Mostrar mensagens com a etiqueta Angelina Jordan. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Angelina Jordan. Mostrar todas as mensagens

domingo, junho 26, 2022

Dia no campo de vassoura na mão, noite no arraial com dança no pé

 



É a história da minha vida. Peço: que nada nem ninguém me acordem. E ainda eram sete e picos e já eu estava a ser acordada com o animal a ladrar freneticamente. Estava sozinha na cama. Chamei pelo meu marido. Nada. Liguei-lhe, então. Atendeu. Perguntei-lhe por que raio de carga de água tinha saído e deixado a fera dentro de casa. Disse que pensava que ele tinha saído. Pedi que lhe viesse abrir a porta. Passado um bocado, ouvi-o a abrir a porta e a chamar por ele. Só que, com isto, espertei, já não dormi mais.

Cabe talvez aqui dizer que o urso felpudo adora estar in heaven. Aliás, quando queremos vir-nos embora, recusa-se. Deita-se no chão, não se mexe. Tem que quase ser arrastado à força. No entanto, para ele, estar lá é um desassossego. À luz do linguajar de hoje, deveria dizer: um desafio. Não tem parança. Qualquer mota ou carro que sinta na estrada, qualquer cão ao longe ou, pior que tudo, os cães da casa do outro lado da rua que antes entravam e cirandavam por todo o lado como se fosse tudo deles e agora se ficam pelo lado de fora, tudo o tira do sério. Sai a correr, ladra como se estivesse possuído. Com os cães vizinhos, o meu marido teve que pôr uma rede no gradeamento não fossem eles arriscar-se a entrar cá. Seriam estraçalhados. Agora reforçou pois os outros abeiram-se e este salta como um maluco, capaz de lhes arrancar um pedaço. 

Não queria eu um cão de guarda...? Pois. Caraças. Melhor que a encomenda.

E, ao mesmo tempo, um fofo, um doce, um querido, um peluchinho, uma coisa mais quentinha e mais linda. Dou-lhe abracinhos bons e ele nem se mexe, meiguinho que só ele.

Mas, portanto, dizia eu que este amiguinho da onça me acordou quando eu queria ficar a dormir e, assim sendo, com uma manhã larga pela frente, aproveitei para aquela never ending task de varrer à volta da casa, debaixo do telheiro e no caminho que vem do portão da rua. Com aquela vassoura pesada de arame e com aquela pá de alumínio de cabo alto.

Varre-se, varre-se e há sempre que varrer. Folhas de plátano, folhas de nespereira, folhinhas de azinheira, montes, montes delas, caruma -- enfim, tudo o que cai das árvores, dos arbustos, das flores. Claro que nunca me chega o tempo para ir varrer nos caminhos mais afastados da casa nem ao pé das mesas lá de baixo. E bem precisado está tudo. É trabalho para tempo inteiro, não para part-time.

Isto é uma coisa que talvez seja estranha para outras pessoas: vou lá, adoro lá estar e, em vez de aproveitar para descansar, só me dá para trabalhar. Por exemplo, não sei se já alguma vez me sentei nos cadeirões novos que estão ao pé da lareira. Estavam lá duas bergeires que não eram especialmente confortáveis. Arranjei dois cadeirões confortáveis, bons para lá se estar a ler ou, simplesmente, a estar, apenas estar. Pois tenho ideia que nunca lá me sentei. Tenho sempre que fazer. Abrir janelas, pôr a casa a arejar, fazer a comida, lavar roupa, limpar a casa, varrer dentro e fora, apanhar ervas, caminhar e fotografar. E o tempo vai passando. Ninguém me obriga. Sou eu que gosto. Há sempre que fazer. Por exemplo, já disse que, na próxima vez, vou começar a apanhar orégãos. Parece-me que já estão bem floridos. Antes que fiquem secos, quero apanhá-los para os deixar, depois, sobre um lençol estendido sobre a mesa grande para ficarem a secar durante a semana. Depois, quando sequinhos, é tempo de separar os tronquinhos das folhinhas, colocar em frasquinhos de vidro. 

Também andei a apanhar alfazema. Apanhei um belo ramo. Dobrei os pés e coloquei num copo de vidro que coloquei na cómoda do meu quarto ao pé dos anjinhos. Também apanhei um ramo grande e coloquei numa jarra de vidro na cozinha. Um perfume limpo e fresco que dá gosto.

De regresso, consegui um desvio pela maravilhosa casa dos gelados. Contive-me. Um cone de apenas uma bola. Chocolate com laranja. Buoníssimo. 

Quando chegámos a casa já a maltinha do lado da minha filha cá estava. A turminha do lado do meu filho não, está parcialmente encovidada. Três em cinco. Cerca de quatro meses depois, estão outra vez. Felizmente, parece que mais brando do que da primeira vez. E na primeira vez apanhou-os aos cinco e, desta vez, até ver, dois talvez escapem.

E à noite fomos para os santos, arraial a preceito, bailarico e cheiro a bifanas e a caracóis. Música popular a puxar pelo pé. Bem me soube. Não atino é com as coreografias. Parece que toda a gente as sabe, mão na cabecinha, mão na cintura, mão na perninha, mão para cima, mão para baixo. Se tento, atraso-me pois estou a ouvir pela primeira vez e, ao meu lado, toda a gente parece que não faz outra coisa desde que nasceu. Limito-me a fazer como me apetece. 

Os meninos não são de danças, foram jogar futebol com outros rapazinhos. Escuso de dizer que o meu marido dispensou. Agora tem a desculpa do cão, que tem que ficar em casa a tomar conta do cão. Está bem, abelha.

A minha mãe, por seu lado, também teve programa. Foi com uma amiga, inserida num grupo, à revista, ao Politeama. Hesitou, que não sabia, que não sei quê, não sei que mais, que a amiga é que queria e patati-patatá. Disse-lhe que se deixasse de coisas, que fosse. Lá foi. 

Só consegui falar com ela à noite, Em vez de tirar o som, desligou o telemóvel. Só o ligou quando chegou a casa. Toda feliz da vida, parecia uma adolescente vinda de uma excursão. E assim é que deve ser.

E foi isto. Os dias passam a correr. Tinha a ideia de ler mas não me sobrou um minuto. Estava com vontade de reler um certo livro, em especial as últimas páginas. Cá por coisas. Talvez este domingo. 

As ameixas já estão doces: o pior é que caem ou que os pássaros as comem

E nada mais que isto já vai longo e nem uma linha alusiva ao São João propriamente dito. Que aliás, Dia de São João já foi antes, não foi este sábado, pelo que nem sei bem a que santo se reportava o arraial desta noite. E, para dizer a verdade, mesmo que fosse ainda ao São João também nem sei a que São João se refere. Será ao João Baptista? Mas também não faz diferença. Todos os Joões merecem que se festeje em sua honra.

-------------------------------------

Já agora, numa de natureza e boa onda, deixem que partilhe um vídeo tranquilo e bonito

Caroline Zimmermann: Portrait of an Artist in her Tuscan Garden

_________________________________________________

Fotografias feitas in heaven na companhia de Angelina Jordan a interpretar Suspicious minds

___________________________________

Desejo-vos um bom dia de domingo
Saúde. Pé de dança. Sorrisos. Ar puro. Paz

segunda-feira, novembro 01, 2021

Um pequeno urso in heaven e, no dia seguinte, a perseguir umas criaturinhas halloweenescas

 


Não encontrei cogumelos. Ou, para ser mais precisa, apenas dois, grandes, mas ambos já em processo de definhamento. Talvez por isso, não havia pegadas ou terra lavrada por javalis. Tudo muito verde, tudo molhado, tudo muito bonito. 

O pequeno urso estava estupefacto com tudo. Não andou a pé, em duas patas, agarrado às nossas pernas, não mordiscou pés, não brincou com o que encontrou. Andava ao nosso lado, a observar e cheirar tudo. O alecrim deixou-o doido. Nem queria andar, só cheirar. Quando passámos na zona do grande eucalipto, onde o perfume é intenso, também ficou muito admirado.

Foi extraordinário como se portou  de forma comedida, calmo, a andar ao nosso lado. Estávamos receosos não fosse aparecer algum cão ou não fosse ele querer comer alguma porcaria. Como ainda apenas tem uma dose das vacinas, não pode correr o risco de ser contagiado. Eu tinha sugerido que lhe puséssemos coleira para o termos pela trela. Mas o meu marido diz que isso não é assim, que o uso da coleira e da trela não são imediatos, requerem treino. 

Mas felizmente não apareceu nenhum cão e felizmente ele portou-se como gente grande.

Tinha comido qualquer coisa, pouco, em casa, de manhã. Só voltou a comer, e pouco, à noite, quando regressámos. Durante o dia, quer no campo quer, ao fim do dia, em casa da minha mãe, não comeu. Estava desconcentrado.

Dentro de casa, lá, in heaven, também andou a explorar tudo, quase intrigado. Cheirava tudo, por vezes dava ao rabinho. Se calhar, as coisas, embora desconhecidas, cheiravam-lhe a nós.

Outras vezes, sentava-se a observar. Não sei como é que os cães pensam mas se calhar percebia que era uma casa desconhecida mas que, estranhamente, sentia como sua.

A chuva ainda lhe faz alguma espécie. Quando estava dentro de casa e, lá fora, chovia copiosamente, deixou-se ficar a olhar pela janela.

À ida, de manhã, no carro, quis ir de pé, encostado a mim, a ver a janela. À vinda de lá, quando íamos para casa da minha mãe, já veio deitado no banco. No entanto, sempre atento. Se o carro abrandava ou curvava ou se a chuva estava mais intensa, levantava a cabeça para perceber o que se passava.

Vinha eu, no carro, a dizer que estava espantada com a forma tranquila e bem comportada como se tinha portado no campo quando, ao chegarmos a casa da minha mãe, desencabrestou. Louco, aos saltos, agarrado à minha mãe, a correr pela casa, eufórico, a puxar a mantinha do sofá, a querer estraçalhar o saco das lãs, a empoleirar-se nela, a mordiscá-la. A minha mãe quase estarrecida, mas divertida, com o potencial de estrago que ali estava: ''Seu maluco! Quieto! Ai!'

Ainda fui às compras com a minha mãe. Não queria, que já era tarde, que já era praticamente de noite, que estava mau tempo. Mas o meu marido fez o favor de ir connosco -- ficando no carro com o ursinho de peluche que ficou aconchegado ao seu colo -- pelo que nos deixou perto do nosso local de passeio.

Quando fomos, depois, deixar a minha mãe a casa, a fera quis lá ficar. Não queria vir connosco. Virava-se, punha-se a caminho da cozinha. Teve que vir à força, ao colo. A minha mãe fica contente por ver como a pequena criatura gosta de lá estar.

No regresso, veio a dormir, deitado no banco. Chegou a casa, espapaçado. O dia todo sem dormir (nem comer) deixou-o de pantanas. Consegui que comesse umas bolinhas de ração mas pouco. Depois veio pôr-se a querer vir para o meu colo. Aqui ficou, aninhado e quentinho, muito macio e fofo. Contudo, ao fim de pouco tempo já estava a mordiscar-me os dedos e os braços. Deveria haver chuchas para cães bebés.

Finalmente, começou a apreciar os ossinhos de couro de roer. Enquanto os rói está sossegado e nem deixa que nos aproximemos. Mas não podemos andar-lhe a dar desses ossinhos a toda a hora.

Este domingo esteve feérico, parecia que lhe tinham dado corda mas com rotações a mais. 

Corre, salta, rói tudo e mais alguma coisa, rouba sapatos, tira almofadas de cima dos sofás, puxa tapetes para o meio da casa -- desenfreado, alegre, feliz da vida.

De tarde, aprendeu a subir para as cadeiras espreguiçadeiras. E fica todo orgulhoso. O pior é que logo de seguida começa a roer a cadeira. Por mais que me zangue, finge que está a dormir mas está a ver se a come. 

Fez também uma que me deixou passada. Na sala da lareira temos um cadeirão que tem, ao pé, um pequeno banco que funciona também como descansa-pés. Pois o little baby bear pôs as patas da frente no banquinho e, dali, saltou para o cadeirão. Então, meio molhado -- pois tinha vindo do jardim -- lá estava ele no cadeirão. Nem queria acreditar quando lá o vi. Não tarda tenho os sofás todos sujos. 

De notar que isto tudo começou com o alerta de que um cachorro tão bebé não regula ainda bem a temperatura do corpo. Portanto, em vez de ficar na casota que tínhamos posto no pátio junto à cozinha, entre muros e sob um telheiro, passou a dormir numa caminha na cozinha. Estando dentro de casa, daí até cirandar por toda a casa foi um ápice. E, num instante, toda a casa passou a ser um imenso parque de diversões ao seu dispor.

Hoje a trupe do meu filho esteve cá. 

A pequena fera perseguiu a bom perseguir, a correr e a latir, a minha menininha mais linda que estava halloweenescamente maquilhada e que ainda não ganhou à vontade para lhe pegar ou mexer, perseguiu o mais novo que estava de vampiro e que voou de sofá em sofá para lhe escapar e apenas poupou o mano do meio porque tinha vindo de uma festa de anos e estava mais cansado, mais sossegado e passou despercebido. 

E brincou com o meu filho e com a minha nora. Mas, curiosamente, parece que não tenta mordiscar ou encavalitar-se no meu filho. Parece que há ali um certo respeito.

Entretanto, enquanto eles estavam a ver se programavam a caldeira, enfiou-se por lá e, enquanto o tentava tirar, pelo sim, pelo não, fez cocó. Depois, quando eu, zangada, zangada a sério, fui limpar, rosnou e não queria que eu me aproximasse. Tive que lhe dar uma palmada.

E, já depois de eles se irem embora, fugiu com um chinelo e o pior é que me apanhou uma caixinha pequenina de veludo que eu, sem querer, deixei cair e fugiu pela casa toda com ela na boca. Estava a ver que ma estragava e isso é que nem pensar, é muito bonita e de estimação.

Obviamente a esta hora já dorme o sono dos justos.

É impressionante como um serzinho pequeno e peludo consegue a proeza de preencher tanto as nossas vidas.

Eu que, em condições normais, escreveria um post inteiro a falar das maravilhas do outono in heaven, dos líquenes, dos cheiros, das cores, da caruma molhada, dos musgos, do silêncio, da paz... agora não faço outra coisa senão falar dele.


________________________________

Desejo-vos um bom feriado
Saúde. Tranquilidade. Boa disposição.

sábado, agosto 28, 2021

Cenas da vida doméstica

 



Tenho estado outra vez a debater-me no meu sofá novo a ver se não adormeço. A minha filha chama-lhe o sofá-valium. A gente poisa nele e cai para o lado. 

Agora, para lhe dar luta, deitei-me ao comprido de barriga para baixo. Estou a escrever assim. Se fosse brasileira agora escrevia: vê se pode...

Não pode, né? Não dá jeito nenhum. Mas em qualquer outra posição, apago.

O dia foi do escafandro. Reuniões de manhã, uma com cerca de cinquenta pessoas. Obra. Abri e fechei e, pelo meio, a ideia era assistir. Contudo, face aos ânimos que, volta e meia, se agitaram, tive que intervir. Alguns momentos de tensão que tento encarar com desportivismo a ver se as ondas que me atravessam o coração não se invertem, outra vez, deixando-o a modos que de pantanas.

Pelo meio, ouvi a porta do meu escritório doméstico a abrir-se. Era o mais novo. Pensei que ia apenas dizer-me qualquer coisa pacífica como na reunião anterior, menos crítica e menos formal, em que entrou várias vezes. Mas não. Disse: Quero fazer cocó. Certifiquei-me que estava sem som e disse-lhe: Vai dizer ao o avô. Ele saiu. Passado um bocado apareceu o meu marido à porta. Fiz-lhe sinal com a mão que se fosse embora. De volta, fez-me ele sinal com as mãos, a pedir acho que é time out, aquele gesto que em alguns deportos se usa para pedir ao árbitro um tempo de intervalo. Acho que era quando o meu filho fazia andebol que eu via isso. O meu marido também praticou pelo que lhe deve ter ficado. Fiz-lhe sinal que saísse. Disse: 'Ele quer fazer cocó'. E eu, com a mão à frente da boca a ver se ninguém percebia a situação: 'Não posso sair. Limpa-lhe tu o rabo'. E ele, ar aflito: 'Pá, interrompe por um minuto, eu o rabo dele não limpo'. Tenho ideia que nunca limpou o rabo dos filhos. Ou se o fez foi debaixo de necessidade extrema. Santa paciência. Sem olhar para ele, mão em frente da boca: 'Não posso sair daqui. Limpa-lhe o rabo. Fecha a porta'. 

Lá foi. Certamente irritado comigo, certamente apreensivo com o que o esperava.

De notar que ele já estava de férias, eu é que não. E se fosse ao contrário, jamais me passaria pela cabeça interromper-lhe uma reunião para lhe pedir que fosse limpar o rabo a um neto. Só visto.

Quando a reunião acabou, perguntei se tinha cumprido a missão. Disse que cumprir, tinha cumprido, não sabia era se bem. 

Depois da minha nora ter ido buscar o meu menino mais querido, estando eu já despachada das minhas meetings, mudei de roupa, apanhei o cabelo, fui regar as flores de trás enquanto o meu marido regava as do lado. Fiz piza para o almoço mas quem a comeu foi sobretudo ele pois eu preferi complementar a minha fatia com um resto das ervilhas com ovos do outro dia.

A seguir, pegámos na trouxa e viemos para o campo. De caminho, parámos no supermercado e abastecemo-nos. A frequência e os carregos que de lá trazemos dia sim, dia não, são do além. 

Quando cá chegámos ainda cá andavam os senhores das janelas. Pelo meio, fui vendo mails, atendendo chamadas. Quando se foram embora, a casinha toda ela mais iluminada e clara, partimos para as limpezas. Nada a ver com o estrafego das pinturas. Agora foi tudo mais civilizado. Ainda assim, aspirámos, varremos e lavámos toda a casa. Pusemos também o tapete novo na zona das bergères ao pé da lareira e, mal o pusemos, logo constatei que vai ser um forrobodó. Branquinho demais. Bonito e mesmo a condizer com a mancha cromática da zona das refeições mas no campo não se têm os pés muito limpos, especialmente com entrar e sair a todo o momento. Mas se verá. Cada coisa a seu tempo.

O meu marido voltou a pendurar os cortinados pesados que estes das janelas voltaram a retirar. Chegaram, entretanto, as cadeiras brancas que tinham ficado a estofar (de bege clarinho).

Depois dos banhos tomados, fomos jantar um gyros no prato que trouxemos.  Bem bom. Já estávamos a caminho das onze da noite. 

Ao jantar reparei que o cabelo do meu marido estava com uns apontamentos de absurdo. Todo rapado mas alguns cabelos mais compridos de lado, nas frontes, ou em baixo, na nuca. Uns cabelos desfasados da realidade. Chamei-lhe a atenção. Perguntou: Sabes o que é, não sabes? Respondi: Sei. Queres ser auto-suficiente mas não tens competência para isso. Ele corrigiu-me: Não. É que um gajo nem para cortar o cabelo tem tempo, é sempre tudo a correr para aproveitar uma aberta que não dura muito tempo. Está bem, está.  Espero que tenha trazido a máquina ou que a que cá está ainda funcione para ver se lhe aparo aquela deselegância capilar.

Amanhã de manhã a ver se faço logo uma máquina de roupa e se coloco aqui no sofá uma coberta bege clarinha que deixei ao ar. Tenho também que ir ver se desencanto um ou outro bibelot para a mesa de cabeceira do quarto que era do meu filho. E tenho que limpar melhor alguns espelhos. Com as luzes acesas reparei que alguns não estão imaculados.

E tenho dois tapetes que lavei e estão a secar lá fora, um de pano bordado e outro de pasta de lã com o abecedário bordado. Gosto especialmente deste. É um tapete afegão, artesanato puro. Comprei-o em Londres, há mais de mil anos, num dia de feira afegã. Mas com tanto uso, está já com bocados a menos. Precisa de um restauro. Tenho que pensar o que faço.

E escuso de dizer que já não estou na posição inicial. Já me doía tudo. Agora estou outra vez toda na descontra, meio estendida no sofá, a ver se não deixo o post a meio e se o meu marido não vem aqui dar comigo a meio da noite. Portanto, vou mas é já dizer um ciao e vou arrastar-me até aos meus aposentos.

Com vossa licença, estou a ir.

_______________________________________________

Imagens da Exposição sobre Alice no País das Maravilhas (Alice: Curiouser and Curiouser) no V&A até final do ano ao som de Angelina Jordan a interpretar Bohemian Rhapsody

___________________________________________________

Já não é 6ª feira mas é como se fosse:

___________________________________________

Desejo-vos um belo sábado.
Sejam felizes.
(Pelo menos, tentem, está bem?)

domingo, agosto 22, 2021

Um dia de trabalhos, brincadeiras e risos. Uma noite de silêncio

 



Na sexta-feira à tarde juntaram-se cá no jardim. A tarde foi boa. Os meninos alegres, como sempre. Quanto aos adultos, uns a trabalhar, outros de férias. 

A tarde começou com brincadeiras no jardim e acabou em guerrilha, na horta. 

Este sábado a trupe do meu filho veio de manhã. Foram andar de bicicleta, excepto a minha menininha que ficou e que foi connosco fazer uma pequena caminhada enquanto pais e irmãos pedalavam. Depois regressaram eles e nós e, qual equipa de trabalho na festa do avante, desataram a limpar o jardim. Mas limpeza a sério, com assertividade e determinação: o casal a varrer energicamente com vassoura e com ancinho, a menina a levar o carrinho de mão para  transportar o lixo para a compostagem ao fundo da horta, o mano do meio a varrer o caminho para a garagem e o mais pequeno a segurar a pá para o pai lá pôr o lixo. O mais pequeno disse: 'Isto é trabalho de equipa'. E foi mesmo. O meu marido andou também a apanhar os montes de folhas para pôr em grandes sacos que, depois, ir despejar na compostagem e eu, sentindo-me mal por ver aquela azáfama, fui buscar um balde e andei também a apanhar os montes que se iam formando.  Mas aquela cena do coração criou um certo medo no pessoal e têm sempre receio que me dê algum fanico. Mas não, não me deu nem me sinto cansada ou incapacitada.

Depois, os meninos brincaram, arreliaram-se uns aos outros, disputaram as mais insignificantes coisas como os irmão sempre fazem. O do meio é com a irmã, que é mais velha, como o pai dele foi com a irmã: sempre a pregar-lhes partidas, sempre a picarem, sempre à beira de as levarem ao desespero. Just for the fun of it. Iguais. Quando grito pelo nome dele para ver se pára de atazanar a mana, é como se o tempo não tivesse passado e estivesse a gritar o nome do pai dele (é que, ainda por cima, têm o mesmo nome -- que é também o nome de um dos primos e, claro, do avô --; e este é um daqueles casos em que não tem que enganar, o nome não engana, são danados para a brincadeira e com uma energia e persistência que facilmente levam os outros ao tapete. What's in a name...).

E, no meio da confusão, espantei-me, como sempre me espanto, com o vocabulário e com o raciocínio do mais pequeno. Por exemplo, os irmãos estavam a dizer que viram um insecto amarelo. Ele disse: 'É uma abelha!'. E eles que achavam que não, que era também um bocado preto. E ele: 'Uma vespa?'. E eles que não, que também não era uma vespa. E ele, encolhendo os ombros, 'Então é uma combinação das duas...'.

E, quando quis desinfectar-lhe as mãos com álcool-gel, numa embalagem nova, e não conseguia que aquilo deitasse, carreguei no manípulo, tentei que se desprendesse e voltei a carregar... e nada..., diz ele: 'Porque é que não tentas à moda antiga?'. Desatei a rir. Como é que ele, com quatro anos, me fala na moda antiga? Perguntei-lhe o que era a moda antiga. Fez o gesto, com a mão, de desenroscar a tampa.

Maravilho-me com eles. Com todos. Ele, o mais novo, um espertalhão e um querido. O mais crescido já com a voz quase grossa, já com coisas de quem não tarda é um teenager a sério. O irmão sempre meigo, sempre atencioso, uma força da natureza. Surpreendem-me todos os dias. A menina, enquanto caminhávamos, sempre conversando. Que, para ir jantar na véspera, tinha posto sombra nos olhos. E que tinha posto também batom e que tinha sujado a máscara. E eu: 'Sua vaidosa... Porque puseste...?' E ela, com aquela sua malícia indiferente, 'Então... teve que ser...'

Depois do rápido almoço fomos buscar a minha mãe. Antes de virmos para casa, fomos ao supermercado. Estava sem fruta em casa, sem tomate, sem alface, com poucos ovos, sem massa, sem bolachas, com pouco pão. Aproveitei para trazer mais uma esteira espessa e larga. No outro dia tinha trazido uma e tinha sido apreciada. Para se estar ao sol sem que a caruma pique (como a minha nora referiu ao deitar-se nela) ou para se fazerem picnics na relva, à sombra, é uma opção interessante. Trouxe também um conjunto de caixas de plástico para guardar comida no frigorífico. O meu marido não achou graça, diz que já temos caixas que sobrem. Mas não é verdade. Desaparecem. A minha mãe trouxe também um conjunto dessas caixas e um dicionário francês-português e português-francês pois diz que o dela é só francês-português e que já está muito gasto. 

Quando chegámos, já cá estava a minha filha com os miúdos, eles, como sempre, na maior brincadeira. 

Entretanto, fomos arrumar as coisas do supermercado e eu fui pôr uma máquina de roupa a lavar. Fomos também regar os vasos. As rotinas domésticas vêem-se aflitas para encontrarem o seu espaço -- mas têm que existir.

E esteve-se ao sol, os incansáveis meninos nas suas lutas, saltos, risotas, a minha mãe sempre espantada com a energia deles. 

E lancharam, sempre com aquele bom apetite de dar gosto. 

Com eles, todos, a conversa dos pais vai sempre no sentido de que parem de comer pois parece que o que neles cai vai para um poço sem fundo. Quando se lhes pergunta 'queres isto ou aquilo?' respondem 'tudo, manda vir'. Lancham que se fartam e, pouco tempo depois, estão prontos para almoçar ou para jantar. Ainda no outro dia, quando cá passaram a manhã, por volta das dez e tal ou onze, não sei, ao perguntar-lhes se queriam um lanchinho disseram logo que sim e, quando lhes perguntei o que queriam, o mais novo exclamou: 'Comida!'. E eu: 'Claro que é comida... mas o quê? Que comida queres?'. E ele, como se nem percebesse qual a dúvida: 'O almoço...'

Ao fim do dia fomos levar a minha mãe. Quando regressámos, obviamente noite bem feita, a roupa já estava seca. Depois, fizemos a cama de lavado. Arrumámos umas coisas. 

E aqui, na sala, pus-me a ver o vídeo abaixo. É um vídeo bonito. Os vídeos da Green Renaissance são sempre bonitos. As pessoas falam devagar, dizem o que lhes vai na alma. Isso é bonito. Geralmente não o fazemos.

Depois pus-me a ver na 1 o Stone - ninguém é inocente. Deixei que o tempo passasse enquanto ia vendo e escrevendo isto.  

Ao fim da tarde reparei que o sol dourava os pinheiros e que o outono começa a aproximar-se. Algumas folhas começam a cair. Mas está ainda um calorzinho tão bom que vou agarrar-me a ele, esperando que o verão e os dias grandes perdurem. 

__________________________________________________

Seek Silence

What does silence mean to you?  Is it something you fear and fill up with distractions?  Or is it something you actively seek as an antidote to a stressful life?  

Visiting silence can be an adventure, a life changing journey into peace and quiet. In silence we can hear our own thoughts. Silence speaks for the part of life that is beyond words.  There is space, inner freedom and creativity. We find a place within us that is centered, a place of trust. 

As the noisy demands of daily life make us shrink inside, in silence we expand.  Don't underestimate the power of silence.


_________________________________________________

Pinturas de Wang Keju enquanto Angelina Jordan interpreta Autumn Leaves

___________________________________________________

Desejo-vos um sábado feliz.
Saúde. Alegria, Esperança. Força.

quinta-feira, maio 06, 2021

Milagres

 



No domingo, um dos presentes que recebi foi um conjunto de dois vasinhos com suculentas, ambas deveras peculiares. O meu filho, falando da mulher, disse: 'Trouxe as duas mais invulgares que encontrou'. De facto, também nunca tal tinha visto. Quase parecem cactos mas acho que não são. Pelo menos, não têm espinhos. São curiosas. Uma delas, é até uma fofura, redondinha. A outra, uma elegância. Dá vontade a gente mexer-lhes para ver se são de verdade. Têm uma pequena raiz e vinham na terra mas poderiam ser a fingir de tal modo são raras. 

Ficou uma taça mesmo bonita. Acho estas plantas um mistério. Uma loucura transformada em flor. Umas flores que não são flores, que são um espanto.

O caso é que não tinha onde pô-las. Então hoje, à hora de almoço, numa corrida, fomos comprar uma taça. Mais uma. O que vale é que as gordinhas foram presente. Se fosse por mim, ele haveria de ficar furioso por eu não parar de plantar suculentas. Diz que exagero. Assim, não protestou, foi de bom grado. Bem, de bom grado talvez também não tanto. Não estrebuchou como nas outras vezes, o que já é bom. 

Ao fim do dia, mal despachei uma série de coisas, fui a correr à horta buscar terra e bolinhas de argila que tenho lá num saco. Depois, coloquei folhas secas no fundo, uma máscara usada (vi num daqueles vídeos brasileiros que é as máscaras são boas para a terra não sair pelo buraco dos fundos), bolinhas de argila, a dita terra. E plantei as fofinhas. Depois, de caminho, arranjei duas floreiras nas quais o jasmim não vinga, colocando-lhes chorão cor-de-rosa que, no outro dia, trouxe da praia. Espero que vinguem, acho que vai ficar bonito.

E andei a regar os vasos. O pequeno terraço do lado, onde estão os dois cadeirões e a pequena mesa, tem agora cinco taças de barro com arranjos de suculentas. E há uma taça com um bonsai. O bonsai é do agrado do meu marido. Gosta de lhe arrancar folhinhas para o impedir de crescer. E está bonito. Gosto de ver o terraço assim. E há uma espécie de canteiro-floreira no varandim. Tenho lá de tudo um pouco: sardinheiras e várias outras plantas de que não sei o nome. Por baixo, tenho begónias. Tudo tão bonito. A sério: gosto de me pôr a ver. Por cima há uma trepadeira majestosa na qual a glicínia se entrança.

Tive também outra ideia. Junto ao terraço grande, do lado da cozinha, está o forno de lenha e o assador, vulgo barbecue. O meu filho embirra, acha que desfeia. É uma construção algo volumosa. Não penso que fique feio mas reconheço que, na realidade, é uma parede de tijolinho que ali está e que, sob uma certa perspectiva, destoa. Pois bem: pensei fazer ali um jardim vertical. Disse ao meu marido mas ele não quis nem ouvir, recusa-se a ouvir mais ideias. Mas estou cheia de entusiasmo. Quero perceber como fazer, quero perceber que plantas são adequadas, como suspender vasinhos.

Depois das jardinagens, regressei e fui despachar mais uns quantos mails e mais dois telefonemas. Tinha, felizmente, sobras para o jantar porque, entretanto, já se tinha feito tarde. Quando liguei à minha filha e à minha mãe já passava das oito, já a caminho de querer anoitecer.

Enquanto telefonava, de máquina fotográfica sempre em acção, descobri uma coisa fascinante: a árvore grande das raízes aéreas está a florir. Tive que lhe dar zoom para confirmar, ou seja, para ver de perto, lá em cima, pois pensei que estava a alucinar. 

Que coisa mais inesperada. Um verdadeiro milagre. Só por preguiça não vou buscar a máquina para passar as fotografias para o computador. Mas, um dia que tenha mais vagar, mostro. Esta árvore é outra loucura, uma insanidade, uma maravilha, um genuíno act of god mas no bom sentido.

E confirma-se o que no outro dia, com a minha filha e a minha mãe, percebemos: o ninho que supostamente era de andorinhas está agora ocupado por outros passarinhos. Saem e entram passarinhos pequeninos. Pipilam, cantam, saltitam. Vêm para os arbustos, andam pelo chão. Uma doçura. Milagres e mais milagres. 

Já praticamente de noite, depois dos telefonemas, fui pôr-me no lugar mais alto do jardim. De lá alcancei uma pernada da nespereira onde algumas nêsperas já estavam com ar de doces. Comi umas quantas. Doces. Ou melhor, confesso, ainda não completamente doces. Mas já comestíveis. 

Tem tantas, tantas. Mas a árvore é gigante, impossível apanhar a grande maioria. Não se alcançam de maneira nenhuma. Vão ficar para os pássaros, bem as merecem.

Adoro nêsperas. São doces, carnudinhas e trazem-me sempre a memória do meu avô. Quando eu lá ia, ele tinha uma cestinha com nêsperas para me dar. Outras vezes, subia à árvore para apanhar as mais douradas... e eu, cá em baixo, admirada com a perícia daquele avô quase acrobata que trepava até tão alto para dar essa alegria à neta. Eu devia aprender a fazer cestinhas para oferecer nêsperas em cestinhas feitas por mim.

E é isto, tal e qual o que eu ansiava quando os dias eram pequenos, sombrios, frios, tristes: dias grandes, tempo afável, bom para se estar na rua. Mãos na terra, plantar, regar, varrer, imaginar jardins, ver pássaros, apanhar fruta. 

Há lá coisa melhor...? Só se for andar agarrada aos meus meninos mas isso eles também não iam suportar a toda a hora. Por isso, está bem assim, abraçá-los e dar-lhes beijocas gordas sempre que posso e, nos intervalos, andar nestas minhas aprazíveis faenas, descobrindo milagres como quem anda numa caça ao tesouro.


-----------------------------------------------------------------------------------------

Ah, vida boa...


-----------------------------------------------------

A bela albina é Xueli e a sua história deve ser conhecida, os arranjos florais são da florista parisiense Thyrse e Angelina Jordan interpreta Heal The World -- e está tudo certo

------------------------------------------------------

Desejo-vos uma bela quinta-feira

segunda-feira, outubro 12, 2020

Palavra de código: arroz de frango

 


O dia foi bom, bom, doce. Calorzinho bom, um solzinho suave. De manhã, para além de termos ido fazer as compras da semana e de termos feito dois transplantes de vasos, fomos caminhar na praia. Manhã de calor. O mar bonito, o areal imenso, o sol sereno. 

O nosso país é maravilhoso. Não sei como há quem, sem razão que o justifique, mostre desprezo por um bocado de terra e mar de tamanha beleza, falando com desprezo de Portugal e dos Portugueses. Custa-me muito isso. Não é justo. E mesmo as pessoas. Cada um de nós tem defeitos e virtudes, quem os não tem?, mas, globalmente, somos gente boa, boa onda, tranquila, com alguma sabedoria de vida. Claro que também alguma irresponsabilidade e inconsequência à mistura (mas há povos perfeitos? só se for no reino dos céus) mas não podemos esquecer-nos que somos um país que descobriu a liberdade há poucas décadas depois de viver outras tantas num buraco sombrio. E, antes disso, salvo um período de agitação política, éramos um país no canto do mundo e teremos que recuar muito para nos encontrarmos como aventureiros, visionários. Mas quem de nós ainda pensa nisso? A história do nosso país está fixada no nosso adn? Não faço ideia. Sei, sim, que somos gente de bem, gente que gosta de gostar, que gosta de acolher as diferenças, que gosta de perdoar e abraçar -- e mesmo aqueles de quem se guardam mágoas são respeitados e recebidos em paz. 
A minha mãe disse no outro dia que é muito dos caranguejos gostarem de alimentar os outros. Dos que conheço assim é. O meu pai sempre gostou de ter mesa farta e de receber a família. O meu filho é igual mas em mais larga escala. E eu é sempre no que penso. O meu marido chama-me sempre à atenção, agora ainda mais por causa da covid: que depois não me queixe de que estou cansada, de que vimos carregados do supermercado e é todo um protocolo para higienizar tudo para estar pronto a tempo e horas, que há que arrumar antes e depois e etc. Não quero saber. Nem penso nisso. Só tenho pena é que não tenham mais barriga pois, por mim, gostava era de ver toda a gente a comer ainda mais de gosto, a apreciar cada petisco. E gosto de os ter por perto, gosto de vê-los juntos, amigos. Esse é o maior sonho da minha vida, sempre foi.

E, portanto, à tarde, a casa cheia, a alegria à solta, os meus meninos queridos todos por aqui. Sempre na rua, no jardim, sempre a alguma distância, quase sempre todos de máscara. Os meninos ficam numa alegria, correm, brincam. Adoram-se. Formam um núcleo fortíssimo. 

Os crescidos conversam, aproveitam o sol que se esvai, a doçura da tarde, um outono que se deixa anoitecer cada vez mais cedo.

Desta vez os meninos arranjaram uma brincadeira nova. Meus queridos meninos, cada vez mais crescidos. Enquanto os adultos estavam no jardim do lado de trás da casa, eles montaram arraiais na parte da frente. 

Estranhando não sabermos o que andariam a tramar, fui por e apareci-lhes vinda de dentro de casa. Um deles gritou: 'Arroz de frango! Arroz de frango!' e logo todos se levantaram e me atacaram, uns com espadas de espuma, outros com outras armas. Uns gritavam: 'Segurança! Segurança!', outros simplesmente tentavam assustar-me. O bebé perfeitamente alinhado com os mais velhos. Aliás, nem é correcto ainda tratá-lo por bebé. Mas só aqui o faço. Ainda no outro dia me apareceu ao telefone identificando-se por nome próprio e apelido. Desatei a rir e disse-lhe: 'Senhor engenheiro!'. Do outro lado, uma gargalhada. Menino mais esperto. Mas, resumindo: fui escorraçada. Ainda consegui perguntar a um deles: 'Mas o que se passa aqui?'. Apressadamente, esclareceu-me: 'Temos um clube secreto'. Só depois de ter sido expulsa é que reparei que tinham levado para lá uma espreguiçadeira, um colchão de água de escorregar na relva e pareceu-me ver ainda outros objectos que não identifiquei.

Passado um bocado, intrigados, tentámos ir em volta mas logo se ouviu o grito 'Arroz de frango! Arroz de frango!' e logo uma brigada de cinco guerreiros armados com paus e espadas nos afastaram sob ameaças e gritos. Tinham posto uma corda a barrar o caminho e de tal forma vieram atiçados que recuámos.

Já antes tinha sido a hora do lanche. Este supermercado, já contei, tem pães de toda a espécie, uns com carnes, broa com chouriço, empadas. E pães de deus, croissants. E, se era para a desgraça, já que os sumos e os iogurtes eram light, até trouxemos pastéis de nata e bolinhos recheados com chocolate. Claro que também coloquei na mesa fruta, maçãs e uvas, mas, claro, não tiveram grande saída.

Gosto de os ver a olhar para a mesa e a gostarem de tudo, a quererem provar tudo, a pedirem um pouco de quase tudo.

E a minha nora trouxe acepipes que tinham sobrado do almoço, incluindo bolo de pêra feito por ela e arroz doce feito pela mãe, do melhor que há. Portanto, mesa com coisas para todos os gostos. Só me arrelia ter tanto apetite e tudo me engordar. A minha filha disse que eu gosto de tudo. Perguntou se há alguma coisa de que não goste. Não há. Gosto de tudo. Antes não gostava de vinho mas agora já gosto. A minha nora disse que o meu filho também é assim. Mas ele lembrou-se de cominhos. De facto, também não engraço muito com cominhos mas se for tempero subtil não faz mal. Acho que ele se lembrou de outra coisa relativamente à qual também concordei mas já não sei o que é. Basicamente, sou de boa boca. A minha filha não, há muitas coisas de que não gosta. Faz-me impressão pois fico sempre com a impressão de que é preconceito ou falta de disponibilidade para querer dar a oportunidade de apreciar e degustar. Mas cada um é como é. E em tudo há vantagens: ela é elegante e mantém o mesmo número de roupa de sempre e eu está bem, está.

Ou seja, estivemos na conversa em volta da mesa. Felizmente a mesa é grande e alonga-se e podemos espalhar-nos em sua volta. Antes que o tempo esfrie e que as chuvas venham e, também, antes que o alastrar da pandemia venha a impor maiores restrições, aproveito até à última gota de afecto cada instante na companhia daqueles que mais amo.

E vê-los juntos, bem dispostos, os meninos na brincadeira e nós rindo-nos com eles, enche-me de felicidade. 

No sábado estivemos com a minha mãe, não o grupo todo mas metade. Fomos passear, lanche no parque, todos também quase sempre de máscara. Os meninos queixam-se: andam de skate e trotinete, transpiram, têm calor e, portanto, sempre que podem e andam à larga, obviamente tiram a máscara. Mas quando se chegam perto dos avós ou da bisavó têm o cuidado de nos proteger, protegendo-se também. 

Tenho receio de que, com tantos meses sem abraçarem e beijarem os avós, acabem por se desabituar. O afecto requer cultivo atento e assíduo. Quando as manifestações de afecto se interrompem, parece que a espontaneidade se perde. Esta pandemia está a durar tempo demais e, pelo que se antevê, ainda teremos quase um ano disto pela frente. Tomara que seja menos, tomara que surja cura milagrosa que a torne uma brincadeira de crianças. Mas, enquanto isso, o tempo arrasta-se e a vida continua -- e os nossos hábitos vão forçosamente sofrendo alterações e, francamente, não sei se todas no melhor sentido. 

Mas, enfim, não dramatizemos que o tempo não está para frescuras.

_____________________________________________________________


As imagens mostram pinturas de Seurat que vêm ao som de I'm a fool to want you numa interpretação conjugada entre Angelina Jordan e Billie Holiday. 

E, se me permitem, partilho convosco um daqueles vídeos de que gosto muito: não percebo o que ali se passa mas, independentemente disso, prendem-me. Não precisamos de perceber tudo para gostar. Há ali uma paz que me inspira e que me convoca para uma maior comunhão com a natureza.



________________________

Uma boa semana. 
Uma boa segunda-feira. 
Saúde, sorte, ânimo.
A vida continua. Frágil e cheia de momentos de pura beleza e harmonia.

terça-feira, junho 30, 2020

Sobre o rival do blog
(do qual, obviamente, não poderei falar; pelo menos, por agora.)





O blog tem agora um rival de peso. Ando há algum tempo com outra encasquetada a que me dedico à noite, quando tenho tempo. A coisa veio fazendo o seu caminho e esta segunda-feira novo e decisivo passo foi dado. Estou agora em counting down até que a coisa se oficialize. E já comecei a fazer os meus planos para que, mal possa dar azo àquilo que tanto desejei, os possa de facto começar a concretizar. E é à noite que me entrego a isso. 

Chego à hora de ir para a cama e ainda ando de roda dos meus novos e intensos interesses. Vi as horas. Quase duas. E já coloquei um comprimido debaixo da língua. A noite passada a coisa surtiu um resultadão. Voltei ao meu registo habitual: caí na cama e foi de penalti até de manhã. Creio que hoje isso aconteceria na mesma, tal a sonolência que me invade. Mas não quero correr risco. Tomei de novo para ver se o meu organismo reaprende a descansar durante a noite.

Agora uma coisa vos digo: não há dúvida que um vendaval de mudança varreu a minha mente, o meu corpo, tudo. O que tem acontecido de há uns poucos meses a esta parte mal dá para acreditar. 

Durante o fim de semana e durante a segunda-feira, recebi mails, alguns tocantes, e telefonemas (alguns dos quais não consegui atender) muito simpáticos. Emoção da minha parte? Pouca. Parece que me falam de coisas que fazem parte de uma minha outra vida. Virei a página. 

Parece que tudo o que ainda se relaciona com a minha vida anterior é um empecilho para que a mudança seja ainda mais radical. Juro que não sei o que me deu. Felizmente não podemos ainda mudar totalmente os átomos de que somos feitos; senão provavelmente até isso eu faria e, aí, não sei se deixaria de ser eu -- e isso não. Quero ser quem sou mas viver e experimentar outra vida.

Mas, enfim, não vou agora falar mais do que não quero dizer.


Falo apenas daquilo de que me lembrei quando li Did you solve it? The broken vase.

Não tem nada a ver mas ocorreu-me. Eu vinha de carro com um colega quando lhe ligou a mulher. Como estava em alta voz, ouvi a conversa. Estava compungida pelo que foi com a voz cheia de drama que lhe comunicou que a empregada tinha quebrado um dos dois jarrões da entrada. Quase chorava. Ele, também abananado, tentava consolá-la. Uma meia hora de mútua consolação. Eu ouvia caladinha. Contou-me depois que se tratava de coisa enorme, enormemente valiosa, peças de antiquário. Dias depois, mostrou-me a fotografia da festa de anos e lá estava o jarrão agora desirmanado. Horrível. Toda a decoração do mais duvidoso. Ele todo orgulhoso, a sua querida esposa também orgulhosa e sentindo-se orfã sem um dos jarrões e eu, olhando aquilo, só pensava que, se fosse eu, tinha era partido os dois. 

Tudo tão subjectivo. Há pessoas que se enterram em vida em casas que mais parecem lúgubres mausoléus ou uma instalação de peças pirosas armadas ao pingarelho. Quando vejo tais ambientes só me interrogo sobre se podem ser mentalmente sãs ou felizes as pessoas que assim decidem viver. Mas, aparentemente, é gente normal que se orgulha daquilo. Fico, então, a pensar que ainda me falta viver mais cem anos (no mínimo) para aprender a decifrar a mente humana.


E agora tenho que interromper aqui: o little comprimido está a produzir efeito, estou a ficar anestesiada. Portanto, vou-me. E vou ver se sonho com andar à chuva a ver se me refresco que sofro à brava com a canícula.

----------------------------------------------------------------------------------------------

Vi estas fotografias de © Marco Glavian em: Marco Glaviano Icons - Photogallery

-----------------------------------------------------------------------

Portem-se mal. Saúde.

terça-feira, dezembro 17, 2019

A coisa está complicada. É tudo o que posso dizer.




Passa da meia noite e hoje não estou mesmo com cabeça para coisa alguma. O dia foi o que foi e pode parecer mentira mas é o que é.

Pior. Fui à Fnac antes de vir para casa. No caminho aconteceu uma coisa habitual: a minha filha ligou. Mas eu, ao volante sozinha e ao telefone, imediatamente fico em piloto automático. Estacionei e fui para a Fnac. Sempre ao telefone. Um dos temas foi, de novo, dizer que é de loucos, isto, que não percebe, que isto é falta de método, que não faz qualquer sentido. E eu, de novo, que não posso estar mais de acordo mas mal passa este calvário nem mais de tal me lembro. E ela que é sempre a mesma coisa. Só quando entrei na loja é que me despedi.


Várias pessoas à minha frente e um único empregado na secção de fotografia. Explicou que não era muito entendido, que os colegas é que são, só que estão em casa -- e, pelo ar compungido, percebi que estariam doentes. Não sabia dizer qual o valor unitário, não sabia o prazo de entrega. Aconselhou a fazer impressão imediata. Quando lhe disse que eram mais de mil, disse que era melhor, então, não, que iam ser horas, que eu não poderia sair do pé da máquina, que o tinteiro poderia acabar. E tantas me disse que acabei por ter que aceitar que por ali não ia ter sorte. Saí.

Cheia de fome, comprei uma empada de galinha e, logo ali, me fui a ela. Resolvi, então, ir tentar a sorte na Worten. Encomenda para imprimir e ir buscar não aceitavam, só mesmo impressão imediata. Quando falei no número de impressões reagiu como o da Fnac, que o melhor seria dividir em pequenos lotes de cem. Mas que ia durar muito tempo, mais valia ir de manhã e ficar na loja em hora de maior expediente porque tinha que estar alguém para ir trocando os tinteiros enquanto à noite são menos, não poderia estar atento a isso pois tinha que atender na loja. 


Desanimada, fui para o carro. Sabia por onde tinha entrado mas mais do que isso não. Quando estou ao telefone nunca presto atenção ao lugar onde deixo o carro. Um desatino. Fui ao piso menos um. Andei às voltas. Não tinha ideia de onde tinha deixado a porcaria do carro, apenas que era no verde e mais ou menos por ali. Accionei o comando das luzes a ver se algum carro dava sinal. Nada. Desci mais um piso. Voltei a andar às voltas. Só dava graças por ter comido a empada. 

Finalmente, um carro piscou.

Quando cheguei a casa, apreensiva, o meu marido disse: é o que te digo, tens que reduzir o número de fotografias, passar das quinhentas para cem. Vencida, respondi: tratas tu disso

A seguir ao jantar, tarde e más horas, viemos os dois para aqui. Não foi fácil. Ao mesmo tempo estava a dar o resumo do futebol. Portanto, volta e meia a atenção dispersava-se. Mas, vá lá, ao fim de muito tempo, percorrendo cada uma das mais de quinhentas fotografias lá fomos desbastando, deixando para trás tantas fotografias em que os meninos estão tão lindos, em que estão todos tão engraçados. No fim, porque já era tarde demais e ele madruga, foi para o quarto. Contei: são agora não cem mas cento e noventa e seis. Estive, depois, a ver quantas de cada. Uma canseira. No fim estava exaurida. Resultado: seiscentas e poucas.


Não sei como resolver agora isto. Não tenho tempo para ficar horas ao lado da máquina. Amanhã tentarei de novo a Fnac a ver se está lá alguém que saiba dizer-me se as entregam a tempo se lá fizer a encomenda. Está bonito, isto.

Eu tenho uma impressora que até dá para fotografias. Foi o meu filho que, um ano, ma ofereceu na sequência desta problemática natalícia. Só que é lenta, vocacionada para gente moderada, não para gente sem limites como eu.  Fazer uma ou duas dúzias é tranquilo. Centenas é impossível, teria que tirar dois dias de férias e comprar um set de tinteiros para ficar aqui de plantão.

E isto também para que percebam como, aqui chegada ao blog, a uma hora destas e depois de pincéis deste calibre, já não tenho inspiração ou energia. Não me apetece falar do Orçamento de Estado até porque ainda não o conheço, das aparentes divergências entre Costa e Centeno (repito: aparentes), das lutas intestinas no PSD, da indigência política que vai ser um Reino Unido tendencialmente desagregado e fora da União Europeia, da cegueira face aos malefícios do actual estilo de vida (em todo o lado) que não sei bem a que é que vão conduzir. Não me apetece porque, para falar destas coisas, uma pessoa tem que ter um mínimo de disponibilidade mental e, a esta hora, de todo, a tenho. Há um tema que anda a incomodar-me e desse, sim, sinto-me mal por não falar dele: o ataque cerrado a Maria Flor Pedroso e a sua demissão. Imagino o que tudo isto lhe deve custar. Há injustiças que se devem sentir na carne como lanças traiçoeiras. Só que, para aqui falar do assunto deveria documentar-me melhor e, francamente, com o trabalho durante o dia que não me dá tréguas e com esta empreitada maluca das fotografias, não consigo. E não quero correr o risco de ser injusta para a Sandra Felgueiras. Para já, tenho para mim que a Sandra não deve saber que quem com ferros mata, com ferros morre. Mas, enfim, não posso aprofundar.


É como com os comentários: provavelmente não consigo manter-me acordada até lá. Peço a vossa compreensão. Leio todos, acreditem, agradeço-os e lamento se vos desiludo por não vos responder. Pode ser que amanhã já tenha isto resolvido e tenha a cabeça mais fresca. De vez em quando, em especial quando estou enlatada no trânsito (e se esta segunda-feira ele esteve jeitoso, acidentes por todo o lado) ocorre-me falar disto ou daquilo, contar mais ou menos a conversa com aquele millennial que só pensa em ter férias e que voltou a tresmalhar-se em relação à namorada, os olhos a quererem lacrimejar, ou da outra pessoa que perdeu um familiar próximo e a cujo velório fui no outro dia à noite e que, de uma forma triste e contida, esteve a falar comigo e eu a tentar encontrar as palavras certas e ele a tentar aguentar-se. Mas, depois, chego aqui e não consigo. Há temas que precisam de silêncio em volta. Outros que precisam do oposto. Mas todos precisam de entrega -- e eu agora só se me entregar ao Morfeu.


 As fotografias foram feitas in heaven e, como é bom ver, levaram um banho de cor. 

E, com isto, me despeço.

Uma boa terça-feira a todos. Be happy.