiro mundial. Dezenas de milhões perderam os seus empregos, e viram a sua integridade física e psicológica molestada. Por último, não houve qualquer catarse. Estas criaturas menores compraram imunidade total, porque têm entre os seus activos as leis e os governos que os poderiam levar a juízo. Assistem, no conforto protegido das suas "salas de pânico", ao puro terror que semearam pelo mundo, como Nero assistiu ao incêndio de Roma. É uma tragédia moderna. Um espectáculo vil. Uma miséria sem conceito.


__


Bom. Não posso despedir-me assim, no meio de tanta agrura. 

Por isso, bora aí  minha gente, vamo falar de renegociação de dívida, valeu? 

Bem, galera, no que toca a dívida eu sou toda a favor mas, olha aí, eu tenho meu limite, viu? P'ra começar não vou levantar o bum bum da cadeira até esse troço aí da dívida estar todo renegociado, viu? E, memo assim, vou sair às arrecuas, ouviu aí, seu moço?



O BANCO - Porta dos Fundos


Transcrevo do Youtube:

Bancos são cruéis. Eles aparecem na sua vida, prometem mundos e fundos, te f@#$% gostoso, nunca mais te ligam e quando você vai reclamar, aparecem com uma historinha nova e te f@#$% gostoso de novo.


_ _ _ 

Para verem como sou cabeça no ar. Nesta noite quente, com o rio banhado por um luar de encantar, vinha para aqui com vontade de escrever sobre palavras aladas; mas ouvi as últimas sobre o BES e não resisti. É esta driving force que parece que me puxa para a chungaria, senhores, que castigo. Com tanta coisa boa para falar e logo fui falar desta gente que vive acima das nossas possibilidades, que suga o sangue e o suor sem olhar a quem. 

É preciso cortar o ordenado aos pobrezinhos para que tenham menos força para protestar, é preciso acabar de vez com os direitos laborais para que mais facilmente possam ser postos no olho da rua com uma à frente e outra atrás, é preciso acabar com as escolas no interior, com a investigação, com a saúde pública. Dizem-nos a toda a hora.

Para quê? Ainda não se percebeu mas o que vemos todos os dias é para onde vão os milhões e milhões que são sugados à população em geral: para o cano, isto é, para o bolso de corruptos, de gente que vive à margem da lei, bandidos de punhos de renda. Que sina esta, credo.

A ver se amanhã a coisa começa a entrar nos eixos para o País sossegar, que bem merece, e para ver se me posso dedicar à reinação ou à efabulação.

__

E, assim sendo, vou-me deitar que já se faz tarde. Incapaz de reler dado o adiantado da hora e o tamanho do lençol que daqui saíu, só espero que não haja gralhas indecorosas. Se as houver, por favor, sejam indulgentes, está bem...?

Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa terça feira. 
Saúde e sorte é o que vos desejo - no mínimo.


quinta-feira, dezembro 05, 2013

Morreu Nelson Mandela? Tenho para mim que não. Madiba continuará na memória das pessoas de todo o mundo a dançar, a sorrir, a mostrar a extraordinária alegria e força de querer e perdoar, a agraciar o mundo agreste com a sua ingénua amabilidade


Não gosto de obituários. Geralmente mal morre alguém conhecido, logo as redes sociais se apressam a registar a notícia. Raramente alinho pois gosto de festejar a vida e, pelo contrário, entristece-me e quase prefiro ignorar a morte.

Mas hoje morreu uma pessoa especial, de uma grandeza extraordinária. Grande na força, na coragem, na determinação e, depois, na capacidade de perdoar, na abertura de espírito, no humanismo absoluto, na alegria: Nelson Mandela.


Por isso, para recordar a sua extraordinária grandeza, aqui fica o registo. Que para sempre continue a inspirar as pessoas do todo o mundo.



No final de Maio de 2012 milhares de pessoas da África do Sul juntaram-se na Praça Nelson Mandela em Sandton para gravar um tributo de parabéns para o seu 94º aniversário em 18 de Julho. 

Aqui fica hoje esse festejo que transborda de ternura no dia morte de Nelson Mandela aos 95 anos. Long live Madiba!

.
Sing for Madiba

*

A palavra aos Leitores de Um Jeito Manso
 (a quem, em nome de todos, muito sinceramente agradeço a generosidade e a beleza das palavras):

|

Madiba

Hoje, no terreiro grande,
nesse misto de comoção e festa,
homens de olhares coloridos
te sentem e cantam
livre sem cor
com sorrisos
sem dor
de ti preso nascidos,

é o nosso canto
de encanto
libertando amor
durante a tua sesta,

é comoção
feita quase festa
de humana libertação…


[José Rodrigues Dias, 2013-12-06]

<><><>

Um CRISTO NEGRO visitou a terra
braços abertos
sorriso calmo
alma lavada
e a cruz à sua espera

roubaram-lhe
vida
conforto
dias de luta desejada
o pôr do sol austral
(nunca lhe roubaram liberdade)

e ainda veio a tempo
(sobrou-lhe idade)
para acender na escuridão o seu sinal
para viver os seus tantos amores
e deixar o seu olhar sereno num terno abraço à humanidade

quem dera tenha adormecido a sonhar com anjos de todas as cores


[Era uma Vez, 2013-12-06]

|

E Bertold Brecht pela mão do jrd


OS QUE LUTAM

Há aqueles que lutam um dia; e por isso são bons; 
Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons; 
Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda; 
Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis.

sexta-feira, novembro 29, 2013

Leonor, a mulher


Depois de uma tarde cheia de maçadas, telefonemas desagradáveis, gente a queixar-se, gente desmotivada e até desentendimentos entre colaboradores que acabaram em lágrimas, Leonor foi refugiar-se junto do seu amigo de sempre.

Sô Tôr...
- Qual Doutor... Antes enfermeiro.
Senhor Engenheiro, então…
- Senhora Engenheira…! Muito suspira a minha amiga…
Antes fosse engenheira.
- Está como eu. Engenheiros financeiros era o que devíamos ser.
Pois é… Mas, se não quer que o trate por doutor e também não por engenheiro, trato-o como? Por lampião?
- Lampião no bom sentido: sempre! Sou fiel aos meus amores.
Seja. Senhor Lampião… conte-me coisas boas. Estou precisada.
- Ah, está a pedir-me muito. Gosto muito de a ver feliz mas, desgraçadamente, boas notícias é coisa que não abunda por aí. Mas vejo-a com ar cansado, doutorinha. O que se passa?
Nada de especial. Estou cansada. Mas nada de mais. É o costume, muita coisa. E aí umas coisas com o Duarte. 
- Com o Duarte? Então?
Nada de especial. Se calhar não é nada. Mas estou cá com um feeling. Não sei. Mas tomara que não, senão não saberia o que fazer. Mas deixe lá, não é nada.
- Já hoje me apareceu por aqui o Manel também preocupado e também me deu a entender que era qualquer coisa com o Duarte. Será é a mesma coisa?
Não, acho que não, mas não sei o que é isso que preocupa o Manel.
- Já no outro dia a minha mulher encontrou a mulher do Duarte na Bertrand e ela fez um comentário que deixou a minha mulher muito admirada. Atribuí a que tivesse ouvido mal. Tomara que não haja problema nenhum com ele. É um bom tipo, gosto dele.
Então e eu? Claro que gosto imenso dele. Temos os nossos desaguisados mas é tudo da boca para fora. Mas olhe, deixe para lá. Rica vida é mas é a sua que já está reformado e só cá vem por desporto.
- Qual desporto? Venho porque não sei fazer mais nada e, ao menos aqui, a minha mulher não me atenta o juízo. Assim, aqui, posso olhar pela janela, pensar na vida, fazer umas pesquisas, dar uns palpites a quem mos pede, organizar aí umas coisas. Sou amigo do Manel e agora, que as coisas estão bravas, não quero virar-lhe as costas. E daqui vejo o mar, não se está mal. Além disso, enquanto aqui estou a minha mulher  faz a vida dela, também sem ter que me aturar. Quando nos encontramos ao fim do dia, já estamos cheios de saudades e é uma festa. 
Boa. Deve ser esse o segredo para ter tão bom ar e para ter um espírito tão jovem. 

- Ná. Isto foi das cachimbadas. Um verdadeiro elixir da juventude.

Está bem, mas ainda bem que deixou de fumar. Mas e agora outra coisa. Conte-me lá. Que livro anda a ler? E que músicas me recomenda? Sigo os seus gostos com devoção, já sabe. Nunca falha. Não quer enviar-me uma listinha com algumas dicas?
- Mando, sim senhora. Mando já amanhã porque no fim de semana vou até à Dinamarca e fico lá até ao fim do ano.
Sortudo. Quem me dera… Mas então amanhã venho cá despedir-me, está bem?
- Fico à espera. E descanse, descontraia, divirta-se. Não gosto de a ver com esse ar arreliado. Prefiro vê-la sorridente e combativa. Acha que há alguma coisa que justifique que ande a cansar a sua beleza...? Nada!
Acho que tem razão. Vou pensar nisso. Beijinhos à sua mulher.
- Serão entregues. Mas, como de costume, para mim nada...?
Leonor levantou-se, Sempre reivindicativo..., deu-lhe um beijo na face e saíu.

Ia mais confortada. Dali nunca saía aborrecida. Se há pessoa com bom coração, bom senso, inteligência e elegância é aquele seu colega. Junto dele procura apoio sempre que precisa.

Quando chegou ao estacionamento, mudou de sapatos, tirou o casaco grosso do porta bagagens e conduziu até à beira do rio.

Pelo caminho ligou o Afonso e, como de costume, deixou que o telemóvel tocasse duas vezes antes de desligar.

Noite cerrada. Um frio antárctico. Fechou o casaco até acima, enfiou as mãos nos bolsos e fez-se ao caminho. A meio caminho sentiu um braço por cima dos ombros e alguém a querer enfiar-lhe uma coisa na cabeça.



*



*

- Se não fosse eu o que seria de si?
Ai! Assustou-me! Um gorro? Ai que bom… e que quentinho que é. Estou melhor assim, sim senhor.
- Sou ou não sou aquilo que lhe faz falta? Confesse.
Então não? Um amiguinho que me apareça a meio da noite para me enfiar um gorro… Toda a gente precisa disso. Mas olhe lá: não tem frio? Todo esgargalado...
- Estava aqui à sua espera para não a deixar andar por aí sozinha. Mas espere um bocado para eu ir ao carro buscar roupa para a neve.
Quando regressou, já agasalhado, Leonor voltou à conversa, Mas, então, dizia você que me faz muita falta porque me põe gorros na cabeça... 
- E faço outras coisas.
Sim...? Diga lá a ver se há alguma de que eu precise. 

O passo ia acelerado, Leonor gosta de caminhar durante uma hora ao fim do dia e se está frio tanto melhor. A proximidade do rio, o silêncio da noite, as sombras furtivas, tudo aquilo lhe tira toneladas de cima dos ombros. E a companhia de Afonso também não é má de todo. Geralmente não falam de trabalho, vão na brincadeira. 
Afonso sorria, Leonor... Leonor... Está a pedir que eu lhe diga uma ou duas, não está?
Diga. Pode ser que acerte.
Afonso hesitou, Eu digo mas depois não se queixe, é você que está a pedi-las. Vou dizer. Dar-lhe um banhinho quente… pode ser?
Banhinho...? Banhinho, inho, inho… ah como está todo mariquinhas… um banhinho... E depois mais alguma coisinha, inha, inha…?
- Está a pedi-las, ah está, está.
Pois, bem que eu as peço mas você não se chega à frente…
- Essa é boa. Não me chego à frente? Está sempre a dar-me para trás e agora diz que não me chego à frente…?
E não chega mesmo. O que é que hoje já fez por mim para além de me enfiar um gorro pela cabeça abaixo?
- Leonor…Leonor… Não me desafie…
Desafio, desafio…
- Veja lá não se arrependa…
Mas eu sou lá pessoa de me arrepender? Mas está bem, já vi que consigo é só conversa.
Afonso parou. Mau.
Mau, mau Maria, disse Leonor a rir e parou também. Depois puxou-o para si e beijou-o. Ele abraçou-a com força enquanto se beijavam.
Quando pararam, ele disse, Que você é mazinha, ó Leonor…
Mazinha, eu? Mas porquê?

- Gosta de fazer sofrer, não gosta?

Eu? Nãããoo... Mas pronto, vá lá, eu agora sou boazinha. Vamos acabar o passeio e depois aceito o banhinho. E mais qualquer coisinha. Inha, inha. 


Afonso tirou-lhe o gorro, fez-lhe uma festa nos cabelos e disse, Deixe-me olhar para si Leonor. Que bonita que está, tão calma. 
Olhe bem que não é certo que depois de amanhã me volte a ver de tão perto, respondeu Leonor.

Afonso, abraçou-a, Cale-se, não diga disparates, limite-se a beijar-me.


E beijaram-se de novo, um beijo que parecia não acabar.


***

Este episódio é a continuação do de ontem intitulado Leonor, Duarte e Afonso, o qual, por sua vez, já era continuação de outros. Caso vos ocorra ler de seguida a história até ao ponto em que vai, poderão procurar aí de lado, lá mais para baixo, a etiqueta 'Leonor e Afonso'.

A música lá mais acima é Our love is easy de Melody Gardot (que, como não consegui incluir aqui na versão cantada por ela, coloquei uma versão interpretada por Clementine Noordzij (La Clé de Soul)).

**

Não quero estragar o climinha mas, se me permitem, deixem que vos informe que, a seguir, poderão saber (se é que ainda têm dúvidas) o que penso do Paulo Portas, Pires de Lima, Aguiar Branco e outros que hoje me apareceram na televisão todos contentes quando, se tivessem um pingo de vergonha na cara, pintavam-na de preto, enfiavam-se debaixo de uma mesa, fugiam para Espanha, uma coisa qualquer. é só descer um pouco mais.

***

E, por hoje, é tudo. Resta-me desejar-vos, meus Caros Leitores, uma bela sexta feira.