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segunda-feira, julho 20, 2020

O bairro das prostitutas à pinha e o presidente maluco que reconhece um elefante
[E, com isto, até fico quase sem jeito para dizer que transporto o teu coração dentro de mim]





Durante anos, antes de o conhecer, imaginava que o Red Light District seria um antro de perdição, um lugar com mistérios e malícias, transpirando glamour, com aquela pitada de secretismo e de interdito que supostamente deve apimentar os encontros sexuais.

Até que um dia fui numa viagem de negócios a Amesterdão com um colega que tinha trabalhado na cidade e que se propôs fazer-me uma visita guiada pelos locais mais conhecidos. Sendo ele um conceituado executivo, dir-se-ia que me levaria a ver locais ligados ao conhecimento ou às artes. Mas não. Perguntou se eu gostava de conhecer os lugares da droga e da prostituição. Não me fiz rogada, julgando eu que ia entrar em meandros onde só os entendidos se aventurariam, coisa com o seu quê de bas fond,, de clandestino, ou, pelo menos, coisa reservada apenas a connaisseurs. 

Decepção: na zona da erva, malta encostava-se às paredes, outros estendiam-se pelo chão, outros entravam e saíam das lojas mas tudo sem qualquer elevação. Apenas gente janada, alguns num estado de dar dó.

Chegados ao bairro vermelho, fiquei ainda mais decepcionada. Coisa mais pirosa, pensão de meia tigela à vista de todos, gentinha a ver por ver, turismo pacóvio. 

Regresssei ao hotel de luxo a achar que aquilo não abonava muito a favor dos holandeses.

Mais recentemente voltei lá. Na altura, falei nisso. Pensei: será que na outra vez vi outra coisa? ou estava mal disposta e fiz uma má avaliação do que vi? ou será que, se era mesmo mau, agora está mais decente? Mas não. A mesma colecção de tesourinhos deprimentes. Pequenos compartimentos com uma caminha fajuta, tenho ideia que um bidé a um canto, uma toalhinha. As mulheres na montra. Depois entra o homem, fecham a cortina. Um cubículo triste. As ruas cheias de gente. Até eu, ali no meio, querendo compreender o que não é para compreender. Que género de homem fura a barafunda para entrar numa pequena loja, cumprir o seu propósito, provavelmente lavar-se e sair dali? É apenas uma experiência, coisa ocasional? Irá gabar-se de ter ido às putas no Red Light District? Haverá alguém no seu perfeito juízo que ache que é feito de que possa orgulhar-se? Ou será simplesmente um solitário que, não tendo melhor alternativa, vai ali desovar?

Mas, nisto das coisas estranhas da vida, o melhor mesmo é a gente não se arriscar a dar palpites nem tentar arranjar motivos para situações de que não temos qualquer inside conhecimento. O que para nós é uma coisa triste, desolada, sem futuro, pode ser apenas uma bóia de salvação a que alguém se agarre para se aguentar na sua solidão. 

Mas isto para dizer que foi, pois, sem surpresa que li que, ao reabrir o bairro das meninas em Amesterdão, aquilo se apinhou de tal maneira que as autoridades tiveram que recuar na libertação dos impulsos, mandar fechar ruas. Uma coisa que a minha razão não percebe bem pois aquilo é, a meus olhos, uma coisa decadente, triste, o género de coisas que, por não ter qualquer vestígio de requinte, mistério ou jogo de sedução, deveria era afastar as pessoas que não deveriam querer testemunhar a tristeza alheia. Mas, tal como eu já fui lá ver por duas vezes, ambas por curiosidade absurda, se calhar é isso que todos os papalvos lá vão fazer. Esses e os outros, os que frequentam e mantêm vivo o negócio pois sabemos lá nós que necessidades se escondem por detrás da coragem que, vendo bem as coisas, também é precisa para transpor aquelas portas. 

E, depois, quem diz que, entre uma pinocada a correr e uma lavagem rápida antes de sair porta fora para dar lugar ao próximo, não nasce um dia um grande amor? Não produziu E E Cummings belas cartas de amor a pensar numa prostituta que conheceu em Paris? Já mais do que uma vez aqui tive poemas seus, tanto que gosto deles, pessoa apaixonada, ele. E, com a mesma paixão com que os escreveu, pelos vistos assim escreveu antes palavras de amor e saudade a Marie Louise Lallemand.

Transcrevo do Guardian, e, portanto, não em francês mas em inglês:
In one letter, written from the frontline in France, Cummings told Lallemand: “Darling, Marie Louise, you who are more to me than the scarlet poppies which are mown, more than the yellowing evenings which we see die, more than the silence full of stars, the completely white silence of night, only awaiting dawn, – take the kiss which I give you, that kiss, without value, because it comes from a soul which loves you.”
[Artigo completo: Revealed: how a Parisian sex worker stole the heart of poet EE Cummings.]
Portanto, adiante.

Mais preocupante, mas muito, muito mais, incomensuravelmente mais do que a provocada pelo maralhal amontoado à porta das montras com as prostitutas de Amesterdão, é o que se passa nos Estados Unidos, com uma besta quadrada à sua frente, um psicopata, um inútil e um destituído como são inúteis e destituídos todos os narcisistas, pior aqui por se tratar do supostamente mais importante país do mundo a ser governado por tal cavalgadura. Sempre que o vejo pasmo: como é possível que ainda ninguém tenha arranjado maneira de o mandar de volta para casa dele? Tudo o que diz e faz revela o miolo de batada moída que tem dentro daquela cabeça. Mas não é só as cavaladas que diz: é a forma como diz, é o tom de voz, é tudo. Uma desgraça que não se percebe como alguém consegue aguentar. A mulher, apesar de ser aquela boneca empalhada, nem suporta que ele lhe toque, mal se aproxima dele, creio que nem vivem juntos, e os colaboradores e colaboratrizes rodam a grande velocidade, incapazes de suportar tanto egocentrismo, tanta estupidez e parvoíce (pode parecer que estupidez e parvoíce são sinónimos mas não, há nuances que fazem toda a diferença). Cada entrevista que a alimária dá revela o vazio alucinado que o preenche e, cada uma, só por si, deveria gerar um escândalo nacional e internacional. Mas não. Aceita-se que um atrasado mental que acha que acertar num teste que um elefante é um elefante é prova de sanidade mental continue a governar os Estados Unidos. Algo vai mal no mundo com coisas destas a acontecerem. A existência do Trump como presidente dos States legitima que, um pouco por todo o lado, muitos outros que tais empestem os países, as cidades, as ruas, as casas deste planeta. Uma triste lástima.
É ler Donald Trump v Fox News Sunday: extraordinary moments from a wild interview para se ver mais uma das suas últimas. (Facing a feared interviewer, the president ended up insisting that identifying an elephant proved his mental capacity)
Que burro, senhores. Pior do que um psicopata é um psicopata burro. 

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Já agora, por falar nele: "i carry your heart" de E E Cummings (lido por Tom O'Bedlam)


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Pinturas de Egon Schiele a acompanhar 'Les amants de Paris' na voz de Edith Piaf

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E a todos desejo uma bela semana a começar já por esta segunda-feira

sábado, novembro 02, 2019

O problema dos homens.
-- Conselhos de uma mulher fatal a homens que não atinam --





Para escrever um post a sério sobre o tema eu deveria pensar um pouco antes de escrever. Ou, então, fazer uma lista, depois sistematizar ideias, eliminar as irrelevantes, hierarquizar as relevantes. Mas isso seria pedir-me demais e eu, como é sabido, poupo-me.

Portanto, vai em estado bruto e talvez possam fazer o favor de relevar se for notório que a explanação sobre o tema teria merecido edição.


E o tema tem a ver com o facto de que, volta e meia, ouço ou leio por aí umas coisas sobre o problema das mulheres. Escrito por homens, claro. E não há uma única vez em que eu ache que o que esses homens dizem é acertado ou que revela que, quem o diz, percebe alguma coisa de mulheres.

Assim, tomo a liberdade de deixar aqui uns brevíssimos apontamentos para ajudar os homens que por aí andam à nora sem conseguirem atinar, sem conseguirem seduzir e manter seduzida uma mulher. 

Não vai por ordem de importância, vai à medida do que me for lembrando. Leiam, por favor, meus Caros, como conselhos a seguir quando estiverem perante uma mulher que queiram impressionar. E leiam este perante em lato sensu: não precisa ser presencial, pode ser virtual. E estou, obviamente, a admitir que gostariam de seduzir uma mulher interessante, daquelas que dão luta, não uma totó que vai em qualquer cantiga.

Então, com vossa licença, aqui vai.

Regra de ouro: um homem não deve pôr-se com teorias sobre mulheres. Se o fizer, estará automaticamente a demonstrar que é daqueles que atira ao lado. É que não há teorias sobre mulheres. Há chalaças, há parvoíces, há graçolas, há tentativas ingénuas por parte de aprendizes mal sucedidos. Teorias não há. Por isso, o que devem fazer é confessar a sua profunda ignorância sobre as mulheres. E devem interiorizar isto de forma muito profunda para que se perceba que o que dizem é autêntico. 

Outra regra, também de ouro: faça a mulher o que fizer, não devem, em circunstância alguma, mostrar que acham que é um déjà-vu, não devem sequer deixar transparecer que pensam que é típico. Nunca. Cada mulher é única. Cada reacção de uma mulher é única. Não há termo de comparação, não há semelhança possível com qualquer outra reacção, com qualquer outra mulher. Portanto, se o homem for inteligente, deve manter-se atento porque está perante terreno desconhecido e não há previsibilidade possível.

Regra certamente também de ouro: de modo algum pode o homem mostrar que está com medo da mulher. E que não se pense que claro que não mostram porque a verdade é que mostram. Podem achar que a mulher não percebe esse medo mas claro que percebe. O que mais se nota num homem que está perante uma mulher que gostaria de seduzir é que está a tactear, que está a medir o efeito do que se está a passar, que procura sinais de aceitação. Ora isso pode ser-lhe fatal. Uma mulher -- e claro que falo por mim -- não tem paciência para homens que avançam com pezinhos de lã, com medo de pisar algum ovo, mostrando que recuarão ao primeiro sinal de desaprovação. As mulheres, cada uma à sua maneira, apreciam a ousadia, a insolência, a coragem.

Regra não menos de ouro: homem que seja homem e que queira agradar a uma mulher jamais deverá pôr-se em bicos de pés, jamais se porá a falar de si próprio como se isso fosse motivo de algum interesse. Aliás, homem que é homem se quer despertar interesse numa mulher não pode falar muito. Nem pensar em pôr-se com teorias, evocação de memórias ou relato de sucessos ou fracassos. Nada disso. Pelo contrário, deve ouvir, deve pressentir, deve genuinamente mostrar interesse no que a mulher estiver na disposição de revelar.

E uma outra regra, tão de ouro como as demais: a erudição (verdadeira ou pseudo) servida a granel, o desfiar de referências -- os filmes, os livros, as músicas, os lugares, os vinhos, os charutos, as lojas ou as marcas, etc. --, mesmo que envoltas num estudado spleen ou enunciadas com ar blasé, são uma charopada e aguentam-se uma ou duas vezes. À terceira, o homem já entrou em derrapagem e os patins serão inevitáveis.

E para acabar -- e não porque não haja mais a dizer mas, apenas, porque muito ensinamento cansa a inteligência dos homens -- mais uma regra de ouro: homem que só sabe falar a sério, achando que tudo o que diz é importante, homem que não sabe passar uma rasteira a uma mulher, deixando-a a rir, divertida com o inesperado e bem doseado humor, homem que não sabe ser cavalheiro, simpático, mostrando ser capaz de um igualmente bem doseado toque de genuína meiguice, não é homem que mereça que uma mulher se deixe seduzir por ele.

Etc.

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E um conselho suplementar, um plus: é bom que saiba um poema ou, pelo menos, uma linha de um poema para, no momento certo, quase em silêncio, sem exibicionismos, coisa mesmo vinda da alma, tentar um golpe de sorte. E, repare, eu disse tentar. É que, nisto, não há nada garantido e esse é um outro conselho: é indispensável que saiba que nunca, mas nunca, pode tomar alguma coisa por garantido. 

[Ou seja, o homem tem que ser capaz de se manter em permanente estado de graciosa e elegante ignorância, sempre disposto a surpreender-se, sempre disposto a olhar para uma mulher como se ela fosse a primeira, a única mulher]

I carry your heart

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E, note-se, não estou apenas a dar bons conselhos para que homens que falam, falam, falam mas que não conseguem seduzir mulher que se veja acabem a noivar e a casar: não, são conselhos úteis para qualquer situação, para trazerem sal, pimenta, saúde e alegria à vida.

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Ilustrações de Coby Whitmore ao som de Femme Fatale na voz sensual de Carla Bruni 
(que me levou a inscrever a palavra fatal no título, como se se aplicasse a mim o que claramente não se aplica já que sou é muito santinha)

😘

sábado, julho 20, 2019

Is this love?





Depois de dois dias preenchidos de alto a baixo, cansada das ideias e sem pitada que possa aqui reportar, é de gosto que regresso ao meu sofá e leio a troca de ideias na caixa dos comentários aos post 'Em tudo havia beleza'. Convido-vos a irem até lá -- e estejam todos à vontade para opinar se os humildes e sérios estão de um lado e os políticos de outro já que o tema se afigura como tendencialmente fracturante. E, mesmo que não se sintam apetrechados para esgrimir argumentos através de fraseado de fino recorte, não se acanhem, opinem na mesma. Ou, se preferirem, leiam apenas. Estimula os axónios e os dentritos.

Eu não digo nada porque tenho a cabecinha muito esvaída, as sinapses estão fraquinhas, um fiozinho de nada de energia a correr por entre um bando de neurónios adormecidos. O que há esgota-se no prazer de ler as espadeiradas entre a Isabel, o P. Rufino e o A Kullervo.

E o que posso dizer é que, de todas as notícias que li, agora que percorri num relance jornais e revistas, a única que reteve a minha atenção foi uma que não me agradou: o euromilhões saíu e não foi a mim. Ah, que desiludida fiquei. Já tinha um plano tão bom na minha cabeça: chegava ao pé de uma certa marmanjona que se acha muito madama e mandava-a ir comer bolotas. E chegava ao pé de uma pessoa por quem nutro genuína empatia, que juraria ser recíproca, e dizia que tinha muita pena mas que já tinha dado demais para o peditório do politicamente correcto pelo que sorry but bye buy, alimentasse ele a outra a bolota. 

Tirando isso o que posso dizer é que me apetece ir ao cinema ver um grande romance de amor, uma daquelas fitas em que há sedução, uma inteligência fulminante ao serviço do amor, passeios no bosque, canto de passarinho na copa da árvore sob a qual o casal se abriga para experimentar os prazeres do corpo, desacatos caprichosos, cenas de ciúme mal comportado, e, para apimentar a coisa, um professor de uma matéria muito inesperada surgido do nada, uma prima inocente que só atrapalha, um mistério de resolução impossível -- e uma cabana na serra e mil olhares suspeitos, mil olhares de pura atracção, mil olhares de puro deleite, mil olhares de uma incontornável malícia. Ah, e um filósofo poeta para desafiar preconceitos e ortodoxias. Ou seja, um filme daqueles com um enredo onde não se possa pôr defeito. Mas ao espreitar o que aí vai só vejo o Rei Leão e afins. Portanto, mais uma frustração.

Poderia ir à procura de dvd, rever a Constance ou outra, ou o Visconde do olhar irrecusável e uma língua a passear pelos lábios na mais descarada alusão, ou outros. Mas ver filmes em casa é sucedâneo, coisa insuficiente. Bom mesmo só no escurinho do cinema. 

Ou livro. Livro de amor. Ah, apetecia-me um livro de amor, mas dos bons, uma escrita destilada, frases elegantes, daquelas que deslizam sem ruído, uma melodia suave e bela, palavras que se se enleiam como se dançassem abraçadas, um daqueles abraços profundos, longos, pele, carne e entranhas em sintonia, corpo uno, e o prazer absoluto da admiração mútua, do olhar que não sabe como desprender-se. Mas também não sei de nenhum que desconheça, que me surpreenda como se me deixasse em mar alto, me tirasse o pé, como se estivesse a fazer-me nascer pela primeira vez.

Ou carta. Carta também seria bom. Uma carta linda, um papel bonito, suave como uma seda roçagante, e nele uma letra sincera, palavras boas de ler e reler e reler, mil vezes. E que lá de dentro, ao desdobrar o papel, se soltasse uma flor romântica, perfumada como só as flores de amor conseguem ser. Mas já não há cartas. Para que estou a pensar no que apenas existe na minha memória?

Também podia ouvir bater ao de de leve aqui na janela e apanhar um susto dos antigos e, ao ir espreitar, trémula e aflita, descobrir um pequeno vasinho de violetas com um bilhetinho e, desdobrando o bilhetinho, um poema. Mas um poema de verdade, sem palavras normais, só palavras leves como delicadas notas de música. E um tigre azul a saltar do telhado para a rua, um salto leve como um voo.

Mas qual quê. Tenho que aceitar que tudo isto não passa de uma louca rêverie numa noite quente que desliza para o fim de semana.


Portanto, vou ver se me ocorre um assunto qualquer sobre o qual escrever porque, assim de repente, não me ocorre nada. Só se me puser a ouvir poemas.


Ou isso ou pensar naquilo de que, na volta, há vida por aí a pontapé, por todo o lado na nossa galáxia e no universo

Até porque, se calhar, um dia abro a janela e entram-me mil folhinhas de papel, cada uma com seu poema, poemas feitos de palavras até aí inexistentes, cintilantes como se nascidas de uma luz ao mesmo tempo muito antiga e muito nova -- uma luz impossível de descrever porque nunca antes sequer imaginada -- e mil pétalas cada uma de sua cor, cores nunca vistas, perfumadas, acariciantes, ciciantes como segredos sussurrados ao ouvido. E, se olhasse para o céu, é mais do que certo que veria mil serzinhos insolentes, insolentes como nunca antes conheci nem em vida, nem no cinema nem em livro. 

Mas, pronto, vou calar-me para não estar para aqui a maçar-vos com esta falta de assunto.

["Je ne peux pas choisir l'air que je respire - pourquoi serait-il différent avec les sons que j'entends, les symboles que je vois?" -- on m'a dit e eu não sei o que responder porque é óbvio que é mesmo isso]

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A primeira fotografia é de Sanjeev Gupta e a segunda não sei.

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Um belo sábado.
Saúde, alegria e amor para todos.

terça-feira, julho 03, 2018

A vida quando vista ao microscópio





A questão é simples: a noite passada devo ter dormido umas três horas. E estou a pé há umas dezassete horas, senão mais. E isto depois de um dia de se lhe tirar o chapéu. 

Portanto, não apenas estou a milhas do que se passou neste nosso pequeno cantão -- onde se acotovelam bloggers de todas as sensibilidades e capazes de todas as habilidades, autarcas parece que meio deslumbrados, madonnas mandonas, comentadores aos cachos, futebolistas de toda a espécie e feitio, blocos de esquerca e comunistas cada vez mais metidos no buraco que teimam em cavar, socais-democratas de cabeça perdida com o mangas-de-alpaca que lhes saíu na rifa, sportinguistas que desconsoladamente chucham no dedo à conta de um peseiro com que não contavam, cavacos de esposa pelo braço que volta e meio saem da tumba para virem arremelgar o olho e esticar o ressabiado queixo invectivando os outros com razões que a eles próprios devem ser assacadas, apresentadores de notociários que parecem saídas de soap operas ou filmes de terror marados, mários nogueiras datados e demais sindicalistas mumificados, descredibilizados, e, meus Caros, sei lá que mais -- como adormeço entre cada palavra que escrevo.

Acontece que amanhã me espera outro dia quase que tal, um dia em que nem faço ideia de como vou conseguir organizar-me, um dia em que não vou conseguir fazer a única coisa que faria de gosto (leia-se: ajudar a fazer a cama a um ditadorzeco de meia tigela).

E olhando para a agenda até ao final desta e das duas próximas semanas fico de gatas, a priori sentindo o peso de tudo o que aí vem e que, desde há mais de um ano para cá, me deixa completamente debaixo de água.

Portanto.

Eu poderia aqui falar das conversas durante a viagem, poderia falar das conversas durante o almoço. Fait-divers com piada e bons para conversa de fim de dia. Mas como, se adormeço?

Escrevo estes nadas e penso como deve ser fastidioso para quem me lê estar aqui a ouvir-me falar das pequenas misérias que são estas minhas sobrecargas. Presumo que pensem: ó maria parvalhona, livra-te mas é dessa porcaria toda. Pois. Bonito de dizer, difícil de fazer. Há as responsabilidades, há os compromissos, há as envolvências, há os funfuns e gaitinhas. A vida da gente é um somatórios de mil e uma merdinhas que se acotovelam, se interpenetram, se ensarilham umas nas outras. E a gente o melhor que tem a fazer é tentar passar incólume ou, pelo menos, o melhor possível por este rio que nos leva e que arrasta, à mistura, toda a espécie de detritos.

E pronto.

Ou melhor: e ponto.

O meu marido já dorme aqui a sono solto. Quando madrugo, ele madruga também. Gosta de me desejar boa viagem e quer que eu, quando me meto a caminho, lhe ligue. Penso que deve recear que algum lobo nocturno ou gato vadio me assalte quando entro no carro. Portanto, chega a esta hora tão mal dormido como eu.

Faço zapping e a indigência televisiva é total ou, então, sou eu que não garimpo bem os canais. Uma lástima.

Ou seja: tenho que me reclinar aqui um pouco a descansar e pode ser que daqui a nada cá volte para tentar dar um arzinho da minha graça que agora tudo me puxa para um recuo da consciência, para aquele estado de dormência em que as minhas baterias recarregam..

Claro que me apetecia era estar acordada e ser capaz de escrever eloquentes cartas. Gosto de cartas. Cartas aos políticos, aos ministros, aos sindicatos, aos jornalistas. E belas cartas a cada um dos meus Leitores. E a um, em especial, uma carta de amor. Uma bela e pungente carta de amor.

Ou um poema.

Será que algum dia vou ser capaz de escrever um poema? Será que algum dia vou ser capaz de me despir completamente e com o coração e a razão à flor da pele escrever aquilo que tenho vontade de escrever?


Transporto o teu coração comigo


"i carry your heart" by E E Cummings (read by Tom O'Bedlam)



i carry your heart with me (i carry it in
my heart) i am never without it (anywhere
i go you go, my dear;


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As fotografias que usei ao longo do texto comprovam a maravilha que é a vida vista ao microscopio. Provêm do The Guardian, onde se fazem anunciar desta forma:
Colin Salter’s new book is a selection of extraordinary electron microscopic images of the plant world around us, including seeds, pollen, fruiting bodies, trees and leaves, flowers, vegetables and fruit
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Talvez até já

domingo, novembro 12, 2017

Quero o teu coração...!




Não sei que diga para acompanhar esta imagem que me parece magnífica. Alguém andou com uma escada bem alta a pintar esta pessoa que voa para agarrar um coração. Acho poético, acho lindo. Não sei se quem o pintou estava apaixonado mas imagino que sim. Uma paixão que pedia uma bandeira, um grito, uma confirmação gravada na pedra.

No outro dia fiz um teste (daqueles testes feitos para gente passada que acredita nos testes) para ver se estava apaixonada. E a conclusão é que sim, paixão intensa. Ainda não contei deste certificado que obtive ao destinatário da minha paixão mas acho que ele não precisa de comprovativos. Mas falta-me fazer uma declaração de amor assim, arriscada, louca, bela. Talvez um dia a faça. 
4u, my love.

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quarta-feira, junho 01, 2016

Casais


A labuta que tem sido isto para conseguir fazer alguma coisa na porcaria do computador... não dá para acreditar. Num mundo ideal eu seria como a Carolina Patrocínio, aquela jovem que tem um corpinho de atleta e uma empregada para lhe tirar os caroços das cerejas e as grainhas das uvas. Eu disso não precisava, nem do corpinho de atleta (já me habituei à minha generosa carnadura) nem que me tirem os caroços, que disso dou eu bem conta. Mas precisava que alguém me passasse as fotografias para o computador, as seleccionasse, organizasse, limpasse a lixarada que se acumula no disco e impede o computador de se mexer, fizesse cópias de segurança do blog, me servisse de chauffeur, me lavasse o carro, coisas assim. Caraças que não tenho mesmo paciência para coisas dessas.

Bem. Adiante que não é Carolina Patrocínio quem quer mas quem pode.

A ver, então, se finalmente mostro os pares que, mesmo de costas ou nos seus pequenos gestos, a gente vê que são casais.





Embora a grande maioria das fotografias que tiro não se refiram a pessoas
(é aquela minha velha dúvida do que é ou não é legítimo fazer: se peço autorização, o mais certo é as pessoas mandarem-me dar uma grande curva ou, mesmo não mandando, perder-se-ia a espontaneidade; se não peço, não quero que as pessoas sejam facilmente identificáveis pois podem não querer ver-se expostas; de qualquer forma, se as 'apanho', não as 'apanho' em situações desagradáveis mas, ainda assim, prefiro ter cuidado) 
a verdade é que o que eu gosto mesmo, mesmo, é de fotografar são pessoas. Se eu soubesse que daí não vinha mal ao mundo, passava a vida a fotografar gente.

Desta vez, apeteceu-me comprovar que os membros de um casal, ao fim de algum tempo, adquirem uma qualquer parecença ou afinidade de gostos e gestos, que, mesmo de costas, a gente percebe que são duas metades de um casal que ali vão.

Claro que, ao pensar nisto, penso em mim.
De mim e do meu marido, alguém que fizesse a mesma análise, o que diria? Geralmente vou eu, com a minha câmara, olhando para o mar, para os veleiros, para as gaivotas, para as pessoas, fotografando, tentando não molengar muito mas, ainda assim, é um pára-arranca; e, lá bem à frente, em passo regular e estugado, vai ele. A espaços vira-se, abre os braços, e eu sei que ele está a dizer para me despachar. Quando vai distante, volta para trás, vem até mim, pede que deixe de tirar fotografias a tudo o que mexe e não mexe e, dado o sermão, segue viagem e, passado um bocado, já lá vai outra vez à frente. 
Por isso, não sei que conclusão alguém que observasse retiraria deste casal meio atípico. Mas se calhar é sempre assim quando um dos membros do casal gosta de andar com a cabeça na lua e o outro prefere andar com os pés na terra.

Bom, mas então, deixem-me lá mostrar alguns dos casais que fotografei a ver se não concordam comigo.

1
Um pico no pé (fatos de banho no mesmo tom)

Assunto resolvido
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2
Beautiful conchinhas (fatos de banho da mesma cor e tipo)

E siga viagem
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3
O mesmo género de roupa, o mesmo tipo de andar
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4
As havaianas na mão, o mesmo tipo de marcha e cores do mesmo tipo
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5
Roupa idêntica, sapatos na mão, andar idêntico
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6
Sincronizados, mãos atrás das costas, olhar baixo
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7
Com alguma dificuldade de locomoção mas muito bem dispostos, sintonizados
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8
Os mesmos tons, simétricos, sincronizados
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9
As mesmas cores, chapéus idênticos, conjugados no andar, nas expressões 
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10
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I carry your heart de E E Cummings lido por Tom O'Bedlam

(...)
here is the deepest secret nobody knows
(here is the root of the root and the bud of the bud
and the sky of the sky of a tree called life;which grows
higher than soul can hope or mind can hide)
and this is the wonder that's keeping the stars apart

i carry your heart(i carry it in my heart)


Lá em cima Norah Jones interpreta Come Away With Me

...

quinta-feira, abril 14, 2016

Transporto o teu coração dentro de mim


Comecei o meu dia aqui, ou seja, a minha noite, fazendo uma certa limpeza blogosférica. Apaguei alguns blogues aqui da galeria lateral. E tinha vontade de apagar ainda mais. Tudo o que me soa a palha, a embuste, a gozo, a parvoíce encartada anda a cansar-me demais. Um dia destes apago ainda mais, tudo excepto uma meia dúzia. Só não o fiz já porque depois esqueço-me de vez deles e a alguns ainda quero dar uma hipótese  -- fixar nomes ou endereços do que não me interessa por aí além é coisa em que não sou forte pelo que ficarão por mais uns dias ou semanas.

Adiante.



Li por aí que esta quarta-feira foi o Dia do Beijo. Não faço ideia de se isso é verdade. Mas seja ou não seja não me faz diferença. Hoje dei e levei vários, desde beijinhos em ambiente profissional a beijocas familiares, até porque calhou ir buscar um dos meninos à escola e encontrar-me em casa com o resto desse lado da família, o que se saldou em beijoquinhas extras e muito carinho. 

Sou beijoqueira. Gosto de me abraçar aos meninos, dar-lhes abracinhos bons, beijocá-los, beijocas fofas, o meu amor por eles requer manifestação física. Tal como gosto de ver os meus filhos, ouvir a voz deles, perceber se estão bem dispostos, dar-lhes um beijinho, fazer-lhes uma festa, mostrar que serão sempre, para todo o sempre, os meus meninos.

Quando eram pequenos e ia levar ou buscar os meus filhos à escola, ele todo se envergonhava, dizia que mais nenhuma mãe dava beijinhos como eu, pedia-me que não o abraçasse e beijocasse assim, receava que os amigos ouvissem as minhas manifestações exuberantes, as minhas beijocas ruidosas. A minha filha nunca se importou e, por isso, eu vingava-me nela. Era isso e fazer-lhe tranças, penteá-la, adorava que lhe mexesse no cabelo, mas isso em casa, claro. Ainda gosta.


Tirando isso gosto de beijos de amor. Gosto de beijar. Um beijo de amor é um momento em que se estabelece uma intimidade que pede por mais. E gosto especialmente do instante que precede o beijo, quando já existe a presença do amor que vai ser ainda maior, quando os olhos se cruzam já unidos, já cúmplices. Ou maliciosos. Ou impacientes. Gosto, gosto mesmo.

Se é verdade que foi dia do beijo não me importo de não ter dado por ele. Todos os dias o são. Sempre me senti amada, talvez todos os dias da minha vida, por vezes talvez mais do que merecia, por vezes mais do que podia retribuir. Por isso, nunca os dias dos namorados ou do amor ou do beijo fizeram sentido para mim. A única coisa que tenho a dizer a propósito disto do amor, da sedução, do desejo e do prazer do amor partilhado é que é importante sopesar as prioridades, não atribuindo importância excessiva ao que pode fazer perigar o amor, o prazer de amar e de ser amado.

Tantas vezes vejo pessoas que investem tudo na carreira, inúteis mba's que lhes retiram tempo para estar com a família, visitas e mais visitas em serviço, reuniões até às quinhentas da noite, ler livros de mil ou mais páginas, estudar muito uma matéria para saber tudo o que há a saber sobre isso - e trocam isso por um passeio de mão dada, por estar numa esplanada ao sol, por um cafuné gostoso, por uma caminhada na serra, entre bosques e rente a rios e cascatas, com alguém a quem queiram bem.


Todo o prestígio do mundo não vale uma noite de amor, ouvi-o uma vez a Eugénio de Andrade que citava alguém de cujo nome não me lembro. E acho que nem todo o prestígio nem muito mais coisas.

Quando vejo jovens colaboradores meus que dão tudo pela progressão profissional digo-lhes sempre: para além disso, há a vida. Por vezes ficam desconcertados, como se eu estivesse a introduzir uma variável que não faz parte da equação. E muitas vezes tenho vontade de lembrar isso também a algumas pessoas da blogosfera. A vida. O estar bem com os outros, o não fazer mal àqueles de quem se gosta, o relevar o que pouco importa quando comparado com os sentimentos de estima que é bom que se mantenham vivos -- isso, sim, é o mais importante na vida. A estima entre as pessoas vale mais, muito mais, do que pequenas vitórias argumentativas ou vãs demonstrações de superioridade.

Mas, enfim, se calhar sou eu que sou uma pinga-amor.

Olhem, já agora, deixem que partilhe convosco um poema de que gosto muito.

I carry your heart de E E Cummings (lido por Tom O'Bedlam)


[here is the deepest secret nobody knows]



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As fotografias foram feitas este fim de semana, debaixo de chuva, vento e frio.
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Lá em cima uma chaconne. Yiruma
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quinta-feira.

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