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domingo, maio 07, 2017

Nutricionismo, fisiatria, fisioterapia
- por exemplo





Bem queria cá ter vindo mais cedo mas isto não é fácil. As voltas que eu já dei hoje. Até o IRS dos meus pais já está despachado. As compras de supermercado também (mas à tangente: entrámos estava aquilo a minutos de fechar). E íamos para pintar lá umas coisas no campo mas, afinal, não deu. Fomos mas, o que era para estar pronto, não estava. O senhor ainda lá estava a telhar o telheiro que está a ser arranjado. Parece que choveu quase todos os dias, não conseguiu trabalhar. Não sei.

No meio de tudo, enquanto no carro e durante mais um bocado, ainda me encantei com a Virginia Woolf. Depois fiquei a pensar em qualquer será o factor que torna alguém um escritor de qualidade. Não tem a ver com a imaginação pois pode, apenas, escrever sobre memórias e, ainda assim, apesar de descrever vidas mais ou menos rotineiras ou acontecimentos relativamente banais, prender a atenção do leitor ou dar-lhe vontade de reler algumas passagens para contemplar melhor como se atingiu o reforço do sentido (do que o autor quis dizer) através do enleio de algumas palavras, conjugadas de forma especialmente bela. O livro é 'Momentos de Vida' que, no original, é Moments of Being. O livro, além do mais, tem uma bela capa e sobrecapa, uma boa paginação, fotografias, e, estou em crer, uma cuidada tradução pois o que se lê soa bem e a nota inicial da tradutora, Eugénia Antunes, revela uma sensibilidade e uma preocupação que me agradaram.

Mas o tema deste post não tem nada a ver com esta introdução. A bem dizer, o post começa agora.


A cena é que cada vez mais acho que vivemos assentes em ortodoxias que não ajudam nada à nossa qualidade de vida. Impantes do nosso saber, viramos a cara ao que desconhecemos como se, ao não vermos, tivessemos a comprovação da não existência.

Quando se perde campo visual -- e sei disto porque o meu pai, com o AVC, perdeu metade -- ignora-se o que se passa na parte que a visão não reconhece. É como se metade do que temos pela frente estivesse também nas nossas costas. 

Assim somos com grande parte do que existe -- e ignoramos.
Que parte dos alimentos que alegremente consumimos são prejudiciais à nossa específica condição -- desconhecemos. Que esticar o braço, a ver se aquilo dá um estalo que vai aliviar a dor no ombro, só agrava o problema -- desconhecemos.
E estou apenas a dar alguns exemplos. 
Há profissões que apenas recentemente começaram a sair da sombra apesar de, quando exercidas com profissionalismo, trazerem a quem delas beneficia significativas melhorias na sua qualidade de vida.

Fisiatria e fisioterapia são duas delas.
O tempo que perdi e as chatices que tive enquanto não dei com uma fisiatra que soube interpretar a minha lesão e me tratou como deve ser, ou o que eu aprendi e como melhorei com a fisioterapia. Estou em crer que se frequentássemos, de quando em vez, a fisoterapia, sob recomendação de um fisiatra, quantos comprimidos e dores não evitaríamos.
Outra é a de nutricionista. Já há um par de anos tinha ido a uma nutricionista. Fui uma única vez, fiquei bem melhor, até a nível estético. De número 42 passei a 40 e a 38, e toda eu me sentia levezinha, o peso de antes.

Mas perdi a disciplina e, além do mais, tenho gostos que não ajudam muito. Voltei ao 42. Não se pode dizer que esteja gorda, acho que nem pouco mais ou menos (mas isto sou eu a dizer...), mas vejo que não 'estou na linha' como queria. Adoro fruta e iogurtes e flocos de aveia e frutos secos. Um dia, para mim, começa bem com uma banana, uma laranja, um kiwi, um iogurte (e dos magros, com frutos e cereias, activia). Se puder, ao almoço, acompanhar a refeição com um copo de sumo de fruta natural, tanto melhor. 

Ora, tudo isso tem açúcar que não acaba. Não uso açúcar de pacote há anos mas consumo açúcar natural na fruta ou o que vem no muesli ou no iogurte. E, como não gasto calorias na proporção em que as acumulo, o resultado traduz-se em mais centímetros no perímetro abdominal. 

Mais. Não há ano que passe sem que tenha uma tendinite. Ou é um ombro, ou um torcicolo. O ano passado até uma tendinopatia insercional nos isquiáticos eu tive. Geralmente isto acontece uma ou duas vezes por ano. Pode ser apenas durante quatro ou cinco dias mas são dias de dores terríveis e brufen. Contudo, da última vez, porque soube agir, não me impediu de trabalhar e não tive que tomar nenhum anti-inflamatório: bastou não fazer certos movimentos e, ao fim do dia, pôr gelo.

Para além do peso que quero perder, também falei nisto à nutricionista. 

E, portanto, agora estou a seguir um regime que visa perder alguma gordura abdominal -- que é onde a gordura se me deposita, e que, não sendo nada de mais, é, ainda assim, desnecessária -- e combater a inflamação. E estou animada com os resultados que hei-de obter.

Conheço pessoas que, por seguirem um regime prescrito por nutricionistas, deixaram de tomar o omeprazol que tomavam há anos, nunca mais tiveram refluxo, azia ou mau estar intestinal; outras que passaram a sentir um nível estável de energia, quando antes sentiam moleza e abulia; ou que voltaram a ter um corpo com contornos definidos quando antes era uma sucessão de pneus. E homens que deixaram de ter uma barrigona a rebentar pelos botões da camisa ou uma papada gorda que lhes desvirtuava as feições.

Contei à minha mãe que, até revisão, terei que, de manhã, comer proteina (ovos, por exemplo) e legumes ou saladas e, de fruta, por exemplo, pera abacate, e, se quiser, umas amêndias. Nem lacticínios nem hidratos de carbono, nem açúcares. O primeiro mês é o mais violento pois o objectivo é consumir a gordura depositada. A minha mãe disse: olha, quando eras pequena, gostavas de comer sopa ao pequeno-almoço. Pois era, já nem me lembravaNunca gostei, e nunca comi, torradas ou pão com o que quer que fosse ou café com leite, essas coisas de que toda a gente gosta. Ou era sopa ou papa de aveia ou iogurte ou fruta.

Vamos ver se consigo ser disciplinada e se, depois deste mês mais radical, encontro um equilíbrio entre aquilo de que mais gosto e o que é indicado. Para já sinto a falta do iogurte e do queijo. 

Não descrevo a dieta que me foi prescrita pois ela é indicada para a minha circunstância que não será, certamente, igual a de todos quantos me lêem -- e não quero induzir ninguém em erro.

O que posso, isso sim, é recomendar, a quem possa, que vá ouvir a opinião de um nutricionista sobre qual o seu regime alimentar adequado, e que, em caso de dores musculares ou nas articulações, não se fique apenas pelas consultas de ortopedistas ou reumatologistas e ouça também a opinião de um fisiatra.


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Lá em cima é a Rita Redshoes com 'Mulher', um vídeo que Leitora a quem muito agradeço me enviou e onde aparece uma amiga sua, por sinal, pessoa com um ar bem simpático.


As fotografias foram feitas nesta tarde de sábado in heaven.

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E a ver se consigo cá voltar com a Doris.

Até já.
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segunda-feira, maio 14, 2012

'Todos os homens que me amaram, amaram-me sempre demais' transcreveu Ana a partir de um poema de Alice Vieira


Música, por favor

I'm the captain of my soul - Rita Redshoes


Ana, continuava, pois, na sua incansável actividade diária. Um dia perguntou onde é que havia um carpinteiro competente. Lá foi.




Era uma pequena carpintaria, um homem alto e magro, altivo, uma bela voz grave, dedos amarelos de tabaco. Ana mostrou-lhe os desenhos de estantes, de mesas, de bancos. O homem olhava com atenção. Não estava à espera duma encomenda assim, duma mulher assim, faltavam-lhe as palavras. Mas depois fez perguntas, deu sugestões, animou-se, ficou à vontade. Ana gostou. Então, pediu-lhe para ver a carpintaria. O homem levou-a, desculpando-se, isto está assim porque não tenho muito espaço para arrumar as coisas, estou aqui com um trabalho que me obriga a ter aqui tudo, mas Ana olhava com encantamento a bancada de trabalho, a estante com as ferramentas, alguns móveis antigos que estavam a ser reparados. Perguntou-lhe quando é que os móveis começariam a estar prontos. O carpinteiro disse que logo que acabasse o que tinha em mãos pegava no trabalho, talvez dentro de um mês e tal pudesse começar a entregar algumas coisas. Ana disse que estava muito bem. Quando ia a despedir-se, o homem perguntou: 'Não quer que lhe faça um orçamento?'. Ana respondeu: 'Não é preciso, pago o material e o seu trabalho, acredito que não me vai enganar' e sorriu. O homem altivo sorriu também.

Ana ia, portanto, começar a arranjar o rés-do-chão.

Uma vez, quando Ana ia sair, apareceu-lhe o dono da residencial onde tinha ficado nas primeiras semanas acompanhado da mulher, queriam falar com ela. Ana ficou admirada. Atrapalhados, a senhora desculpe mas ouvimos dizer que pintou os móveis velhos da casa e mandou fazer umas colchas e almofadas e que a casa ficou muito bonita e andamos a pensar que devíamos também arranjar lá a residencial mas não temos ideia do que fazer, se a senhora quisesse ajudar, se desse umas ideias...

Ana riu-se, pensando: agora até decoradora...!  Mas respondeu com muita afabilidade: 'Com certeza, terei todo o gosto. Venham até minha casa para verem como ficou, para verem se gostariam assim, e depois logo se pensa o que se poderá fazer lá na residencial'. Eles gostaram muito. Dali foram então até à residencial e Ana teve logo mil ideias.

No dia seguinte apareceu-lhes com esboços, com sugestões. Eles estavam entusiasmados. Combinaram encontrar-se ao fim da tarde para irem até à loja de tecidos, à loja das tintas, à modista.

Algum tempo depois, Ana sugeriu à modista, ao dono da loja de tecidos, ao dono da loja de tintas e ao carpinteiro que formassem uma empresa de remodelações de interiores. Habituados a pensarem individualmente, hesitaram mas, algum tempo depois, já todos tinham concordado que podia ser uma boa ideia. Ana ajudou-os nos aspectos burocráticos, ajudou-os na organização da nova empresa e ajudou-os na divulgação da empresa, fazendo ela própria cartazes a partir de fotografias das coisas da sua casa.




No final do ano lectivo realizou-se o apuramento das melhores ideias do concurso e Ana e os restantes jurados tiveram alguma dificuldade tal a variedade que tinha surgido. Apareceram ideias de fazer móveis com pinturas que faziam lembrar os desenhos dos bordados, de fazer estofos de cadeiras, de fazer malas de senhora, de fazer uma capa bordada para o inverno em versão feminina e em versão masculina, uma recriação arrojada dos desenhos. A festa de entrega dos prémios animou toda a vila, houve cantoria, comes e bebes e, até, no fim, bailarico. Os miúdos estavam animadíssimos e Ana tão animada quanto eles.

Os desenhos e e maquetes foram fotografados e colocados no blogue e as encomendas começaram a surgir. Toda a indústria e comércio locais estavam em efervescência e as visitas à vila a aumentar.

Em reunião na associação Ana propôs, então, que o próximo desafio a lançar à escola fosse dinamizar a exígua e anémica oferta gastronómica, nomeadamente criando também um doce regional que deveria ter qualquer coisa a ver com os bordados, nem que fosse apenas na embalagem. Propôs ainda envolver neste desafio  os poucos restaurantes e pastelarias existentes. A proposta foi muito bem aceite, até porque nisto umas coisas puxam as outras.

À noite Ana não descansava. Era a limpeza e arrumação da sua casa, era a confecção das refeições (almoçava e jantava em casa, claro), era o blogue da oficina, era a revisão dos posts dos alunos para o blogue da associação, era a análise aos pedidos de informação recebidos através dos blogues, era o pôr em marcha as encomendas recebidas através da internet. No meio daquilo tudo, ainda andava a bordar uma grande tela.

Um dia esse bordado ficou pronto. Esticou o tecido, gostou, era mesmo aquilo. Resolveu levá-lo ao carpinteiro. Queria uma moldura larga que valorizasse o bordado. Desdobrou o tecido. O carpinteiro ficou muito admirado, era um bordado com palavras, disse que era bonito. Ana ficou contente. Então, inesperadamente, pediu-lhe que lesse em voz alta. O homem, atrapalhado, tentou furtar-se ao pedido, não sei ler bem essas coisas, não leve a mal, mas não fico à vontade a ler em voz alta e logo isto. Ana insistiu, gosto de ouvir ler poesia e a sua voz é muito bonita. O homem engoliu em seco, tímido. 




Ana então encostou-se a umas madeiras que ele lá tinha e, encantada, levemente emocionada, ouviu:


                                  Todos os homens que me amaram
                                  amaram-me sempre demais

                                  Todos os homens que me amaram
                                  escolheram sempre as palavras erradas para 
                                  a hora da partida
                                  embora soubessem
                                  que seria por minhas mãos que havia de chegar a hora
                                  das escolhas definitivas        que eram
                                  como sempre são       impossíveis

                                  e na manhã seguinte eu apanhava
                                  o comboio mais rápido para onde
                                  ninguém me esperasse       e depois
                                  escrevia cartas a explicar o que não tinha explicação
                                  e a pedir que rasgassem
                                  fotografias    bilhetes     velhos programas de teatro
                                  e que deitassem fora as flores        e abrissem
                                  todas as portas e janelas da casa para que
                                  o perfume passasse      e com ele
                                  o nome que era meu

                                  - coisa que eu espero que eles não façam porque       como já disse
                                  todos me amaram sempre demais


Enquanto o carpinteiro lia, por vezes tropeçando nas palavras, Ana ouvia-o com alguma ternura, sorrindo. No fim, ele esfregou as mãos nas calças, não tenho jeito para isto... 

Ana sorriu, não, foi muito bem, gostei, mas agora vai cá ficar com a tela, vai ter tempo para treinar. Quando estiver pronto, já o deve saber de cor.

O carpinteiro olhava-a, intrigado, que quereria aquilo dizer?

Mas já Ana saía a rir, muito bem disposta.


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O poema que o carpinteiro leu é parte de um poema de Alice Vieira que pertence ao livro 'O que dói às aves'. 

No original o penúltimo verso não é tal e qual Ana o escreveu mas sim: ' - coisa que eles nunca fizeram porque       como já disse'. 


(Se quiserem ler a história de Ana desde o princípio, poderão ir aí ao lado direito, mais para baixo, e nas etiquetas procurar 'Ana muda de vida'.)
E, por falar em poesia: hoje no meu Ginjal e Lisboa as minhas palavras voam em volta de um poema de Inês Fonseca Santos e ao som de Pavarotti que abre a semana que vou dedicar a Donizetti. Se vos apetecer, gostaria de vos ter por lá.

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E tenham, meus Caros, uma grande semana a começar já por esta segunda feira. Divirtam-se, está bem?