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domingo, maio 31, 2015

Quase voar [4º post de 4]


Manhã de passeio pela beira do rio. No elevador da Boca do Vento mais um valente (ou maluco...?) preparava-se para se atirar. Volta e meia é isto.


Bungee jumping na Boca do Vento sobre o Ginjal





No outro dia, já nem sei se era a propósito disto, a minha filha dizia que uma coisa qualquer haveria de ser boa para mim, já que eu gostava tanto de voar.
E gostava mesmo. E sonho. E tenho tal e qual a sensação de voar, deixo-me ao sabor do vento, a planar, mudo de direcção, sinto o vento. Mas uma coisa é voar e outra é cair a pique, uma pessoa despenhar-se, que é o que acontece com isto do bungee jumping

Geralmente, quando se atiram, os corajosos gritam como uns capados, gritos lancinantes de quem sente o terror e não tem como fugir dele. Mas este não. Atirou-se com suavidade, discreto, o rio tão azul quase a seus pés, e ele a balouçar-se em silêncio. Deve ter sido bom, deve ter aproveitado melhor do que os que gritam desesperadamente.




Fiquei a vê-lo e a fotografá-lo até que o cabo se imobilizou e ele foi descido até a terra firme. 




Muito corajoso e muito sóbrio. Nunca tinha visto uma coisa assim, parecia um anjo negro silencioso.

Lá em baixo um gato escondia-se do sol, negro, olhos cheios de luz, e igualmente silencioso.




Este é um lugar abençoado, onde se podem esconder os que procuram a sombra e o silêncio, onde podem voar os que querem sentir o que sentem os anjos que voam sobre o mar, onde eu posso andar, transparente, invisível, aspirando a maresia e sentindo os outros seres invisíveis, feitos de palavras, que andam junto a mim, dentro de mim.

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Lá em cima, de Erik Satie a Gnossienne No.4

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domingo, março 18, 2012

A magia do Ginjal, um lugar de casas abandonadas e de veleiros, pescadores e gaivotas, o lugar de onde Lisboa é mais bela, o lugar em que o rio corre impaciente até se perder no grande oceano


Música, por favor

Claude Debussy - Sirenes



Há um lugar que é pouco mais que uma longa rua. Esse lugar é, para mim, o mais belo do mundo. 


Assim são as janelas neste local, assim são as pareces deste casario

Nesse lugar apenas há casas de um dos lados da rua e são casas esventradas, destelhadas, paredes gastas, janelas sem vidros. Ultimamente as paredes aparecem escavadas, alguém abre buracos para entrar naqueles espaços vazios, sujos. Por vezes, à noite, vem um cheiro a queimado lá de dentro, talvez façam fogueiras, não sei, não se vê ninguém, à noite é um lugar deserto, um pouco assustador. Outras vezes, de dia, de uma das raras casas habitadas vem uma música alta, e acontece que alguém abre a porta de chapa, afasta o pano sujo que serve de cortina, assoma para espreitar e logo se mete para dentro.

Na estação dos barcos, vulto de homem que espera, reflectindo os restaurantes cá fora
Lá dentro a imagem do rio e a grande cidade, do outro lado

Num dos lados, essa rua vai dar a um largo onde geralmente cheira a carvão e a peixe assado e ao qual chegam pessoas que saem dos barcos a correr, com sacos nas mãos e que, sempre a correr, se dirigem para os autocarros ou para o comboio.

Na outra ponta, a rua vai ter a um pequeno jardim e, a  seguir, a um fontanário e dali segue por uma rua que sobe para zona antiga da cidade. A essa zona alta da cidade que se debruça, lá em cima, sobre o pequeno jardim, chama-se Boca do Vento.

Hoje, de lá lançaram-se, que eu tenha visto, três pessoas. 

A primeira foi uma mulher que voou em silêncio, passou pelas árvores, pelos telhados, voou como um pássaro suave. 

A mulher suspensa e silenciosa.
Lá em baixo, casal que passeia rente ao rio, fotografa  esta mulher corajosa

A seguir foi um homem que se atirou com elegância e em silêncio, como se mergulhasse no espaço. 

Homem que voa como se fosse nadar, contido, elegante, também silencioso

O terceiro era um histriónico, gritou, saltou no ar, gritava não sei se de susto, se de alegria, os seus gritos rasgavam o lugar, penso que era o mais jovem.

O terceiro a voar: ruidoso, agitado, encheu o peito de ar e voou como um pássaro jovem

Do outro lado dessa rua não há casas porque essa rua acompanha o rio. Um casario degradado e digno de um lado e o rio largo e azul do outro. E depois Lisboa.

Nesse lugar mágico, a manhã hoje estava estava húmida, uma leve névoa envolvia o rio e as árvores do pequeno jardim. Em dias assim a magia é ainda maior.

A envolvência deste lugar único - o rio sobe aos telhados, os veleiros quase roçam o céu

Hoje o rio estava cheio de veleiros, veleiros de todas as cores e tamanhos, veleiros sobre os telhados, veleiros no meio das árvores. 

Este jardim que desce até ao rio tem relva e os veleiros vêm abrigar-se junto às suas árvores

E os gatos, depois de tantos dias de sol, estranhavam esta fresca humidade e deslizavam intrigados, abrigando-se debaixo dos arbustos. 

Um gato silencioso que desliza com subtileza e que vem esconder-se no meio dos arbustos

E olhavam, admirados e discretos, querendo uma explicação para esta alteração da ordem natural das coisas.

A gata dos olhos verdes que sempre me olha, cúmplice, e que se imobiliza enquanto lhe falo

Outro esgueirava-se pelas rochas, espreitando, e eu falei com ele e ele parou para me ouvir. Era aquele belo gato malhado de lindos olhos verdes que já fotografei outras vezes. Gosto de pensar que é uma gata, a gata que se esgueira pelos buracos e desaparece nas paredes, a gata que ama este lugar tanto como eu.

Barco de guerra, tão grande que quase questiona a harmonia da escala mas que, avistado daqui,
perde qualquer vestígio de belicismo, é apenas um navio pousado no rio e abrigado junto às árvores

Do outro lado do rio, mais a oriente, um enorme porta aviões, outra escala, outra coisa. Mas estava também aqui, abrigado debaixo destas árvores escuras que hoje destilavam uma humidade fresca.

Os verdes e as sombras, a intimidade e a paz de um local que acolhe todos os afectos

À noite este lugar está deserto, apenas vagas sombras solitárias se arriscam a atravessá-lo mas, de dia, há sempre uma ou outra pessoa que contempla a beleza e fica em paz, ou casais que se abraçam e que estão também em paz e doçura.

O pescador que espera o peixe, que aspira a maresia, que lava os olhos, que lava a alma

E há os pescadores que aqui estão também em paz, e a harmonia entre as suas figuras, o rio, os veleiros, a cidade do outro lado, é total.

Passaram por mim, indiferentes a quem passa, concentrados nas suas ideias: o pescador e a gaivota

E há as gaivotas que ora se elevam no ar e, com as suas longas asas, descrevem arabescos, planam, mergulham no rio, ora se colocam em contemplação, solenes, indiferentes. Ou, então, passeiam-se na rua, olhando a paisagem, as paredes, as janelas e, ao vê-las, sinto que são mulheres como eu. Ou seguem os pescadores, irmãs e amigas.

Este local que é pouco mais que uma rua, é um local de uma beleza quase transcendente. Se há névoa ou chuva ou se há sol e intensa luminosidade, ou se o sol se põe, dourado e quente, ou se é noite e me apetece voar atravessando o rio negro e flutuar no céu imenso e cúmplice, eu sinto sempre que sou daqui, que nasci desta água, que nasci neste céu, que vivi nestas casas esventradas que abrigam gatas vadias, que tenho as gaivotas por irmãs, que eu não seria eu se não respirasse este ar que cheira a limos e se o meu olhar não se lavasse com esta imensa beleza, tão natural, tão eterna.

Este local é o Ginjal.

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O voo das gaivotas

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E tenham, meus Caros, um belo domingo.