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domingo, abril 23, 2017

Galos e Galinhas







Sou muito sensível à forma como as casas estão arranjadas. Custa-me muito -- e digo que me custa porque é uma rejeição quase física -- estar em casas que, segundo o meu gosto, são umas tumbas, inóspitas, escuras, atrofiantes. E note-se que isto não tem a ver com o dinheiro que se tem para se morar numa casa ampla e luminosa ou para ter boas mobílias. Custa o mesmo dinheiro comprar sofás escuros ou comprá-los claros ou alegres, ou ter móveis pretos ou castanhos ou brancos. Pendurar quadros pequenos, isolados, bem acima da linha dos olhos custa o mesmo dinheiro que pendurá-los mais abaixo e num canto em que não fiquem perdidos e tristes.

Por exemplo, o meu filho tem na sala da televisão um sofá de canto em tecido preto e, no entanto, a sala não podia estar mais alegre já que em cima dele (dele sofá, note-se) tem mantinhas coloridas, almofadas igualmente às cores, os móveis que tem são brancos e o que tem nos móveis, desde livros a revistas, passando por brinquedos, caixas de lápis de cor e sei lá que mais, introduz uma animação que o preto apenas realça.

Na sala, a minha filha tem também uma chaise-longue em pele preta mas está ao pé de um sofá bege sobre o qual pairam almofadas completamente coloridas, nas paredes tem quadros que transbordam de azul e toda a sala tem um ar alegre e luminoso. 

Na minha casa, tenho a sorte de ter janelas largas por onde a luz entra generosamente e só isso lhe traz imensa alegria. Mas tenho também toda a espécie de objectos que me alegram e, acho eu, fazem com que quem aqui está se sinta bem. 

Não há cá preocupações com estilo nem, confesso, com grandes arrumações. 

Há objectos antigos misturados com objectos de agora, coisas com algum valor misturadas com fancaria. O critério que preside é unicamente o gosto pessoal. 

Felizmente os gostos, por cá, são razoavelmente afins pelo que não há divergências de monta. Há, isso sim, uma questão de fundo e relativamente à qual a minha vontade, desde o início, prevaleceu. Contudo, volta e meia, dá-me vontade de reverter a minha posição e converter-me ao gosto dele. Explico: ele tem uma certa tendência para o minimalismo. O sonho dele seria viver numa casa ampla e quase vazia, uma coisa de tipo loft, quase sem paredes, quase sem mobílias, quase sem adereços. Ora, a nossa casa, sobretudo a da cidade, tem muita tralha, muito livro, muita bugiganga. Felizmente as divisões são amplas e dá para dispor os móveis de modo a que o espaço de circulação seja folgado (e felizmente também tive a esperteza de ter optado por móveis maioritariamente fechados com portas de vidro pelo que a limpeza de pó não é uma operação dramática). Contudo, a ideia do despojamento é-me, cada vez mais, atraente.

Mas, independentemente disso, uma coisa existe em profusão nas minhas casas: a cor. E uma outra também: uma certa dose de maluquice. Na nossa casa no campo, tenho uma coisa a que acho imensa graça: galos, galinhas.
Poderia tê-los ao vivo mas capoeiras não dá, morreriam à fome durante a semana, e acho que não se dão à solta (e provavelmente o gato branco far-lhes-ia a folha) pelo que tenho-os na versão que podem ver.
Há galos e galinhas por toda a parte: em cima da chaminé da sala, em cima da chaminé da cozinha, no aparador da sala de jantar e numa mesinha ao lado (de que falei a semana passada), no chão da sala, num prato na parede da cozinha, num quadro que pintei e sei lá mais.


Não é pancada -- acho eu. É apenas uma opção estética. Acho-os uns bichos coloridos, orgulhosos, elegantes. Isto os galos, bem entendido. E as galinhas, não tão cinéfilas, também têm a sua graça e, sobretudo, põem ovos e os ovos são bons para a gente comer.


Enfim, assim é a minha casa. Felizmente, sendo coloridos e alegres, há uma particularidade feliz nisto: permanecerão coloridos e alegres forever. E, além disso, não cantam. E eu, que quando aqui estou gosto de dormir até a manhã ir alta, dou graças por isso. Imagine-se se um dia ganham vida e desatam, às seis da manhã, a cantar. Acho que me transformava em gato branco.

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E queiram descer e juntar a vossa voz ao vasto clamor que já se ouve da onda de fundo que o Expresso se prepara para fomentar:

sexta-feira, maio 30, 2014

Sermão sobre a queda de Roma - dedicado a António José Seguro, Passos Coelho, Paulo Portas e todos os que acreditam que construíram edifícios eternos e que, com eles, querem eternizar-se.


Depois de, no post abaixo, ter deixado levar-me para caminhos onde apenas têm lugar o silêncio, a beleza, o voo livre, as palavras, a nudez dos corpos indomáveis e as almas sem dono, aqui agora, a conversa é outra. Ou talvez não.


Entremos na casa vazia





Escutai, vós que me sois queridos,

Roma foi tomada, e os vossos corações escandalizaram-se. 

Acreditavas que Roma não cairia. Não foi Roma construída por homens como tu? Desde quando julgas que os homens têm o poder de construir coisas eternas? O homem constrói sobre areia. Se quiseres segurar na mão o que ele construíu só seguras o vento. As tuas mãos estão vazias e o teu coração aflito. E se amas o mundo, perecerás com ele.





Ouve soluços abafados. Bem perto de si, encostada à balaustrada, uma jovem mulher ergue para ele os seus olhos velados de lágrimas. Começa por lhe l«lançar um olhar severo de pai zangado mas vê que ela lhe sorri estranhamente através das lágrimas e, precisamente antes de retomar a palavra, dirige-lhe um sinal de bênção e, é nesse sorriso que, vinte anos mais tarde, torna a pensar, estendido no chão de abside, enquanto uns clérigos de joelhos oram pela salvação da sua alma, da qual ninguém duvida.





Vós que me sois queridos,

Não vos perturbeis também com os ataques dos pagãos. Tantas cidades caíram que não eram cristãs, e os seus ídolos não puderam protegê-las. Mas, tu, é um ídolo de pedra que adoras? 



Roma caíu. Foi tomada, mas a terra e os céus nem por isso sofreram abalo. Olhai à vossa volta, vós que me sois queridos. Roma caíu, mas não é verdade que é como se nada se tivesse passado? O curso dos astros não está perturbado, a noite segue-se ao dia que se segue à noite, a cada instante o presente surge do nada e regressa ao nada, vós estais aí, diante de mim, e o mundo continua a caminhar para o seu fim mas não o atingiu ainda, e não sabemos quando o atingirá, porque Deus não nos revela tudo.

Os mundos passam, na verdade, um após outro, das trevas para as trevas, e a sua sucessão talvez não signifique nada.





Essa hipótese intolerável queima a alma de Agostinho, que solta um suspiro, jazendo no meio dos seus irmãos, e se esforça por se voltar para o Senhor, mas apenas revê o estranho sorriso húmido de lágrimas que em tempos lhe foi oferecido pela candura de uma jovem mulher desconhecida, para testemunhar diante dele o fim, e ao mesmo tempo as origens, porque se trata de um único e mesmo testemunho.







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"Talvez Roma não tenha perecido já que os Romanos não perecem"


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  • O texto é um conjunto de pequenos excertos do livro O Sermão sobre a Queda de Roma da autoria de Jérôme Ferrari numa tradução de Pedro Tamen.
  • A música é Empty House por Priscilla Ahn
  • As fotografias mostram Gisele Bündchen
  • As ruínas mostram Ayleid
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Relembro: desçam que o que se segue é bom e é para todos os gostos. Beleza sem a força da gravidade.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa sexta feira.

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