Dizer o quê? Que dos nomes da gramática retive o sujeito, o predicado e o complemento directo? Bem, o indirecto também. Já a voz activa e a passiva não sei se é coisa que encaixe na gramática ou se é outro ramo da matéria. Dividir em orações já nem me lembro do propósito. Lembro, sim, a charada das orações nos Lusíadas. Coisa para ser levada a sério tem que ter lógica, alguma matemática. Agora coisa que mais parece entretém de dondoca desocupada e que não dá para traduzir em teorema que se perceba, não pega.
Escrever eu escrevia. Chegava à hora da redacção e eu via meia turma de cabeça no ar sem saber como pegar no título para com ele insuflar a página e já eu por ali fora, cheia de ideias, histórias a atropelarem-se para caberem todas na folha. Ler também. Muita leitura. Agora chegada à hora da gramática era uma contrariação. Sem o saber já era avessa a burocracia e aquilo era regrinha frouxa uma a seguir à outra. A minha mãe queria que eu prestasse atenção, não rejeitasse, tentasse dar importância. Qual quê.
Depois, quando os meninos foram para a escola e eu espreitava a matéria já aquilo tinha tudo mudado de nome. Os casos notáveis ou a forma de dar a volta às equações ainda estava tudo na mesma mas a gramática estava travestida, talvez para ver se tinha mais graça. Mas não. Inútil na mesma.
Agora, se calha ouvir os meninos dos meninos a falarem do assunto, é ainda pior: é língua estrangeira. Não se percebe nada mas, ao que me parece, permanece a inutilidade, a burocracia, um banho de desengraçamento em cima da beleza das palavras.
Dir-me-ão: é preciso ser muita bruta para escrever tamanha alarvidade. E estarão certos. Sou bruta mesmo. Primitiva. Podia viver nua nas cavernas, descer até ao rio e apanhar peixe à mão, subir às árvores para apanhar frutos e bagas, deitar-me na terra a ouvir o som dos bichos e ver os desenhos das nuvens. Ou podia viver num mosteiro, descalça, em silêncio, e, à hora da reza, à socapa, fugir para os claustros do mosteiro vizinho para ouvir os cânticos dos monges gregorianos e viris.
Para quê a agramática? Para quê comezinhar a beleza singela da escrita, arranjar-lhe significados e subentendidos, minimizando-a? Não me entra. Atribuir segundas intenções ao texto, inventar-lhe sub-textos, espreitar as intimidades das palavras parece-me feio, falta de decoro, é não saber respeitar o pudor da frase. Não, comigo não, violão, não contem comigo para nada disso.
E isto já para não falar do latim ou do grego. Grego nem nunca tentei. Latim aflorei mas não era a minha praia. Para mim, língua morta já era. Pode ser que seja a raiz e que conhecer a raiz, ou, sei lá, a semente ou a linhagem, seja importante. Não digo que não. Digo só que vivo bem sem isso. Podiam as palavras ser de geração espontânea, podia ser como se a fada do dentinho ainda por aqui pairasse e todos os dias me deixasse, debaixo da almofada, um papelinho com palavrinhas novas. Por mim, estava bem. E o grego, aquilo de estar tudo nos gregos, de ser essencial conhecer as tragédias gregas -- filho que mata a mãe, gentinha que esvazia os olhos, pai que se perde no mar mas que afinal se encontra, mulher que fica à espera feita freirinha bordadeira, órfãos incestuosos que se desgraçam a cada passo que dão (e se non è vero que estes são gregos, è ben trovato e honi soit qui mal y pense), ou ninfas, monstros ou bicharada aluada -- que é que isso acrescenta à minha felicidade? Nada.
Se fosse dada a cenas dessas, via as telenovelas portuguesas do horário nobre. E não quero saber que estejam de boca aberta perante tamanha ofensa à cultura matricial, à génese da civilização. Não quero mesmo saber.
Tudo o que seja obrigatório me incomoda. Não gosto de ortodoxias. Latim e grego são fundamentais? Passo.
Fundamental para mim é outra coisa: é não ter que ler documentos escritos por doutores que escrevem 'poder-mos' ou 'á um mês atráz' ou não ter que ouvir outros eloquentíssimos seres a dizer em que nunca foram fortes a matemática para se desculparem por não saberem quanto é dez por cento de quinhentos.
Portanto, é isto.
Se fosse dada a cenas dessas, via as telenovelas portuguesas do horário nobre. E não quero saber que estejam de boca aberta perante tamanha ofensa à cultura matricial, à génese da civilização. Não quero mesmo saber.
Tudo o que seja obrigatório me incomoda. Não gosto de ortodoxias. Latim e grego são fundamentais? Passo.
Fundamental para mim é outra coisa: é não ter que ler documentos escritos por doutores que escrevem 'poder-mos' ou 'á um mês atráz' ou não ter que ouvir outros eloquentíssimos seres a dizer em que nunca foram fortes a matemática para se desculparem por não saberem quanto é dez por cento de quinhentos.
Portanto, é isto.
E também não sei porque é que estou com todo este converseio. Se quero ser casca bruta pois que o seja em privado, que não o alardeie em público. Mas é aquilo de a ignorância ser muito afoita. Perco a prudência e mostro ao que venho. Azarinho.
Tirando isso, com vossa licença, uma 'Nota à Introdução'
Pinar só co'a cabeça
É protérrima noção
Ca Literatura começa
Ter em muita aceitação.
Entrada a tola entra tudo: taco
tórax e veio.
Se não couber no buraco
Racha-se o buraco ao meio.
-- Nem rachar será preciso:
Só rasgar um bocadinho.
Como na árvore, inciso,
O nome do passarinho.
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O poema é de Mário Cesariny in 'O Virgem Negra', as pinturas de Júlio Pomar e o Cry Baby é cantado com as vísceras de Janis Joplin
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E queiram aceitar o meu convite e apareçam no meu Ginjal para testemunharem que não é Nem no cântico dos seios nem no soluço das pernas, coisa que proveio de David Mourão-Ferreira ao som da Carmen.
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