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domingo, dezembro 16, 2018

A primeira etapa de uma dose de cavalo.
[E, por causa disso, nem consigo falar do autor do descascador de canela]





O meu sábado esteve a rebentar pelas costuras e nem eu sei como lá coube dentro tanta coisa. Compras, supermercado, ida aos meus pais, almoço num tasco onde o peixe chega directamente do mar para saltar para o prato, entrega do colchão (que é alto, alto..., um disparate, não sei como não reparei nisso lá na loja), preparar o repasto para casa cheia ao jantar, pessoalzinho aos saltos e tudo na maior farra e forrobodó a seguir e, pelo meio, uma ida a correr buscar o presente que Leitor a quem muito agradeço me deixou num lugar secreto (e de que amanhã darei notícia).

Entretanto, enquanto os assados estavam a cumprir-se no forno, a sopa já feita, uma máquina de roupa a lavar, e antes de a casa se encher, vim iniciar aquilo que, com enorme esforço, faço uma vez por ano. Quando chegaram, interrompi e, quando saíram, retomei. E foi até há pouco. E parei porque já não conseguia mais. Fico impaciente, quase em estado de alienação, à beira de um ataque de fúria. 

Todos os anos pelo Natal gosto de oferecer fotografias à família toda. Mas, como sempre, deixo a selecção para a altura em que não posso postergar mais. E então, se quero escolher as melhores -- e começo sempre por ter essa aspiração -- tenho que rever muitas, muitas. Milhares. Não acabam. Forço-me a fazer uma selecção criteriosa mas, quando se está a ver fotografias durante horas, a capacidade de raciocínio esbate-se à medida que o tempo passa. 

Mas é uma coisa extraordinária pois, quando existem crianças, durante um ano tudo neles muda. O bebé era muito bebé e agora é um traquinas. Dois dentinhos, depois vários, cabelinho pouco, depois cabelinho rasinho, depois uns caracolinhos lindos. Gatinhava e agora corre e salta. Um espertalhão, cheio de autonomia. A menina, numa altura, estava completamente desdentada, noutra vez estava toda pintada, a cara era a de uma gatinha, e estava aborrecida nesse dia. Agora já tem uns dentes grandes e continua linda. O mano do meio umas vezes está com o cabelo todo rapadinho, outras a tocar a guitarra que era do pai, os outros a ouvirem com atenção, outras a jogar futebol, a fazer grandes defesas. E os outros meninos, os primos. Um ainda era muito menino e depois já ficando rapazinho, cada vez mais bonito, meu primeiro menino, o que abriu no meu coração o caminho a todos os outros. E o mano desportista, grande, já mais alto que a prima apesar de uns meses mais novo e já sem muita diferença do mano velho, menino querido, sempre boa onda, sempre amigo de todos. Umas vezes brincam in heaven, outras vezes no parque, outras em volta de uma mesa cheia a apagar bolo de anos, outras no jardim da minha mãe, ela toda contente, rodeada de gente alegre e brincalhona. Um ano passado em revista.


E não só eles: o resto da família, outros bebés, outros miúdos e outros graúdos. Tento descobrir bons ângulos de cada um deles. Dizem que sou a repórter da família e que as únicas fotografias em papel que têm são as que dou. Algumas coloco em molduras. Gosto de oferecer molduras bonitas com fotografias em que estejam bem.

E a verdade é que fico contente ao rever todos esses momentos. Mas as pastas com fotografias não param. Não param, senhores. Porque é que tiro tantas fotografias...? Que seca. Chego a um ponto em que deixo de abrir todas as pastas, em que a saturação toma conta de mim, quero lá saber se deixo melhores fora da selecção... Por exemplo, hoje, cá em casa, fotografei-os e acho que algumas fotografias devem ter ficado bem. Mas nem tive ânimo para as passar para o computador e escolher algumas. Já chega, caneco.


E a dose ainda não acabou. Agora que já seleccionei cerca de duzentas, tenho que resolver, uma a uma, quantas faço de cada e a quem as darei. Depois tenho que ir mandar imprimi-las. E depois, quando as for buscar, largas centenas, tenho que separá-las por envelopes, emoldurar algumas. Muito, muito trabalho. Um disparate.

Por isso, chego ao fim de um dia como o de hoje e estou francamente esgotada. É que se a coisa estivesse concluída, o cansaço pelo dia ter-me-ia já passado. Assim, com a perspectiva de haver ainda uma trabalheira louca pela frente, parece que não consigo descansar.

E, por tudo isto -- e a esta hora -- peço que me desculpem mas, creiam-me, estou mesmo incapaz de articular palavra. Gostaria de ter conseguido falar sobre alguma coisa que fizesse algum sentido para quem me lê mas hoje não deu para mais do que isto. Lamento.


E o que me arrelia ainda mais é que gostava de ter falado da entrevista do Michael Ondaatje ao Público.  Gosto muito de ler ou ouvir os criadores -- não para relacionar o que dizem com a sua obra mas porque acho que, na generalidade, são pessoas diferentes, interessantes. Gosto de saber como pensam, como trabalham. Pura cusquice. Mas gostei de ler aquela entrevista e gostava de ter conseguido falar sobre isso pois admiro-o, gosto de o ouvir falar -- e um dos seus poemas é um dos poemas que muito me toca. Nem sei porquê, não sei o que tem aquele poema mas sei que o acho viciante. Já aqui coloquei esse poema algumas vezes e depois de um vídeo com uma entrevista que também vou partilhar, vou colocá-lo de novo.




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As pinturas são de diversos pintores japoneses e eu deveria aqui referi-los um por um mas, se me ponho a fazer isso, adormeço.

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Um feliz dia de domingo

quinta-feira, dezembro 13, 2018

Do além





As horas correm agitadas. Os dias quase desaparecem do calendário, da memória. As semanas passam sem se dar por elas. Estamos a dias do fim de mais um ano. Chegam-me problemas e pedem-me soluções. Estou numa reunião e a chegarem-me, por sms, pedidos de atenção. Ninguém se lembra que posso ficar saturada, que posso precisar de descanso, que posso agradecer que resolvam as coisas por mim. Ando no carro, à hora de almoço, à tarde, à noite, a fazer telefonemas. Se a viagem chegar, falo com a minha mãe ou com a minha filha. Com o meu filho é ele que liga, mais tarde.

Durante o dia forço-me a introduzir alguns momentos de descompressão. Falei neles no mail abaixo. São breves instantes. A hora de almoço por vezes consegue ser boa. Aproveito para tratar de assuntos inadiáveis ou lúdicos ainda que muito breves. Mas nem sempre o consigo. Hoje, por exemplo, queria fazer coisas e não consegui fazer nada e mal consegui almoçar, tanto o tempo desperdiçado para nada.

Depois dos jantares de natal, chegam agora os almoços. Pelo meio as reuniões, as maçadas, contratos que não se percebem, negociações complexas, gente enervada. 


Mas à noite, felizmente, consigo estar aqui sossegadinha. Agora, depois de ter escrito sobre banalidades e partilhado um vídeo muito ternurento, estive a fazer o tapete e a trocar sms com a minha filha. E estou a ouvir a chuva. Um som leve e bom.

E depois, de manhã, se não tiver telefonemas, consigo ir a ouvir boa música.

Na terça-feira, por exemplo, fui em estado de êxtase. Tinha dormido mal. Tinha acordado ainda de madrugada cheia de calor. Quis abrir o vidro mas o meu marido fechou-o pouco depois. Pus a roupa da cama para trás mas logo depois voltei a acordar já tapada: é ele que acha que posso ter frio. E eu cheia de calor. Além disso, lembrei-me de cláusulas que se calhar estavam omissas e outras que estavam pouco claras. Quando uma pessoa dá em labutar com contratos a meio da noite, dificilmente se desenreda a tempo de ainda pôr o sono em dia.


Portanto, ia ano carro sem atenção ou ilusão, apenas indo atrás dos carros da frente. Abstraio-me e vou. E, então, comecei a ouvir uma música do além. Só não parei o carro porque ali era impossível. Mas suspendi a respiração. Arrepiada, emocionada, ouvi -- sem saber o que estava a ouvir.

Em momentos assim só quero é que o trânsito me impeça de andar para que o tempo se suspenda e eu possa ser transportada pelo mero prazer da música.

Percebi que era o Maestro Artur Pinho Maria e o Coro Sinfónico Inês de Castro. Percebi que era a Missa para a Paz de Karl Jenkins. E fui ouvindo em puro estado de maravilhamento. Só ia pensando: de coisas assim há quem diga que, por trás de tudo isso, está um deus. Eu não digo porque não busco o que não conheço. Eu contento-me em poder testemunhar momentos assim, divinos. Para mim, a perfeição, a harmonia, a transcendência, o milagre estão em instantes breves e especiais como estes.

E concentrei-me para não me esquecer de aqui vos dar conta disso. E não me esqueci. Cá estou.

Não encontrei nenhum vídeo com o Coro Inês de Castro a interpretar estas peças mas partilho parte do que ouvi noutras interpretações. Espero que gostem tanto como eu.


E agora peço-vos: tentem ouvir em silêncio, melhor se em puro estado de recolhimento. 
É uma coisa do além.

Benedictus - Karl Jenkins



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Acho que as pinturas que escolhi para juntar ao texto não têm nada a ver com o conteúdo do post  mas talvez algum psicólogo que por aí esteja a aturar as minhas maluqueiras (😄) consiga descortinar alguma relação. São de Bela Silva.

 E queiram continuar a descer.

E uma quinta-feira feliz.