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terça-feira, julho 06, 2021

Compasso de espera

 

De vez em quando esqueço-me da máscara e, ao lembrar-me, tenho vontade de dizer 'que se lixe' mas, felizmente, acordo para a realidade. Os meus filhos ainda não foram vacinados e os meus netos obviamente também não. 

A minha filha esteve cá com os meninos. Eles estão de férias e férias num apartamento não é coisa fácil, em especial quando a mãe está a trabalhar. Aqui estão à larga, podem brincar à vontade. Crescidos, divertidos, sempre com a resposta pronta.

Se estão a jogar à bola, estão sem máscara e, se eu estou ao telefone com alguém, também sem máscara, como gosto de cirandar na rua enquanto telefono, acontece-me quase me cruzar com eles. Ou, então, de vez em quando, calha pegar no computador e ir para a mesa em que a minha filha está... e estarmos ambas sem máscara. Felizmente, o meu marido -- que tem baixíssima confiança em mim e faz por me vigiar de perto -- aparece a perguntar: 'E a máscara? Já sabia...'. É certo que é ao ar livre mas nunca fiando. Ao que parece, a delta é do mais tinhoso que existe.

A máscara seca-me a boca e o nariz, às vezes quase parece que me falta o fôlego. Quando fazemos as nossas caminhadas, andamos por lugares onde praticamente não nos cruzamos com ninguém. Por isso, posso andar sem máscara. Caminhar de máscara é muito mau. Acho que me desmotivaria, se tivesse que fazer caminhadas com a boca seca, quase a arfar.

Li que Israel está a reconhecer a menor eficácia da Pfizer perante esta bicha indiana. Atenua a gravidade da doença mas não é lá muito famosa a prevenir a transmissão. Que dizer, então, da porcaria da vacina (como a minha mãe se lhe refere) que me espetaram no braço e que agora, afinal, parece que... está bem, está.

O mundo mudou completamente: há uns tempos, tempos até não muito longínquos, haveríamos de ter informação disponível para podermos optar. Agora isso é que era doce. Quando a seringa estava a milímetros da minha pele, soube, porque perguntei, qual era. A minha vontade foi dizer ao rapaz que fosse mas é dar banho ao cão. Mas naquela altura acho que nem se falava na delta nem se sabia tanto quanto hoje se sabe. E todos os dias se vai sabendo um pouco mais. Ou melhor, constatando que se sabe menos do que se pensava. 

Se eu tivesse a certeza que o que tive foi consequência da vacina, informaria o Infarmed e informar-vos-ia. Ou se tivesse a certeza que não foi, também diria: o que me espetaram no braço foi a vacina X mas está provado que o que me aconteceu não teve nada a ver.

Como não sei, não digo.

Ligou-me hoje um conhecido de longa data. Já teve, ao longo da sua vida,  uma bela dose de sustos de saúde. Disse-me que até não há muito tempo se achava saudável, invencível. Quando começou a perceber que os outros o olhavam como uma pessoa doente, percebeu que, se calhar, não era tão indestrutível quanto pensava. 

Dizia-me ele, no fim, a modos que para me consolar: Tirando o que lhe aconteceu que, ao que parece, poderia ter sido muito grave e que deve ter sido um susto dos valentes, nada do que me diz me parece especialmente grave. Se calhar é coisa... como dizer... coisa da idade...

Desatei-me a rir. Na volta...

Também me parecia que a idade passava ligeirinha sobre mim, sem me pesar. Quando era nova, achava graça quando ouvia as outras pessoas, mais velhas, gozarem com a PDI. A PDI era uma sigla que apenas se aplicava a quem estava bem longe de mim. E agora já cá estou, onde os outros estavam.

Enfim. Não tenho feito outra coisa senão andar para aqui nas lamúrias. Imagino a seca que é lerem este desfiar de coisas nenhumas. Mas a verdade é que, por muito que não queira, é um tema agora tão presente na minha vida que me é difícil ignorá-lo.

Mil vezes preferia falar de flores, das ameixas que vão caindo ainda verdes e que, quando estiverem maduras, devem estar comidas pelos pássaros.

Ontem vi um pêssego meio roído no chão: parecia que tinha sido roído por um ser humano. Mas capaz de ter sido um coelho... ou a raposa.

Ainda não foi hoje que vimos a Netflix. O meu marido tem andado cheio de dores no corpo. Não sabe o que é. Acorda de madrugada sem posição. Hoje lembrou-se: será que é da vacina? Tomou a segunda dose a semana passada.

Como dorme mal e pouco, mal se deita aqui no sofá, adormece. Depois lá vai, meio derreado, para a cama.

Olhamos um para o outro a rir e dizemos: estamos acabados. E, agora que estou a escrever isto, também estou a rir-me: estávamos bem e, de repente, virámos dois jarretas, com maleitas inexplicáveis, derreados... acabados... 

E pronto, não digo mais nada. E devia era prometer que aqui não voltava enquanto não tivesse alguma coisa de jeito a dizer. Mas, como não sou boa de promessas, mais vale ficar calada.

E, meanwhile, enquanto este enervante compasso de espera -- em que um merdinhas de nada fez o mundo baquear e andar aos pinotes, em marcha atrás -- não passar, vou-me entretendo por aqui. Por exemplo, vou pondo uma musiquinha à maneira e imaginar que um dia poderei organizar aqui no jardim uma cena assim, tudo a cantar e a dançar, sem máscaras, sem doenças, sem dores, sem preocupações. 

O que eu tenho vontade disso, caraças.

Hauser - Waka Waka

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As pinturas são, respectivamente: Cymon and Iphigenia - Frederic Leighton, Ida Rubenstein -Valentin Serov, Portrait of Jeanne Hébuterne - Amedeo Modigliani, No. 22 - Special - Georgia O'Keeffe, Unknown title - Amadeo de Souza Cardosoc. 

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Desejo-vos um dia feliz
E, se não puder ser tão feliz assim, respirem fundo, olhem pela janela, fechem os olhos, imaginem os dias melhores que estão por vir.

sábado, janeiro 14, 2017

Encontrei-me com Amadeo no Chiado, Lisboa, num feliz 12 de Janeiro de 2017



Surpreende como há cerca de cem anos viveu em Portugal uma pessoa mais moderna, mais arrojada do que tantos tacanhos e acomodados da actualidade.


E, no entanto, criatura inquieta e vibrante como era, onde uns poderiam ver, maioritariamente, analfabetismo, falta de higiene ou fatalismo, via ele, tantas vezes, um país extraordinário, que o inspirava activamente.


Transcrevo:

O diálogo com as vanguardas do início do Século XX será o grande motor por detrás da obra de Amadeo, mas há fatores determinantes de outra de outra ordem e que se prendem com um universo temático marcado por referentes pessoais. Numa carta dirigida à sua mãe em 1908, o pintor lamentava a ausência de "um forte meio da arte" na sua terra natal, mas queixava-se igualmente da "atmosfera parda" ou o "sol anémico" de Paris, que contrapunha ao seu "Portugal prodigioso, país supremo para artistas". Segundo Helena Freitas, "o alimento espiritual de Amadeo é também a iconografia da sua terra e das suas tipologias". Na sua pintura encontramos alusões a essa luz diferente; ao sol, às montanhas, às azenhas e moinhos; aos alvos das barracas de feira; às canções, bonecos e figuras populares…


E, no entanto. Este País. Este nosso País.
Se tantas vezes os meus olhos também apenas focam o que é belo, alegre e harmonioso, outras vezes há em que me desiludo.
Sossegada hoje, remansando, retomei a leitura de algumas tristes prosas dos dias que correm em Portugal. Tanta banalidade, tanta estupidez. E parece que há falta de assunto, falta de originalidade. Um vulgar trauliteiro a quem um jornal acolhe na qualidade de cronista tece fúteis e fúnebres considerações e logo meio mundo pega no rabo da argumentação e desata a andar em roda, cheirando o rabo do argumento e, às tantas, já todos cheiram é o rabo uns dos outros, falando do mesmo nulo assunto. Ou, se não é isso, são prosoleios rodriguinhamente elaborados por gente muito entesoada de sabedoria, aquele tipo de pessoas que, pelas comissuras, escorre desdém pela alegria de quem ousa ostentá-la. Ou isso ou conversas de tipo pastel, moleza em forma de palavras, converseta da treta, nem carne nem peixe, nem doce nem salgada. Apenas de vez em quando um raio de luz. Coisa rara, preciosa.

E, no entanto.

Se pensarmos que entre 1887 e 1918 viveu um português com um espírito livre, desencastoado de qualquer escola, desinteressado das opiniões das vizinhas enevoadas, um homem cheio de cores, de alegrias e dúvidas, de intempéries luminosas, que polvilhava os frutos imaginários com palavras, que misturava guitarras, quadrados azuis, abysmos verdes, loucuras ardentes, infantes e bandolins, julgaríamos que cem anos depois o país seria habitado por uma multidão de gente moderna, aberta, livre.

Mas não. Continuam a ser uma raridade. E às janelas continuam as mesmas lesmas, as beatas e sacristãos, as belinhas e os jorginhos precocemente envelhecidos, os padrecas e pseudo-padrecas escorrendo sebo, as madrinhas tresandando a naftalina e as descaradas de coxa grossa rebolando o verbo pelas esquinas parlamentares. 
De uma ou outra maneira, parte deles continua a esconder-se atrás da cortina para insinuar torpezas alheias, para lançar suspeições, agora escrevendo em blogs ou nos facebooks desta vida, tecendo loas aos balcões de televisão ou compondo crónicas a metro ou, os mais canhestros, escarrando comentários putrefactos pelos passeios da internet.

Não quero mostrar-me pessimista. Não é estado de espírito que se mostre a uma sexta-feira à noite. Nem eu sou de estacionar por aí. Portanto, adiante. Vou, antes, juntar-me a Amadeo, o caminheiro apaixonado. Estive com ele no Chiado e foi um bocado muito bem passado.

A quem também por lá possa passar aqui fica o meu incentivo:
Vão, rejuvenesçam, riam, encham-se de nuvens coloridas, imaginem guitarradas ao som de morangos carnudos, dancem sobre os triângulos dourados da imaginação, deslizem de sala em sala, depois voltem atrás, aproximem-se, apreciem, depois afastem-se, vejam noutra prespectiva. Vejam sempre noutra perspectiva.

Transcrevo da apresentação da exposição patente no Museu Nacional de Arte Contemporânea ao Chiado, entre 12 de Janeiro e 26 de Fevereiro.


AMADEO DE SOUZA-CARDOSO / PORTO LISBOA / 2016-1916:


Quando Amadeo de Souza-Cardoso regressou a Portugal no início da Primeira Guerra Mundial, era um pintor reconhecido nos meios da vanguarda, tendo participado em exposições coletivas em Paris, Berlim, Nova Iorque, Chicago, Boston e Londres.

As exposições individuais que realizou em Portugal, em 1916, inserem-se nessa determinação de afirmação da carreira: a primeira decorreu no Porto, no Jardim Passos Manuel, de 1 a 12 de Novembro; a segunda, em Lisboa, na Liga Naval Portuguesa, de 4 a 18 de Dezembro. O Museu Nacional de Soares dos Reis evocou a exposição no Porto e agora o Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado evoca a exposição em Lisboa.

Estas exposições provocaram escândalo e debate. 

Em Lisboa,  a exposição proporcionou o encontro entre Amadeo e Almada Negreiros, entusiástico defensor de Amadeo. Foi neste contexto que Almada apresentou a exposição na Liga Naval como “mais importante do que a descoberta do caminho marítimo para a Índia.”

O que se viu há cem anos e o que vemos hoje nas obras expostas? 

Como eram os espaços onde Amadeo expôs? 

Qual o papel de Amadeo enquanto “comissário” de si próprio? 

O que poderá ter motivado as reações mais violentas? O que se escreveu na imprensa? Que discussões houve em torno da pintura de vanguarda? 

Estas são algumas das questões fundamentais desta exposição.


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Já agora, se me permitem, dois vídeos sobre Amadeo feitos há algum tempo, o primeiro dos quais feito a propósito de uma outra exposição, no Grand Palais.



 Ou um vídeo mais longo onde falam, entre outros, os dois artistas de que ontem falei: Julião Sarmendo e Pedro Cabrita Reis.

 

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo sábado.

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sexta-feira, janeiro 13, 2017

Adão e Eva no Chiado


Tinha encontro marcado e nem pensar faltar: Amadeo de Souza-Cardoso no MNAC. Não faltei. Vim de lá feliz da vida.


Mas, com mil ocupações nocturnas e pouco tempo de sobra, antes de falar do Amadeo, a verdadeira pièce de résistance delineada para esta noite, feita imprudente, ainda me pus para aqui com amuse-bouches, consomés e rendas de espiguilhas e agora já não vou a tempo de reportar sobre o que lá vi e como as obras, o espaço e o deleite que se via no rosto dos admiradores desenhavam um encontro virtuoso. A questão é que o meu companheiro de jornadas faz tempo que se foi deitar avisando-me, bem avisada, que, se quero que ele alinhe no programa de festas que gizei para amanhã, é para me levantar cedo. Cedo. 'Por isso vê lá a que horas te vais deitar'. 

E eu aqui, com montes de fotografias, a ter que escolhê-las, reduzir-lhes a definição, e a ver que já passa das duas e meia da manhã... Ai....

Palavras que constam de títulos e/ou de obras de Amadeo


Por isso, meus Caros, com as minhas desculpas informo que as belas e felizes obras do não menos belo Amadeo terão que ficar para amanhã.

Por agora, deixo-vos com o delicioso casalinho que encontrei por lá, no Museu do Chiado, o tal que inaugurou as hostilidades disto tudo, pondo ela a cabeça dele às voltas. Ele não queria, não queria... mas ela tanto o convenceu que o pauvre, para não ficar muito mal visto, não teve outro remédio senão dar a trinca fatal.

E agora é o que se sabe: apaixonado, apaixonado até ao fim dos tempos. Agora é ela que se faz cara: Se queres, implora. De joelho em terra. Diz, diz que queres, diz que gostas, diz... que eu logo penso no teu caso.

E ele: Desculpa, desculpa o eu ter-me armado em esquisito naquela primeira vez. Isso já passou, já lá vai. Esquece. Agora quero, quero, quero. Agora sou todo teu. Vá la, dá lá um beijinho aqui ao teu Adãozinho....

- Prova...
- Não quero.


- Vá lá...
- Não quero, já disse.


- Uma trinquinha. Que mal faz...?
- Ai...! Não quero. Afasta de mim essa maçã! Só se for mesmo só uma trinquinha. Coisa muito ao de leve.
- Chato. Dá uma trinca e cala-te.

Adão e Eva, 1929, Ernesto Canto da Maya


E assim fala ele agora para a seduzir. Chame-se ela Valentina, Eva ou Mariazinha e ele Adão, John Fuller ou Casanova. Um poema de amor, sedução, malícia e sentido de humor na voz de Tom O'Bedlam.




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E queiram ser meiguinhos comigo se acharem que passei da conta ao depreciar a qualidade artística desses dois marcos da genialidade contemporânea das nossas artes plásticas que dão pelo nome de Julião Sarmento e Cabrita Reis. Gostos não se discutem, ok...?

Mais abaixo, a coisa compõe-se e aposto que vão gostar de algum dos posts que mais abaixo ainda encontrarão.

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terça-feira, outubro 01, 2013

'Os Idiotas' de Rui Ângelo Araújo juntam-se a 'O Anão' de Pär Lagerkvist - 'Solte os Cachorros', diz Adélia Prado e eu peço a Claudia Galhós para trazer Pina Bausch porque me apetece ter aqui a vida em forma de dança. Mas, primeiro, vamos até 'Sob o Signo de Amadeo' no CAM não sem antes assistirmos a uma sessão fotográfica de um casamento extraordinário nos Jardins da Gulbenkian. O curto comentário sobre o PS de António José Seguro é, aqui, apenas um breve aparte.


No post a seguir a este transcrevo dois textos enviados por Leitores de Um Jeito Manso. O primeiro refere-se a um muito esclarecedor artigo de José Vítor Malheiros e o outro é um conjunto de citações de Natália Correia nas quais ela antevia algumas das desgraças que estavam para se abater sobre este mal estimado País.

Mas isso é mais abaixo. Agora, aqui, a conversa é outra.

*

De um verão tardio, quente e doce, das folhas que mal chegaram a amadurecer, que não chegámos a ver cheias do sangue suave que vem do lugar mais secreto da terra, eis que passamos directamente para a macieza da neblina, da chuva branca, constante, branda. 

A terra que estava quente deixa agora sair os seus odores mais íntimos. A natureza recolhe-se, envolta em seda húmida e nós recolhemo-nos com ela. A nossa casa é, assim, o ninho, o ventre, o aconchego.

Desde ontem que uma chuvinha quase imperceptível cai sem parar.  Lisboa hoje esteve britânica. Não sei se é nevoeiro, se somos nós no meio das nuvens. Também não sei se os vendedores de castanhas já chegaram ao Chiado. Dias assim combinam bem com um leve perfume a coisas queimadas, a braseiros, a lareiras.

Adiante.

Hoje deveria fazer o rescaldo das eleições, agora que os resultados são conhecidos e que já houve tempo para meditar sobre o sucedido. Mas eu sou pessoa de primeiras impressões. Já disse ontem, a quente, o que me parecia e agora já não me apetece chover no molhado.

De qualquer maneira um comentário deixado no texto sobre as eleições deixou-me a pensar. Foi esse comentário (do Leitor jar) e foi a crónica diária de Fernando Alves. Talvez eu esteja a ser injusta para com o António José Seguro. A resiliência de que tem dado mostras abona a seu favor. No entanto, acho-o excessivamente cauteloso, talvez calculista, e sem rasgo, sem aquela determinação quase predadora, aliada à intuição, a que vulgarmente se dá o nome de killing instinct e que me parece imprescindível para abrir caminho neste mar pejado de alforrecas. Mas talvez seja porque não o conheço bem, talvez seja porque pendo mais para quem tem ar de ser capaz de ser mal comportado (e ele tem ar de não partir um prato). É também certo que António Costa tem vacilado quando toda a gente esperaria que avançasse e não é menos verdade que, apesar de tudo, sempre tem tido o respaldo das lideranças do partido. Seja. Vou tentar ser mais open-minded e aguardar com alguma paciência que o Tozé me surpreenda. Tomara.

Mas agora vou falar de outra coisa, uma de que muito gosto de falar: livros.

No entanto, vamos por partes.


Este domingo, entre visitas familiares, eleições, caminhadas, culinárias e outros afazeres e prazeres, fui ver a exposição alusiva a Amadeo Souza-Cardoso que está no Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, Sob o Signo de Amadeo, Um Século de Arte



Almoçámos lá, é claro, o self do CAM é um clássico nos meus domingos. E não escaparam os célebres peixinhos da horta, a bola panada de esparregado e outros acepipes, bem como o inevitável cup de fruta e as maravilhosas sobremesas. Claro que, com os pimentinhas a armarem confusão, o almoço nunca é tranquilo mas, enfim, os benefícios da tranquilidade são relativos quando se pode optar pelos risos, pelas brincadeiras, pelas conversas descontraídas.

Naturalmente que tivemos também o habitual número dos patos e as corridas pelos caminhos no meio dos bosques, à beira dos lagos ou entre as pedras, esconderijos, canaviais e todos esses atractivos que fazem a delícia de pessoas de todas as gerações. Entre a chuva miudinha lá andámos como se estivesse um dia de sol.

Este domingo, contudo, os jardins da Gulbenkian tinham um atractivo suplementar.

Um casamento em peso deslocou-se até lá, presumo que para a realização da sessão fotográfica.

A particularidade era que se tratava de um casamento negro com umas toilettes do mais vistoso e colorido que se pode imaginar.

Os sapatos delas, então, eram qualquer coisa de extraordinário.

Alguns pejados de brilhantes, todos com saltos de meio metro de altura.

Por ali cirandavam, decotadas, engalanadas, e encavalitadas em cima daquelas obras de arte, com os pés ora se enterrando na terra húmida ora tendo que ter mil cuidados para não ficarem com os saltos presos nas pedras da calçada.

Andavam sorridentes, fotografando-se umas às outras, uma animação que dava gosto.

Nem reparavam nos turistas nem nos habituais frequentadores da Gulbenkian, era como se aquele fosse apenas um jardim quase privado onde se tinham reunido para fazer uma magnífica sessão fotográfica.

Tive vontade de lhes pedir que me autorizassem a fazer a minha própria reportagem fotográfica, tão espantada e deliciada eu estava com tudo aquilo.

Mas, como sempre, não me permitiram, fui arrastada para longe do cenário.


Mas, voltando ao Amadeu. O Centro está como que em festa. Um prazer andar por lá.

Por todo o lado há ‘cenas’.

Logo no grande átrio de entrada há cadeiras em cima de uma carpete, estantes, coisas assim. Olhámos à volta não fosse aquilo ser uma instalação. Temos esta coisa com a arte contemporânea: o nosso olho ainda não está suficientemente educado. Mas não nos pareceu.

Mal os pimentinhas se puseram em campo, a primeira coisa que fizeram foi dirigir-se cada um a sua cadeira, como se prontos para assistir a um qualquer espectáculo.

Ainda mal eles estavam a trepar, já uma funcionária vinha a correr, que não, que não, que aquilo era uma instalação. Olhámos em volta tentando perceber. Depois lá descobri uma descrição numa parede.

Podem ver aqui já com público e talvez sejam mais espertos que eu e percebam exactamente de que se trata.

Não vou aqui falar de tudo, apenas dizer que o espaço de exposições do Centro é luminoso, amplo, parece ligado aos jardins,  e qualquer obra parece valorizar-se ainda mais quando ali exposta.

Quem o conheça, concorda certamente comigo. Quem o não conheça e tenha oportunidade, não deixe de o vir conhecer. É magnífico.

Enquanto eu fiquei logo presa aos bonecos do José de Guimarães que estavam na entrada, os pimentinhas partiram à descoberta, parando num outro conjunto de cadeiras mais à frente (se tiverem clicado no link mais acima, poderão ver de que estou a falar).

Quando cheguei perto deles, ali andavam de roda, podemos? Não podemos? E já de perna alçada, prontos para se irem aboletar - e todos a travá-los, que não, que não, é uma obra de arte, então não ouviram o que a senhora disse? 

Mas eis que um outro funcionário se nos dirigiu, que sim, que se quisessem podiam sentar-se.

Vá lá a gente perceber estes artistas contemporâneos.

Mas é bom que as crianças, desde pequenas, tomem contacto com coisas bizarras, isso abre-lhes a cabeça para aceitarem a diferença.


Mas não era exactamente sobre isto que eu hoje ia escrever.

Hoje era sobre o regresso ao aconchego da casa, ao ninho. Para o ninho para o qual eu transporto laboriosamente aquilo com que me vou abrigar, aquilo de que preciso para me aconchegar e proteger das inclemências. Hoje falo, portanto, de livros.


Para vos mostrar, fiz a minha própria instalação. Sobre uma écharpe em tons saison, antracite, terra e ouro, dispus Os Idiotas de Rui Ângelo Araújo e fi-los acompanhar de outros que lhe fizessem boa companhia.





Ainda não tive tempo de ler Os Idiotas. Folheei apenas. A mancha de escrita na página começou logo por gerar em mim alguns anti-corpos. Gosto de páginas cuja escrita não seja invasiva, que deixe algum espaço para respirarmos. Talvez para poupar no número de folhas, e esse será certamente um argumento muito válido, a escrita invade a página em mancha demasiado compacta e até muito abaixo. Será uma barreira que vou ter que ultrapassar. Ainda por cima, a sinalefa da editora ao lado de cada número de página não acrescenta e, pelo contrário, introduz ruído na página. (Pormenores, claro: sou muito cheia de comichosices, eu sei)


Mas, do que li, em diagonal e salteado (é sempre assim a minha primeira abordagem), pareceu-me apelativo e deixou-me com vontade de ler com vagar.

Transcrevo um excerto (pag.32) apenas para dar o tom:

Devo dizer que o mito de Édipo não é para aqui chamado. Eu não estava a confundir a cidadezinha com o velho e a última coisa que me teria ocorrido seria casar com a minha própria mãe. O rapaz que eu fui queria partir sabendo que deixava para trás também a velha. Era um pack que na época me entusiasmava, três em um. A ela tinha-lhe amor filial, mas era demasiada feia e gorda para despertar em mim outro género de paixões. Não vou ser hipócrita ao ponto de dizer que o amor é cego. Pelo menos o amor carnal não o é, não me lixem. Aliás, não é alheio a essa constatação o visual que fui descuidando com esmero. Houve uma altura em que pretendia foder amiúde; como depois o que queria era que não me fodessem, decidi escolher um estilo adequado e deixá-lo arruinar-se por si mesmo. (Talvez não tenha sido bem uma decisão, mas estão a perceber.)


Porque me parece que seria uma boa companhia para Os Idiotas fui buscar O Anão de Pär Lagerkvist. Eis, pois, um excerto deste livrinho imperdível (pag.19):


O confessor da princesa vem aos sábados de manhã, a uma hora fixa. Há muito tempo que ela está lavada e vestida, tendo passado um bom pedaço em oração diante do crucifixo. Está bem preparada para a confissão.
Não encontra nada para confessar. E não é por hipocrisia nem por ardil; pelo contrário, fala com o coração nas mãos. Mas não faz a menor ideia do que seja pecado. Crê não ter feito nada de mal. Quando muito, acusa-se por se ter impacientado contra a camarista, por esta ter sido desajeitada ao penteá-la. É uma página branca sobre a qual se inclina, sorrindo, o confessor, como sobre uma virgem imaculada.


E, para enquadrar devidamente aqueles dois, chamei a Adélia Prado com o seu ímpar Solte os Cachorros (já aqui a trouxe antes mas, porque me agrada muito, tem direito a encore). Um bocadinho apenas (pag 46):


Um minuto de estrondo à idade reencontrada. As taças para um brinde, porque hoje sou de novo uma mulher de sutiã grená, polindo os dentes sem pressa e desenhando a boca em coração. Basta, nem só eu respondo pela fome do mundo, e vou certificar-me: se ainda me olham duas vezes, se ainda intimido, se pelo que amo ainda faço a face dos homens abrandada e ansiosa. Enquanto dura a trégua, vou guerrear.


E, porque never mind the gap,  não podia faltar Pina Bausch. Vem pela mão de Claudia Galhós (pag 206) e vem dançar para quem goste da vida inteira.


Tão vivas as emoções que se permitiam surgir ardentes em cena, viscerais, violentas, sedutoras, esmagadoras. E tudo isso pareceu ruidoso num mundo amordaçado, silenciado pelo assassínio em massa, pela devastação da vida humana, pelo medo de se exprimir.
As emoções escondiam-se, por entre os lençóis, à noite, para não acordar o vizinho e não denunciar a existência de um coração pulsante. A vida escondia-se muito lá no fundo e, quando a dança acontecia, as pessoas queriam esquecer. Esquecer tudo. Principalmente a vida lá fora. Com Pina Bausch isso não foi mais possível.


Não esqueçamos, pois




Apetecia-me ainda juntar a estima de Valdemar Cruz pelo Poeta Cansado, António Ramos Rosa, mas já não consigo, são duas da manhã e daqui a nada tenho que estar a pé. Por este motivo não vou conseguir reler este texto que me saíu outra vez longo demais pelo que vos peço que relevem trapalhadas, vírgulas voadoras, letras trocadas, coisas do género. Ainda por cima isto hoje está de uma lentidão horrorosa, ou é o computador ou é a internet, não faço ideia, eu escrevo uma coisa e o cursor ainda está lá para trás, depois reescrevo e aparecem-me as coisas escritas duas vezes, depois volto atrás para apagar e nunca mais lá chego. Um desespero.

*

Relembro que, se descerem um pouco mais, poderão ler um artigo imprescindível de José Vítor Malheiros e excertos premonitórios de Natália Correia.

*

Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela terça feira!

sexta-feira, março 09, 2012

Eu e a pintura (e mais alguns pintores que me acompanham: Amadeo Souza Cardoso, Mark Rothko, Max Ernst, Paul Klee, Georgia O'Keeffe e, de novo, Paula Rego) e Luis Barragán, o arquitecto mexicano. E a música de Out of Africa (os grandes espaços!) e o Ballet de Zurique


Música, por favor

Banda sonora de África Minha

Quando não tinha este entretenimento dos blogues, ocupava o meu tempo à noite (noite dentro) fazendo Tapetes de Arraiolos, lendo ou, ao fim de semana, pintando. Antes já me tinha dedicado ao tricot, fazendo casacos e camisolas para a família, ao crochet fazendo colchas e toalhas, aos bordados bordando à mão livre desenhos que inventava. Também houve uma altura em que aqui em casa se fazia fotografia, revelando, ampliando, uma  actividade alquímica maravilhosa, coisa que decorria num ambiente de mistério e magia, quase às escuras, manuseando o papel, que se mergulhava em líquidos especiais, com umas grandes pinças de madeira com pontas de borracha.

Agora, com isto dos blogues, como não consigo ser comedida em quase nada do que faço, e, portanto, escrevo imenso, e faço pesquisas enquanto escrevo, acabo por consumir um tempo tal que não dá para poder continuar a fazer quase nenhuma das actividades que acima referi.

Provavelmente um dia destes vou ter que interromper isto dos blogues pois já estou com algumas saudades das outras coisas. 

Par de fantasia da Disney segundo Paula Rego - então não é uma mulher
com um extraordinário sentido de humor...? Reparem nos  fantásticos pormenores. Eu adoro! 

Uma actividade que me motiva especialmente é pintar. Comecei tardiamente. Sempre tive paixão por pintura, ou melhor, por ver pintura, e o meu filho (vítima em criança, tal como a irmã, das nossas regulares incursões por tudo o que era museu e exposição) uma vez, há uma meia dúzia de anos,  resolveu oferecer-me telas e tintas. 

Comecei por preferir pintar antes em papel que era um suporte mais barato pois achava que só ia fazer desenhos pouco mais que infantis (ou nem isso) e dava-me pena estragar as telas. Quando se veneram os artistas, acha-se que até é falta de respeito a gente fazer incursões assim, à toa, ‘armada em pintora’. 

Foi, portanto, absolutamente sem pretensões que me aventurei. Ir tirar daqueles cursos de pintura para principiantes e amadores estava fora de questão. Pintar para mim tem que ser uma descoberta – e sei que é uma estupidez, pois aprender técnicas seja do que for nunca fez mal a ninguém (mas sou autodidacta por natureza, nos Arraiolos, por exemplo, e em quase tudo o resto) ; é que, para mim, estes entretenimentos só fazem sentido se forem à solta, sem regras, sem preceitos, puro prazer da aventura, da ousadia.

E então iniciei o meu percurso.

Amadeo Souza Cardoso - Saut du Lapin. A leveza da cor em suave movimento


Amedeo Modigliane - Jeanne Hébuterne, a mulher que morreu de amor

Na pintura, como ‘consumidora’, prefiro a arte abstracta, ou figurativa se não for muito fiel à realidade. Não aprecio as pinturas que são fiéis reproduções da realidade (pelo menos da realidade vista de forma como toda a gente a vê; isso parece-me banal, não me suscita interesse). Uma paisagem tal e qual, uma jarra de flores tal e qual, a coisas assim não acho piada nenhuma. Tem que haver algo de imprevisto, de inusitado, de desconforme, para me despertar interesse.

Pelo contrário, pinturas sem qualquer significado explícito, sem intenções, cativam-me de uma forma quase inexplicável. 

Mark Rothko - Violet, green and red. A quietude ou inquitetude,
nem sei, das manchas de cor de Rothko, iluminadas ou escurecidas, para mim
 estão muito perto do que penso como o sentido da religiosidade 


Como se pode ficar absorta em frente de um Rothko, quase envolvida, como se se estivesse a ver qualquer coisa de complexo quando se trata apenas de manchas de cor, aparentemente de simples execução e desprovidas de sentido? Pois não sei mas a verdade é que me fascina, fico rendida, não me apetece sair da frente.

Max Ernst - At the first clear word
Incompreensível? Talvez. Mas não são as coisas inesperadas que nos fazem parar?

Mas também os impressionistas, os expressionistas ou os que não se encaixam em lado nenhum. Pintores que sejam capazes de se desligar da realidade quotidiana e transpor para uma superfície qualquer coisa que não seja nada que não cor, luz, movimento, forma ou sombra, são os que mais me interessam. Não se explica, acho eu. É simplesmente assim.

Paul Klee - Head of a Man. A graça imprevista, o espanto, a ironia e a quase doçura da cor
- o que eu gosto destas cores

É pois natural que, ao pintar, me puxasse para coisas assim, indefinidas, coloridas, de uma espontaneidade quase infantil. 

E assim, aos poucos, fui ganhando à vontade, fui ganhando o gosto. Tal como quando escrevo, em que no minuto antes não sei o que vou escrever, também assim é quando pinto. Olho para a tela, pego num pincel, e começo a pintar. É uma sensação de liberdade imensa. E começam a surgir cores e mais cores. Uso muito o encarnado e o amarelo e as diversas gradações da mistura de uma com a outra.

Ao princípio, por mais que tentasse libertar-me de tudo, ainda tinha a preocupação de fazer uma flor que parecesse uma flor convencional, ou um corpo que fosse quase um retrato, um risco que fosse direito. Mas não queria ter essa preocupação, ela era involuntária. No entanto, por mais que me forçasse a fazer coisas que não se parecessem com nada a não ser com o que surgisse, involuntariamente, na tela, não o conseguia. A abstracção é uma coisa muito difícil de se atingir. Estamos, sem dar por isso, totalmente reféns do que conhecemos, do que é igual para toda a gente, do banal, em suma.

Georgia o'Keeffe - From the lake. O sereníssimo movimento das cores, uma ondulação perfeita.


Ajudava-me muito nessas alturas em que queria pintar livre de ortodoxias, ler entrevistas feitas a escritores ou pintores, perceber os mecanismos que regem as mentes livres, ou ver livros sobre obras de arquitectura. Foi importante para mim confirmar que, a maior parte das vezes, se parte de um acaso, e que os pintores se divertem a ouvir as explicações que os outros atribuem às suas obras.

Houve uma altura que tomei contacto com a obra do arquitecto mexicano Luis Barragán. 

Foi um encantamento. As cores quentes, os jogos de luz e sombra, muros e escadas e recantos e pequenas superfícies de água - tudo aquilo me deixou impressionada. 

Luis Barragán - Capela Tlalpan

Vi uma capela que ele concebeu, as janelas por onde entrava uma luz amarela, quente, um crucifixo simples de uma dignidade muito simples, e fiquei encantada. Durante algum tempo pintei capelas, ou apenas janelas e cruxifixos, paredes coloridas. Nessas fotografias apareciam frequentemente freiras ajoelhadas ou sentadas, em oração, e aquela pequena mancha de preto e branco no meio daquelo espaço de luz quente fascinou-me. 

Luis Barragán - Convento das Irmãs Capuchinhas

Essas pequenas freiras aparecem em muitos quadros que pintei nessa altura. Mas, aos poucos, fui conseguindo obter uma liberdade ainda maior, desligada de toda as figuras habituais. E então eu era incrivelmente feliz apenas a pintar, cores, texturas, brilhos, formas injustificáveis.

Vocês que me estão a ler devem pensar ‘Que grande pancada!’ e se calhar é. Nem tenho qualquer preocupação em relação ao valor daquilo que pinto. Mas o que é o valor? É uma coisa tão subjectiva. 

E, para mim, o prazer não está em contemplar aquilo que fiz - o prazer está no próprio acto de pintar, na liberdade total de escolher cores, de criar texturas sem querer saber para quê, no esforço por fazer aparecer ali uma nesga de luz e não saber o que é aquilo ali, em criar profundidade num objecto - sem querer, sequer, perceber que objecto será aquele.

Mas é uma sensação tão boa. Que saudades que eu tenho. 

Houve uma altura em que me dava para pintar cidades, prédios, torres, igrejas no meio de prédios, viadutos, enormes viadutos que cruzavam a paisagem, que se cruzavam entre si no meio de prédios, monumentos estranhos, enormes, e antenas de feitios imprevistos. Quando há pouco tempo fui a Génova, entrando pela estrada do Mediterrâneo, nem queria acreditar: era quase como as cidades que eu pintava. Fiquei deslumbrada. Amei Génova. Uma vida, um bulício, e viadutos que vêm lá de cima e se cruzam nos ares com outros viadutos e casas e mais casas. 

Noutra altura, deu-me para pintar varandas em casas desordenadas, tudo às cores, gradeamentos incertos, flores abstractas, janelas de diferentes tamanhos e muitas, muitas cores. Quando o meu filho foi à Argentina e me mostrou as fotografias do Bairro La Boca, fiquei também admiradíssima. Parecia que eu tinha andado a pintar aquele bairro e, no entanto, nunca o tinha visto.

Mas o que mais gosto de pintar é o nada, o nada cheio de cor e luz, ou o movimento do nada entre superfícies maceradas pelo tempo, ou as sombras orgânicas e aleatórias desenhadas pela luz sobre bocados de nada.

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E, para terminar, a dança que eu, noutra encarnação, devo ter sido uma danseuse.

Ballet de Zurique

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No Ginjal hoje temos Inês Fonseca Santos com mais uma das suas Coisas. Acompanha com Mahler.

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E tenham, meus caros, uma belíssima sexta feira. Divirtam-se!