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terça-feira, novembro 12, 2024

A pesada máquina administrativa que tritura qualquer um.
[Hoje, o que me valeu foi mesmo a jardinagem e o corte de cabelo]

 

Continuo a navegar na maionese no que a processos administrativos diz respeito. Não consigo endireitar as coisas apesar de na Conservatória me dizerem que está tudo bem, que as Finanças é que têm que corrigir. Nas Finanças dizem que o sistema é automático e não podem fazer nada, tenho é que ir à Conservatória. Ando em loop.  Em todo o lado reconhecem que está tudo bem e que tenho razão mas há ali um pormenor no qual o sistema empanca. Refiro-me ainda à casa que era dos meus pais. Os próprios dos serviços das Finanças aconselharam-me a fazer, no Portal, uma impugnação administrativa. Recebi depois uma carta registada a dizer que a impugnação administrativa não se aplica naquele caso. Informaram-me, então, que devia era fazer uma coisa que se chama Recurso Hierárquico. Assim fiz. Como nunca mais me diziam nada, fui verificar ao Portal e, se bem percebo, arquivaram o processo por 'desistência'. Não consigo perceber.

Entretanto, nas Finanças aparece como morada uma Estrada e um número que não tem nada a ver com a morada correcta. É a que era nos idos do século passado, quando não havia ainda os nomes das ruas actuais. E quando digo actuais digo desde que eu era pequena. Provavelmente é a morada de quando a casa foi construída. Perguntei se não podiam alterar. Não podem. Tenho que lhes enviar um documento da Câmara.

Fiz uma exposição à Câmara, mandando documentação e pedindo que atestem que a morada não é a de décadas. mandaram-me um mail com uma carrada de documentos que tenho que lhes enviar. E ao mesmo tempo que enviar tenho que pagar uma taxa para o processo dar entrada. E depois terei que pagar outra taxa para levantar a dita declaração de morada. Só que, de entre os documentos que tenho que enviar, incluem-se documentos que tenho que obter na Conservatória. Mas, para os obter, e posso obtê-los online, tenho que pagar antes. Isto sem ter a certeza de que estou a pedir bem ou que é mesmo aquilo. Ou seja, não tenho como ver antes para me certificar. É que não entendo bem aquelas siglas nem tenho a certeza do significado de alguns conceitos. E acredito que ao mandar esse documento vá levantar outra lebre pois a casa ainda está em nome dos meus pais. Portanto, a seguir devem pedir-me a habilitação de herdeiros. E a ver se depois não tenho que ir certificá-la não sei onde.

Desespero. Perco tempo, gasto dinheiro. E não saio do mesmo sítio.

Quando se fala numa máquina administrativa pesada, complicada, que atrapalha a vida dos cidadãos, é isto. 

O que me valeu foi que ao fim da tarde fui cortar o cabelo. Já não ia à cabeleireira há séculos. De tal forma que quando lá apareceu um rapaz com uns dois metros de altura nem reconheci que era o filho dela pois a última vez que o tinha visto era um jovem a entrar na adolescência. Corto sempre o cabelo em casa. Ultimamente tinha uma técnica fantástica: fazia um rabo de cavalo no alto da cabeça e cortava. Quando tirava o elástico, estava escadeado que era um mimo. Só que, na prática, já estava uma acumulação de cortes, cada um seguindo sua técnica. Portanto, resolvi que estava na altura de me pôr nas mãos dela. E foi radical. No fim, tal a tosquia, o chão tinha material que dava para encher uma almofada.

Também fomos comprar um vaso de cerâmica vidrada. E uma planta. E uma taça e umas suculentas. Depois estive nas jardinagens, mãos na terra. E isso é das coisas boas desta vida. Quando ando num viveiro e vejo as pessoas que lá trabalham, invejo-as: deve ser uma profissão muito feliz. 

E por agora fico-me por aqui pois estou um bocado cansada. De manhã, estava a dormir, uma chamada. Depois já não voltei a adormecer. Por isso, em cima de tudo, tenho uma ou duas horas de sono a menos.

Um dia feliz, para vocês.

segunda-feira, julho 15, 2024

Dias felizes

 

Devo dizer que tenho vivido dias felizes. Com os que me são mais queridos juntos, todos bem dispostos, a conversa a fluir de gosto, todos em volta da mesa, com a casa cheia, com a maluqueira nocturna que me fez rir de gosto, com o madrugar bem mais cedo do que me é habitual, com a alegria de todos... sinceramente, a nível pessoal, não posso querer mais. 

De vez em quando lembro-me do que disseram e dou por mim a rir sozinha. 

Todos têm a sua vida pessoal e profissional (ou escolar), certamente todos terão, de quando em vez, os seus contratempos e preocupações. Mas, como por magia, quando nos encontramos todos, parece que os problemas perdem relevância e a ninguém lembra falar de maçadas.

Estou boa do meu pé. Quase boa. A nível visual está praticamente normal. Claro que, quando olham, ficam um bocado enjoados pois acham-no esquisito. O dedão (e arredores) está a perder a pele. Mas a mim isso não me incomoda nada. Também ainda tem umas manchinhas escuras mas nada de mais. Também já mexo razoavelmente o dedo. Dói-me ainda um pouco mas já não me tira o sono e, na maior parte do tempo, nem me lembro de tal coisa. E da tendinite do ombro que me causou rigidez também já estou quase a cem por cento. Vou eu fazendo uns exercícios e a coisa está a ir ao sítio. Só aqui é que me ponho a falar nisso. Quando estou com a minha turma nem me lembro das chatices que tive nem do que ainda sobra delas. 

Claro que, no meu íntimo, sinto saudades da minha mãe e faz-me muita impressão que tenha sido uma presença tão constante na minha vida e que, como que por artes mágicas, em pouco tempo, se tenha despido de matéria. Era alguém tão presente e agora é apenas memória. E já passaram quase seis meses. Por vezes, parece-me impossível. E no outro dia o meu pai faria anos e, no entanto, ao mesmo tempo, parece que já não existe há imenso tempo, quase como se já não pertencesse à minha vida actual. E não pertence. Mas a verdade é que pertenceu até 2020. 

O tempo tem o seu lado cruel, a vida tem o seu lado de traiçoeira. 

Mas forço-me a manter estes pensamentos no lado adormecido da minha mente. E consigo que isso coexista com a minha alegria em estar viva e rodeada por aqueles que tanto amo.

E depois há as pequenas coisas. Infra-mínimas. Mas que me dão prazer, me motivam, me animam.

Por exemplo: estava com o cabelo comprido que geralmente apanhava em rabo-de-cavalo, muitas vezes dando-lhe uma reviravolta ao alto, para cima. Mas andava com vontade de o transformar. Então hoje, há bocado, fiz assim: estando apanhado num rabo de cavalo alto, como é costume, meti-lhe a tesoura e lá vai disto. Ou seja, agora, depois de cortado, dá para o apanhar na mesma, à tangente mas dá, e, curiosamente, ficou com um escadeado bem curioso. Saiu um monte de cabelo, ficou muito mais leve, e acho que não ficou mau de todo. Ainda lhe dei mais umas duas ou três tesouradas à frente para fazer um degradé mais harmonioso. Já não vou à cabeleireira há anos e fico com pena pois gostava dela e espero que as restantes clientes sejam mais fiéis do que eu. Mas isto de ter a liberdade de fazer coisas assim, na base do 'lá vai disto', faz-me sentir muito bem.

A outra coisa pertence à mesma categoria, a das frioleiras: andava com vontade de usar vestidos compridos mas nada me agradava pois não sou bem o género de intelectual de esquerda daquelas que usam saias compridas, largas e desengraçadas, nem sou exactamente o estilo hippie. Não estava a ver-me como uma maria-pendona. Mas também não queria usar vestidos que parecessem de noite, muito menos de baile de finalistas. Portanto, mantinha-me no classicismo das calças, dos vestidos pelo joelho, e, numa versão mais estival, calções brancos com blusinhas coloridas. Mas finalmente dei o salto. Encontrei o género de que gosto. A minha filha ofereceu-me um, que me assenta de uma forma superconfortável e com o qual gosto mesmo de me ver. E eu comprei os outros. E sinto-me tão bem... Há um que ainda não estreei mas sobre o qual estou com uma boa expectativa: cai como seda, suave, muito leve, é justo em cima mas alarga um pouco para baixo, é super decotado à frente e atrás, de alcinhas finas, e é em cor de coral com pavões gigantes de alto a baixo naqueles tons verdes e azulões. E, para conjugar, tenho um brinco, um único, com uma pena nos mesmos tons. Penso que vai ser exótico e isso agrada-me.

E toda a vida usei brincos discretos. Poderiam ser coloridos e adaptados às toilettes mas nada de exuberâncias. Contudo, andava com vontade de ter brincos ousados, coloridos, incomuns. E descobri-os. Estou mesmo feliz com eles. A ver se amanhã os fotografo para vos mostrar pois acho-os especiais e, sobretudo, os pais da criadora comoveram-me e apetece-me transmitir-lhes o meu carinho.

E ainda mais uma: chapéus. Adoro chapéus. Mas sempre me fiquei por modelos que me parecessem elegantes mas discretos. Provavelmente as pessoas discretas já os achariam algo destacados mas, para mim, estavam aquém do meu gosto intrínseco. Pois vi um que imediatamente chamou a minha atenção. A minha filha, ao vê-lo na loja, disse que todo ele é, em si, um statement. De facto. E não fujo a isso. Mas, ainda assim, receei que fosse demasiado aparatoso. Contudo, acabei por não resistir. Acho-o um espectáculo e sinto-me mesmo feliz quando o ponho. (Não é este. Este aqui ao lado é um que encontrei via google)

Quando era adolescente gostava de modelos originais e de me maquilhar e os meus pais zangavam-se, não queriam que eu desse nas vistas, diziam que não tinha idade para isso. Depois, pela minha profissão, tinha a noção de que não deveria mostrar-me a tender para o radical ou para a desalinhada (até porque era acusada disso). Agora já não tenho que provar nada a ninguém nem tenho que recear as opiniões alheias. Não que me preocupasse com isso mas, enfim, vivia o meu dia a dia integrada numa realidade em que as fugas à regra tendiam a ser mais ou menos vistas como perigosas excentricidades.

Claro que para coroar o bolo só mesmo uma cerejinha a enfeitá-lo: durante a semana fomos, por duas vezes, almoçar a um restaurante veggie. Não me tornei e acho que não me tornarei veggie mas a verdade é que gostámos imenso. Comemos agora muito menos carne, preocupamo-nos cada vez mais com uma alimentação equilibrada e saudável. E o meu filho ofereceu-me um conjunto de alimentos biológicos, saudáveis, e isso agrada-me e atrai-me bastante.

Portanto, apesar de não estar a ir para nova, a verdade é que me sinto cada vez mais disponível para procurar e acolher novidades e para me libertar das poucas peias que já tinha.

E viva a vida.

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Mercedes Sosa, Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento e Gal Costa - Volver a los 17


Uma semana feliz

quarta-feira, julho 27, 2022

Merceeira...? Cabeleireira...? Ou nem por isso...?

[Post com dicas relevantes]

 



Chego ao verão a precisar de intervalar e, se calhar, também deveria intervalar aqui. Mas já me faz parte. Antes de me deitar, chego aqui e escrevo. Passa da meia noite e sobre o que me ocorre não quero falar e o que sobra é tema já falado.

Por isso vou-me deixar ir indo, escrevendo sem pensar, sem saber ao que vou. Tenham, V., por favor, alguma indulgência.

Recordo a primeira vocação. Ser merceeira. Ia com a minha mãe fazer compras. Gostava de quando ela comprava azeite. Havia um reservatório cilíndrico, de vidro, com uma alavanca. Pelo menos é assim que recordo. O azeite subia, para ser medido, e depois descia para a garrafa que a minha mãe levava. Também gostava do grão ou feijão que estava numas cubas de madeira. Havia umas medidas, também de madeira, com umas pegas. Depois era despejado para uns cartuchos de papel. Tudo aquilo era sistemático, preciso. E havia a caixa registadora, a gavetinha que se abria, o troco. Um mundo que me parecia recheado de magia. Do lado de fora do balcão de madeira, observava tudo com interesse e uma curiosidade que não se saciava.

Quando comecei a ser mais crescida, ia eu fazer os mandados. Adorava. 

Gostava de poder lá ficar a trabalhar mas a minha mãe nunca levou a sério.

Em casa, nas escadas, fazia uma lojinha em que vendia pedrinhas, ervinhas. Tinha uma balança pequenina. E com um papel cortadinho em pequenos bocadinhos fazia o dinheiro. A minha prima, mais nova que eu uns quatro ou cinco anos, era a minha cliente. Era ainda tão pequenina que alinhava em tudo. Ela preferia brincar aos médicos, fazer-me curativos. Eu não me importava de ser a doente. Afinal andava com as pernas sempre esfoladas. Ela veio a seguir a sua vocação de sempre. Eu não cheguei a ser merceeira.

A seguir a minha vocação mudou. 

Passei a querer ser cabeleireira. Penteava as bonecas, penteava a minha prima mas, sobretudo, penteava a minha mãe. Fazia verdadeiras mises. Punha-lhe rolos, punha-lhe laca, secava-lhe o cabelo e fazia elevações artísticas. Gostava mesmo. Ela confiava na minha perícia.

Embora gostasse de me pôr nas mãos das cabeleireiras (porque gosto que me mexam na cabeça), a verdade é que nunca gostei do resultado. Não gosto de me ver muito penteada. A primeira coisa que sempre faço quando de lá saio é enfiar os dedos no cabelo, abanar a cabeça, despenteá-lo. 

Agora há mais de dois anos que não vou. Mas não faz mal. Também nunca lá fui muito. Ia mais para fazer um corte mais acertado, para aí umas duas vezes por ano.

Habitualmente corto o cabelo a mim mesma. E seco o cabelo ao ar, sem o pentear. Fica como ficar. No verão apanho-o mais pois faz-me calor. No inverno uso-o geralmente caído. 

Dantes, quando era mais nova, por vezes fazia-me penteados artísticos mas, ao olhar-me ao espelho, achava que era coisa para mulheres mais velhas. Desfazia. Outras vezes fazia penteados meio soltos que é como me sinto melhor mas na altura não era habitual andar-se com ar despenteado. 

Agora só me ocorre fazer coisas meio loucas mas, claro, estando a trabalhar, não quero passar por maluca. Cabelo louro platinado é uma ideia antiga. Ou cor-de-rosa clarinho. Ou o azul como o que a minha menina mais linda prefere. Ou alfazema raiado de rosa e de turquesa. Verde pistachio todo acho que não, acho que seria muito óbvio. Mas parte em verde dourado, parte em louro veneziano, parte em louro clarinho, isso já me parece que talvez fique engraçado. Penso que um dia que deixe de trabalhar talvez me arrisque. Não sei onde se vendem tintas assim destas cores mas é uma questão de pesquisar. Depois vou experimentando.

Quando os meus filhos eram pequenos cortava-lhes eu o cabelo. Adorava. Mas era um desafio... Ela tinha sete camadas de cabelo, nunca mais acabava. Ele tinha cabelo forte e cada tesourada incerta evidenciava o passo em falso.

Depois entraram naquela idade em que receavam que a coisa não ficasse muito bem e faziam questão de recorrer a profissionais. 

Ao meu marido sempre fui eu que cortei o cabelo. 

Agora consolo-me com a minha menininha que também gosta de ser penteada e que é descontraída, não tem cá receios das opiniões dos outros. Posso fazer-lhe os penteados mais insólitos que por ela está sempre bem.

E agora que estou neste estado de espírito, a pensar que preciso de férias, a pensar que seria bom não ter qualquer compromisso no prazo de duas ou três semanas, chego aqui à noite e estou preguiçosa, meio inerte. Para falar verdade, só me dá para seguir acefalamente o que o algoritmo do Youtube tem para me mostrar. Ainda estive tentada a falar sobre reflorestações ou arquitectura biofilíca que estive a ver com interesse. Mas estou sem pedalada nos dedos para me atirar a tal. Só coisas simples. Mas simples-simples, planas (isto para não dizer rasteirinhas). 

Ontem bolos. Hoje penteados. Não há dúvida que o algoritmo sabe compreender o meu estado de espírito e a minha energia. Ou seja, agarra-me, o patife.


E aqui ficam, pois, algumas sugestões 


Até para quem tem pouco cabelo


Desejo-vos uma boa quarta-feira
Saúde. Sorrisos. Paz.

terça-feira, junho 15, 2021

Estou parva com isto.
Pena não me ficar em caminho... senão estava lá caída...

[E, de passagem, o que me tem vindo a acontecer desde que tomei a vacina]

 

Gosto imenso que me mexam na cabeça: pentear, massajar, lavar -- qualquer coisa é boa.

Penso que já contei que a melhor experiência foi com um negão, gigante, salvo erro na 7th Avenue. A cadeira dava massagens no corpo, desde o início da coluna até ao finzinho, e as mãos dele, no couro cabeludo, eram de nos levar aos céus. Agarrava-me a cabeça com as suas mãos e era como se eu estivesse à sua mercê: da minha cabeça ele poderia fazer uma jarra, um prato, um vaso, o que ele quisesse. Parecia moldar o que tinha entre mãos. Quando ele perguntava se já sentia o cabelo limpo, tinha sempre vontade de dizer que qual quê, sujo até dizer chega, que continuasse, que continuasse.

Nesse, a especialidade era mesmo a lavagem. Dali não passava. Uma pena.

Houve também uma rapariga mas essa perto de casa: nela a especialidade era o corte. Era uma aventureira. Grande parte das clientes queriam penteados convencionais. Aí ela certinha, fazia brushing normal e, se lhe pedissem, até punha rolos. Quando chegava a minha vez, eu não queria nada, ela que fizesse o que quisesse. Desforrava-se: cortava como se não houvesse amanhã. 

Foi a altura em que eu usava o cabelo como o da Jean Seberg ou quase como punk, o cabelo tão curto que, forte e farto como é, espetava. E ela punha uma espuma que o retesava e o deixava ainda mais espetado. Ela andava à minha volta de tesoura e faca de aparar e eu nem aí para o resultado. Gostava de ver aquele exercício dela e gostava de sentir as mãos dela entre os meus cabelos, a espetarem-no. 

Houve uma altura em que evoluí para o bob. E aí era esticado, liso. Nessa altura eu usava uns óculos de tipo aviador mas em espelhado azul. Não sei porquê mas eu achava que aquele meu cabelo casava bem com aqueles óculos.

Com o tempo, naturalmente, fui-me tornando mais convencional. Há coisas que a idade não acomoda. Mas são ciclos. Acho que passada essa meia idade e entrando na madura idade, todas as extravagâncias voltam a ser possíveis.

No sábado a minha mãe tinha uns jeans justinhos, uma blusinha justa às risquinhas azuis escuras e brancas, inspiração naval, e uns ténis brancos. Estava lindamente. Há uns anos ela teria achado que não tinha idade para se vestir assim. Agora veste o que lhe apetece e tudo lhe fica bem.

Ao ver este miúdo de seis ou sete anos do vídeo abaixo fico fascinada. 

A destreza das suas mãos pequeninas, o olhar aguçado e atento enquanto se aventura no corte ou na ousadia do penteado, a criatividade e a falta de limites, maravilham-me. 

Fantástico também como as pessoas se entregam às suas mãos. Ele rapa, ele corta, ele apanha no alto da cabeça, ele pinta de encarnado ou de azul... e as pessoas aceitam. Acho isso o máximo. Fico parva com a sua habilidade e com o arrojo com que se atira para técnicas mais arriscadas.

Eu que, em pequena, ambicionava ser cabeleireira e que ainda gosto imenso de cortar e pentear, vejo estes vídeos com espanto e quase inveja (inveja da boa, bem entendido)

E a forma como ele massaja a cabeça, o pescoço, a testa...? Há uma miúda que adormece, uma ternura, e eu pensei logo que seria o que me aconteceria se me metesse nas suas ágeis e hábeis pequenas mãos. 

A intuição dele prova bem que, quando se nasce com uma vocação a sério, ela fala mais forte. Chama-se Jiang Hongqi e é, sem dúvida, um encantador de cabelos. 

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Alguns comentários que não publiquei adiantam-me possíveis maleitas e alguns mails mostram a preocupação de alguns de vós a propósito do meu estado (clínico). Não quero adiantar muito pois não gosto de falar antes de estar tudo ultrapassado. Contudo, para evitar especulações ou preocupações talvez exageradas, direi apenas que me sinto quase normal e que creio que o quase resulta essencialmente da medicação. Direi também que há semana e picos apanhei um grande susto (eu e toda a minha família), E apanhei-o por mera coincidência. Calhou, perfeitamente por acaso, fazer um exame de rotina (uma rotina que estava interrompida há quase uns dois anos ou mais -- nem sei) no dia em que apanhei a vacina. De manhã levei a vacina, de tarde fiz o exame. E esse exame detectou alterações significativas, potencialmente graves, em mim. Ao repetir de urgência esses exames, essas alterações tinham-se acentuado e já causado uma aparente sequela, quiçá uma sequela para o resto da vida. A partir daí tem sido uma sucessão de sustos, de mais exames, de toda a espécie de peripécias. 

Não sei se tem a ver com a vacina mas essa hipótese não foi descartada. Para já está a querer perceber-se o que aconteceu e se ainda há risco; e, face ao que se descobrir, o que fazer. 

Desculpar-me-ão mas não vou dizer qual a vacina para não causar receios que poderão ser infundados. 

Tudo nisto é novo e temos que ter calma, não fazer juízos precipitados. Para já quero é ter tudo clinicamente esclarecido pois não ganhei para o susto e quero, sobretudo, saber se posso voltar a ter uma vida normal e descontraída, se tenho que ser medicada forever and ever ou, mesmo, se terei que ser 'intervencionada'. A vacina pode ter sido apenas uma estranha coincidência. 

O resto se verá depois -- se houver alguma coisa para ver.

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Mas post que é post, aqui no Um Jeito Manso, tem que ter música... certo?

Então que se chegue a nós o Will Stratton com Tokens


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Divirtam-se, aproveitem a vida, está bem?
Haja saúde. Haja alegria.
E tenham um dia bom. Força.

terça-feira, abril 13, 2021

Trabalhos, penteados e uma entrevista saborosa

 


Hoje comecei o dia, recebendo telefonemas atrás de telefonemas estando eu ainda na cama, a acordar. Não gosto. Gosto de acordar na minha hora, quando o meu corpo se sentir confortável com o despertar. Se acordo quando o meu marido se levanta, peço para abrir a janela. Abrir a janela é como quem diz, pô-la basculante. O estore em si fica apenas chegado até abaixo mas com os buraquinhos todos abertos para entrar luz e ar. O meu marido protesta com os meus pedidos, diz que não está tempo para abrir a janela, que entra ar frio. Eu gosto. O ar frio da manhã com canto de pássaros à mistura é muito bom. Daqui por algum tempo, poremos o sistema de rega a funcionar. E, portanto, acordarei com o frescor da aurora, o som da rega, o canto dos pássaros, o cheiro das flores do canteiro sob a janela. Geralmente volto a adormecer, tranquila, encantada, e acordo com o despertador.

Ao fim de semana, não havendo compromissos, acordo e fico um bom bocado no quentinho, no bem bom, curtindo o prazer de estar entre lençóis em pleno dia. 

A antítese de tudo isto é estar a dormir e acordar com o telefone. Uma neura. Pior ainda se, atendendo, estiver do lado de lá alguém cheio de problemas, alertas, ralações e que faz questão de os passar inteirinhos para mim. Detesto. A minha cabeça gosta de ter um tempo de setup generoso. 

Outra coisa que também me estraga o dia é ter que acordar à pressa, com aceleradas abluções e petit dejeuner sem um mínimo de vagar e qualidade e, sem tempo para me ver ao espelho, ajeitar cabelo ou passar um brilhozinho nos lábios, entrar em reunião e, de súbito, ter que me sintonizar num outro comprimento de onda. Não gosto. Nada.

E esta segunda-feira, dia já de si desagradável, acordei assim. Telefonemas, telefonemas. Depois, tantas as emergências, tive que marcar reunião e, de supetão, entrar nela. Estava a entrar na dita e a pensar: isto não vai correr bem. Penso que só os distraídos é que ainda não perceberam que não deveriam pôr-se a jeito, ainda por cima a uma segunda-feira de manhã. Não correu bem, claro. Dei por mim a falar devagarinho, baixinho, nitidamente a conter-me para não me portar mal. Depois, na seguinte, a que estava planeada, a que era para ter corrido rapidamente, atrasou-se. Um incómodo. 

Fomos caminhar à hora a que deveríamos estar a almoçar. Podia não ter ido e limitar-me a almoçar. Mas preferi andar. Como a seguir tinha outra para a qual tinha que ler um documento antes, almocei uma banana. Horas nisto. 

E assim fui até que terminei por volta das sete e tal, hora a que tive que ligar a um colega, depois à minha filha, depois à minha mãe. Felizmente, o jantar foi um resto que estava parqueado no frigorífico, senão daria para belas horas. A seguir estive à conversa com o meu filho. E mal me instalei, novo mail a pedir-me uma opinião antes da reunião de amanhã. Pensei: gaita, lá terá que ser, vou mas é despachar já senão amanhã, em vez de acordar com os passarinhos, acordo com um pedido de opinião. 

E é isto. Ainda me lembro de um dos meninos me ter perguntado: o que é que tu fazes? E eu ter ficado sem saber bem o que dizer. Como se explica a uma criança a vida que levo? Não curo doentes, não construo ou projecto casas ou pontes, não defendo prisioneiros, não sou professora, não sou cabeleireira ou polícia, não sou jardineira. Faço o quê? Só isto que aqui vos conto e que, espremido, não sei se dá algum sumo.

E, assim, neste comprimento de onda, os dias vão passando. À hora do almoço, o tempo estava razoável, havia raios de sol, a temperatura estava amena. Quando, ao fim da tarde, saí para o jardim para apanhar ar enquanto falava com a minha filha, estranhei: estava frio, o céu escuro, fechado, o chão molhado, alguma coisa tinha chovido. Cheguei a casa, tive que me agasalhar, parece que a própria casa tinha esfriado. Não percebi.

Usei hoje o poncho de lãzinha fininha que a minha mãe me fez e que, por causa do confinamento, só ontem recebi. Tem aquela cor de que tanto gosto, é solto e macio, e é quentinho. 

E agora aqui estou. Do que me apercebo, continua o fuzuê em torno de Sócrates e de Ivo Rosa, com as vizinhas comentadeiras a comentarem-se umas às outras. A coisa já deve ir na quinquagésima derivada, com o gato e o cão a desfiarem palpites sobre a relevância das provas indirectas e sobre se há razão ponderosa para que o grande Perna, afinal, não seja tratado como o DDT mas apenas como um pindérico portador de um canivete suiço. E, aproveitando o descaso, o coroninha dos pink totós, agora todo feito prosa, a dar-se ares de primo da rainha, todo posh, vai pulando toda a cerca que pode, deslizando do verdinho para o amareladinho, já com tonzinho laranja, a namorar o encarnadinho. Blink, blink.


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As fotografias mostram uns penteados que me deixam roída de inveja. E não é da branca, é mesmo da tinhosa. Gostava mesmo que o Alexis Ferrer me fizesse um penteado assim, com pinturas a preceito.

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E, já agora, deixem que partilhe uma entrevista gostosa. Gente inteligente e desprendida é outra coisa.

Fernanda Montenegro - Conversa com Bial 

No ano em que comemorou seus 90 anos, a atriz lançou seu livro de memórias, "Prólogo, Ato, Epílogo". A obra foi o assunto do Conversa com Bial de 03/10/2019, que celebrou a grande dama do cinema e da dramaturgia do Brasil. Marta Góes, a biógrafa, também estava na conversa e é definida por Fernanda como "uma excelente parteira". O livro é fruto de 18 entrevistas transcritas e editadas por Marta e a conversa foi uma aula de vida e de atuação.


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Desejo-vos um dia bom

segunda-feira, julho 29, 2019

Dia de corte de cabelo a la maison, de passeio em grupo à beira rio, de ida à praia à hora das gaivotas. E etc.





No sábado, depois de termos visitado os meus pais, fomos almoçar e o almoço deu para tarde. Estava com um bocado de dor de cabeça pelo que bebi uma bica a ver se arrebitava. Ora bebo sempre dois cafés de manhã, talvez até três mas, se bebo algum depois das duas e tal, é mais do que certo que vai afectar-me o sono. Não sei se por isso, se por estar cansada demais, se por dormir no sofá, se pelo enternecimento dos rapazinhos abraçados a dormir, se pelo enternecimento de ouvir as meninas a conversar na outra sala, se por qualquer outro motivo, a verdade é que, apesar de estar tão cheia de sono e cansada enquanto acordada, agarrei uma tal espertina que apenas me deixou adormecer de manhã. Vi as horas a passar e eu sem pitada de sono. Passado um pouco já eles estavam acordados e, claro, pouco depois acordaram-me. 

Depois, chegou o casalinho que tinha estado num animado copo de água até de madrugada. E, a seguir, as meninas crescidas começaram a falar de cortes de cabelo, uma sem saber como cortá-lo, a ver imagens em revistas e instas, e outra a oferecer-se para lho cortar. E uma que não e outra que sim e uma que não e outra que deixa lá. Até que a segunda, ó milagre!, convenceu a renitente primeira. Foram as duas para uma casa de banho e o cabelo cortado foi crescendo, apesar do que continuava na cabeça se manter avantajado, manta fofa e quente. Eu também já me tinha oferecido para fazer o mesmo mas, como tenho fama de ser sempre a abrir, sem querer saber de assimetrias ou pontas -- até porque a última coisa de que gosto é de me sentir penteada -- a outra cabeleireira, mais ponderada, levou a melhor. E ficou muito bem. Eu não teria feito melhor. E a dona do cabelo, exigente que só ela, também gostou.

No fim havia cabelos all over mas com pás e vassouras, papel higiénico e água, tudo se limpou. 

O meu marido passa-se um bocado com isto mas, no meio de tanto reboliço, acaba por nem ter grande ocasião para protestar. Quando ouviu que iam cortar o cabelo só disse: 'A ver se no fim não fica tudo cheio de cabelos!' pelo que, as ladies, talvez para não desiludirem o dono da casa, no final levaram a limpeza mais a preceito. Aliás, antes da faena, começaram por se instalar as duas dentro da banheira para conter os danos, uma sentada num banco, a outra atrás. Mas não dava espaço de circulação, pelo que tiveram que se instalar normalmente: a cliente na mesma sentada no banco mas fora da banheira e a lady da tesoura à sua volta.

Entretanto, ainda consegui fazer a roupa de máquina da ordem, com os lençóis das camas dos hóspedes mas deixei para amanhã outra máquina com os toalhões. 

E de seguida, com aquilo tudo, já era quase hora de almoço -- e, pronto a ser comido, eu só tinha o resto do cozido da véspera; mas nem para encher a cova do dente de tanto comensal aquilo daria pelo que pensámos que mais valia irmos todos almoçar fora. O meu filho reservou e lá fomos. E a seguir ainda fomos refrescar num passeio a pé à beira rio. E soube bem andarmos a caminhar por ali, a respirar a fresquinha.

Até que dispersámos. Quando cheguei a casa, estendi-me em cima da cama, a janela aberta, o aragenzinha a entrar e a deslizar sobre mim - e pimbas, tiro e queda. Deve ter sido uma hora bem dormida, a sono solto.


Mas parte do grupo tinha dito que, ao fim da tarde, iria à praia, se não queríamos ir também. Por isso, quando acordei, o meu marido também recém acordado, achámos que mais valia irmos até à praia senão ficávamos em casa a molengar, na volta a dormir até ser hora de jantar.

Fomos. Já lá estavam.

Ficámos até às sete e tal. Agradável embora, para o fim, tenha começado a levantar-se um ventinho fresco. As crianças tomaram banho apesar da água fria e brincaram, inventando brincadeiras, e os rapazes pequenos e grandes jogaram à bola e eu andei por ali, curtindo a alegria de estar com eles. E, claro, fotografei-os. Por exemplo, à saída da praia, fotografei pai, filho e neto, três gerações, os três com o mesmo nome. E fotografei todos os outros, sempre animados, a pele dourada pelo sol, bonitos, o verão pousado neles.

E fotografei as gaivotas.

E fotografei as costas de uma senhora que carregava com a Marilyn Monroe, o Peter Pan e o que me pareceu ser uma bruxa a cavalo numa vassoura. O meu marido fez um ar arreliado, achou que eu estava a fotografar as costas da senhora demasiado à descarada. Mas não podia deixar de fotografar. Aquelas costas estavam impregnadas do mais genuíno surrealismo.

De regresso a casa, atirei-me então a arrumar a casa. E depois do banho sentei-me, então, aqui, Estava a dar o Marques Mendes mas ou porque, como geralmente, não estava a dizer nada de jeito ou porque o corpo (o meu) continuava a pedir-me descanso, passado um bocado estava na mesma, quase a dormir.

O que vale é que o meu marido me chamou. Fomos jantar e agora aqui estou a fazer o gosto aos dedos, escrevendo sem pensar, ao correr da pena.


Já estive a ver a agenda para os próximos dias. Tirando um dia que vai ser dose, o resto parece-me que tem tudo para não ser daquelas semanas que me deixam com os bofes de fora. Vamos entrar em Agosto e o nosso querido mês de Agosto tem fama de ser mês feliz, mês de deixar boas recordações. Portanto, talvez tenha tempo para pôr um conjunto de coisas em dia, nomeadamente começar a pensar nos presentes dos leões e leõezinhos que, a seguir aos caranguejos, já aí estão em força.

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Acabo com um vídeo que fala de cinco beneficios da caminhada para que uma certa pessoa o veja. É das formas de exercício mais saudáveis para o corpo e para a mente. Andar diariamente deve ser hábito a manter em qualquer idade, em qualquer circunstância da vida. Por muito que se pense que não se tem tempo ou que não se tem onde ou que não se tem com quem, é importante que se saiba que não é preciso muito tempo, não é preciso nenhuma pista ou trilho especial, não é preciso ter companhia. É, sim, preciso andar, andar com convicção, andar olhando aquilo que a vista alcança, andar focado apenas nisso: em andar. Andar e deixar o corpo tonificar-se e a mente arejar.



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Queiram aceitar o meu convite: hoje no meu Ginjal tenho A grande e turva flor desse fogo ainda por abrir sobre poema de Carlos de Oliveira e muito gostaria de vos receber por lá. Haverá música, como sempre e mistérios em volta de palavras sugeridas.

domingo, maio 19, 2019

Viver num mundo paralelo





Madruguei, salvo seja, para ir à cabeleireira. Quando liguei, só havia hora para a tarde o que cortaria o dia. Ficou mas pedi que, se houvesse alguma desistência, me avisasse. Ligou há dois dias a dizer que a primeira cliente do dia tinha adiado por uma semana. Ao sábado ter que me levantar tão cedo é contranatura e violência gratuita mas, enfim, era a hora que estava livre, fui. Quando lá cheguei ainda o salão estava fechado. Arrependi-me de ser tão bem mandada, bem podia ter dormido um pouco mais. Paciência. Fiquei sentada no parapeito da montra.

Quando ela chegou não refilei. Coitada. O dia todo de pé, sem horários, não deve ser fácil. E é uma simpatia, discreta, contida, boa profissional. 


Quando viu a ficha, disse-me, com ar admirado, que eu já lá não ia há alguns meses. Até para mim foi surpresa, não pensei que tivesse passado tanto tempo. Depois, ao pegar-me no cabelo, disse que já tinha perdido o escadeado, que já estava sem corte, que estava com muito volume e pesado e que não sei quê, não sei que mais. Ou seja, cá para mim estava a tentar que eu confessasse. Mas não me denuncio facilmente. Não confessei que tenho cortado o cabelo em casa. Mas o cabelo cresce-me muito e, volta e meia, tenho vontade de me recondicionar toda, a começar pela cabeça -- e lá vai disto. Portanto, ter corte até tem, tem é dos meus, tesourada aqui, tesourada ali.


Aproveitei foi para o de sempre, para me atirar à literatura ali residente para pôr a fofoquice em dia. Revistas variadas. O problema é que cada vez mais conheço menos daquela gente. Ou são de telenovelas que não vejo ou de programas da manhã ou da tarde que também desconheço. E uns são ex de outras e namoram numa revista e desmentem na seguinte e são amigos para a vida numa outra. E há desaguisados que metem baptizados e não se percebe se a mãe da criança convidou a namorada do ex-marido e se as indirectas da namorada no facebook são directas para ela ou se para a geral ou se é mera filosofia. E depois, para minha surpresa, vejo o Conde rodeado de duas putativas namoradas de um agricultor e, quando aprofundo, leio que uma descobriu sms de uma com o Conde e que ficou sentida e prefere afastar-se. E quando ainda estou a refazer-me, sem perceber nada, vejo uma outra que foi descartada por um agricultor agora a namorar com um dos que casou à primeira vista. Sem perceber, perguntei: 'Mas afinal passam de uns programas para outros e só desistem quando casam mesmo?'. Ela disse-me: 'Numa era destas, como é que as mulheres se sujeitam a isto, a entrarem em programas destes, serem escolhidas?' e eu disse: 'Mas, do que percebo, as que não foram escolhidas num programa, vão tentar a sorte com os ex-maridos à primeira vista do outro programa...'. Ela disse, resoluta: 'Isso não sei, não tenho tempo para ler as revistas. O que sei é que o pior de tudo é o da TVI, em que são as mães que escolhem para os filhos. Só consegui ver um bocado, uma vez. Um disparate que não imagina, até revolta, desliguei logo'. Eu confessei que esse não conhecia, deve dar a horas a que não apanho. Expliquei que, no campo, sem cabo, ao sábado à noite, volta e meia, à falta de melhor alternativa, vejo um bocado daquilo do agricultor e que é coisa de doidos, mulheres aparentemente normais a sujeitarem-se a andar a disputar um namoro com outras. Uma coisa do além. Mas agora vê-las aparentemente a tentarem a sua sorte com outros de outro programa ainda me faz achar que tudo isto é ainda mais rocambolesco e que a televisão e as revistas e tudo isto é um nonsense pegado.


Quando ela, de escova e secador na mão, me perguntou se era como sempre, despenteado, eu disse que sim, claro. E daí até estar despachada foi um ápice pelo que nem tive tempo de digerir esta minha condição de marginal. Quando leio estas revistas -- e gosto de folheá-las para me certificar disso -- concluo sempre o mesmo: há um mundo paralelo àquele em que vivo. Aliás, há muitos. São mundos habitados por pessoas diferentes das que conheço, que pensam e agem de forma oposta à minha. Votam como eu e o seu voto vale tanto como o meu. E, no entanto, eu e esses seres somos perfeitos estrangeiros. Não falamos a mesma língua, não temos os mesmos hábitos, não perfilhamos os mesmos valores. Aparentemente nada nos une.

De lá viemos para cá. No caminho, voltei a mostrar como sou fraca: comprei outra vez o Expresso. Ver a Sophia na capa da Revista fez-me não hesitar. 

Li no carro, li depois de almoço, antes de adormecer, li depois de acordar, li antes de jantar e depois de jantar. Sobre a Sophia e não só. A ver se para a semana nada me tenta porque isto não pode ser.

E já passeei ao vento, já fotografei, já me maravilhei com a beleza de todas as florzinhas, e já fiz uma máquina de roupa que secou ao vento e já limpei o pó e já zaragateei comigo mesma por nunca ter tido coragem de acabar com este acabamento rústico das paredes que faz com que as teias de aranha se infiltrem nas rugosidades e já senti aquela sensação boa de fazer a cama com roupa de lavado, acabada de colher, ainda transportando o vento e a sol.

E fotografei estes frutos cheios de luz e doçura e a seguir comi-os e, portanto, é assim que me sinto agora, doce e cheia de luz. Mas isto sou eu a dizer, claro.


E estou a ver o Sexo e a Cidade 2 e o Mr. Big continua cheio de charme e passa das duas e meia da manhã e eu gosto tanto da noite, de aqui estar neste dolce fare niente, a escrever coisas de nada. E, de madrugada, hei-de despertar ao de leve para abrir a janela e deixar entrar o cantar dos pássaros e a frescura do alvorecer e vou bendizer a vida e vou sentir a felicidade de respirar este ar tão bom e tão cheio de paz aqui neste meu mundo paralelo, e voltarei para a cama para adormecer e dormir até a manhã ir alta porque não há coisa melhor do que dormir até tarde numa manhã de domingo.

(Quer dizer, haver até há. Mas faz de conta que não para o texto poder acabar em beleza)

domingo, dezembro 30, 2018

Madrugar à conversa convosco






Não sei o que é isto hoje que a casa parece que não quer aquecer. Estou com um aquecedor a óleo aqui à minha beira e com a salamandra a queimar lenha como se não houvesse amanhã -- e a sala continua fria.

Ainda não há muito tempo tínhamos que comprar lenha. Mais recentemente comprávamos ao vizinho da ponta da estrada mas, antes de sabermos que ele tinha lenha a mais, íamos comprar a um lugar de que já uma vez aqui falei, um lugar muito estranho. Por vezes, algumas memórias minhas assomam como se quisessem que eu as revivesse mas algumas parecem-me improváveis, como se eu estivesse a ficcionar. Aquele homem silencioso e rude, aqueles cães enormes que ladravam e rosnavam ameaçadoramente sem que o homem tentasse acalmá-los, aqueles barracões cheios de lenha coberta por grandes oleados onde facilmente se poderiam esconder meliantes ou onde aquelas feras poderiam devorar presas indefesas sem que delas restasse algum vestígio é daquelas memórias que me parece saída de um filme de terror. Mas talvez aquele lugar, que existe na realidade, seja apenas um lugar muito pobre e o homem alguém a quem a vida não sorriu.


Mas isso era de quando as nossas árvores ainda eram pequenas. De repente, o lugar alterou-se. As árvores cresceram muito, a terra que, antes era castanha e seca, agora é fofa, escura, fértil e cobre-se de musgo, folhas secas, e dela brotam flores, arbustos, As pedras que antes tinham a superfície seca à vista agora também se cobrem de musgo, e nascem fetos, há heras a cobrir alguns rochedos. Toda a paisagem agora é outra. Estou a escrever e a pensar: do meu amor nasceu um bosque.


Temos, pois, lenha que não acaba. Levantei-me agora mesmo para ir pôr mais um tronco na salamandra. Cheira muito bem esta lenha. Quando chegámos, a casa estava gelada mas cheirava muito bem, a boa lenha queimada. Azinheira, cedro, pinheiro. Não sei se aroeira. Há madeiras que não queimam bem. Por exemplo, o meu marido não quer aproveitar a madeira da figueira, tenho ideia que diz que não arde. Mas deve arder, se calhar leva é mais tempo a pegar-lhe o fogo. Não sei.


Fico muito contente, orgulhosa mesmo, como se as árvores terem deitado tanto corpo fosse um pouco obra minha. Mas não quero parecer pretensiosa. A natureza não se deixará influenciar pelo amor de uma mulher. E, no entanto, as árvores sentem, comunicam entre si e são, acredito nisso, seres sábios, fortes e sensíveis, seres superiores. Quem sabe não se sentem mesmo felizes por se sentirem tão amadas e, como as pessoas que são felizes e criativas quando se sentem estimadas, também elas, as minhas queridas árvores, desataram a crescer e agora chamam os pássaros e dão abrigo a musgos, arbustos e flores? Quem sabe?


Faço perguntas cuja resposta desconheço. Sou bicho inferior, só sei fazer perguntas, não descubro resposta para quase nenhuma.

Estive a fazer o tapete enquanto via televisão mas está a dar um filme que não é adequado ao meu estado de espírito e as alternativas não são muito melhores. Por isso, voltei aqui para escrever e para plantar mais algumas fotografias que fiz durante a tarde. Fotografo tudo porque tudo me maravilha. Enquanto não levar um susto de algum javali, continuarei neste meu doce flanar.


Hoje de manhã fui cortar o cabelo à cabeleireira. Queria coisa mais profunda e estruturada do que as tesouradas que lhe dou em casa. Estou com uma grande vontade de fazer uma coisa nova, apresentei uma proposta, coisa arrojada, ousada mesmo, e tenho que estar preparada para a defender. No meu íntimo sei que joguei uma cartada arriscada, dir-se-ia de improvável sucesso. E, no entanto, sei que quero que aconteça e sei que, quando quero assim uma coisa, não descanso enquanto não a tenho nas minhas mãos. Perguntei ao meu marido: 'E se não consigo?'. Ele disse: 'Se não consegues sabes o que tens a fazer'. Sei.

Mas porque sinto que, de uma maneira ou de outra, alguma coisa vai mudar, decidi que tinha que mudar de corte de cabelo para melhor sentir que aí vem uma vida nova.


E, na cabeleireira, foi aquela diversão de sempre. Disse ao meu marido: 'Se lá pusessem uma câmara a gravar e difundissem via televisão, haveria de ser programa líder de audiências'. O que aquelas mulheres dizem, o que riem, a forma como dizem que dão a volta aos maridos, a forma truculenta como falam umas das outras ou como relatam as suas pequenas rebeldias do dia a dia, fascina-me. Tudo demasiado irreal, tudo extremamente divertido. Eu estava a ler as revistas que não perco por nada quando lá estou mas com um olho nas celebridades e outro naquelas fantásticas conversas. O mundo real é surreal. Tenho pena quando vejo que estou quase despachada.


No carro, à vinda para cá, adormeci completamente. Sabem-me mesmo bem estes sonos que me desligam do mundo. Só acordei quando já estavamos a caminho do supermercado da cidade mais perto aqui da aldeia. Há lá peças de carne que não encontro na 'minha' cidade e já estou a aprovisonar mantimentos para o almoço de Ano Novo. O meu marido, como é um apressado e gosta de planear tudo, até já sugeriu que eu cozinhasse já algumas coisas ou que, pelo menos, adiantasse já as cozeduras. Claro que não vou fazer isso, ia lá servir comida a saber a coisa já feita? Vou congelar e faço no dia, excepto uns petiscos que são de demorada confecção que, esses, farei de véspera.

E estou a sentir que preciso de férias. Aliás, estamos os dois. Mas nem eu nem ele podemos agora. O que me vale é que quando me apanho com um ou dois dias de descanso, aproveito muito bem, estico o tempo, sorvo cada instante com vagar, contemplo com minúcia a beleza de cada pequena coisa.


E agora vou dormir. Já viram bem isto? Estou para aqui a escrever de gosto, nem dou pelo tempo a passar. O lume espevitou, a sala finalmente parece mais quentinha. Estou com uma manta quentinha nas pernas e sinto-me confortável. Em contrapartida o Leonardo DiCaprio, coitado, continua ali naquela dolorosa labuta, a rastejar no meio do gelo e de sangue.  E, quem sabe, a esta hora, ali fora,  sob o belo céu estrelado, andam javalis a revolver a terra à procura de bolotas.

... e eu, se não me detenho, continuo nisto. Daqui a nada são três da manhã, não tarda começa a madrugar e eu ainda para aqui nesta conversa vadia convosco. Santa paciência para mim mesma.

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quarta-feira, março 28, 2018

Cabelos, nails e facebook





Andava para ir dar um jeito no cabelo há que tempos. Como a vida tem estado por conta própria sem que eu consiga fazer o que quero ou preciso e, ultimamente, sempre, a levar-me, arrastada pelas circunstâncias, não dava. O cabelo desordenado e eu sem conseguir um tempo para cuidar dele. Sem problema. Fui fazendo o que sempre faço: da mesma forma que corto o cabelo que resta ao meu marido, corto também o meu. Volta e meia, chegava a casa e, num acto de exorcismo, ia buscar a tesoura grande da costura e, em frente do espelho, lá vai disto. Como o cabelo é basto e como gosto de me ver com ele a atirar para o despenteado, a perfeição é desnecessária.

Mas já estava a ficar um bocado fora de controlo, nem curto nem comprido, nem a direito nem escadeado. No outro dia, afoitei-me e marquei hora para um tempo depois. Mas, depois de ter marcado, o meu marido chamou-me a atenção: era a pior hora e o pior dia possível. De facto. Parece que até fico com dificuldade em organizar capazmente os meus tempos supostamente livres. Então, no sábado passado, havendo vaga já para o fim da tarde e a precisar mesmo de tirar um valente peso de cima, lá fui.


Na estação de serviço tinha comprado o Expresso para ler o artigo sobre a Agustina e, portanto, ao contrário das outras vezes, não me atirei logo às Caras, Nova Gentes ou VIP's. 

No entanto, frequentando tão raramente estes microcosmos, é sempre com grande admiração que ouço as conversas que me cercam pelo que atenção, atenção ao artigo, só o dediquei mesmo nessa noite. Ali, discretamente, fui assistindo ao que se ia passando.

A cabeleireira, a irmã que a ajuda (e que também se ocupa de estética) e mais a bela jovem que se ocupa das nails são a tripulação deste pequeno salão de bairro. Conhecem as clientes todas e, do que percebo, têm relação de amizade com grande parte delas. Terão uns trinta e tal ou quarenta e poucos anos, elas duas, e dá ideia que todas as colegas de escola ou vizinhas ali vão. Tratam-se quase todas por tu e referem maridos, filhos e amigos pelo nome e constato que a familiaridade parece ser grande. De vez em quando, a mãe delas entra e, silenciosamente, vai buscar vassoura e pá e varre o chão do pequeno espaço. Outras vezes, leva pão para a filha-cabeleireira que trabalha de pé horas a fio. Depois senta-se numa qualquer cadeira que esteja vazia e fica em silêncio ouvindo as conversas que por ali giram. Ouvi uma das clientes a conversar baixinho com as duas irmãs sobre o tempo que leva a processar o subsídio e que, mesmo não sendo muito, sempre é uma ajuda; e que ia informar-se sobre a data em que iam pagar. As irmãs agradeceram. No meio da conversa, pareceu-me ouvir falar em funeral e ocorreu-me que talvez o pai tenha morrido e que a silenciosa senhora esteja viúva. Mas pode não ser nada disso, não consegui apanhar a conversa toda.

Mas o que aqui me traz é outra coisa.


Na véspera à noite eu tinha aqui escrito sobre o facebook, sobre os riscos para a democracia e para a saúde política dos países por haver uma tão potente plataforma tecnológica completamente desregulada ao dispor de milhões e milhões de pessoas incautas, mal informadas, desprotegidas.

Pois bem. Durante todo o tempo que ali estive o facebook veio inúmeras vezes à baila. Completamente alheadas de todas as polémicas em torno dos escândalos que começam a vir a lume (a ponta do iceberg), elas falavam descontraidamente da utilização que fazem do facebook. Uma cliente mostrava imagens de outras no facebook. A cabeleireira dizia que estava a perceber qual o corte que ela queria mas que aquelas das fotografias tinham muito menos cabelo que ela. Ela então mostrava uma fotografia sua numa festa qualquer, para mostrar um penteado que tinha feito para a ocasião e que lhe tinha ficado muito bem. As outras pasmavam: 'Mas és tu?'. Ela, orgulhosa, que sim, que também tinha uma maquilhagem diferente. E mostrava outras fotografias suas. O telemóvel passava de mão em mão, todas pasmadas com a beldade que ali se mostrava. Eu, que não vi as fotografias e apenas a ela, ao vivo, não consegui imaginar qual a transformação que estava a deixar a assistência tão rendida.

Depois foi a vez da irmã esteticista: confirmou as maravilhas da maquilhagem também mostrando fotografias suas no fim do ano. E as clientes igualmente se espantavam. E ela, sentindo-se uma estrela, mostrava o vestido, o cabelo, o colar, a maquilhagem. Provavelmente selfies. E facebook para aqui, facebook para acolá. E todas sorriam, sentindo-se socialites, vampes, vip's.


Entretanto, a menina das nails, que estava desmaquilhada, dizia que no facebook nunca se punha assim como era, 'deslavada'. E mostrava. As outras já conheciam mas riam, diziam que ninguém diria que eram a mesma pessoa. Ela confirmava: só se punha nas fotografias do facebook com grandes e espessas pestanas e lábios pintados. E facebook e mais facebook e sorrisos e mais sorrisos. A sua cliente, para escolher a decoração das unhas, também consultava fotografias no facebook e hesitava: corte quadrado, corte em bico, corte bailarina. E todas iguais e apenas a do anelar diferente ou todas em bicolor ou com desenhos ou com purpurinas? O telemóvel circulava entre algumas e cada uma opinava, rindo-se de algumas decorações como se fossem pirosas. 
Nessa altura, escondi as minhas -- curtas, básicas, apenas com um brilho transparente -- por entre as folhas do Expresso. Dir-se-ia que eu, naqueles preparos, as unhas nuas, tinha saído de um outro tempo.
Pensei: se eu agora abrisse a boca e dissesse que o facebook é uma treta, que os algoritmos manipulam as pessoas, que os seus dados podem ser usados para lhes conhecerem os gostos a ponto de as conseguir levar a votar num inimigo do país, iriam olhar-me como se eu fosse uma maluca fugida do manicómio. 

Por vezes, o banho de realidade tira as peneiras a quem se acha bem informado e se julga capaz de ver ao longe. Mas de que serve ver ao longe quando não se vê ao perto?
Qual o valor da liberdade se não se puder mostrar a selfie embonecada às amigas...? De que serve uma democracia esclarecida e transparente se não existir a montra que permite todos os deslumbramentos?
Não é?


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[Foi aqui que a civilização nos trouxe? Como foi que isto aconteceu?]

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Sobre as quatro primeiras fotografias (que vi no Bored Panda): 
One of those magical objects that caught Ylinampa‘s eye was a lovely Kotisaari island in Rovaniemi, that used to be a traditional stronghold of the Lumberjacks in Kemijoki. Floating in the scenic Kemi river, it became just the right place to fulfil photographer’s wish to capture the changing beauty of nature. He documented the island from a drone through all four seasons, which resulted in four really different but mesmerizing pictures of this wonderful piece of land

A última mostra Christina Aguilera que, para uma sessão fotográfica para a Paper Magazine, se mostrou sem maquilhagem, ficando irreconhecível.


Lá em cima Marlon Williams interpreta 'Arahura'


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