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quarta-feira, agosto 28, 2024

Paulo Raimundo e Hugo Soares, irmãos ideológicos...?
Entre Trump e Kamala, quer o Narizinho Raimundo quer o Inteligente Soares sentem-se incapazes de escolher... Está certo.
Estão bem um para outro, não estão...?

[Como não há muito mais a dizer sobre a acefalia dos meninos, vou antes dar a receita do meu entrecosto no forno]

 

Tive cá pessoal, dia bom, bom. Clima ameno, o silêncio muito apreciado, peace and love. Estou é cada vez mais pequenina. Não que isso me incomode, é mera constatação. Já brincam, chamam-me mini-avozinha. Para falar com dois deles já tenho que olhar para cima. Brincam, agacham-se para eu não me sentir diminuída. E, pela idade que têm, ainda com muito para crescer, qualquer dia pegam em mim e põem-me às cavalitas.

Tirando isso, posso acrescentar que fiz entrecosto no forno. É sempre uma aposta segura.

Não tem muito que se lhe diga mas calha bem para um post de silly season. Fiz assim:

Forno a bombar ao máximo, duzentos e tais graus, uns minutos antes. 

Enquanto isso, num tabuleiro de ir ao forno, o maior possível, coloco: azeite, bué alhos, uma cebolona gigante aos bocados, orégãos, alecrim, pedras de sal. Por cima, os pedações de entrecosto (não piano,  mesmo entrecosto), mais umas pedritas de sal. Polvilhei com pimentão doce em pó. E mais: um big molho de salsa aos bocados, louro, mais azeite, meia cerveja. Depois de estar assim um pouco, rodei os pedaços para ficassem irmãmente besuntados.

Levei, então, ao forno e, nessa altura baixei para os 170º. E assim ficou.

De vez em quando, rodei os pedaços de entrecosto.

No entretanto, mais perto da carne estar macia por dentro e tostadinha por fora, cozi batata doce da variedade cor de laranja e batata normal, tudo aos pedaços. Naturalmente, com um pouco de sal.

Quando estavam cozidas, desliguei. Escorri. Quando vi que a carninha já estava a ficar boa mas era para ser comidinha, afastei os bocados de carne para abrir alas para las potatoes.

Meanwhile, tinha feito arroz basmati. Antes que estivesse seco, tirei do lume. Pus um fio de azeite e misturei. Coloquei num tabuleiro de ir ao forno, tirei umas colheradas de molho do tabuleiro da carne e espalhei por cima do arroz. 

Tirei o tabuleiro da carne, com las patatas, para ficar cá fora a descansar. E coloquei no forno o tabuleiro do arroz a secar e doirar ligeiramente.

Antes de tirar o tabuleiro do arroz, o meu marido colocou por cima fatias de pão de Rio Maior, lo mejor. Ficaram quentinhas e com as côdeas crocantes.

Servi com salada completa: alface, cenoura e beterraba raladas, acelgas e mais outra coisa qualquer.

E só não digo que o pessoal gostou (e eu também gostei) para a invejosa e o comichoso do costume não virem para aqui largar as bocas foleiras do costume.

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Quanto ao Sarrafeiro Soares e ao Fofo Raimundo não há nada a fazer. O que têm na cabeça não lhes dá para mais mas a gente não deve gozar com pessoas assim, coitadas, se calhar não têm culpa.

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E agora, para algo um pouco diferente, que entrem os meninos que gostam de dar um pezinho de dança para ver se trazem algum movimento:

Play | Alexander Ekman & Ballet de l'Opéra de Paris 


Saúde e alegria

Dias felizes a todos

domingo, outubro 29, 2023

Desbastar árvores.
Tentar controlar exacerbados medos (alheios)

 

Estava ainda na cama, comecei a ouvir um barulho. Claro que a essa hora o meu marido já estava levantado há não sei quanto tempo, já tinha regressado do seu passeio matinal com o urso felpudo. 

Apurei o ouvido. Percebi que estava a trazer qualquer coisa da cave.

Depois ouvi abrir a porta da frente. E um ruído metálico. Depois ele a dizer à fera que se desviasse.

Estremunhada, um sino tocou na minha cabeça. Ia desbastar as árvores do jardim junto à entrada.

Num salto, apeei-me da cama e, à trouxe-mouxe, enfiei uma roupa qualquer. Num ápice, estava fora de casa

Já ele tinha desdobrado a escada, já estava encavalitado, lá em cima, em acção, com serrote e podão de cabo extensível.

Concordei que fosse podar aquela profusão de ramos pois as duas árvores estão gigantes, compactas, não deixando passar o sol e impedindo o desenvolvimento da relva por baixo. E provavelmente a falta de sol ia atrofiar a magnólia. Mas não quero é que ele faça isso sozinho. Primeiro, receio que a escada resvale ou que ele resvale e que eu não esteja para acudir. Depois, receio que corte o que não deve pois, estando lá em cima, no meio dos ramos, perde a perspectiva e pode cortar a eito. Acresce que há uma trepadeira que dá flores muito bonitas que se suporta nos ramos da árvore. Por isso, não se pode cortar nenhum ramo em que ela esteja presa, senão é para a desgraça.

Portanto, andei a ajudá-lo, não só apontando para os ramos que podiam vir abaixo como, depois deles cortados, puxando-os e arrastando-os para um monte.

Foi mais de uma hora, talvez mais de duas, não sei, de volta daquela árvore. Ainda podia tirar-se mais uns quantos mas já não são alcançáveis com a escada.

Talvez este domingo se trate da outra árvore.

Este é o tipo de coisa que gostamos os dois de fazer: desbastar árvores. 

Sempre gostei embora na base da cabeleireira. Aparar, cortar umas pontas, com um gentil podãozinho. Batia-me por elas quando o meu marido queria reduzi-las a metade do volume, de serrote e podãozão em punho. Mas agora já percebi que, se não tentamos conter a natureza, ela acaba por nos devorar. E, com sensibilidade e bom senso, as coisas podem parecer em estado natural e, ainda assim, estarem sob controlo.

Claro que este foi o momento levezinho pois houve também o momento denso com a minha mãe. Nada de diferente dos outros dias. Mas uma pessoa chega a um dia em que parece que atinge o limite das suas capacidades.

Não consigo perceber se ela sempre foi como é agora, embora tivesse mão em si própria (e, portanto, fazendo com que não nos apercebêssemos), ou se está mudada. Não consigo perceber. Os meus filhos acham que está mudada, dizem que a avó não era assim. Eu não estou certa disso. O que sei, e disso tenho a certeza, é que o medo que tem de estar doente e o medo de não estar cabalmente diagnosticada, associado ao medo de fazer os exames como deve ser e, sobretudo, tudo potenciado pelo medo de tomar medicamentos, dão-lhe cabo da cabeça a ela e a mim. Por mais exames que faça, acha sempre que ainda não foi devidamente avaliada. Ou acha que os médicos não prestam. E, sempre que lhe receitam alguma coisa, faz de tudo para não tomar os novos medicamentos. E faz de tudo, mas tudo, para convencer toda a gente, nomeadamente os mil médicos a que já foi, que os medicamentos que está a tomar a deixam mais doente do que se não se tratasse. Isto apesar dos exames todos demonstrarem que não tem nada a não ser a doença para a qual está a ser tratada.

Como também tem medo de tomar ansiolíticos, fica muito difícil de lidar com a situação (difícil, muito difícil, para ela e para quem lida com ela, nomeadamente, eu).

Tantas vezes, tantas, tantas, parece estar muito mal, convence-se que está muito mal, transmite-me e mostra-me que está nas 'últimas' e tantas, tantas, tantas vezes não é nada -- e, mal se distrai ou abstrai, fica como se nada fosse --, que fico sempre a achar que é mais uma das suas crises exacerbadas. Mas receio que um dia seja a sério e que eu erradamente desvalorize. Mas, quando estou nesta preocupação, passado um bocado já ela está noutra. Noutra... pois, logo de seguida, já está outra vez muito, muito mal, mas com um outro sintoma.

Hoje disse-me que os meus tios é que têm sorte de ter uma filha médica pois assim a minha prima sabe sempre avaliar o estado de saúde dos pais. Pois. Infelizmente não posso fazer nada para resolver essa pouca sorte dela. Não apenas não tenho conhecimentos médicos como, além disso, ela não liga patavina ao que eu digo. Por vontade dela, para ultrapassar as minhas limitadas competências, todos os dias eu pegava nela e levava-a para as urgências. 

Muito complicado. 

De facto, nunca pensei que se transformasse desta maneira. Não quer fazer tricot ou crochet, diz que não tem paciência, diz que nada na televisão lhe interessa, não pega num livro, não conversa de outra coisa que não das suas doenças. Em cima disso, sabe de cor as bulas dos medicamentos, pesquisa no google tudo sobre doenças ou tratamentos e... fica com todos os sintomas que lê. 

Desperdiça estupidamente estes seus anos. E, por mais que a tentemos convencer a tratar-se da ansiedade, não quer, irrita-se comigo, fica furiosa: acha que está tão mal, fisicamente tão, tão mal, e eu, insensivelmente, a desvalorizar. Isto apesar de todos os médicos lhe dizerem o mesmo. Mas depois acha que eu é que influencio os médicos. Por mais que lhe diga que não falei nisso aos médicos, não acredita.

(Enfim, é o que é. Escuso de para aqui estar nesta lamúria porque é o que é. Além disso, acho que só que quem passou por isto é que consegue perceber como é.)

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A conversa hoje está pouco animada, não está...?. E eu não gosto de vir para aqui chatear os outros com as minhas minudências. Por isso, pedindo-vos desculpa pela conversa, bora mas é lá dançar.

Play by Alexander Ekman


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Desejo-vos um bom dia de domingo

Saúde. Ânimo. Paz.

quarta-feira, abril 15, 2020

Como e quando vai ser o day after?
[Reflexões enquanto curto a arte da quarentena]





Durante os primeiros tempos assisti, revoltada, preocupada, a uns tontos a não perceberem o que estava a acontecer. Gabavam-se que não tinham medo, gabavam-se de não fazer parte dos grupos de risco. Punham os outros em risco ao exibirem a sua marialvice que não era senão estupidez.

No espaço de dias foram ultrapassados pelos acontecimentos. Estão em casa, calados, sem saberem qual o seu espaço nestes tempos de confinamento, reduzidos à sua inutilidade. 

Entretanto, algumas pessoas conscientes, desde logo, assumiram várias linhas de conduta e aí animei-me: em primeiro lugar preservar a saúde das pessoas, em segundo lutar pelo rendimento que auferem, em terceiro -- ou ao mesmo tempo, sabe-se lá qual a real ordem dos factores quando a gente mergulha de cabeça na procura de uma solução -- aguentar a sustentabilidade das empresas, não interromper a cadeia de valor, não deixar de pagar a fornecedores. Meio mundo para casa em teletrabalho e, ao mesmo tempo, assumir mil cuidados para que quem tem que continuar a trabalhar o faça em segurança. Tem sido uma luta. Tudo se tem feito, tudo. E tem estado a correr menos mal.

Muita gente começa a adaptar-se. Outros continuam sem perceberem nada e sem conseguirem acompanhar o andamento das coisas. Mal nos lembramos deles. Hoje lembrei-me de um e lembrei-me para pensar que há que séculos que nada sabia dele, que há séculos que nem me lembrava dele, para constatar a pouca falta que faz.


Começa agora a pensar-se no retomar. E, uma vez mais, os que não perceberam antes, continuam a não perceber agora. Acham que se vai voltar para os mesmos lugares, nas mesmas condições. Não vai. Digo: não vai. Ficam calados. Se insisto, dizem: logo se vê. E eu percebo que é uma maneira de dizerem: não chateies. Mas não sou só eu, é meio mundo que diz o mesmo: não vai voltar a ser o mesmo.

E há que começar a pensar em como vai ser. É nisso que deveríamos estar concentrados. É que vai ser muito diferente. Nós vamos estar muito diferentes. Por isso, grandes mudanças devem ser encaradas.

Quem for inteligente, ajustar-se-á e saberá ficar bem, talvez melhor que antes. E este 'quem' não é apenas aplicado a pessoas, é também a empresas e organizações em geral. As empresas podem ser mais sustentáveis, melhores, melhores para os trabalhadores, melhores para o ambiente, para a economia em geral.

Pelo meio, perder-se-ão hábitos antigos. Mas ganhar-se-ão outros. O padrão de consumo vai mudar e pode ser que mude para melhor.
Contudo, vi uma fotografia da abertura da Hermès na China, depois do confinamento, e fiquei com dúvidas quanto à minha ideia: filas compactas na rua, muitas pessoas sem máscaras, uma loucura, tudo ávido de consumo, tudo a marimbar-se para o corona, tudo danado para matar saudade de écharpe, de gravata, de luxo. Olhei a fotografia e pensei: será que o bicho homem é burro mesmo, não aprende nem por mais uma? 

Mas sou crente. Não crente de dar beijo em cruz que alguém segure por mim mas crente de crer mesmo, no mais íntimo de mim, na capacidade de superação de que, por vezes, o bicho-homem é capaz. Desde que bem enquadrado, desde que com baias, sem ter muito por onde se espalhar, bem trabalhadinho, o bicho-homem é capaz de lutar pela sua sobrevivência e é capaz de criar belas obras de arte, belos feitos, belos actos de generosidade. Acredito nisso. E acredito na força da natureza. Cada vez mais, acredito na imensa sapiência da natureza. E acredito na omnisciência, omnipresença e omnipotência do tempo. O tempo e a natureza e uma carreiro apertado e bem vigiado na carneirada que é o bicho-homem e talvez a coisa vá.

Aqui no campo, com o tempo frio e chuva que deus a dá, só tenho os canais generalistas e o computador. Sou, pois, poupada a comentadores ou a notícias dadas e reprocessadas. São poucos os comentadores que vejo e, ainda assim, ou é gente de saber ou vai de asa. Por isso, apenas ao de leve me chegam ecos de gente ansiando pelo regresso. Não sei bem o que defendem nem me interessa. O que eu sei, mas sei por mim e sei pelo que vejo nos círculos em que me movo (agora, de forma virtual), é que, tirando os descerebrados do costume, o que há é muito cuidado. Em casa os que podem ficar em casa e, quase numa redoma e sob apertada monitorização, os que têm que sair para ir trabalhar no local de trabalho habitual. E muito agradecimento, muito, muito, muito, a todos os que se arriscam todos os dias. E que assim continue enquanto não existirem melhores informações ou tratamento ou vacina.

Claro que, no meio da desgraça que está a acontecer à economia, tenho a sorte de trabalhar num Grupo grande, que opera em áreas que, apesar de tudo, apresentam maior resiliência face a este embate. Mal, mal, está tudo o que tenha a ver com turismo, com restauração, com espectáculo, com pequenos estabelecimentos, com actividades individuais (por exemplo, como estará a aguentar-se o pequeno salão de cabeleireira de bairro, em que só há uma cabeleireira, a dona, onde vou quando o rei faz anos?; e como estarão a aguentar-se as empregadas de limpeza dos escritórios que estão fechados?; e será que todas as clientes de empregadas domésticas lhes pagam como se elas estivessem a trabalhar?; e será que faz sentido eu continuar a ter empregada doméstica se ficar em casa nos próximos meses, sei lá quantos? e os ATL? o que vai acontecer a todos os funcionários se, nos próximos tempos, os pais vão estar, na maior parte, em casa? etc. etc, etc). Muitas dúvidas, muitas armadilhas, muitas incógnitas.


Por isso, antes que se comecem a dizer coisas, deve é pôr-se os pés na terra e começar a imaginar o que vai ser o mundo daqui para a frente. E começar a encontrar soluções para os problemas que se forem identificando.

E as soluções devem passar por ter em consideração que novas necessidades vão nascendo -- e que vai haver um certo retorno ao interior, a outras formas de vida.

Mas lá está. Para que tudo isto se encarreire e se encarreire com o menor dolo possível é bom que haja baias, que o bicho-homem seja tocado para entrar nos caminhos certos.

E aqui entra a liderança necessária. Liderança política, antes de mais.

Até aqui António Costa tem estado bem: tem ouvido cientistas, tem ouvido economistas. Deve ouvir também sociológos, antropólogos, urbanistas. Deve criar grupos mistos de reflexão que contenham cientistas, artistas, economistas, engenheiros, arquitectos, agrónomos, consultores de estratégia com implantação internacional, etc. Mas deve pôr esta gente a pensar para produzir orientações estratégicas globais dentro de muito pouco tempo.

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Numa de #achatar a curva#, há quem transforme em arte a quarentena. As obras aqui expostas provêm de um lugar bem pensado. E a Joan Baez, interpretando Diamonds and Rust, faz sempre uma boa companhia.

E, para rematar, uma mescla de COW, Swan lake e Midsummer nights dream, obra do genial Ekman

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E uma boa quarta-feira.

Dantes, quarta-feira era o dia em que se dobrava a semana. Agora as semanas são um contínuo. 

Mas que seja um dia bom, seja como for.

segunda-feira, abril 06, 2020

Olhem, meninos, amanhã a mãe e o pai estão a pensar fazer uma pizza ou um pão naan


No outro dia, em casa do meu filho, fizeram pizza. São ambos aventureiros e a culinária para eles é um bom território para descobertas. Antes, os meninos já tinham anunciado: hoje vamos fazer pizza. Estavam todos entusiasmados. Depois enviaram uma fotografia. 

E nós, gulosos frustrados,  ficámos, aqui, a olhar para aquela saborosa imagem e a lembrarmo-nos de quando, naquela outra e distante vida, mandávamos vir uma pizza e de como ela, ao chegar, trazia consigo um cheirinho bom a pãozinho feito em forno de lenha, um cheirinho a quentinho, a coisinha apetitosa.  E logo a casa se alegrava para receber tão gostosos sabores. Lembro-me daquela com alcachofras e presunto, ou, então, a outra com queijo de cabra, mel e nozes; ou, outra também boa, com mozzarela, salmão fumado, sumo de limão e folha de manjericão. Tão booooas. O que eu gostava daquelas pizzas com base estaladiça, saborzinho a coisa boa. Ou o pão naan, tão bom, só com queijo ou, então, com queijo e alho. A última vez que comemos essas delícias não nos apercebemos que nem tão cedo a elas voltaríamos. 

Que saudades.

Depois de vermos a fotografia da pizza caseira e ao imaginarmos o quanto eles, os cinco, devem ter-se deliciado com ela -- aliás, conhecendo-lhes o farto apetite, presumo que deve ter sido mais que uma -- olhámos um para o outro e, à uma, dissemos: 'e se também fizéssemos?'.

Há bocado, ele pediu que eu visse como se faz e eu disse que visse ele. Sempre a mesma coisa.

Insistiu. 

Acabei por espreitar. Não me parece que seja coisa para mim. Sugeri-lhe que fizesse ele a massa pois acho que é preciso sová-la e não me vejo ao soco com uma bola de farinha. 

A verdade é que nem sei se vamos ter tempo ou se vamos ter paciência. Ou se, entusiasmados com a perspectiva de uma bela pizzoca ou de um belo panito naan, não acabamos por arranjar tempo e paciência e vamos os dois para a cozinha, em equipa, tratar do assunto. Claro que eu preferia que ele tratasse da massa que a mim o que me atrai mais é sempre a parte criativa: por exemplo, queijo, espinafres, noz, orégãos, frango desfiado, um leve fio de azeite, um subtil toque de mel. Ou o pão naan com fio de azeite, um pouco de queijo, um pouco de alho, um pouco de alecrim. E depois, nham-nham, bora lá a ver se ficou bom e dá aí um golinho de cerveja fresquinha. Inha, inha.

A minha filha agora, que nem de propósito, acaba de enviar para a família duas receitas de bolos cremosos, daqueles ditos de caneca, para fazer no microondas. Até me lambi, ainda que, apenas, mentalmente. Ou, na volta, lambi-me mesmo na realidade. Sei lá. Bolos mais bons. Só de ver a fotografia já fico aguada. Mostrei ao meu marido e ficou a olhar para mim, penso que à espera de um sinal. Quis perceber se os vou fazer. Talvez. Ando carente de um docinho. Hoje, a meio da tarde, deu-me a fome e fiquei com vontade de uma guloseima. Então, numa colher de sobremesa, coloquei um pouco de mel e três miolos de amêndoa. Ah que bem que me soube.

Tirando isso, estou preocupada é com uma coisa. Naquela longínqua sexta-feira à noite em que resolvemos fazer a trouxa e desandar para o campo, não pensámos bem no que nos esperava. Pela parte que me toca, peguei em meia dúzia de trapos, nuns quantos livros, na máquina fotográfica, numa quanta comida, não muita, e, depois, já prestes a sair, voltei atrás, a correr, buscar o saquinho de gengibre cristalizado. Sem isso é que não. Uma pessoa mune-se para a guerra com a contenção que o momento exige -- que isto do corona tem que ser na base da guerra mesmo, espadeirada na cabeça do merdinhas até que recolha os totós e definhe como uma batata velha -- mas, noblesse oblige, que o gengibre cristalizado não me falte. Ora essa. Jamais (e, se não se importam, digam jamé). Na frente de batalha, na trincheira ou na preparação da moral das tropas, seja onde for, a guerra será sem quartel mas, sempre, sempre, sempre, com um cubo de gengibre cristalizado para apimentar e adoçar a minha existência.

Tenho andado a racionar, claro. De novo: não racionalizar mas, mesmo, racionar. Uma dor de alma ver aquele pedaço de paraíso a escoar-se. De cada vez que como um quadradinho de chocolate preto, pego num cubinho de gengibre e delicio-me com a mélange. Hoje comi o penúltimo. E, agora que tenho ali o último, estou sem saber como vou conseguir habituar-me a viver sem esse bijou, sem esse mimo, sem esse suspiro de prazer.

Enfim. Pode ser que consiga ir ao supermercado e quem sabe não sou bafejada com esse petit beaucoup de sorte. 
[Ah, que bom que é uma pessoa gostar destas pequenas coisas].

Bem. Voltando à cold cow. A pizza ou o naan.

Caso nos atiremos à faena, estou a pensar pôr a máquina a filmar. É que pode muito bem acontecer que a coisa descambe para um bailado tão harmonioso como este aqui abaixo que, obviamente, tem mão e pezinho de Alexander Ekman.

E, tirando isto, bon apetit também para vocês.


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Acham que faz sentido, neste contexto, desejar-vos uma boa semana?
Eu acho que faz. 
Se para vocês também fizer, pois que os meus votos sejam bem sucedidos.

domingo, abril 05, 2020

Entre a contradição do silêncio e um fish kiss com limpezas domésticas pelo meio






Gosto de fazer limpezas. Tal como quando vivia em tempos normais, só ao fim de semana tenho tempo para as fazer. Na cidade, a limpeza do chão faz-se em primeiro lugar com o aspirador. Aqui não. Aqui começo por tirar tapetes, levo-os lá para fora, sacudo-os e deixo-os ao ar, de preferência ao sol. A seguir, varro o chão de ponta a ponta. Tenho uma vassoura forte. Gosto de varrer com força. Numa casa no campo entram folhinhas secas, sempre entra mais pó ou graozinhos de terra do que na cidade. Afasto sofás, mesas, móveis, levanto cadeiras. Nada escapa. Fico contente ao ver que não há vestígio de cotão ou folhinha que escape.


O meu marido prontificou-se a limpar o pó mas é sempre uma crise em potência. Por motivos que não alcanço, mal começa já está inquieto, quer despachar-se em três tempos. Eu, nas limpezas, sou a antítese: sou sistemática, rigorosa. Começo numa ponta e levanto cada peça para a limpar e limpar por baixo, e limpo tudo, incluindo as laterais dos móveis, os rodapés, as portas, tudo. Ele passa o pano a correr, à volta das coisas, e, se lhe chamo a atenção, fica logo irritado, ameaça desistir. E eu digo que prefiro isso, que desista mesmo, que prefiro que não faça do que faça mal. Ele, contrariado, diz que é impossível limpar como eu quero, que não sairia dali se se pusesse a levantar cada coisa ou a passar o pano por todo o lado. Aborreço-me. Digo que, primeiro, foi ele que se ofereceu e, segundo, se tivesse o Palácio da Ajuda para limpar, percebia o desespero. Agora uma casa do tamanho da nossa, só com nós dois...?  Meio furioso, ameaçando que, se digo mais alguma coisa ou se controlo o que anda a fazer, deixa a limpeza do pó, lá voltou atrás e, em meia dúzia de minutos mais, deu a coisa por concluída. Não vale a pena. 

Amanhã tenho muito que fazer: quero varrer lá fora, há muitas folhas secas, debaixo do telheiro há terra junto à mesa e aos bancos. Quando chove parece que ainda se junta mais lixo.


O meu marido, como se levanta de noite, começa por se embrenhar pelos seus trilhos no seu desporto de eleição. A seguir, quando regressa a casa, pega nos serrotes e podões e vai desbastar árvores e mato. Mas não há muito mato, há é muitas florzinhas. Há algum tojo, algumas silvas, mas muito menos que antes, quando as ramadas das árvores vinham até abaixo e tudo se enleava. O que rebenta agora por todo o lado são as folhinhas junto aos troncos anteriormente cortados. Uma graça.

O campo está lindo. Gosto muito de andar sob as árvores e, quando ele anda com aquele serrote que está na ponta do cabo gigante, gosto de ver onde se deve cortar para que a copa fique mais desafogada, para que o sol entre melhor e o ar circule e as ramagens fiquem mais alegres e viçosas. 

O meu marido lembra-me que durante anos era uma guerra: eu não queria que ele cortasse nada, achava que tudo era intocável, achava que tudo na natureza era sagrado. Com as regras de prevenção de incêndios, de desbastar as árvores até meia altura ou quatro metros, tive que me adaptar. E agora gosto muito. O campo está mais limpo, temos muito mais espaços por onde passear, as árvores desataram a subir, cada vez mais altas, mais 'sagradas'. E a luz do sol flui mais livremente e tudo, junto à terra, floresce. Dou-lhe razão: era uma parvoíce minha, antes, é verdade. Ele fica contente que eu lhe dê razão.


E os pássaros? O que eles cantam...? São tantos, tantos e cantam tanto. E as lagartixas...? Tantas, tantas, velozes, tão bonitas. E os gatinhos...? Agora, pelo menos dois, sempre por aqui andando na maior tranquilidade.

É um lugar de paz, este.

E, à hora de almoço, ligaram ao mesmo tempo, todos. Tão queridos, tão bem dispostos, sempre tão animados. O meu menino que fez anos continua com os legos. Segundo a minha filha me conta, são construções em mais de duzentos passos e que ele segue, sem dificuldade, montando carros, motas, carros de carga. E sei que, de tarde, estiveram a jogar uns com os outros, provavelmente o tal fortnite. E, ao longo da tarde, fomos trocando mensagens. Se estou ao pé do meu marido, ele fica um bocado impaciente ao ouvir aquele plim-plim sucessivo e por ver que interrompo o que estiver a fazer para ler o que escrevem e para, por vezes, também me meter na conversa. Não me importo com as impaciências dele. É a minha maneira de me sentir próxima daqueles de quem estou longe. E quase me sinto próxima. Vejo-os, ouço-os, leio-os. A minha mãe também se mantém animada, atarefada. O meu pai esteve um bocado adoentado, o que me deixou bem preocupada, mas parece que já está melhor. A enfermeira vai lá todas as semanas, vai feita astronauta, equipada de alto a baixo. A minha mãe diverte-se com isso.

A vida continua.


Enquanto estava a andar lá por baixo, por entre cedros, eucaliptos e pinheiros, ia pensando no extraordinário que é, com meio mundo confinado e os hospitais e morgues a deitarem por fora,  haver um batalhão de gente que continua a trabalhar, a manter os concidadãos alimentados e o país a funcionar. Não são apenas os heróicos profissionais de saúde. São também os transportadores que levam as coisas para onde elas fazem falta, os empregados dos supermercados, os das empresas de telecomunicações, os que asseguram que temos electricidade, água tratada, os lixos recolhidos, combustível nas estações de serviço, os que fazem o pão, os que cultivam e embalam, os que levam encomendas a casa. Tantas vezes precários, mal pagos, tantas vezes fazendo da sobrevivência diária uma luta. E, no entanto, é graças a eles que o país se aguenta vivo. E as pessoas que, de repente, em vez do que fizeram toda a vida, passaram a fazer outras coisas, fatos, máscaras, desinfectantes...?Nunca agradeceremos suficientemente a todas estas pessoas.

Aqueles investidores e executivos que ganham larguíssimas centenas milhares de euros por ano, quando não milhões, deveriam perceber quão frágil é a sua vida e quão dependentes são daqueles que ganham misérias. E deveriam perceber que lhes cabe também a responsabilidade de dar passos significativos no sentido de um mundo mais equilibrado, mais inclusivo, mais justo.


Mesmo que a lusa ivermectina prove a sua eficácia no combate ao corona, e tomara, tomara que sim, que seja um verdadeiro mata-piolho destruindo o bicho em 48 horas, os testes ainda demorarão algum tempo para se poder dizer qual a dosagem certa. E, mesmo que os testes de imunidade comecem a ajudar a libertar os que já deram conta do merdinhas, a libertação será progressiva, condicional. Mas, seja quando for e seja como for, a verdade é que, mal consigamos retomar a vida 'normal', faremos bem se repensarmos o nosso modo de vida, pondo de parte as anormalidades que fazíamos.

Por exemplo. Se o teletrabalho é possível, qual a necessidade de meio mundo se concentrar nos grandes centros? Porque não poderemos viver na 'província', nas belas terras do interior, onde tudo é tão lindo e limpo, onde há outra qualidade de vida? Porque não poderão as mães e os pais de crianças pequenas viver tranquilamente, em vez de andarem numas aflições para sair do trabalho a horas, sabendo que têm o trânsito pela frente, nuns nervos para chegar a horas à escola dos filhos? Porque não poderão trabalhar em casa, podendo ir a pé buscar os filhos ou, mesmo, quando mais crescidinhos, irem eles a pé, sozinhos, para casa? E porque não poderemos ter uma hortazinha, comer fruta e legumes frescos?

Parece bucólico?
É bucólico. E seria muito bom.

Temos todos a obrigação moral de repensar a vida que queremos levar. Espero bem que, mal nos virmos livres do merdinhas invisível, não desatemos a fazer a bodega que fazíamos antes, a consumir toda a espécie de inutilidades, a fazer selfies em frente às paisagens e aos quadros nos museus, abrutalhados, acéfalos e sempre prontos para dizer mal de todos e de tudo e a enfiarmos, goela abaixo, toda a porcaria que nos derem a comer.

Acho um absurdo humanizar o corona, fazendo dele a encarnação do anjo vingador. O vírus é um vírus é um vírus (neste caso, quanto muito, um anhucazeco abichanado com totós cor-de-rosa). Mas acharei igualmente absurdo se não reflectirmos sobre o que está a passar-se. Se não soubermos mostrar a nossa inteligência, então, os que não forem desta para melhor com a covid-19 irão na próxima. Porque, a continuarmos como estávamos, haverá próxima -- e cada uma será pior que a anterior porque qualquer vírus revela ser mais inteligente e veloz que os burros dos humanos. 

Bem. Já chega disto. Queira eu ou não, acabo sempre a falar da mesma coisa. Parece que a sombra do cabrão do corona já se ensarilhou nos meus neurónios (pardon my french).


A ver se este domingo consigo ler. Anda a apetecer-me estender-me ao sol e, depois, recolher-me à sombra para ler. Mas o tempo não vai ajudar. Se não estiver mau de todo, levo uma cadeira ali para fora. Senão, talvez dê para me pôr do lado de dentro mas com a porta aberta, para sentir os cheiros e ouvir os sons da chuva, da aragem, dos pássaros.

Um dia destes viro um bicho. Hoje ao fim da tarde, para fotografar, subi a uma pedra. Depois fiquei, lá em cima, a ver se descobria os pássaros que cantavam. O meu marido viu-me e ficou intrigado.

E eu percebi que um dia ainda dou por mim a fazer o que os gatos fazem, a andar pelos muros, a subir aos telhados, a deitar-me ao sol.


E já escrevi demais. Distraio-me a escrever. Imagino a seca para quem me lê.

Partilho apenas mais uma coisa que acho o máximo. Não um french kiss, coisa banalmas um fish kiss. Muito bom. Gosto cada vez mais do Alexander Ekman. 


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Um abraço para cada um que tenha conseguido ler tudo até aqui.
(Merece, que ler tamanho exagero é feito que, imagino eu, não estará ao alcance de qualquer um).

Um bom dia de domingo.

quarta-feira, abril 01, 2020

Os momentos da perplexidade, descoberta e reaprendizagem antes do recomeço





Vamos experimentando novas astúcias. Um passo um dia, hesitações, dois passos num outro dia, uma ousadia ao terceiro.

Sem rede e sem quem possa abeirar-se de nós para nos ajudar, adquirimos novas competências, auto-suficiências.

E, até para emular as formas tradicionais de exprimir afectos, descobrimos teledemonstrações do que for preciso -- e o nosso cérebro aprende novas línguas, não apenas as dos abraços e beijos mas também as das palavras, as das imagens, as que se constroem em cima das saudades, as que cimentam com débeis e inseguras esperanças.


Passaram duas ou três semanas e o distanciamento social começa a entrar no nova normalidade. Aproximamo-nos de outra maneira. Trocamos mensagens, sorrisos, alentamo-nos mutuamente. Pelo menos, teremos pela frente mais quase três semanas idênticas. E o mais provável é que depois venham mais duas semanas ou talvez ainda mais duas, talvez então já com algumas nuances. E talvez depois comece o abrandamento. Ainda com distância, talvez todos com máscaras.  E talvez sabendo que pode ser uma liberdade condicional e relativa. É que pode acontecer que, de Setembro a Novembro, voltem as recomendações mais apertadas. E talvez, então, com sorte, por essa altura, já haja vacina ou tratamento e tudo se resolva -- e embora o covid continue por aí já não meta medo a ninguém.

Mas, quando isso acontecer -- e mesmo que, por um bambúrrio de sorte, já daqui por um bom par de meses, haja ventiladores com fartura e tratamento para grande parte dos casos --, nessa altura já seremos outros.


Ao termos passado por este regime de inoculação diária de números diários de contagiados, ventilados e mortos, durante largas semanas confinados e amedrontados, estaremos conscientes da nossa vulnerabilidade, teremos aprendido que o espirro de um pangolim no distante mercado de Wuhan pode prender-nos em casa, pode afastar-nos dos que amamos, pode ceifar vidas, esvaziar ruas, derrubar empresas, empobrecer tudo à sua passagem, pode deitar o mundo abaixo.


Estaremos, pois, nessa altura, conscientes do respeito que o equilíbrio da natureza nos deve merecer, estaremos conscientes de que, por milhões de conhecimentos que adquiramos, nada nos salvará se uma gotícula invisível que se tenha evadido da expiração de um qualquer anónimo entrar em nós.

Teremos aprendido que há formas mais saudáveis e racionais de viver, teremos aprendido que somos todos agentes de saúde pública, teremos aprendido que o melhor para todos nós é se formos também guardiões do planeta azul e verde.


Seremos outros e o mundo será outro, mais limpo, mais natural e acolhedor. Ter-se-ão reinventado ocupações, criado novas actividades, adquiridos novos hábitos. Hoje ainda não sabemos quais, ainda não sabemos como faremos, como seremos. Hoje desconhemos aqueles que seremos. Hoje estamos a iniciar a construção do que seremos no futuro, um futuro que queremos que seja próximo e bom.


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1. Recomendo a leitura de algumas sementes das chaves que abrirão a porta ao novo mundo: Oxford firm to screen 15,000 drugs in search for coronavirus cureExscientia to use AI to hunt through compounds which have passed human trials


2. Recomendo que vejam e ouçam a prova de quão resilientes somos, de quão generosos poderemos ser




3. Recomendo que vejam um dos vídeos que provam como a natureza tem horror ao vazio


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As pinturas são de Otto Dix e vêm ao The way that I love you, segundo o Passenger

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E agora, se me permitem, vou ver um bailado de um coreógrafo que o Paulo B. me deu a conhecer, Alexander Ekmman, que cria bailados na fronteira entre o mundo actual e o mundo novo


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E agora, com vossa licença, vou ouvir poesia e, se descobrir alguma que me face arrepiar ou ouvir de olhos fechados, volto aqui para partilhar convosco

sexta-feira, novembro 23, 2018

Um lago dos cisnes à maneira


Há uns tempos, o P., um Leitor que muito prezo e admiro, deu-me a conhecer este bailado fantástico. Não acho graça à desconstrução pela desconstrução. Quando isso acontece, tudo muito básico, quase infantil, não tem graça. Agora, quando a desconstrução é feita com criatividade, com humor, com entusiasmo e superação, o que acontece é uma surpresa que marca quem a ela assiste.

Este Lago dos Cisnes é extraordinário. Claro que apenas conheço excertos mas, do que vejo, encanto-me. Aliás, acho que todos os bailados de Alexander Ekman parecem ser surpreendentes.


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quinta-feira, novembro 22, 2018

Inovação. Burocracia. O mundo de todos os dias.




Há uma forma burocrática de se ser. E que não se pense que, com isto, me preparo para dizer que ser-se burocrata é mau. Nada disso até porque piamente acredito que, quem o é, gosta muito de o ser. Conheço vários. São organizados, organizam-se e reorganizam-se, têm agendas com tudo incluindo os aniversários de toda a gente, fazem anotações de tudo, documentam tudo, arrumam tudo em pastas, sub-pastas e sub-sub-pastas, agendam e pré-agendam, tentam ensinar os outros a organizar-se, mostram as virtudes de serem tão metódicos e disciplinados, têm truques, sabem habilidades.

Eu olho-os disfarçando a compaixão que sinto porque vivo bem no meu mundo caótico que dispensa planificações, actas, memos, controlos e controlos dos controlos. Penso que desperdiçam a vida afogados no que me parece ser a sua própria ineficiência. Mas se calhar estou errada. Sei lá. 

Agora uma coisa eu sei: não vou mudar.  Não perco tempo a tentar ser o que não sou.


Ainda agora. Relativamente às minhas áreas, pedem-me a lista das actividades ligadas a inovação. Tenho vontade de dizer: zero. Para mim, inovação precisa de criatividade e criatividade  é outra coisa. Criatividade é onda alta e insubmissa, é chama livre e fogosa, é acorde solto no vento, é abraço apertado de onde se soltam doces faíscas, é bailado no céu ou no fundo do mar, são estrelas brotando do chão. É isso. Não é coisa de nada repescada apenas para incrementar os rankings, não é coisa de nada envolta em bagaço burocrata e disfarçada de coisa boa. 

Uma vez, um dia dedicado à inovação. Convidados. Apresentações. Dissertações. Muita gente, muitas palmas. Muitos métodos para medir a inovação, para acelerar a inovação, para registar a inovação. E eu, cabeça noutro lado, deslizando no lago sereno das minhas memórias, dos meus sonhos. 

No intervalo, o organizador veio perguntar a minha opinião e, antes que eu dissesse alguma coisa, já foi avançando: 'Está a correr muito bem, não está? Toda a gente já me deu os parabéns. Uma adesão enorme, já a pedirem para organizar outro evento para o ano que vem' e seguiu, contente consigo próprio.


Muitas vezes penso: se calhar sou demasiado feroz, se calhar as coisas são melhores do que as vejo. Por exemplo. Recebi ontem um mail em que, às tantas, um jovem licenciado dizia 'obti os valores'. Olhei e nem acreditava. Há que tempo sem h, é mato. Quere-mos ou fazê-mos, mato é. Nas reuniões, sêjamos ou outras pérolas é coisa que meio mundo atira aos outros como se de porcos se tratassem. E eu fico doente com isto. Mas, ao mesmo tempo, interrogo-me: porque deixo que isto me perturbe quando olho à volta e vejo toda a gente tão confortável?

Portanto, o mal é meu. Mas que seja.

Agora voltando ao ponto em que estava. Criatividade e inovação a sério (e uma coisa não é sinónima da outra) não podem nascer de metodologias e burocracias. E quando acontecem é outra coisa, é uma explosão, é uma graça. É uma novidade.

Por exemplo, Alexander Ekman. É inovador, é criativo, é talentoso, é marcante. Tem apenas 34 anos mas, senhores, é brilhante. Veja-se este Play. Não dá para acreditar:  tantas e tão graciosas imagens. KPI's? Está bem, está.

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E agora aceite a minha sugestão: desça um pouco mais e faça o teste. Conheça-se.

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sábado, fevereiro 10, 2018

Smile





Tenho que confessar: algumas pessoas tiram-me do sério.

Gosto de fazer coisas, não perco tempo com mas-mas, se há o que fazer eu penso durante dez segundos, vejo em volta quem posso arregimentar para me ajudar na faina, desafio as pessoas a fazerem o que nunca fizeram, puxo por elas -- e não perco mais tempo, arregaço as mangas e meto pernas a caminho. E alegro-me no mais fundo do coração quando as vejo motivadas, a descobrirem o mundo, a sentirem que acreditam nelas. E depois passo-me quando vejo que há quem fica a patinar em seco, não querendo arriscar, quem se atemorize e não faça a sua parte.

Por mim, em querendo, arrastava o mundo para outra galáxia. Não me falta energia, capacidade para empolgar os outros nas jornadas que empreendo. Mas falta-me a paciência para esperar pelos que parece que têm medo de se mexer (medo de poder não estar a fazer bem, medo de poder vir a sofrer críticas por não fazer como deveria ser feito). Ficam, então, à espera do último input, da última confirmação -- e o que acontece é que as oportunidades vão passando. E os que estão mais do que disponíveis para avançar ficam eternamente à espera de que soe o tiro de partida. Desmotivam-se, desacreditam, abandonam. 

Por isso, arreliei-me a sério. Quando me arrelio já não tenho vontade (ou capacidade) de disfarçar. Não disfarço. Vai à bruta. Se calhar mais à bruta do que deveria. Se calhar, chega aos outros quase como uma agressão. Mas não pretendo agredir, pretendo apenas que se mexam.


Mas logo a seguir me enterneci ao ver a minha menina, há pouco tão hesitante e frágil e agora já toda confiante, afirmativa, destemida. E o outro que tem andado meio perdido e agora a vir contar-me as suas ideias, todo ele projectos e vontade de voar. Ou o outro, todo bem disposto, a rir e a fazer-me rir, todo irreverente e teatreiro e a mostrar que conta comigo para virar o mundo do avesso.

E, de repente, aquele com quem me passei por não lhe ver a acção que me parece urgente, começou a dar sinais de que finalmente se moveu e eu enchi-me de esperança: o mundo é mesmo capaz de se ter começado a mexer e isso é o que eu quero.

E consegui ir à fisioterapia e o fisioterapeuta novo, um homem, está a pegar os cornos do bicho-ombro de outra maneira e ao fim de duas sessões parece que já sinto a diferença. Explicou-me o que tenho em cada sítio onde me dói, dizendo o nome da coisa e agarrando-a para eu perceber. E fez-me sentido. Percebi qual o tendão que teve a rotura, como a inflamação se formou, dando origem a uma bursite. Com energia, muito focado, desfaz contracturas, alisa músculos, puxa o braço. Tamanha a tareia, custa-me. Mas, enquanto me dói, penso que aquilo é para ficar boa e fico a suportar melhor a dor.


Cheguei tarde, tarde. Foi, pois, bem noite que fomos jantar à praia. Frio e tarde -- demais para passear à beira mar. Paciência, fica para outro dia.

Agora já passa bem da meia noite, estou a dormir aqui no sofá da sala, tentando (em vão) acordar. Está um calorzinho bom e eu estou em paz. Não guardo nunca nada por dizer. Digo tudo de caras e na hora. Digo, fica dito, sigo em frente. Não faço planos, não me inquieto. Mas, se vejo um caminho e me parece que leva a bom porto, então, eu vou por ele e arranjo quem venha comigo. Gosto de tentar descobrir onde levam os caminhos que nunca antes percorri. Gosto de me aventurar. Gosto de sentir o medo miúdo de não saber como chegar ao fim. Gosto de partilhar o medo para sentir nos outros a força que me leva mais longe.

E não há muito mais a dizer. Aliás, haver até havia, eu é que tenho que acordar para ver se consigo chegar ao quarto.

Talvez só mais isto: está-se bem. 

Trabalhos efémeros na natureza by James Brunt

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Antes de tentar chegar à cama, só mais um pouco na companhia da beleza. Palavras, bailados, jardins.

Ou seja, as palavras interditas nos jardins selvagens, com bailado pelo meio.









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E um bom fim-de-semana a todos.

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sábado, outubro 07, 2017

Viver o Verão no Outono à beira Tejo -- agora na Expo


Lisboa fervilha de gentes que falam todas as línguas e eu gosto disso. Gosto de andar por entre desconhecidos, por entre gente que traz novos hábitos e que anda, tal como eu, à descoberta.

Estávamos numa esplanada e em cada mesa comensais de diferentes nacionalidades. Os empregados também mal falam português mas estão sempre a sorrir e a sua amabilidade e esforço para bem comunicarem emprestam uma graça suplementar ao lugar. Em pé, junto ao passeio, dois homens de pé falavam animadamente uma língua que não conseguimos identificar ou, sequer, localizar. 

Se há lugar em que se podem observar todas as diferenças de idades, de raças, de nacionalidades e costumes é aqui, no Parque das Nações -- a que ainda chamo Expo --, em dia de descanso.

Apesar da muita gente, é um lugar muito tranquilo, como são sempre tranquilos os lugares à beira de água. E é um lugar muito belo. Sei que muitas pessoas não concordam comigo, acham que é um aglomerado urbano com concentração excessiva de edificado. Não tenho noção disso pois não costumo adentrar-me pela zona mais habitacional. Os lugares que frequento são os da beira de água e é daí que observo a arquitectura dos edifícios, as árvores, as esculturas, o rio, a ponte muito leve, as gaivotas.

Fotografo. É um desafio pois não quero ser intrusiva mas gosto que as fotografias guardem a proximidade. Por isso, é a atenção e o acto reflexo: e, num instante, captar o momento. Partilho convosco para que vejam o que os meus olhos vêem.

Debaixo da célebre pala do Siza, no magnífico Pavilhão de Portugal
que, como tantas vezes acontece neste país, (penso que) continua sem destino específico

Passear sobre o Tejo, num dos seus convidativos passadiços

Gaivotas a apanhar banhos de sol

Partilhar a bucha com as bichinhas

Passear, conversar, conviver -- o sol e a joie de vivre no outono

As cores estivais e a luz que vem do rio 
Brincar, viver a amizade e a juventude -- a alegria de ter o futuro inteiro pela frente

Conversar, rir, trocar experiências e anedotas -- a alegria feminina na idade feliz 

Escrever, estar à sombra, reflectir

Apanhar sol, trabalhar para o bronze, conversar à distância

Usar as cores de outono para melhor sentir o outono neste rubro outubro
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A Midsummer Night's Dream numa coreografia de Alexander Ekman 


The Royal Swedish Ballet 


Música de Mikael Karlsson



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sábado, agosto 26, 2017

Pescar um beijo


Nem tudo o que parece é. Nem tudo o que é parece. Nem sempre quem muito porfia alcança, nem quem muito caminha lá chega. Nem sempre quem alça a perna toca a cabeça, nem sempre dentro da valise vai o dossier do executivo. Nem todas as bocas são mornas, nem todas as línguas são apetitosas. Nem tudo o que anda tem pernas, nem tudo o que nada nada dentro de água. Nem sempre quando se pesca, se apanha, nem sempre quando se beija, é um peixão que se beija. Nem todas as bocas se atraem, nem todos os peixes se amam.

Nem sempre que se teoriza se filosofa, nem sempre que se filosofa se acerta. Nem sempre que se escreve, se diz. Nem sempre que se diz, tudo se aproveita.

Tem dias. 

Fish Kiss


[Para ver até ao fim. E em boa hora me apresentaram Alexander Ekman]


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Um sábado muito bom para todos quantos aqui estão na minha companhia.

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sexta-feira, agosto 25, 2017

Bonecas e bonecas


Por vezes, vejo uma coisa e resvala-me a reacção para a incompreensão. Depois, dou-me conta do preconceito que me enforma e logo tento condescender, aceitar a diferença, perceber que há quase sempre uma causa profunda para aquilo que, à superfície, parece uma aberração.

E é neste ponto que agora estou: tentando não fazer juízos de valor e puxando pela minha mais profunda aptidão para aceitar que tudo (ou quase tudo) deve ter o seu lugar no mundo e ser respeitado, apesar de tudo.

Lulu Hashimoto, a ‘living doll’ model, poses on a crossroads in central Tokyo

(The Guardian)


Lulu Hashimoto é uma boneca humana. Na prática, uma pessoa mascarada. Melhor, a usar um disfarce. O outfit inclui máscara, cabeleira, vestuário e meias. Quem criou a personagem Lulu foi Hitomi Komaki, uma designer de 23 anos.


Lulu não é a única. Vai participar no concurso Miss iD, um concurso no qual participam avatares, bonecas, figuras da ficção digital -- cerca de 4.000, ao todo. 
The pageant, which includes "non-human" characters generated by artificial intelligence and three-dimensional computer graphics for the first time, will announce a winner in November.

Lulu's ability to blur the line between reality and fiction has mesmerized fans on social media, where the Lulu Twitter and Instagram accounts have drawn tens of thousands of followers. (...)

Começamos a entrar naquele extraordinário mundo novo em que as coisas ganham vida própria e em que começamos a assistir a episódios que parece não fazerem sentido, pelo menos à luz da tradional racionalidade humana.

Não vou chamar para aqui o que para aqui não é chamado mas uma coisa é certa: a facilidade com que algumas pessoas se deixam seduzir por uma realidade paralela em que a desumanização parece coisa atraente deveria dar que pensar.

Por cá ainda não estamos tanto nessa. O Japão e países quejandos são terreno fértil para bonecas com toque humano, que simulam emoções e que conversam como gente. E robots de toda a espécie. E jogos que conduzem humanos. Para nosso bem, a nossa bem amada santa terrinha parece ainda estar distante dessa realidade transformada.

O aborrecido disto é que, com a facilidade e abrangência da difusão de novidades e aberrações, o que parece uma tontice no fim do mundo, num instante está a ser adoptada por gente perto de nós. E mesmo que não seja adoptada, é tacitamente aceite. A desumanização vai seguindo o seu caminho perante a desatenção dos humanos.

Aqui há dias uma notícia assustadora da qual (quase) ningém deu notícia.

Facebook shut down an artificial intelligence engine after developers discovered that the AI had created its own unique language that humans can’t understand. Researchers at the Facebook AI Research Lab (FAIR) found that the chatbots had deviated from the script and were communicating in a new language developed without human input. It is as concerning as it is amazing – simultaneously a glimpse of both the awesome and horrifying potential of AI. (...)


Coisa aterradora. Dizem que este motor de Inteligência Artificial foi travado. Mas terá sido? É que tudo isto se traduz em programação que facilmente é copiada por um qualquer artista que resolve dar-lhe continuidade sem que ninguém se dê conta. Termina assim o supra citado artigo: If the AI is communicating using a language that only the AI knows, we may not even be able to determine why or how it does what it does, and that might not work out well for mankind.

Um outro artigo merece atenção e, de novo, recomendo a leitura integral: Silicon Valley siphons our data like oil. But the deepest drilling has just begun. Personal data is to the tech world what oil is to the fossil fuel industry. That’s why companies like Amazon and Facebook plan to dig deeper than we ever imagined .

 An Amazon Go ‘smart’ store in Seattle.
The company’s acquisition of Whole Foods
signals a desire to fuse online surveillance with brick-and-mortar business.
[The Guardian]

What if a cold drink cost more on a hot day? Customers in the UK will soon find out. 
Recent reports suggest that three of the country’s largest supermarket chains are rolling out surge pricing in select stores. This means that prices will rise and fall over the course of the day in response to demand. Buying lunch at lunchtime will be like ordering an Uber at rush hour.
This may sound pretty drastic, but far more radical changes are on the horizon. About a week before that report, Amazon announced its $13.7bn purchase of Whole Foods. A company that has spent its whole life killing physical retailers now owns more than 460 stores in three countries. (...)
Não é a partir da boneca humana Lulu que podemos inferir que o mundo está a caminhar para a sua destruição. Não é. Mas aqui e ali vamos vendo como são acarinhadas manifestações destas, em que as pessoas se disfarçam de não-pessoas ou em que,alegremente, se põem em pé de igualdade pessoas e não-pessoas. E parece que não percebemos que já há funções desempenhadas por não-pessoas e que o caminho que se está a percorrer relega-nos a nós, pessoas, para um papel que pode vir a ser marginal (na melhor das hipóteses).

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A girl holds a picture of her brother,
who was allegedly killed in Yemen’s ongoing conflict, during a rally against Saudi-led airstrikes

[The Guardian]



E, enquanto isso, no mesmo mundo, exactamente no mesmo pequeno planeta, assiste-se a manifestações que vão no sentido exactamente oposto. Ou não. O mesmo desprezo pelos humanos. Não será por via da robotização mas da mais pura maldade. Ou não. Ou não. Há conceitos que não têm o mesmo significado quando as culturas prezam valores distintos.  Na fotografia acima uma menina que quase parece estar vestida como uma bonequinha  -- mas que, infelizmente, vive uma vida que não é brincadeira nenhuma -- também numa rua e, identicamente, em Sana’a tal como em Tóqio, ninguém parece prestar-lhe muita atenção, como se nada destoasse da normalidade. Mas, por aqui, no Iémen, não é lugar para a delicada Lulu Hashimoto se vir fazer fotografar .

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No meio deste mundo díspar e perigoso, mil vezes as rêveries que nos trazem alegres melodias, sorrisos, tules, cores de rosas, elegâncias. Alienação, talvez. Mas qualquer coisa à escala humana, não ameaçadora. O vestido parece um vestido de boneca, ela é bonita e poder-se-ia dizer que é bonita como uma boneca mas, convenhamos, é uma mulher que não esconde nem desmerece o seu género humano.

Consegue usar alta costura na sua vida real?


A música é Mademoiselle Melody por Pierre Terrasse, La Griffe. 
A modelo é Solange Smith e veste um vestido de Giambattista Valli.

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Contradições


The Contradiction of Silence -- coreografia de Alexander Ekman



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