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sábado, setembro 21, 2019

Não sou eu que o digo, é o Harrison Ford.
E, felizmente, não apenas ele mas muito mais gente em todo o mundo.


Temperaturas médias em Portugal de 1901 a 2018 usando dados de Berkeley Earth.


Estamos encarnadinhos, quentinhos. E eu que, como é sabido, sou tão encalorada... Como será isto quandos os meus filhos tiverem a minha idade? E os meus netos? Conseguir-se-á respirar? Haverá água para beber? Terra para pisar? 

Ou, até lá, o mundo inteiro ganhará consciência de que a destravada deriva consumista, a poluição, o consumo desregulado de recursos finitos e tudo o mais que possa enunciar-se estão a levar o planeta à exaustão e ao desequilíbrio das forças que o mantinham sustentável?

Espero que seja a segunda hipótese e que este mundo ainda consiga salvar-se. Claro que poderá toda a gente mudar de hábitos e todos os governos serem forçados a pôr no terreno medidas urgentes de contenção e revitalização... e um belo dia cair-nos um big meteorito em cima e bye-bye maria ivone, lá vai tudo desta para melhor. 

Mas -- admitindo que isso só acontecerá daqui a cinquenta milhões de anos e que até lá seria bom que o planeta se mantivesse azulinho e branco, pontilhado a verde quando visto mais de perto -- é melhor que nos deixemos de aventurinhas mediáticas ou ocos sound bytes usados como arma de arremesso partidária ou graçolas dialécticas tais como joguinhos florais ou batatinhas sem bifes a cavalo pois o assunto é sério, requer que a ciência (vários ramos da ciência) trabalhe em registo de urgência, de integração e com visão estratégica, requer enquadramento político, requer união de esforços e muito foco, requer que a mesquinhez de rivalidades clubíticas ou fundamentalismos próprios de seitas sejam postos de lado. Paradoxalmente requer também serenidade, requer ausência de catastrofismo, requer tino, muito tino.

O tema felizmente saltou para o primeiro plano da ordem mundial e este é daqueles casos em que ninguém deve recear que os outros pensem que é moda e critiquem quem a ela adere. Que critiquem. E, de resto, pensando melhor, exijamos que seja moda, que seja obsessão. É bom que seja. Mas uma moda e uma obsessão com base, enquadramento e contornos científicos.

Daí que hoje, dia em que milhões de pessoas em todo o mundo saíram à rua a exigir reformas urgentes nestas matérias, aqui volte outra vez ao tema e partilhe um vídeo que vos convido a ver. Embora se perceba bem o que o Harrison Ford diz, para quem não pesque bem em águas de língua inglesa, as legendas em português podem ser activadas.

Se não protegermos a natureza, não conseguiremos proteger-nos a nós



Termino com as temperaturas médias do mundo numa escala temporal mais ampla que o anterior, aqui entre 1850 e 2018.

E, também aqui, se vê como, globalmente, o grau de aquecimento aumenta consistentemente de forma assustadora.


How the #ClimateStrike travelled around the world



terça-feira, março 04, 2014

Judite de Sousa e o seu novo amor, o jovem informático Nuno Albuquerque, é que não foram. De resto, Jane Fonda, Jon Hamm, Harrison Ford e Calista Flockhart, Candice Bergen e tutti quanti marcaram presença: depois da Cerimónia dos Oscares, a festa é a organizada pela Vanity Fair. Celebridades, companhias, toilettes.


Já sabem: se estou cansada, adoentada, chateada, furiosa, preocupada, e por aí vai, o que me ocorre não é carpir, invectivar, ou outras coisas acabadas em ir ou ar, quiçá até acabadas em er. Nada disso. Só me apetece falar de ligeirezas, parvoíces e outras irrelevâncias.

Por isso, para que não digam que vieram ao engano, vou já avisando: por aqui, hoje, não vai sair nada que tenha muito sumo.

Enfim. Pode ser que alguns cavalheiros achem que, bem espremidas as coisas, alguma suculência encontrariam. E vou esforçar-me por que as senhoras tenham também motivo para encontrarem alguma substância.

Vamos ver.

No post abaixo já vos mostrei os 4 melhores vestidos da Noite dos Oscares 2014. Aqui, agora, prossigo com a festa.


Música, que festas a seco não dá: que entre outra das canções nomeadas

Do filme Her - Karen O and Spike Jonze interpretam "The Moon Song" 



*

A verdadeira festa acontece depois da cerimónia. São célebres as festas organizadas pela Vanity Fair. Não são para qualquer um e todos sabem que é lá que se encontram os felizes e os que disfarçam as suas frustrações, mais os bem dispostos e os que já não precisam de fazer à foto em revistinhas de tipo Ana ou Maria.

Na Vanity Fair encontram-se os que têm alguma patine, algum chic, os que têm alguma coisa de especial.

Gosto de espreitar a Vanity Fair. Há ali um bom gosto que me agrada, uma ligação à arte, uma irreverência desempoeirada que traz uma certa modernidade. Vendo bem as coisas o que eu escrevi está cheio de redundâncias mas não me apetece coar a escrita. 

As fotografias dos que compareceram são muitas mas não vos ia maçar para além da conta, não é?

Por isso, escolhi aqueles que acho giros, que têm pinta, de quem gosto, aqueles com quem me sentaria à mesa ou quem talvez conseguisse conversar sem esforço - bem, estou a exagerar. Com os três últimos talvez me limitasse a trocar uns leros sobre trapinhos e assim


A chamada ménage à trois mas esta é das inofensivas:

Bono e o casal  Portia de Rossi e a mulher, a apresentadora,
Ellen Degeneres




De propósito para a leitora JV

a intemporal e bela Jane Fonda e o viril Jon Hamm


Um casal com muita pinta:

O destemido Harrison Ford
e a elegantésima e extraordinaireCalista Flockhart



O soma e segue e que, pelos vistos, por onde passa

vai fazendo filhos: Bruce Willis aqui com Emma Heming 



Quando eu for grande quero ser como ela, giraça, classuda, bem humorada:

Candice Bergen com Marshall Rose



Bela e elegante, a quase intimidadora

Evan Rachel Wood


Tivesse eu a idade dela
e tivesse sido convidada para a festa
a ver se eu não ia assim vestida:

Karlie Kloss, a menina marota



Não faz o meu género
 que sou mais dada a morenos com ar mal comportado
mas, enfim, reconheço que tem um certo charme:

Simon Baker com uma companhia bem gira mas de quem não sei o nome


****


Judite, a cougar,
que se viu livre, em boa hora, do Seara
Pois é: acabo de ler por aí que outra que soma e segue é a colunável, diabolizada (ela assim se disse) e putativa Pipi das Botas Altas, a Judite Dartacão de Sousa. 

Com 53 anos e saída de um divórcio que a arrasou, eis que leio que Judite de Sousa está de novo apaixonada, agora por um consultor informático de 36 anos, Nuno Albuquerque de seu nome. Nada de mais uma mulher apaixonar-se por um homem quase 20 anos mais novo. Tem alma de cougar e faz ela muito bem. Um homem com 36 anos já tem alguma sabedoria e ainda deve ter pedalada que se veja pelo que é bem capaz de estar quase no ponto. Faz bem a Judite. 


Aliás, percebo-a bem. Depois de aturar o catavento mediático que já cansa de tanta fungadela inconsequente e, ainda pior, o Mas-ó-Dr. Medina (Carreira), essa bolorenta múmia que lhe atenta o juízo, só lhe deve apetecer sacudir o sarro e a baba que eles deitam e, foge!, respirar ar puro. 

Daqui lhe desejo as maiores felicidades. Uma mulher apaixonada fica mais bonita e tem mais motivação e os espectadores agradecer-lhe-ão essa atenção. E, de resto, toda a gente merece a felicidade e eu, verdade seja dita, até nutro por ela um bocadinho de simpatia.


**

Como é bom de ver não é hoje que tenho disposição para escrever sobre ressuscitadas criaturas que são patetas todos os dias e que atribuem aos outros patetices que são apenas suas, ó patéticas e relvosas criaturas.

**

Relembro: Para os quatro melhores vestidos da Cerimónia dos Oscares é favor descerem até o post seguinte.

**

E, por hoje, por aqui me despeço. Amanhã tenho cá os meus meninos mais cedo ainda do que quando vou trabalhar. Eu não trabalho mas os pais das crianças sim. Por isso, amanhã é outra vez dia de festa cá em casa.

E com o mau tempo que está, nem deve dar para irmos com eles para o jardim. A ver vamos. Já aqui tenho uns livros de actividades que eles adoram. E têm, claro, os brinquedos. Mas, vá lá perceber-se porquê, só querem brincar comigo.

Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela terça feira!


segunda-feira, outubro 29, 2012

Lídia, a mulher que era triste, recebe um inesperado convite




*

Lídia já tinha regressado ao trabalho e agora a vida parecia-lhe um pouco mais leve. A D. Fátima dissera-lhe que tinha arranjado uma cliente que lhe dava mais jeito, eram mais horas de seguida e Lídia deixou-a ir com algum alívio (financeiro, sobretudo). As senhoras do voluntariado revezavam-se, uma ia à hora de almoço, outra ao fim da tarde, esperando até Lídia chegar a casa. Assim, Lídia não tinha que andar sempre com o credo na boca, temendo atrasar-se. Nita, por seu lado, era uma ajuda muito preciosa a todos os níveis, um suporte. E, depois, claro, havia o Paulo.

A amizade entre ambos estreitava-se de dia para dia, quase todos os dias arranjavam maneira de se ver e, se não era possível, telefonavam-se.  Aos poucos, em grande parte por influência e insistência de Nita, Lídia foi ganhando coragem para ser ela mesma, foi ganhando coragem para superar o medo da opinião alheia, conseguindo, a custo, ir fazendo aquilo que lhe dava gosto.

Perto dos cinquenta anos, Lídia sentia, finalmente, sem medo, o carinho de uma relação que começava a esboçar-se.

Sendo Paulo um homem vivido, seria normal que a relação avançasse sem delongas ou mil cuidados. Mas Paulo era também um homem bom e compreensivo e cedo percebeu que Lídia era uma mulher que toda a vida vivera inibida, constrangida, e que, apenas agora, estava a viver a adolescência venturosa que as mulheres costumam viver antes dos vinte anos. Por isso, com uma ternura quase cerimoniosa, cada passo era dado com muito vagar. E, talvez por isso, Lídia foi aceitando que a relação fizesse o seu caminho e já não conseguia passar sem a voz reconfortante e viril de Paulo, sem o seu olhar compreensivo e doce, e Paulo também não conseguia passar sem a atenção e o cuidado de Lídia, sem a sua visão sensível e curiosa, sem o seu enorme sentido de humanismo.

Até que, um dia, Paulo lhe ligou e a voz era ansiosa, tinha uma coisa para propor, tinha tido uma ideia, estava entusiasmado.




Foi buscá-la ao trabalho e, mal ela entrou no carro, disparou, Como sabe, a minha filha está a fazer o Erasmus em Amsterdão e eu pensei em ir lá vê-la. Tenho dias de férias para gozar, íamos num sábado logo de manhãzinha, vínhamos na terça à noite, eram só dois dias. A minha filha diz que aquilo é outro mundo, que não há preconceitos, que ninguém censura ninguém, e que é um sítio muito bonito. Lídia assustou-se, ir assim sozinha com ele para o estrangeiro? Nem pensar. E ter que andar de avião, só andou uma vez, há muito tempo, uma vez que foi com os pais numa excursão à Madeira, tem medo, nem pensar. Com tantos medos ao mesmo tempo, tão inesperada a proposta, não conseguiu dizer nada. Paulo deve ter percebido porque continuou, e a voz era de quem queria transmitir tranquilidade, Ela está num apartamento com outras estudantes, diz que arranja maneira de lá ajeitar um sofá para si e eu arranjo um hotel em conta lá perto. O que diz?

Lídia fechou os olhos, preferia não ser confrontada com propostas destas. Mas, por outro lado, que vontade de ir conhecer o mundo. Paulo disse-lhe, eu gostava muito de ir ver a minha filha e gostava que vocês se conhecessem e gostava muito de ir conhecer aquela cidade, tenho ouvido falar tanto. Mas, para ir, só vou se for consigo. Vamos…, e o tom era quase de súplica.  Já pensou, nós dois a passearmos nos canais? E a Sara diz que depois nos vai mostrar os sítios e nos ensina o caminho para os pontos mais interessantes. Venha Lídia… gostava tanto… Que mal tem? Você tem que dar justificações a alguém?





Lídia pensava agora na mãe. Nunca se separou dela, aquilo já era uma dependência mútua, já não conseguia estar longe dela nem deixar de se preocupar. Não posso, quem é que fica com ela? E se piorar, e eu lá tão longe?

Paulo respondeu-lhe, Calma. Primeiro tem que resolver se quer ir ou não. Se não quiser, nem precisa de se preocupar com a sua mãe; se quiser ir, então arranjamos uma solução. Entre a Nita, as senhoras do voluntariado e, se calhar, até a D. Fátima, alguma solução se há-de arranjar. 

E arranjaram. Quase como se estivesse a agir debaixo de hipnose, quase como se se tivesse forçado a deixar de pensar, quase como se nem fosse ela, pela primeira vez na vida Lídia deixou-se levar pela sua vontade própria.

Foi Sara, a filha de Paulo, quem lhes arranjou voos muito baratos numa companhia low cost, foi  Sara quem escolheu um hotelzinho barato para o pai, foi Sara que enviou um mail com alguns pontos de interesse e uma proposta de roteiro para que eles pudessem ver na internet de que se tratava e decidir se queriam fazer aquelas ou outras visitas.

Perto do dia da partida um medo, daqueles medos antigos, que a deixavam incapacitada, quase tomou conta de Lídia – medo que a mãe piorasse, medo que alguma das mulheres não fosse ver a mãe nos horários, que não lhe desse a medicação, medo de andar de avião, medo de que se perdessem, medo de que o fraco inglês não bastasse para se entenderem por lá quando andassem sozinhos e, sobretudo, muito, muito medo da intimidade que se poderia vir a proporcionar. Até agora, a esse nível, ainda não tinham passado de beijos, de estar de mão dada, uma ou outra carícia, nada de muito mais que isso – e, mesmo assim, sempre que isso acontecia, ela ficava inibida, quase sem acção, o coração num sobressalto que quase a sufocava.

Mas Nita e Paulo não a deixavam vacilar. Sempre que a sentiam hesitar mudavam logo a conversa para a roupa que ela devia levar, para a mala que devia usar, para que não se esquecesse de levar isto, aquilo e o outro.

E, assim, no dia combinado, depois de uma noite em claro, tamanha era a ansiedade e a excitação, antes das cinco da manhã já Paulo estava num táxi à espera à sua porta. Lídia reparou como ele estava animado, feliz mesmo, bonito, rejuvenescido.




A caminho do aeroporto, depois no aeroporto surpreendentemente cheio de gente àquela hora, depois a entrar para o avião já com Paulo a dar-lhe a mão, carinhoso - Está tão bonita hoje, mais ainda que nos outros dias, fica-lhe bem o baton, e está com os brincos que lhe ofereci, está tão linda, Lídia, tão linda... - era como se Lídia vivesse o espírito adolescente das excursões de finalistas, aquele frenesim nervoso e expectante das viagens em que tudo está por descobrir, as paisagens, as sensações, tudo.

No avião, Lídia sentiu as mãos geladas e húmidas, era o seu velho medo. Mas Paulo estava tranquilo e essa tranquilidade sossegou-a.




Durante a viagem, Lídia tentava imaginar como seria Sara, receava que a jovem não gostasse dela, receava que a achasse antiquada, triste, mas não comentou sobre isto com Paulo. Ele estava tão entusiasmado com a perspectiva de rever a filha, tão entusiasmado, tão feliz que Lídia quase sorria com a perspectiva de os ver juntos, de pensar que, dentro em pouco, andariam os três a passear numa cidade estrangeira, quase como se fossem uma família.

À chegada, Sara esperava-os. Era uma jovem alta, moderna, bonita. Tinha traços do pai. Paulo estreitou-a nos braços, beijou-a com carinho e ela retribuíu. Via-se que eram bastante amigos. Depois Paulo apresentou-as e Lídia sentiu um sentimento de proximidade em relação à jovem. Quando Sara a beijou, Lídia desconheceu-se ao perceber que estava a fazer uma festa carinhosa no braço da miúda.

Bem vindos a Amesterdão! Vão ser quatro dias inesquecíveis, vocês vão ver, exclamou Sara.

Paulo estreitou Lídia entre os braços. Vão ser, sim, disse ele em voz baixa, com ternura, quase como quem faz uma promessa. Lídia deixou-se abraçar; o calor do corpo de Paulo e o sorriso de Sara transmitiam-lhe uma segurança e uma tranquilidade nunca antes sentida.


*

As fotografias retratam Kristin Scott-Thomas e Harrison Ford.  Philippe Jaroussky, interpretando Farinelli, canta Cara Sposa de Handel.

*

Muito gostaria de ter a vossa visita também no meu Ginjal e Lisboa. As minhas palavras hoje acolhem-se da chuva, na companhia das palavras de Eugénio de Andrade, quase molhadas pela chuva. A música é um momento especial no qual convergem a dança, o canto e a música de Monteverdi. Gostaria muito que vissem e ouvissem (mas, se não estiverem para isso, paciência, fico contente na mesma). 

*

E, por hoje, é isto. 
Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa semana a começar já por esta segunda feira. 
E que viva o romance e o amor!


PS: Ainda há Homens na política deste país. José Manuel Rodrigues, do CDS, uma vez mais mostrou que o é e que os tem no sítio. Acabo de o ouvir dizer que é tempo de agir por convicção, dizendo não às conveniências. Demitiu-se do cargo no partido e diz que o deputado da Madeira deverá votar contra o OE 2013 e sujeitar-se às sanções. Até que enfim que vejo alguém a agir de peito feito! 

quinta-feira, setembro 27, 2012

Lídia, a mulher triste, vai encontrar-se com Paulo e o encontro não começa nada bem


Dove sei, dove t'ascondi



[Bononcini (Polifemo), Martina Bovet]

*


Lídia estava muito em baixo. Tinha chorado, os olhos estavam inchados, vermelhos, tinha olheiras. Uma sombra, como sempre.




O que é agora isso?, perguntou Nita quando chegou; e enquanto perguntava, mudava a fralda à idosa, limpava-a, punha-lhe cremes, ajeitava o resguardo, tirava as luvas, uma rapidez de movimentos que só visto, dir-se-ia que toda a vida fizera aquilo. Depois deu-lhe uma papa, limpou-lhe a boca, deu-lhe os medicamentos, ajeitou-a na cama, puxou o cobertor para cima, entalou-o dos lados. No fim fez uma festa na cabeça da senhora. Lídia, como se ganhasse força, levantou-se e deu um beijo na mãe, durma bem, mãe. A mãe perguntou-lhe, sabe a que horas é que a minha filha chega? Lídia fez-lhe uma festa ao de leve na cara e respondeu, está quase a chegar.

Nita olhava para ela, mas então foi-se outra vez abaixo ou quê?

Lídia encolheu os ombros, fechou os olhos. Depois disse, combinei ir amanhã pagar o dinheiro àquele polícia que me ajudou.

Nita ficou à espera, E...? Como Lídia não respondesse, insistiu, Sim, e então, que é que isso tem?

Lídia não queria falar nisso mas como Nita continuasse à espera, de mãos nas ancas, explicou, e toda ela uma hesitação na voz, Eu não quis que ele viesse aqui a casa... combinou irmos a um café...

A outra continuava sem perceber, E então? que é que isso tem?

Há anos que não vou a um café, sentar-me numa esplanada, e ainda por cima à hora de trabalho.

A outra pensou que ela estava com medo de ser apanhada numa fiscalização, Não tem problema! Então, a sua baixa é psiquiátrica, a senhora pode sair, só lhe faz é bem, devia era sair mais.

Lídia viu que ela não tinha percebido, mas nem sei estar num café, não me dá jeito

Ora, D. Lídia, mas o que é isso de dar jeito? Não é para estar sentada a uma mesa...? Que jeito é que é preciso para estar sentada a uma mesa...? e riu-se.

Lídia ganhou coragem, Mas ele é casado.

Nita deu uma gargalhada, Ora essa! E então ser casado é ter peçonha? 

Lídia, envergonhada, já com medo, Se me vêem sentada num café com um homem casado...

A outra ria-se, Oh D. Lídia mas está a pensar ir arrancar-lhe algum pedaço...?

Lídia sorriu. E nem sei o que hei-de vestir... e estou tão magra.

Nita pegou nela pela mão, Bora lá, vamos lá então escolher a toilette e levou-a até ao quarto.

Depois de vasculhar, confessou, rindo, Pois é, D. Lídia, este guarda roupa bem merecia uma boa reforma, que roupas mais tristes, senhora...

Mas lá escolheram. 

Nessa noite Lídia mal dormiu. Levantou-se cedo, tomou banho, vestiu-se logo, aprontou-se, guardou o livro de cheques e a meio da manhã estava pronta. Mal conseguiu comer tal era a ansiedade. Depois uma outra questão começou a atormentá-la: queria lembrar-se da cara de Paulo e não conseguia. Começou, então, a temer chegar lá e não o reconhecer.



A mãe chamava-a, chamava pela mãe, pela prima, pelo marido, estava levada da breca, uma agressividade difícil de aturar, que as janelas estavam escancaradas, que os ladrões entravam, que entrava o frio, que entrava o vento, que entravam os gatos, que os gatos davam conta de tudo, e Lídia, não estão nada, mãe, estão fechadas e a mãe, sua mentirosa, estás a gozar comigo, então eu não vejo tudo aberto, a chuva a entrar, o chão todo molhado, os tapetes encharcados, sua estúpida, sua malvada, queres é que eu morra, não é?

Lídia, enervada, impaciente, Que ideia, mãe, está tudo fechado. Quando se ia chegar à mãe para lhe ajeitar a mantinha sobre as pernas, a mãe quase a agredia, julgas que eu estou velha, que já me podes enganar? dou-te um par de estalos para veres quem manda aqui.

Sentiu o cheiro, aquele horrível cheiro. A mãe estava suja, devia mudar-lhe a fralda. Mas queria era ir-se embora, estava ansiosa, impaciente.

Infeliz, a sentir-se culpada, saíu da sala. Foi ver-se de novo ao espelho. Desengraçada, ultrapassada, mosca morta, solteirona, menina velha, desmereceu-se em pensamento. Mudou de casaco, vestiu um mais claro. Depois saíu de casa, enervada, culpada, culpada por deixar a mãe assim, culpada por se ir encontrar com um homem casado. Viu as horas, a D. Fátima deveria estar quase a chegar, limparia a mãe, da-lhe-ria o almoço.

Chegou ao Cais do Sodré antes da hora e o coração batia, batia, pancadas incertas e audíveis. As pernas tremiam-lhe, a boca seca, as mão molhadas. Podia colapsar a qualquer momento. 




Não sabia o que fazer, se devia entrar, se devia ficar por ali a fazer horas. Era uma estranha naquele ambiente. Havia gente descontraída nas almofadas cá fora, gente junto ao rio, pareciam todos felizes, bem vestidos, descontraídos. Lídia não sabia se haveria de ir para ali, tinha vergonha, tinha medo, não costumava andar em sítios assim, medo que a assaltassem, medo também que algum homem se metesse com ela, medo que Paulo não aparecesse, medo, medo, sempre aquele insidioso medo, sempre, um medo surdo a tolher-lhe a vida..




Mas, mal se aproximou, viu Paulo. Estava perto da entrada, mãos nos bolsos. Era alto, forte, uns cinquenta anos, talvez mais, parecia quase um homem do campo e também ele parecia ali ligeiramente deslocado.

Quando a viu, riu e avançou para ela. Parecia ir aproximar-se para a beijar mas Lídia estendeu-lhe uma mão gelada, húmida. E mal o fez logo se arrependeu, que vergonha, porcaria de mãos, vai ver que estou neste estado, mas ele deu-lhe um vigoroso aperto de mão, Então como está?

Lídia, atrapalhada, estou bem, obrigada. E só pensava em entrar e esconder-se num canto, sentar-se de costas numa mesa escondida.

Paulo, disse, Não quer vir aqui até à beira do rio? e Lídia já numa aflição, a voz a tremer, Não, não quero ser vista consigo aqui a passear.

Paulo parou espantado, Hom'essa, mas então porquê? Eu sou dos bons. Eu prendo os maus. Eu não sou nenhum bandido. Tem vergonha de ser vista comigo porquê?

Lídia sentiu-se corar, a voz sumida, Porque é casado...

Paulo deu um passo atrás, espantado. Casado, eu? Mas onde é que foi arranjar essa ideia? E se fosse? Essa agora é boa...

Lídia assustou-se, pensa, já estou arrependida, bem diziam que devia ser um meliante, é um mentiroso, bem me avisaram contra gente desta, agora pensa que me vai enganar, julga que se pode aproveitar, vou-me mas é já embora. Pago e vou-me embora, nem me sento à mesa. Tem ar de sabido, credo..., nem tinha ideia que fosse assim, julga que me pode enganar, ah que pouca sorte a minha, olha como sorri a ver se me leva na conversa.

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Caso vos apeteça passear comigo pelo Ginjal, teria todo o gosto em vos ter por lá. Boccherini continua a ser uma presença envolvente e hoje as minhas palavras pintam rios e pontes para me unirem a vocês, meus Caros Leitores, junto a um belo poema de Pedro Tamen.

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Desejo-vos, meus caros leitores, um belo dia. Está um fresquinho e uma chuvinha de Outono, é bom.