Em 1898 em Varsóvia, Polónia, no seio de uma família importante e próspera, nascia Maria Górska.
O pai era advogado, a mãe uma mulher de sociedade. Maria Górska tinha dois irmãos e a vida que fazia, em jovem, era a dos jovens abastados. Estudava na Suíça, passava férias em Itália e na Riviera Francesa. Quando os pais se divorciaram foi viver com uma tia rica na Rússia e quando a mãe voltou a casar-se, Maria decidiu ser independente. Quando tinha 15 anos deitou o olho ao que viria a ser o seu marido, Tadeusz Lempicki. Três anos mais tarde, estavam casados. Tadeusz era o chamado estroina e um mulherengo. Para além do mais, estava encantado com o dote da noiva.
Em 1917, durante a revolução russa, Tadeusz foi preso pelos bolchevistas. Maria procurou-o durante semanas e, com ajudas diplomáticas, conseguiu a sua libertação. Dali saíram para a Dinamarca, depois para Inglaterra e finalmente chegaram a Paris.
S'il vous plaît
Can Can
Adopta, então, o nome Tamara de Lempicka.
Aí venderam jóias da família já que Tadeusz não quis ou não conseguiu arranjar trabalho. A irmã dela, arquitecta, desenhou o apartamento em que o casal viria a viver, decorado ao estico Art Deco.
Entretanto nasceu Kizette, a filha do casal.
Foi por essa altura que Tamara começou a pintar e a impor o seu estilo elegante e sensual. Pintava rapidamente e também muito rapidamente adquiriu enorme fama entre a aristocracia, a alta burguesia e a gente de sociedade. Dado que pertencia ao meio, tinha acesso fácil aos salões de pintura e as suas exposições eram sucesso, vendendo as obras por valores bastante elevados.
Foi por essa altura que foi apresentada a um homem das letras com fama de bom amante, Gabriele d’Annunzio.
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Gabriele d'Annunzio |
O relacionamento entre os dois foi, dizem, quase burlesco e sobre ele, Tamara confidenciou: 'Eu era uma bela rapariga que tinha pela frente aquele velho anão metido num uniforme'. Ele queria mais uma amante e acabou apaixonado por ela. Ela queria um retrato do velho mulherengo, sabia que isso lhe traria fama mas acabou também admirada pelo seu talento. Entre ambos travou-se uma guerra, cada um queria dobrar o outro (a ver se um dia aqui conto a história deste 'velho bode'). O que parece é que nunca chegaram a consumar os actos (nem o sexual, nem o retrato).
Mas não era o primeiro amante 'público'. O marido 'sabia que ela só pintava retratos dos amantes, como o do marquês de Sommi Picenardi com quem viajara para Turim'.
'No primeiro dia fomos à ópera. No dia seguinte fomos para a cama. Da primeira vez ficámos três dias sem sair da cama', contou ela com sinceridade desarmante.
Tinha 27 anos quando pintou o conhecidíssimo auto-retrato, Tamara no Bugatti Verde.
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Autorretrato (Tamara no Bugatti verde), 1929 |
Assim se via Tamara: bela, fria, livre. De facto não possuía nenhum Bugatti verde, mas sim um Renault amarelo mas, coquette, sedutora, dizia que a toilette que vestia tinha que condizer com o carro que usava e vice-versa.
Aos 29 anos ganhou pela primeira vez um prémio.
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Kizette na varanda, 1927 |
Com o retrato Kizette na Varanda, Tamara ganhou o 1º prémio na Exposition Internationale de Beaux Arts.
Durante esses loucos anos 20, Tamara passou a integrar a vida boémia de Paris. Conheceu André Gide, Jean Cocteau e, claro, Pablo Picasso. Tamara era sensual e provocante, era la belle polonaise, a 'beldade de olhos de aço'. Os seus romances davam brado e tinha-os quer com homens, quer com mulheres. As suas pinturas eram como ela: eram ambíguas, sugestivas, provocavam, excitavam e ela fazia-o de propósito.
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Primavera, 1930 |
Algumas críticas rodeavam a sua obra, que era excessivamente influenciada por Ingres. Mas, se influência havia, outras influências como o cubismo, estavam patentes. E algumas mulheres eram tão reais que se dizia recearem que abrissem a boca... Diziam que a sua pintura era uma mistura inteligente de pós-cubismo, neoclassicismo, uma pitada de Ingres e devaneios eróticos em doses qb - o que veio a revelar-se uma receita de sucesso. Alimentava o estilo pecaminoso o que despertava grande interesse numa burguesia abastada com um certo gostinho pelas perversidades.
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A camisa de noite cor-de-rosa, 1927 |
A partir do corte com d' Annunzio começou uma verdadeira caça às mulheres, caçava-as na rua, pedia-lhes para posarem para ela. Nuas. A atracção que desenvolveu por elas ficou conhecida. Começou também a conviver de perto com mulheres bissexuais e lésbicas, tais como Violet Trefusi e Vita Sackville-West (elas próprias amantes entre si) e com Colette.
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Retrato de Suzy Solidor, 1933 |
Tamara teve inúmeros casos, incluindo um affaire com uma cantora nocturna, Susy Solidor (que obviamente também pintou e que deu origem a um quadro de grande beleza e inocência maliciosa).
Tadeusz, farto da vida boémia da mulher, separou-se, tinha ela, então, 29 anos. Divorciaram-se dois anos mais tarde.
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Retrato de um homem (incompleto), (Retrato de Tdaeusz Lempicki), 1928 |
De propósito deixou por acabar uma das mãos do retrato (a que supostamente teria a aliança) que tinha andado a fazer dele e, de propósito, deu ao quadro o nome de Retrato de um homem (incompleto). Por essas alturas, tratava-o por ruína, beberrão, imbecil.
Totalmente absorvida pela vida de boémia e de criação artística, Tamara também pouquíssima atenção dedicava à filha. No entanto, imortalizou-a em numerosas pinturas.
Tamara era ambiciosa, uma predadora, só se relacionava com gente rica, poderosa.
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Tamara de Lempicka, 1929 |
Ganhava muito dinheiro, gastava-o em jóias e vestidos luxuosos, queria tudo do bom e do melhor Saía de noite e regressava tardíssimo (e muitas vezes, vindo excitada, eufórica, ficava a pintar até de madrugada depois de acordar a filha para lhe contar o que tinha andado a fazer). Mas era, reconheça-se, uma trabalhadora incansável: pintava, pintava, pintava e as suas pinturas, realizadas com aparente facilidade, revelavam uma perfeição espantosa. Era uma pintura 'limpa'.
Aos 30 anos o Barão Raoul Kuffner encomendou-lhe o retrato da amante. Tamara pintou-o da forma mais desfavorecida que se possa imaginar e, de seguida, passou a perna à amante e ocupou o seu lugar junto do Barão.
Em 1929, os anos da grande Depressão, Tamara esteve nos EUA para pintar um retrato e para organizar uma exposição.
Os museus começavam a adquirir os seus trabalhos.
Quatro anos mais tarde conheceu Georgia O’Keeffe, Williem de Kooning, introduzindo-se, pois, no meio artístico dos pintores americanos de quem se falava na altura.
Tinha 36 anos quando se casou com o amante, o Barão (que tinha enviuvado um ano antes), começando, então, uma vida menos boémia. Passou então a ser Baronesa, título que a envaidecia e consolidava a sua ambição aristocrata.
Quando deflagrou a Segunda Guerra, seguindo a sua intuição e embora contando com algum receio e resistência por parte do Barão, venderam propriedades, puseram o dinheiro a salvo e mudaram-se paras Estados Unidos. Em boa hora o fizeram.
Play, if you please
Rita Hayworth
Passado pouco tempo, Tamara já se tinha tornado a pintora preferida das estrelas de Hollywood. Por essa altura ocultava parte do seu passado, havendo algum mistério à sua volta. A pose que adoptava contribuía para que associassem a sua imagem à de Greta Garbo.
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Rapariga a tocar viola, 1963 |
Anos mais tarde, resolveu mudar um pouco de estilo, pintou motivos religiosos, gente pobre, aligeirou o traço. Contudo isso não foi bem aceite. Tamara habituada a reinar incondicional não aceitou a crítica e resolveu não voltar a expor.
De facto, o glamour permanente da sua vida tinha talvez secado o glamour sempre presente na sua pintura. Tamara tinha perdido a malícia, tinha deixado de ser capaz de provocar. Era vista como uma baronesa algo excêntrica que sabia pintar, uma estrela vagamente decadente. Isso foi muito duro para ela. Ficou amarga, difícil de aturar.
Em 1961, tinha então Tamara 63 anos, o Barão morreu. Tamara vendeu quase tudo o que tinha e fez 3 viagens à volta do mundo, em navio.
No fim, mudou-se para o Texas para estar com Kizette que viria a tornar-se a secretária, agente e gestora da mãe. Kizette sofria com o feitio prepotente e arrogante da mãe.
Em 1978 Tamara mudou-se para o México. Quando algum tempo depois ficou viúva, Kizette mudou-se para junto da mãe.
Tamara morreu em 1980 enquanto dormia. A seu pedido a filha transportou as suas cinzas num helicóptero de aluguer e espalhou-as sobre a cratera do vulcão mexicano Popocatépetl.
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Os apontamentos que acima escrevi, necessariamente breves face ao espaço natural de escrita num blogue, deixam de fora numerosos aspectos interessantes da vida de Tamara de Lempicki. Para os escrever socorri-me essencialmente da Wikipedia e do livro 'De Lempicka' de Gilles Néret.
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E tenham, meus Caros, um belo sábado.
Cherchez la beauté. Enjoyez!