Dia de Camões, dia de Portugal, eu sei. Até mudei o visual: hoje o Um Jeito Manso veste-se com as cores da bandeira. Mas, que querem?, ver este dia a ser comemorado por Cavaco Silva e Passos Coelho tira-me 'a pica'.
Parece-me que, às mãos destes dois, Portugal se menorizou de tal forma que só me dá ânsias de me ver livre deles. Parece que tudo o que fazem é para nos envergonhar ou nos prejudicar.
Então Dilma Rousseff quis vir às compras a Portugal logo no dia 10 de Junho e não houve um único que tivesse o bom senso de lhe dizer que o dia é feriado em Portugal? Que neste dia, justamente, todos aqueles com quem ela vai reunir estão em comemorações oficiais? Inferiorizam-se, credo.
E o Tozé, armado em importante como de costume, lá foi falar com ela e de lá veio a dizer que acha bem que seja um brasileiro a comprar a TAP. Que frete, Tozé, que frete. Presumo que, com aquele ar de bom menino, de Hollandezinho, tenha aproveitado para dizer que a austeridade está a destruir o País, vá lá. Mas que pode ela fazer por nós, ela que está fora do espaço europeu? Nada. Ela é que veio dizer o que queria, não fomos nós que dissemos o que queríamos.
Fazem-nos parecer um bando de pedintes, que vergonha.
Eu só espero que o brasileiro que vai acabar por ficar com a TAP não seja aquele polaco-colombiano-brasileiro que afinal não conseguiu apresentar garantias bancárias no processo anterior. Mas já nada se questiona, nem o que se vai ganhar vendendo a TAP, nem quem é o sujeito, nada. Já se dá tudo de mão beijada. E assim se vai do país mais uma empresa bandeira.
E consta insistentemente que os Correios do Brasil, empresa estatal claro, também estão interessados em ficar com os CTT. Faz algum sentido isto? A que propósito o serviço fiscal português (rentável! rentável, senhores!) fique a pertencer a uma empresa estatal portuguesa?
E alguém ainda não percebeu que quando o centro de decisão de uma empresa sai do país, todo o controlo se perde? Todo. Sei do que falo, acreditem. Já assisti de perto a vários casos. É uma tristeza, podem crer. Mas, para falar de casos sobejamente conhecidos, veja-se o que aconteceu com a Cimpor. Desde que foi comprada por brasileiros, tem-se assistido ao fecho de unidades, ao afastamento dos portugueses de cargos de direcção.
É isto que Dilma vem fazer a Portugal, veio aos saldos. Porque não haveria de o fazer? Também gosto de ir aos saldos: arranja-se cada pechincha...
O problema não está em Dilma, uma grande Presidenta, uma mulher com energia, determinação, querer, visão.
O problema está nestas figuras menores que estão a esvaziar o país de tudo: de riqueza, de saber, de esperança, de vontade.
O investimento brasileiro seria importante, claro, e quem diz brasileiro diz qualquer outro, mas em novas actividades, na reindustrialização ou na criação de centros de serviços de apoio a multinacionais, por exemplo. Ou seja, importante é atrair novos capitais para a geração de novos empregos, para a geração de novas mais valias.
Mas não. Paulo Portas aí anda de um lado para o outro a ver se vende as nossas melhores empresas ao estrangeiro. É a política dele e de Passos Coelho: anular Portugal. É esta a política de Cavaco Silva, a política para a qual, de forma obsessiva, quer reunir consensos.
Mas o mal não está só naqueles dois ou três. Não. O problema está em nós todos. Fomos nós que os elegemos (nós, salvo seja, que claro que não é com o meu voto que eles lá estão - mas enfim, não sou melhor que os outros), somos nós com o nosso espírito de coitadinhos que nos desvalorizamos, somos nós que, com a nossa maneira de ser, nos deixamos vergar, pisar.
Um exemplo?
Quando vezes não se ouve criticar com desprezo um programa como o Parque Escolar, falando como se fosse um luxo ao qual alunos e professores não tivessem direito? Não foram os próprios professores que o criticaram e rejeitaram como se ter edifícios reformados por grandes arquitectos, com materiais de qualidade, inclusivamente com candeeiros desenhados por Siza Vieira, fosse um luxo reservado a outros que não eles? Não é menorizarem-se quando fazem essas afirmações?
Desenvolver a economia regional, com melhoramentos em estabelecimentos de ensino, melhoramentos que passam por dar trabalho a gabinetes de projecto, arquitectos, engenheiros, empresas de construção civil, materiais de construção, mobiliário, etc, é o que há de melhor para estimular o desenvolvimento económico local. São empresas que têm trabalho, são impostos que se pagam - e é dignificar locais nos quais quem lá trabalha deveria ter muito orgulho.
Pois não: em vez de se envaidecerem, os professores e todas as comunidades locais, uns movidos por vistas curtas, outros por mesquinhez ou invejas, todos em coro protestaram, vincando a rejeição de uma obra meritória.
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Escola Escola Secundária Braancamp Freire, conhecida por Escola da Pontinha,
dos arquitectos Cristina Veríssimo e Diogo Burnay, premiada com Wan Award (World Architecture News)
O projecto criado a partir de pavilhões pré-existentes, teve um preço de construção "incrivelmente baixo,
tendo em conta a elevada qualidade final", factor que pesou na decisão do júri.
NB:
Não tenho interesses nem pessoais, nem profissionais
em nada que se relacione com o Programa da Parque Escolar
(se falo por vezes nisto é porque me parece ser um programa
que deveria ter sido acarinhado e continuado, em vez de ser tão mal compreendido) |
Claro que podem argumentar que o Estado em vez de gastar dinheiro na melhoria das escolas, deveria antes investir na formação dos professores. Mas repare-se: para investir na formação dos professores (e isso deve ser feito, claro) é preciso ter dinheiro. Para ter dinheiro, tem que haver receitas de impostos. Para haver receitas de impostos, tem que haver empresas lucrativas (a pagarem IRC), tem que haver gente a trabalhar (para pagarem IRC), tem que haver consumo (para haver IVA). Ou seja, investir na formação dos professores não é opção que exista se não houver economia a funcionar.
Aliás, se a economia não funcionar, nada funciona: é aquilo a que se assiste neste momento. O País inteiro a colapsar porque, de forma sistemática e criminosa, se assiste a um retirar da liquidez da economia. Todos os rendimentos são sugados para alimentarem os custos de uma dívida que não pára de aumentar.
Saibamos, pois, valorizar o nosso País, valorizar-nos a nós próprios, sejamos exigentes, não nos deixemos vergar nem pelas manipulações a que sistematicamente somos sujeitos, nem pelo medo.
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Camões, de Júlio Pomar |
E porque, apesar de tudo, ainda temos a língua, a nossa amada língua portuguesa, mesmo que pouco mais tenhamos para festejar, festejemos as palavras e a nossa poesia.
No mar tanta tormenta e tanto dano,
tantas vezes a morte apercebida;
na terra tanta guerra, tanto engano,
tanta necessidade aborrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
onde terá segura a curta vida,
que não se arme e indigne o céu sereno
contra um bicho da terra tão pequeno?
[Lusíadas, I, 106, Luís Vaz de Camões]
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um bom dia feriado.