De vez em quando esqueço-me da máscara e, ao lembrar-me, tenho vontade de dizer 'que se lixe' mas, felizmente, acordo para a realidade. Os meus filhos ainda não foram vacinados e os meus netos obviamente também não.
A minha filha esteve cá com os meninos. Eles estão de férias e férias num apartamento não é coisa fácil, em especial quando a mãe está a trabalhar. Aqui estão à larga, podem brincar à vontade. Crescidos, divertidos, sempre com a resposta pronta.
Se estão a jogar à bola, estão sem máscara e, se eu estou ao telefone com alguém, também sem máscara, como gosto de cirandar na rua enquanto telefono, acontece-me quase me cruzar com eles. Ou, então, de vez em quando, calha pegar no computador e ir para a mesa em que a minha filha está... e estarmos ambas sem máscara. Felizmente, o meu marido -- que tem baixíssima confiança em mim e faz por me vigiar de perto -- aparece a perguntar: 'E a máscara? Já sabia...'. É certo que é ao ar livre mas nunca fiando. Ao que parece, a delta é do mais tinhoso que existe.
A máscara seca-me a boca e o nariz, às vezes quase parece que me falta o fôlego. Quando fazemos as nossas caminhadas, andamos por lugares onde praticamente não nos cruzamos com ninguém. Por isso, posso andar sem máscara. Caminhar de máscara é muito mau. Acho que me desmotivaria, se tivesse que fazer caminhadas com a boca seca, quase a arfar.
Li que Israel está a reconhecer a menor eficácia da Pfizer perante esta bicha indiana. Atenua a gravidade da doença mas não é lá muito famosa a prevenir a transmissão. Que dizer, então, da porcaria da vacina (como a minha mãe se lhe refere) que me espetaram no braço e que agora, afinal, parece que... está bem, está.
O mundo mudou completamente: há uns tempos, tempos até não muito longínquos, haveríamos de ter informação disponível para podermos optar. Agora isso é que era doce. Quando a seringa estava a milímetros da minha pele, soube, porque perguntei, qual era. A minha vontade foi dizer ao rapaz que fosse mas é dar banho ao cão. Mas naquela altura acho que nem se falava na delta nem se sabia tanto quanto hoje se sabe. E todos os dias se vai sabendo um pouco mais. Ou melhor, constatando que se sabe menos do que se pensava.
Se eu tivesse a certeza que o que tive foi consequência da vacina, informaria o Infarmed e informar-vos-ia. Ou se tivesse a certeza que não foi, também diria: o que me espetaram no braço foi a vacina X mas está provado que o que me aconteceu não teve nada a ver.
Como não sei, não digo.
Ligou-me hoje um conhecido de longa data. Já teve, ao longo da sua vida, uma bela dose de sustos de saúde. Disse-me que até não há muito tempo se achava saudável, invencível. Quando começou a perceber que os outros o olhavam como uma pessoa doente, percebeu que, se calhar, não era tão indestrutível quanto pensava.
Dizia-me ele, no fim, a modos que para me consolar: Tirando o que lhe aconteceu que, ao que parece, poderia ter sido muito grave e que deve ter sido um susto dos valentes, nada do que me diz me parece especialmente grave. Se calhar é coisa... como dizer... coisa da idade...
Desatei-me a rir. Na volta...
Também me parecia que a idade passava ligeirinha sobre mim, sem me pesar. Quando era nova, achava graça quando ouvia as outras pessoas, mais velhas, gozarem com a PDI. A PDI era uma sigla que apenas se aplicava a quem estava bem longe de mim. E agora já cá estou, onde os outros estavam.
Enfim. Não tenho feito outra coisa senão andar para aqui nas lamúrias. Imagino a seca que é lerem este desfiar de coisas nenhumas. Mas a verdade é que, por muito que não queira, é um tema agora tão presente na minha vida que me é difícil ignorá-lo.
Mil vezes preferia falar de flores, das ameixas que vão caindo ainda verdes e que, quando estiverem maduras, devem estar comidas pelos pássaros.
Ontem vi um pêssego meio roído no chão: parecia que tinha sido roído por um ser humano. Mas capaz de ter sido um coelho... ou a raposa.
Ainda não foi hoje que vimos a Netflix. O meu marido tem andado cheio de dores no corpo. Não sabe o que é. Acorda de madrugada sem posição. Hoje lembrou-se: será que é da vacina? Tomou a segunda dose a semana passada.
Como dorme mal e pouco, mal se deita aqui no sofá, adormece. Depois lá vai, meio derreado, para a cama.
Olhamos um para o outro a rir e dizemos: estamos acabados. E, agora que estou a escrever isto, também estou a rir-me: estávamos bem e, de repente, virámos dois jarretas, com maleitas inexplicáveis, derreados... acabados...
E pronto, não digo mais nada. E devia era prometer que aqui não voltava enquanto não tivesse alguma coisa de jeito a dizer. Mas, como não sou boa de promessas, mais vale ficar calada.
E, meanwhile, enquanto este enervante compasso de espera -- em que um merdinhas de nada fez o mundo baquear e andar aos pinotes, em marcha atrás -- não passar, vou-me entretendo por aqui. Por exemplo, vou pondo uma musiquinha à maneira e imaginar que um dia poderei organizar aqui no jardim uma cena assim, tudo a cantar e a dançar, sem máscaras, sem doenças, sem dores, sem preocupações.
O que eu tenho vontade disso, caraças.
Hauser - Waka Waka
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As pinturas são, respectivamente: Cymon and Iphigenia - Frederic Leighton, Ida Rubenstein -Valentin Serov, Portrait of Jeanne Hébuterne - Amedeo Modigliani, No. 22 - Special - Georgia O'Keeffe, Unknown title - Amadeo de Souza Cardosoc.
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