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quarta-feira, novembro 14, 2012

De novo aqui, no Um Jeito Manso, Tamara de Lempicka, uma pintora nascida polaca com uma expressão de virgem depravada, com um rosto deslumbrante no seu descaramento total (a palavra a Gina Picart que sobre ela escreveu em 'O príncipe dos Lírios')


No verão de 1924 conheci em Nice Tamara de Lempicka, uma pintora polaca na moda entre a aristocracia de Paris. 



Tamara Lempicka (1890 - 1980)


Eu tinha chegado de Cuba há uma semana e naquela manhã tomava um aperitivo com Colette num café da costa, debaixo de um desses toldos às riscas que protegem os turistas do sol mediterrânico.



Colette (1873 - 1954)


Enquanto bebíamos, coscuvilhávamos e entretínhamo-nos a observar as pequenas figuras dos veraneantes que se deslocavam languidamente pelo Passeio dos Ingleses. Reconhecemos Cocteau e Radiguet pelos seus andares de bailarina e as condessas de Polignac e Noailles pelos seus chapéus ridículos. 

(...)

Uma mulher aproximou-se da nossa mesa. Chamavam a atenção a sua face nórdica de maçãs-do-rosto altas e os seus olhos cor de jacinto, com uma expressão de virgem depravada. Um rosto deslumbrante no seu descaramento total e, no entanto, ameaçado por esse peculiar matiz de lonjura que se adivinha precocemente naquelas pessoas a quem o futuro reserva a demência. Vestia calças e casaca pretas, camisa branca e um leve cachecol de seda sem nó sobre a lapela. Parecia-se a George Sand e supus que, tal como outras mulheres a quem Colette já me tinha apresentado, esta também teria sido sua amante. Beijou Colette nos lábios com naturalidade e de seguida sentou-se entre nós. Cruzou as pernas e com um gesto graciosamente masculino fez sinal ao empregado.

(...)

Contemplei-a dissimuladamente, fascinada pelo seu ar soberbo e impúdico ao mesmo tempo. Uma rajada de vento agitou o seu cabelo de um loiro muito pálido, com esse tom acinzentado que Dante atribui às asas dos anjos. Ela susteve o meu olhar com aprumo, e percebi, escondida no fundo das suas pupilas, essa espécie de preia-mar sub-reptícia que flui quase sempre de todos os que desfrutam de mais de um sexo.


*

Este é o início do conto 'O príncipe dos lírios', pertencente ao livro 'Óleo sobre Tela' da autoria de Gina Picart, escritora cubana de 56 anos, formada em arte, filologia e jornalismo. 



Gina Picart, aqui sem óculos


Este conto recebeu a Menção Honrosa do Prémio Ibero-Americano de Conto Júlio Cortázar. 

Talvez volte a ele  pois tem que se lhe diga. Além do mais, como deverão estar lembrados (os que me lêem e têm memória de elefante), Tamara de Lempicka é outra das pintoras cuja vida dava um filme.


Este não é o meu único post do dia. Há pouco já escrevi um desabafo que pressupõe que visualizem alguma mímica da minha parte (ou deverei dizer expressão gestual?). Por isso, aqui a seguir, um pouco mais abaixo, lá o encontrarão. 


*

E, como habitualmente, ainda quero convidar-vos a deixarem-se ir na minha conversa, vindo comigo até ao meu Ginjal. Hoje o tema é a fina haste da melancolia, tal como a ela se referiu Eugénio de Andrade. Para espantar melancolias, temos uma animada música de Rameau.

*

E, por hoje, já chega. Tenham, meus caros Leitores, uma bela quarta feira!

sábado, junho 09, 2012

A venturosa vida de Tamara de Lempicka, la belle polonaise, a mulher das mãos de ouro, a Baronesa de Kuffner também conhecida por Baronesa dos Pincéis



Em 1898 em Varsóvia, Polónia, no seio de uma família importante e próspera, nascia Maria Górska.

O pai era advogado, a mãe uma mulher de sociedade. Maria Górska tinha dois irmãos e a vida que fazia, em jovem, era a dos jovens abastados. Estudava na Suíça, passava férias em Itália e na Riviera Francesa. Quando os pais se divorciaram foi viver com uma tia rica na Rússia e quando a mãe voltou a casar-se, Maria decidiu ser independente.  Quando tinha 15 anos deitou o olho ao que viria a ser o seu marido, Tadeusz Lempicki. Três anos mais tarde, estavam casados. Tadeusz era o chamado estroina e um mulherengo. Para além do mais, estava encantado com o dote da noiva.

Em 1917, durante a revolução russa, Tadeusz foi preso pelos bolchevistas. Maria procurou-o durante semanas e, com ajudas diplomáticas, conseguiu a sua libertação. Dali saíram para a Dinamarca, depois para Inglaterra e finalmente chegaram a Paris.


S'il vous plaît


Can Can



Adopta, então, o nome Tamara de Lempicka.

Aí venderam jóias da família já que Tadeusz não quis ou não conseguiu arranjar trabalho. A irmã dela, arquitecta, desenhou o apartamento em que o casal viria a viver, decorado ao estico Art Deco.

Entretanto nasceu Kizette, a filha do casal.

Foi por essa altura que Tamara começou a pintar e a impor o seu estilo elegante e sensual. Pintava rapidamente e também muito rapidamente adquiriu enorme fama entre a aristocracia, a alta burguesia e a gente de sociedade. Dado que pertencia ao meio, tinha acesso fácil aos salões de pintura e as suas exposições eram sucesso, vendendo as obras por valores bastante elevados.

Foi por essa altura que foi apresentada a um homem das letras com fama de bom amante, Gabriele d’Annunzio.



Gabriele d'Annunzio


O relacionamento entre os dois foi, dizem, quase burlesco e sobre ele, Tamara confidenciou: 'Eu era uma bela rapariga que tinha pela frente aquele velho anão metido num uniforme'. Ele queria mais uma amante e acabou apaixonado por ela. Ela queria um retrato do velho mulherengo, sabia que isso lhe traria fama mas acabou também admirada pelo seu talento. Entre ambos travou-se uma guerra, cada um queria dobrar o outro (a ver se um dia aqui conto a história deste 'velho bode'). O que parece é que nunca chegaram a consumar os actos (nem o sexual, nem o retrato).

Mas não era o primeiro amante 'público'. O marido 'sabia que ela só pintava retratos dos amantes, como o do marquês de Sommi Picenardi com quem viajara para Turim'.

'No primeiro dia fomos à ópera. No dia seguinte fomos para a cama. Da primeira vez ficámos três dias sem sair da cama', contou ela com sinceridade desarmante.

 Tinha 27 anos quando pintou o conhecidíssimo auto-retrato, Tamara no Bugatti Verde.



Autorretrato (Tamara no Bugatti verde), 1929


Assim se via Tamara: bela, fria, livre. De facto não possuía nenhum Bugatti verde, mas sim um Renault amarelo mas, coquette, sedutora, dizia que a toilette que vestia tinha que condizer com o carro que usava e vice-versa.

Aos 29 anos ganhou pela primeira vez um prémio.



Kizette na varanda, 1927


Com o retrato Kizette na Varanda, Tamara ganhou o 1º prémio na Exposition Internationale de Beaux Arts.

Durante esses loucos anos 20, Tamara passou a integrar a vida boémia de Paris. Conheceu André Gide, Jean Cocteau e, claro, Pablo Picasso. Tamara era sensual e provocante, era la belle polonaise, a 'beldade de olhos de aço'. Os seus romances davam brado e tinha-os quer com homens, quer com mulheres. As suas pinturas eram como ela: eram ambíguas, sugestivas, provocavam, excitavam e ela fazia-o de propósito. 



Primavera, 1930


Algumas críticas rodeavam a sua obra, que era excessivamente influenciada por Ingres. Mas, se influência havia, outras influências como o cubismo, estavam patentes. E algumas mulheres eram tão reais que se dizia recearem que abrissem a boca... Diziam que a sua pintura era uma mistura inteligente de pós-cubismo, neoclassicismo, uma pitada de Ingres e devaneios eróticos em doses qb - o que veio a revelar-se uma receita de sucesso. Alimentava o estilo pecaminoso o que despertava grande interesse numa burguesia abastada com um certo gostinho pelas perversidades.



A camisa de noite cor-de-rosa, 1927


A partir do corte com d' Annunzio começou uma verdadeira caça às mulheres, caçava-as na rua, pedia-lhes para posarem para ela. Nuas. A atracção que desenvolveu por elas ficou conhecida. Começou também a conviver de perto com mulheres bissexuais e lésbicas, tais como Violet Trefusi e Vita Sackville-West (elas próprias amantes entre si) e com Colette. 



Retrato de Suzy Solidor, 1933


Tamara teve inúmeros casos, incluindo um affaire com uma cantora nocturna, Susy Solidor (que obviamente também pintou e que deu origem a um quadro de grande beleza e inocência maliciosa).

Tadeusz, farto da vida boémia da mulher, separou-se, tinha ela, então, 29 anos. Divorciaram-se dois anos mais tarde.



Retrato de um homem (incompleto), (Retrato de Tdaeusz Lempicki), 1928


De propósito deixou por acabar uma das mãos do retrato (a que supostamente teria a aliança) que tinha andado a fazer dele e, de propósito, deu ao quadro o nome de Retrato de um homem (incompleto). Por essas alturas, tratava-o por ruína, beberrão, imbecil.

Totalmente absorvida pela vida de boémia e de criação artística, Tamara também pouquíssima atenção dedicava à filha. No entanto, imortalizou-a em numerosas pinturas.

Tamara era ambiciosa, uma predadora, só se relacionava com gente rica, poderosa. 



Tamara de Lempicka, 1929


Ganhava muito dinheiro, gastava-o em jóias e vestidos luxuosos, queria tudo do bom e do melhor Saía de noite e regressava tardíssimo (e muitas vezes, vindo excitada, eufórica, ficava a pintar até de madrugada depois de acordar a filha para lhe contar o que tinha andado a fazer). Mas era, reconheça-se, uma trabalhadora incansável: pintava, pintava, pintava e as suas pinturas, realizadas com aparente facilidade, revelavam uma perfeição espantosa. Era uma pintura 'limpa'.

Aos 30 anos o Barão Raoul Kuffner encomendou-lhe o retrato da amante. Tamara pintou-o da forma mais desfavorecida que se possa imaginar e, de seguida, passou a perna à amante e ocupou o seu lugar junto do Barão.

Em 1929, os anos da grande Depressão, Tamara esteve nos EUA para pintar um retrato e para organizar uma exposição.

Os museus começavam a adquirir os seus trabalhos.

Quatro anos mais tarde conheceu Georgia O’Keeffe, Williem de Kooning, introduzindo-se, pois, no meio artístico dos pintores americanos de quem se falava na altura.

Tinha 36 anos quando se casou com o amante, o Barão (que tinha enviuvado um ano antes), começando, então, uma vida menos boémia. Passou então a ser Baronesa, título que a envaidecia e consolidava a sua ambição aristocrata.

Quando deflagrou a Segunda Guerra, seguindo a sua intuição e embora contando com algum receio e resistência por parte do Barão, venderam propriedades, puseram o dinheiro a salvo e mudaram-se paras Estados Unidos. Em boa hora o fizeram.


Play, if you please
Rita Hayworth



Passado pouco tempo, Tamara já se tinha tornado a pintora preferida das estrelas de Hollywood. Por essa altura ocultava parte do seu passado, havendo algum mistério à sua volta. A pose que adoptava contribuía para que associassem a sua imagem à de Greta Garbo.



Rapariga a tocar viola, 1963


Anos mais tarde, resolveu mudar um pouco de estilo, pintou motivos religiosos, gente pobre, aligeirou o traço. Contudo isso não foi bem aceite. Tamara habituada a reinar incondicional não aceitou a crítica e resolveu não voltar a expor.

De facto, o glamour permanente da sua vida tinha talvez secado o glamour sempre presente na sua pintura. Tamara tinha perdido a malícia, tinha deixado de ser capaz de provocar. Era vista como uma baronesa algo excêntrica que sabia pintar, uma estrela vagamente decadente. Isso foi muito duro para ela. Ficou amarga, difícil de aturar.

Em 1961, tinha então Tamara 63 anos, o Barão morreu. Tamara vendeu quase tudo o que tinha e fez 3 viagens à volta do mundo, em navio.

No fim, mudou-se para o Texas para estar com Kizette que viria a tornar-se a secretária, agente e gestora da mãe.  Kizette sofria com o feitio prepotente e arrogante da mãe.

Em 1978 Tamara mudou-se para o México. Quando algum tempo depois ficou viúva, Kizette mudou-se para junto da mãe.

Tamara morreu em 1980 enquanto dormia. A seu pedido a filha transportou as suas cinzas num helicóptero de aluguer e espalhou-as sobre a cratera do vulcão mexicano Popocatépetl.


***

Os apontamentos que acima escrevi, necessariamente breves face ao espaço natural de escrita num blogue, deixam de fora numerosos aspectos interessantes da vida de Tamara de Lempicki. Para os escrever socorri-me essencialmente da Wikipedia e do livro 'De Lempicka' de Gilles Néret.

***

E tenham, meus Caros, um belo sábado. 
Cherchez la beauté. Enjoyez!

sexta-feira, junho 08, 2012

Retrato de um casamento (aberto), a história de Vita Sackville-West e Harold Nicolson: apenas um amuse-bouche para posts que escreverei mais tarde sobre os próprios e, também, sobre Tamara de Lempicka


Escrevi há pouco sobre as misérias nacionais, sobre a indigência que grassa no país - sendo que a maior das quais é a governativa - e sobre outros temas igualmente deprimentes. Por isso, quem estiver afim de ler sobre o que acho da redução de salários, flexibilização da legislação laboral, medidas de austeridade e outros ingredientes da receita relvo-passista (e não estiver para imagens ou bailaricos de natureza suspeita) pode passar directamente para o post seguinte.



Women at the Bath - Tamara de Lempicka



É a história de duas pessoas que se casaram por amor e cujo amor se intensificou a cada ano que passava, ainda que fossem infiéis um ao outro constantemente e por mútuo consentimento.

Ambos amaram pessoas do seu próprio sexo, mas não exclusivamente, e o seu casamento não só sobreviveu à infidelidade, à incompatibilidade sexual e a longas ausências, como se tornou mais forte e melhor em resultado disso. Conseguiram dar um ao outro liberdade total, sem perguntas ou censuras. O casamento teve êxito porque só na companhia um do outro encontravam uma felicidade permanente e completa, e, se for visto como um porto de abrigo, os outros casos de amor eram meros portos de escala. Era para esse porto de abrigo que ambos voltavam, era aí que ambos tinham a sua base.


[Nigel Nicolson, falando do casamento dos seus pais, Vita Sackville-West e Harold Nicolson, na introdução do livro 'Retrato de um Casamento' - tema a que voltarei oportunamente]



Vita (1892 - 1962) e Harold (1886 - 1968) na sua casa em Sissinghurst, Kent, em 1960


Lembrei-me de referir este trecho, por me lembrar que Vita foi uma das amigas de Tamara de Lempicka (1898-1980), pintora de que, se puder, vos falarei amanhã ou um outro destes dias e que, em termos de estilo de vida, teve alguns pontos de similitude com Vita Sackville-West.

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E, a propósito ou talvez não, convido-vos agora a ver mais um bailado pelo Grupo Corpo, Onqotô, este um pouco diferente dos outros que aqui tenho partilhado convosco. A coreografia é de Rodrigo Pederneiras sobre música de Caetano Veloso e José Miguel Wisnik. Belíssimo.



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Bom, mas já sabem, no post seguinte, escrito há pouco, há conversa sobre a actualidade portuguesa e aí a coisa fia mais fino. Caso queiram testemunhar as fúrias que, de vez em quando, se apoderam de mim, desçam, portanto, um pouco mais.

Já agora e como de costume, gostaria muito que me visitassem também na minha outra casa, o Ginjal e Lisboa, a love affair. Hoje as minhas palavras voam levantadas por um ventinho que sopra de leste e que nasce da poesia de Daniel Filipe. A música é uma maravilha, vozes divinas ao serviço de Mozart em Cose Fan Tutte.

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E tenham, Caríssimos Leitores, uma bela sexta feira!