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quarta-feira, dezembro 19, 2018

Estas pessoas não existem


Dizem. Eu não posso garantir. A mim parece-me gente de verdade e não meras ocorrências de um qualquer gerador de pessoas movido a Inteligência Artificial. Mas leio que todos os rostos que aqui se vêem resultam de um software que usa um algoritmo que, a partir de traços fisionómicos pré-definidos e outros parâmetros, gera novos rostos.

A ser verdade, o que posso dizer é que os resultados são assombrosamente verosímeis. Aliás, parece impossível que não corresponda mesmo a pessoas que existem, tal o grau de realismo nos pormenores.

No outro dia a minha filha enviou-me um artigo:


Stephen Hawking responde: Ficará a inteligência artificial mais inteligente do que nós?



e eu acho que, infelizmente, há muita gente que ainda toma este assunto como coisa de futurismo e, portanto, temo bem que, como geralmente acontece, só depois de termos caído no fundo do poço perceberemos que não deveríamos ter-nos debruçado tão perigosamente na sua beira. Transcrevo um excerto desse artigo:
A chegada da IA superinteligente seria a melhor ou a pior coisa que alguma vez aconteceria à humanidade. O verdadeiro risco da IA não são as más intenções, mas sim a competência. Uma IA superinteligente será extremamente boa a atingir os seus objetivos e, se esses objetivos não estiverem alinhados com os nossos, teremos problemas. Provavelmente, o leitor não será uma pessoa maldosa que odeia formigas e que pisa as formigas por pura maldade, mas se for responsável por um projeto hidroelétrico de energia verde e houver um formigueiro na região que terá de ser inundado, azar das formigas. Não coloquemos a humanidade na posição dessas formigas. Devemos fazer planos antecipadamente. Se uma civilização extraterrestre superior nos enviar uma mensagem escrita a dizer: “Chegaremos dentro de algumas décadas”, responderíamos apenas: “Muito bem, digam qualquer coisa quando chegarem, estaremos à vossa espera?” Provavelmente não, mas isto é mais ou menos o que tem acontecido com a IA. Tem sido dedicada pouca investigação séria a estes temas fora de alguns pequenos institutos sem fins lucrativos.
Já se fazem órgãos humanos em impressoras 3D, já se manipula o ADN, já se concebem rostos (e corpos e outros 'objectos') através da Inteligência Artificial. E talvez num futuro não muito longínquo se consigam fazer pessoas segundo figurinos gerados segundo algoritmos. 

Não quero pensar nisso pois imaginar um tal cenário é aterrador: seres 'artificiais', programados para fazerem 'coisas' e provavelmente com autonomia para criarem os seus próprios programas é qualquer coisa para além da ficção. Lembremo-nos que não há muito o Facebook suspendeu o seu programa de Inteligência Artificial ao perceber que os algoritmos estavam a começar a gerar as suas próprias linguagens de programação, ou seja, a ganharem independência face aos humanos.

Mas, enfim, este é o admirável mundo novo em que vivemos no qual a tecnologia avança a passos de gigante e os humanos retrocedem alegremente, cada vez mais retrógrados e estúpidos.

A Style-Based Generator Architecture for Generative Adversarial Networks

Tero Karras, Samuli Laine, Timo Aila
(Submitted on 12 Dec 2018)

sábado, maio 19, 2018

Inteligência aumentada




Muitas vezes tenho aqui falado dos meus receios. E, por favor, não pensem. Pod eparecer que sim mas olhem que não.

Sou muito a favor do avanço, da modernidade.

Não sou de gadgets. Isso não. Puto. Quando me vejo no meio dos meus colegas, tudo homem, volta e meia vejo-os todos cobiçosos, gabando o último tablet topo de gama, fininho, peso plumíssima, belíssima reflexão, tudo do melhor. Ou relógios que são telemóveis e computadores. Ou o topo de gama desportivo cheio de alta tecnologia. E eu moita. Nada a dizer. Não me assiste. Não ligo patavina.

Mas sou toda a favor do que os novos sistemas e equipamentos podem fazer, como ajudam na medicina, na transmissão de imagens de alta precisão de forma instantânea, na identificação de padrões a uma velocidade estonteante, na automatização de tarefas burocráticas facilitando a vida a toda a gente.

Tudo isso o mais possível.

Mas há depois as muitas fronteiras. Tantas que o seu policiamento é quase impossível. E há a velocidade a que a tecnologia anda e que não é acompanhada pelas organizações ou pela legislação. E há o risco tremendo do crescimento descontrolado da inteligência artificial e do baixo custo e da total acessibilidade que tornam tudo isto preocupantemente perigoso.

Para quem não partilha estes meus receios ou para quem esteja mais afastado destas realidades e, às tantas, ainda pense que estou a ver mosquitos na outra banda, esta minha recorrente conversa deve ser maçadora. Acredito bem que sim.

Mas gostava que alguém que me lesse me levasse a sério e, se conseguir, melhor que eu, transmitr esta minha preocupação, já vale a pena.

O vídeo que aqui vos mostro não trata das máquinas a comandarem os homens. Trata, sim, das mentes a comandarem as máquinas. Ou das máquinas a aumentarem o potencial da mente humana.

Gostavam que vissem com atenção.

As potencialidades disto são extraodinárias. Os riscos são tremendos.

Todos os governos deveriam ter grupos de estudo a acompanhar estes avanços tecnológicos e as tendências que se desenham que neles assentam com vista a ponderarem os riscos, a verem como regular tudo isto.

Se isto não acontece, o futuro pode vir a ser uma coisa assustadora. 


A próxima fronteira: quando os pensamentos controlam as máquinas | The Economist


E prestem atenção, por favor:
I am very aware of the preciousness of time. I have spent my life travelling across the universe inside my mind. Through theoretical physics, I have sought to answer some of the great questions. But there are other challenges, other big questions which must be answered, and these will also need a new generation who are interested, engaged, and with an understanding of science. How will we feed an ever growing population, provide clean water, generate renewable energy, prevent and cure disease, and slow down global climate change. One of the great revelations of the space age has been the perspective it has given humanity on ourselves. When we see the earth from space, we see ourselves as a whole. We see the unity and not the divisions. It is such a simple image with a compelling message, one planet, one human race. We are here together and we need to live together with tolerance and respect. We must become global citizens. We are all time travellers journeying together into the future. But lets work together to make that future a place we want to visit. Be brave. Be determined. Overcome the odds. It can be done. Seize the moment. Act now.


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sexta-feira, março 16, 2018

Dizem que lá se foi o improvável Stevie
... mas eu não sei, não...


Não sou de efemérides ou RIPs. Tenho cá para mim que aqueles que nos são importantes apenas se afastam fisicamente. Dentro de nós, continuam próximos.

Por exemplo, os meus tios -- aqueles a quem convidei para padrinhos de casamento e de quem sempre gostei tanto -- ainda andam por perto. Volta e meia, às sextas ao fim da tarde, ainda penso que devia ligar à minha tia. Não sei bem há quanto tempo se foi mas a ideia que tenho é que apenas se afastou. Nem consigo medir o tempo. Estava aqui a pensar e a apontar para uns dois anos. Ou três. Mas, pensando bem, na volta já há uns quatro. Ou cinco. O filho mais novo da minha prima devia ter poucos meses e já vai com uns cinco, senão quase seis. Estava grávida quando morreu o meu tio mas ainda bem no início. Corajosamente, escondeu-o. Não quis associar o anúncio da vinda de uma nova criança ao momento em que se despedia do pai, e isto com a mãe doente como também estava. Parece que foi há tão pouco tempo. 

Quando morre alguém conhecido, a blogosfera enche-se de despedidas e eu, que tenho muita dificuldade em fazer o mesmo que os outros, faço de conta que não se passou nada. De resto, também não gosto de despedidas. Não gosto de gastar muitas palavras na morte, em especial com a daqueles com quem antes não as gastei em vida. 

Stephen Hawking, a improvável criatura que desafiou as estatísticas e que abriu os buracos negros à luz do conhecimento, ter-se-á ido, dizem. Mas claro que não foi a parte nenhuma. Ainda por aí anda. A internet está cheia de provas da sua existência. Escolho, para aqui ter, apenas duas dessas provas, duas bem ao meu gosto.





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sexta-feira, março 10, 2017

A Inteligência Artificial pode matar-nos?
Stephen Hawking acha que sim.
E não é o único.




É um tema relativamente frequente aqui no Um Jeito Manso e é um assunto que me preocupa. 

Também já falei nisto: nunca trabalhei em Inteligência Artifial mas já concebi modelos baseados em Simulação que, uma vez implementados, permitir(i)am que um computador fizesse, com exemplar rigor e competência e numa fracção de segundo, o que equipas de pessoas altamente qualificadas leva(va)m dias ou semanas a fazer.

Isto foi feito em contexto de investigação mas o trabalho foi validado em contexto profissional.

Portanto, não sou totalmente leiga na matéria e não é com ligeireza que falo do assunto. Sei bem os riscos que se correm, especialmente quando a sociedade está completamente alheada dos riscos de toda a espécie e a classe política não está nem aí.

Ainda ontem aqui escrevi sobre o tema a propósito das fugas de informação que permitiram saber como cada vez mais, de uma forma ou de outra, quase tudo o que mete electrónica está quitado, permitindo toda a espécie de usos indevidos -- no caso ontem referido, a propósito da CIA, para efeitos de espionagem.

Não digo que tudo seja indevidamente usado. O que digo é que muita coisa pode vir a ser indevidamente usado. Felizmente a maior parte das pessoas não o sabe e, portanto, poucas pessoas fazem uso disso. Mas o risco existe e o pior é quando algumas pessoas o descobrem e resolvem ousar.


Nem que de propósito hoje leio 

Hawking: A Inteligência Artificial pode matar-nos sem querer


Se a tecnologia não for controlada pode destruir a espécie humana, alerta o físico teórico Stephen Hawking, em entrevista ao The Times. (...)

Não é a primeira vez que Stephen Hawking alerta para os perigos da mais recente tecnologia. Em 2015, disse que a IA poderia tornar-se tão poderosa que seria capaz de nos matar a todos, por acidente. “O risco com a IA não é a malícia, mas a competência”, afirmou. “Uma IA super-inteligente será extremamente boa a atingir os seus objetivos e se estes não estiverem alinhados com os nossos, teremos problemas”, explicou, dando um exemplo: “Se estivesse responsável por um projeto ecológico hidroelétrico que implicasse a inundação de uma colónia de formigas, seria uma pena para as formigas. Não deixemos colocar a humanidade no lugar das formigas”. 


Não está sozinho. Há cerca de dois anos, mil cientistas uniram-se para chamar a atenção do mundo para os riscos -- e, no entanto, o mundo nem ouviu ou, se ouviu, assobiou para o lado.

Mil cientistas alertam para os perigos da inteligência artificial


São especialistas em tecnologia, cientistas, investigadores de várias áreas, filósofos. Entre eles contam-se o cientista Stephen Hawking, o filósofo e linguista Noam Chomsky, o co-fundador da Apple Steve Wozniak e o responsável do departamento de Inteligência Artificial (IA) da Google, Demis Hassabis. São mais de mil investigadores preocupados com o futuro da humanidade que ontem publicaram uma carta aberta a alertar para os perigos das armas autónomas construídas com recurso à IA – armas que “seleccionam e escolhem alvos sem intervenção humana” e que, se esse caminho for seguido, eventualmente vão “estar para lá do controlo humano”.(...)

Um dos maiores fascínios da nossa era, a IA é ao mesmo tempo assustadora quando se imagina o que aguarda a espécie humana no futuro. Ainda não tinham sido desenvolvidos os primeiros protótipos funcionais de IA e já a ideia de a criação escravizar e exterminar o criador pululava. Entretanto apareceram os drones, ou aviões não tripulados, que já são usados em vários teatros de guerra, matando civis de forma indiscriminada. Apareceram carros inteligentes que conduzem sozinhos e que, na semana passada, foram desacreditados por uma equipa de cibersegurança que acedeu aos sistemas centrais do novo Chrysler e assumiu o controlo total do veículo, apesar de ter um humano sentado no banco do condutor. E com os planos generalizados das nações mais desenvolvidas de um dia virem a aplicar os conhecimentos e avanços na robótica em guerras e armamento, os perigos são cada vez mais reais, dizem os signatários do manifesto. Ou se travam certas aspirações desmedidas, como a aplicação da IA em armas e bombas, ou estamos totalmente condenados.(...)


Gostava que ouvissem Sam Harris a falar sobre o assunto. Optei pelo vídeo com legendas em português. A legendagem não é boa mas, para quem tenha dificuldade com o inglês, é melhor que nada.

Sam Harris TED Talk 2016: É possível construir inteligência artificial sem perder o controle?



Também interessante ouvir o CEO da TESLA.

Os receios de Elon Musk acerca da Inteligência Artificial




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Lá em cima, aquela música era Daddy's Car: uma canção composta com recurso a Inteligência Artificial no SONY CSL Research Lab -- ao estilo dos Beatles


The researchers have developed FlowMachines, a system that learns music styles from a huge database of songs. Exploiting unique combinations of style transfer, optimization and interaction techniques, FlowMachines composes novel songs in many styles. 
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E a ver se já cá volto com alguma coisa mais levezinha (para ver se não vou dormir com esta preocupação na cabeça)

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sexta-feira, outubro 31, 2014

Os condenados de horário zero. O desespero. 'O balão' de outros tempos. O retrocesso. O caminho em direcção ao fim dos tempos?


Se, no post a seguir a este, a música, a sensualidade, a beleza e o glamour andam no ar, aqui, agora, a conversa é outra. Infelizmente muito outra.



Já não sei bem a quantas andamos com o físico-pop Maqueijo a contestar não sei o quê e mais uns quantos a inventarem outras tantas teorias. Mas, na última vez em que me pareceu haver um relativo consenso, tenho ideia que o universo estava em expansão. Ora, na minha simplística visão dos factos, se o universo se expande, também a vida dos que o habitam deveria seguir o mesmo percurso.

Up, up and better. 








Custa-me perceber que se ache normal que os humanos, como qualquer espécie, não caminhem no sentido positivo da sua evolução. Se antes os seres viviam em cavernas, morriam cedo, pereciam, indefesos, às garras de perdadores e, entre sobressaltos, vêm atravessando os tempos, tornando-se mais longevos e supostamente mais sabedores, como explicar que grande parte deles se deixe subjugar por estirpes daninhas que tentam o retrocesso? 

Os jornais e televisões trazem-nos notícias de actos selvagens, gestos bárbaros, e constatamos que há jovens que abandonam o mundo do conhecimento para se juntarem a seitas que praticam o mal como se a iluminação dos tempos não tivesse passado por elas.




Mas não me refiro apenas a sequestros e decapitações, ou mesmo a mutilações genitais, apedrejamentos até à morte, assassinatos conjugais e toda a espécie de violência doméstica. Não. Refiro-me também a outra espécie de retrocesso, um retrocesso silencioso, uma violência que esmaga e envergonha: a da exploração total de pessoas, a nova forma de escravidão - como a dos condenados que trabalham segundo contratos de zero horas*.

Leitor, a quem muito agradeço, enviou-me um artigo publicado no Le Monde cujo título é Au Royaume-Uni, les damnés des « zero hour contracts » e que é da autoria de Philippe Bernard


Começa assim (o artigo completo apenas será acedido por quem for assinante e eu não tenho como anexar o PDF; além disso, está em francês e sei que já não há muita gente que domine a língua; ainda assim, coloco-o aqui):


Candice Roberts n’a pas besoin de parler pour expliquer à quoi sa vie ressemble. Elle brandit son antique téléphone portable Huawei comme une pièce à conviction, où les six mots du SMS qu’elle a reçu samedi après-midi sont restés inscrits: « Mission annulée. Mettez-vous en attente ». La quadragénaire aux yeux cernés et au sweat-shirt en éponge saumon n’est pas astronaute. Elle est emballeuse de biscuits secs à l’usine Jacob’s, une énorme bâtisse de brique sur laquelle flotte l’Union Jack, à Aintree, au nord de Liverpool. Lorsque son patron a besoin de ses services, Candice, 46 ans, place dans leurs boîtes les cheese crackers ou les club chocolate, qui défilent sur un tapis roulant. Sinon, elle attend la prochaine « mission » de l’agence de placement Prime Time, qui sert d’intermédiaire. Un simple SMS pour la convoquer au travail, parfois dans l’heure qui suit. Un autre, éventuellement, pour annuler sa venue. Et des journées entières à attendre qu’on la sonne, en pensant à la paie qui rétrécit à chaque heure perdue.
Appelée ainsi vendredi pour rejoindre l’équipe du dimanche matin à 7 heures, elle a appris la veille que, finalement, on n’avait plus besoin d’elle. « I’ve been cancelled » (« J’ai été annulée »), explique-t-elle en un terrible raccourci. Le long silence qui suit n’est troublé que par les applaudissements du jeu diffusé par la télé, allumée en permanence. 

Como se viu, o que ali se descreve não decorre na África profunda, nas montanhas secretas da América do Sul, nos confins dos planaltos tomados pelo terror islamita ou em qualquer outro local distante que nos sossegue a alma. Não é longe nem podemos dizer que não nos acontecerá a nós ou aos nossos: é aqui ao lado, no coração da Europa civilizada, em Inglaterra.

Cresce o número de pessoas profissionalmente desprotegidas, à mercê de um telefonema, de um qualquer chamamento. Não têm garantia de nada. Inscrevem-se numa empresa que angaria trabalhadores e os coloca nas empresas que os requisitam. Podem ser contactados por sms para se apresentarem numa empresa no espaço de 1 hora. O artigo fala das pessoas que embalam bolachas. Quando a fábrica precisa de gente, contacta uma dessas empresas que, por sua vez, contacta uma pessoa da sua base de dados.

Nós somos como os bolos que embalo na fábrica: caímos numa caixa para deixar espaço para os seguintes, diz um operário dessa fábrica, a Jacob's. 
Certamente que, para os gestores da fábrica, o que importa é reduzir custos, aumentar a eficiência. Seja de que forma for, os meios não interessam, o que interessa é que os custos sejam baixos, para a margem ser confortável, para que o artigo seja competitivo face à concorrência. As pessoas que embalam os bolos valem tanto como os bolos, como se os clientes que compram os bolos tudo merecessem, como se os clientes não fossem pessoas tão frágeis quanto os operários de horário zero.

Os trabalhadores sujeitos a este infame regime, trabalham as horas que calharem. O valor horário é mínimo e nunca sabem se vão ter trabalho na semana seguinte, no mês seguinte. Claro que, quem diz trabalho, diz rendimentos. É a precaridade levada ao extremo, a desprotecção, a insegurança.

Imagino a angústia de quem aguarda um sms que não chega quando não tem outra forma de rendimento, quando tem família para sustentar ou quer formar uma e não vê condições para o fazer.





No artigo, alguns dos ouvidos dizem que se sentem até preteridos por serem ingleses e brancos já que há imigrantes que pacificamente se sujeitam a tudo, sendo ainda mais dócil carne para canhão.

Todo o excelente artigo é uma punhalada no peito. Pelo menos para mim é. E acredito que o seja para todos quantos sentem como sua a tragédia que isto é.

Como se chegou aqui? Que voltas tresloucadas é que o mundo deu sobre si próprio para que se tenha chegado a este triste ponto?

Muitas vezes o tenho aqui perguntado: se não se governa para bem das pessoas, governa-se para quê?

Como é que a humanidade iniciou uma trajectória contrária à do universo no qual se insere? E que loucura. Como se pode pretender que os tempos andem para trás? 




Há alguns anos conheci um senhor que me contou que antes, há muitos, muitos anos, na antiga CUF, no Barreiro, havia uma figura designada por ‘o balão’. 


Quando era preciso mais gente para as fábricas, alguém chegava ao portão e dizia que precisava de não sei quantos homens. Enchia-se o balão. Contava ele que muitas vezes queriam gente para carregar sacas de 100 kg de adubo ou outros trabalhos pesados que davam cabo da saúde de qualquer um.

Junto ao portão esperavam muitas e muitas dezenas de homens desempregados, ansiosos por serem chamados. Depois havia ainda a escolha. A olho eram escolhidos os mais fortes. Os mais fracos continuavam sem trabalho, aguardando dia após dia.

Mais tarde, quando não eram mais precisos, eram postos fora. Era como se o balão se esvaziasse. Chegavam a ser dispensadas centenas de pessoas que, sem trabalho, seguiam, rua fora, em busca de qualquer outra coisa, talvez nos campos, o que aparecesse.

Passou-se isso várias décadas atrás num país retrógrado, nuns tempos longínquos. A pobreza, a desprotecção, a ditadura, tudo contribuía para que os mais desafortunados se vissem à mercê de um chamamento, vivendo sem direitos, sem direito a um futuro digno.

Mas eis que, aqui chegados, tanto tempo depois, é para trás, para esse negrume, que estamos a ser empurrados.

A mediocridade é geral, a impunidade campeia, a ignorância parece tudo cobrir como um manto denso e opaco que destrói a vida, que impede que a luz e o oxigénio passem para as camadas inferiores.

E tudo vamos aceitando, como se não fosse connosco, como se não nos pudesse acontecer, como se os outros não fôssemos nós.




Primeiro levaram os comunistas,
mas eu não me importei
porque não era nada comigo.

Em seguida levaram alguns operários,
mas a mim não me afectou
porque eu não sou operário.

Depois prenderam os sindicalistas,
mas eu não me incomodei
porque nunca fui sindicalista.

Logo a seguir chegou a vez
de alguns padres, mas como
nunca fui religioso, também não liguei.

Agora levaram-me a mim
e, quando percebi,
já era tarde.






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  • O primeiro vídeo é Stephen Hawking - The Expanding Universe (ie, the expanding universe, the doppler effect, introduction to the birth of the universe)
  • Tinha o poema por ser 'A indiferença' de Bertold Brecht mas o André diz que não, que faz parte de um sermão de  Martin Niemöller e eu acredito nele.
  • O último vídeo é Despair, sendo a música da autoria e interpretada por Johan Troch.

* Leitor atento chama-me a atenção para a forma como escrevi: zero horas e corrige para zero hora. Admito que seja correcto dizer zero hora (hora no singular) mas a verdade é que não me soa bem e, portanto, neste caso, mantenho por me parecer que a habituação oral talvez justifique a imprecisão da escrita. Contudo, vou ver se me informo pois, se o que estou a escrever for um disparate completo, corrigi-lo-ei.

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Relembro: no post abaixo o ambiente aligeira-se. É tempo de festa de aniversário, de beautiful people, de glamour. Acho que talvez até saiba bem um sopro de leveza depois do peso da realidade.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa sexta-feira. 
Saúde e alegria é o que vos desejo a todos.

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