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sexta-feira, julho 29, 2022

A praia é para todos

 


Os estores desta casa são eléctricos e, segundo fiquei a saber, são de elevada segurança. São de alumínio duplo e correm numa calha embutida. Segundo me têm disto os especialistas, não há ladrão que consiga levantá-los ou cortá-los.

Dito assim parecem boas notícias, não é? 

O pior é quando se avariam. Não há processo manual para os levantar ou baixar. Para serem limpos tem que se ter cuidado para não desalinhar as lâminas. São tão pesados que qualquer desalinhamento compromete o seu bom funcionamento e, se ficam desalinhados, não há outra forma de remediar a situação, senão chamar os técnicos. Uma impotência. Bem procurava, ao princípio, alguma manivelita ou fitarola que me pudesse salvar. Nada. 

E os técnicos, quando chegam, protestam porque dizem que, da maneira como foram feitos, eles  mal têm margem para trabalhar. Dizem que os estores costumam correr por fora e não por dentro. Contudo, quando me queixo das constantes maçadas e do dinheiro que gastamos a repará-los e digo que o melhor é pôr estores novos, mais simples, mais leves, aí insurgem-se, dizem-me que nem pense nisso, que já não se fazem estores de tão boa qualidade. 

Desta vez foi o estore grande da cozinha, um estore alto e largo. Começou por dar estalos, depois saltos. Depois não queria subir ou descer. Fomos forçando, julgando que a coisa iria ao sítio por si. Mas está bem, está. Chegou a um ponto em que já não tugia nem mugia.

O veredicto foi que tanto forçámos que já se tinham entortado cinco lâminas. No primeiro dia não conseguiram fazer o trabalho. Ficou corrido durante umas duas semanas, escuridão absoluta, sempre de luz acesa. E hoje teve que vir um terceiro elemento para conseguirem fazer a manobra de levantar o estore e encaixar as lâminas novas. Dizem que o peso era demais para dois conseguirem aguentar o bicho. Não sei, já não digo nada.

O que sei é que ao fim da tarde foi um ver se te avias na cozinha. A fera a ladrar possessa do lado de lá do portão do pátio da cozinha e, na cozinha, um chinfrim, uma azáfama. Às tantas zaragateavam uns com os outros, davam-se instruções uns aos outros. Levanta. Aguenta. Arreia um bocado. Pára. Avança! Um desatino. Ferramentas e caixas e tralha espalhadas pelas bancadas da cozinha, o chão pejado de tralha.

Por fim já só queria que se fossem embora.

Quando finalmente acertámos as contas e eu me queixei que era o preço de uma nova e de eles me terem dito que nem pense nisso pois uma nova destas deve custar cinco vezes esse valor, foi fazer limpeza à cozinha. E já passava das oito e nem jantar feito nem vontade de puxar pela cabeça para ver  que fazer. 

O meu marido disse: vamos passear à beira da praia e compramos qualquer coisa por lá. E fomos. Fui como estava, com uns calções soltos, acima do joelho e uma blusinha sem mangas com decote em bico à frente e atrás. O meu marido disse que era melhor levar outra coisa pois estava a esfriar. Peguei no meu poncho de crochet em abertos, todo em abertos, feito numa linha crua, um amparo que é psicológico e não de agasalho. 

Lá chegados, rapei um frio dos antigos. A aragem estava a dar ares da sua valentia. Não me queixei para não ouvir observações mais do que óbvias.

Felizmente, o mar estava muito lindo e o sol fazia a sua escolha de sempre. Os amores eternos e incontornáveis são assim, um mergulhando no outro sem se saber quem mergulha em quem. 

O pior mesmo eram as poses absurdas, as selfies, as posições ridículas a que muita gente se entrega. A praia parece que atrai os que se acham fantásticos.

Num grupinho destacava-se uma mulher saída de um quadro de Botero. Via-se que era de genética bem tisnada mas apresentava-se muito loura. Usava um vestido vermelho, de cavas, justíssimo, com um cintinho preto na cintura e a saia um bom bocado acima dos joelhos. Como era de carnadura exuberante, a perna que ela alçava para lhe salientar o rabo a la Georgina, mostrava aquela manta de gordura que algumas mulheres têm por cima dos joelhos. Levantava o cabelo com a mão e o braço mostrava também que a gordura estava para além da conta. Mas isto da 'conta' é relativo pois ela estava feliz da vida. Um homem mais velho, metade dela em peso e altura, não fazia outra coisa que não fotografá-la ou a ela ou a ela e às amigas. Mas era ela que o instruía: baixa-te, apanha-me de lado, apanha o mar, vou-me virar e tu aproximas-te. O pobre homem obedecia sem um pio. Toda uma coreografia. 

Por mim ficava ali parada a ver. Acho estas cenas deliciosas. Depois chegou uma outra com uma caixa branca e deu-lhe. Ela rejubilava. O meu marido disse: faz anos. Depois entraram num restaurante e ela pegou no telemóvel e filmou o restaurante, filmou-se a ela, filmou o sunset. Coisa mais estranha. E eu interroguei-me uma vez mais: mas para que é que estas pessoas fazem isto? Quem é que tem interesse em vê-la em mil poses ou no restaurante?

Pergunta retórica pois a resposta é óbvia: pessoas iguais a ela. 

As pessoas, podendo exibir-se em poses cinéfilas, em ambientes cinéfilos e com sorrisos cinéfilos sentem-se umas divas, sentem-se especiais, imaginam-se especiais, com muitos seguidores, com muita gente a querer vê-las belas, formosas, rodeadas de amigos e frequentando lugares paradisíacos. Alimentam uma ilusão.

Mas, ao mesmo tempo, pensei que ainda bem que aquela mulher era descomplexada pois notoriamente sentia-se bela, desejável.

Mais à frente passou um casal de mulheres de braço dado, muito chegadas, um casal in love. E eu pensei que ainda bem que as pessoas que estão apaixonadas por outras do mesmo sexo já não têm que se esconder ou sentir vergonha. 

Enquanto isso, passou por nós um homem muito magro, de calções e tshirt de alças, de rabo cavalo grisalho, de bicicleta, ondulando como se surfasse.

A diversidade a que por ali se assiste é uma coisa extraordinária e eu, se não fosse dar-se o caso de querer esticar as pernas e dar uma caminhadela, deixava-me era ficar sentada a curtir os visuais e os moods de quem passa. 

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A Ministra da Igualdade em Espanha lançou uma campanha inclusiva que não está a passar despercebida. Seja qual for a estatura, a cor da pele ou o que for, a praia e o sol são para todos. O cartaz lá em cima dá o mote à campanha "El verano también es nuestro". 

As pinturas são, como é bom de ver, de Botero e vêm na companhia de Mika que interpreta Big Girl

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Desejo-vos um dia bom

Saúde. Boa sorte. Paz.

segunda-feira, julho 19, 2021

Doces dias as time goes by

 



Ontem não contei mas o dia teve os seus quês. Para começar, eu estava esperançosa de pôr o sono em dia. Estávamos à espera de umas pessoas às oito da manhã para fazer uns arranjos no jardim. O meu marido madrugou para cumprir o seu desporto matinal e estar de volta antes disso. Quando sai deixa o alarme parcialmente ligado. Ao regressar, esqueceu-se e o alarme disparou. Acordei sobressaltada. Quando estava a ver se voltava a adormecer, tocou-me o telemóvel. Levantei-me para ver quem era, tão cedo. Era ele. Estava com o telemóvel no bolso e o telemóvel, com vontade própria, ligou-me. Portanto, desisti de tentar dormir mais. Os homens chegaram muito mais tarde. Depois não tinham as ferramentas necessárias. O meu marido disse-me que, sem aquilo ou eles se iam embora ou iam às compras e nunca mais apareciam. Fomos nós. Depois saíram para almoço antes do meio dia e pouco tinham feito. Regressaram quase às duas. Às três e tal foram-se embora, deixando metade por fazer e tudo desarrumado. Eu furiosa. Ele a dizer que ou nos sujeitamos a estes artistas ou desistimos dos arranjos pois melhor que isto já vimos que não arranjamos.

Ele apanhou algumas coisas mais pesadas para o jardim ficar transitável para os miúdos.

Por volta das cinco, estava chateado e farto e disse: vamos para a praia. Eu ainda disse: não haverá ainda muita gente? Na minha, apenas deveríamos ir lá para as seis. Mas ele estava cansado e com calor e disse que não, que era boa hora, que estava no ir. 

Quando chegámos perto, deveríamos ter tido o discernimento de perceber que havia carros a mais e já confusão para sair. Mas, distraída como sou e ele deserto que estava de estar na praia, não valorizámos a questão. Tenho ideia de ter pensado que com a confusão que já estava a sair, a praia capaz de já não estar tão cheia.

Estava boa e como a maré não estava muito cheia, o maralhal não estava muito concentrado.

Contudo, ao caminharmos, de longe via-se uma compacta mole humana. Como no outro dia, reparámos nos grupos multi-agregado, na falta de cuidado. Mas tínhamos levado a toalha larga e pude deitar-me, estar tranquilamente a sentir o sol e a ouvir o mar -- e não pensar na covid.

Por volta das seis e meia pensámos que íamos andando. Metemo-nos no carro às vinte para as sete.

Pois bem: chegámos a casa mais de três horas depois. Um caos. Um mar de carros. 

Em casa tinha estado a beber um chá frio. Por volta das oito e tal comecei a pensar que já fazia chichi. Tentei dormir para não pensar no assunto. Às nove já estava que não podia. O meu marido dizia: sai e faz. Claro que não era possível. Ainda era dia, carros por todo o lado, impossível.


Às nove e tal já tinha arrepios, uma dor na bexiga que mal aguentava. O meu marido dizia: mas a quem é que lembra antes de vir para a praia pôr-se a beber chá? Só que, quando me pus a beber chá, umas duas canecas das grandes, não estava a pensar que iria para a praia.

Quando o meu filho ligou, eu já mal conseguia falar. O meu filho dizia: sai e faz. E eu expliquei que não havia onde, que eram só carros. O meu filho disse: ou isso ou arranjares uma infecção urinária. Mas eu já mal o ouvia, estava verdadeiramente transtornada, aflita até ao quinto dos infernos.

Quando, finalmente, aquilo começou a andar eu já não tinha posição, a bexiga quase a rebentar. Pedi que mal saíssemos dali e encontrasse um lugar decente, parasse. Assim fez: talvez às nove e meia, já tinha anoitecido, encostou o carro na berma numa zona de árvores e, logo ali, diluviei. Foi um alívio e um bem estar imediato. Caraças. 

Já em casa. entre tomarmos banho, preparamos as coisas e sei lá mais o quê, jantámos perto das onze da noite. Por isso, ontem estava aqui a escrever e quase a dormir.

Este domingo, mal me levantei, fui para a cozinha e fiz sopa de tomate e corvina. Já expliquei como faço, não expliquei?

Enquanto aquilo se cozinhava, tomei banho, tomei o pequeno almoço, depois concluí-a. A seguir fomos fazer a nossa caminhada e depois fomos buscar a minha mãe.

Almoçámos lá fora. Estamos os três vacinados mas já se sabe que as vacinas não previnem o contágio, previnem apenas a gravidade (o que é o mais importante). Por isso, como temos que tirar as máscaras para manducar, manducamos ao ar livre.

Depois estivemos à sombra, a conversar. Eu perdida de sono. Depois ela aborreceu-se de estar sem fazer nada e foi varrer as folhas do terraço.

Depois chegou a trupe do meu filho. O mais novo foi buscar uma vassoura, pediu para eu ir buscar uma pá para mim e varria e eu apanhava.

Passado um bocado chegou a trupe da minha filha. As crianças vestiram os fatos de banho e puseram o escorrega de água na descida do relvado e foi aquela brincadeira de dar gosto. Fiz vídeos e fotografei-os.

Depois o meu filho com o apoio do sobrinho mais novo e sob acompanhamento do filho mais pequeno, grelhou salsichas. Entretanto, a minha nora preparava o pão bao no forno, cozinhando-o em vapor.

Tivemos, então, a primeira leva de lanche com cachorros em pão bao, com molhos a gosto.

Creio que foi, a seguir, que a tia maquilhou e penteou a sobrinha, a sobrinha pintou as unhas a tia, acho que a minha filha pintou as unhas à avó.

Os rapazes estiveram a ver vídeos de futebol ou a jogar futebol, nem sei.

Os hambúrgueres eram para ficar para depois mas como as brasas estavam jeitosas, o meu filho achou que mais valia fazer já.

Entretanto, lá dentro, em frigideira, tinha caramelizado cebola e bacon.

Ele grelhou os hambúrgueres de vaca enquanto se aquecia o pão de batata doce. Depois da carne grelhada, fizemos os hambúrgueres com o bacon, a cebola e uma fatia de queijo cheddar. Deliciosos.

O meu filho grelhou ainda asas de frango mas o pessoal já estava tão cheio que sobraram muitas asinhas.

Depois nova interrupção. Momento de rugby e de vólei.

Já muito ao fim da tarde, com o bolo de cenoura e chocolate que a minha trouxe, cantámos os parabéns a você e comemos o clafoutis de maçã e os crepes com doce de ovos e chocolate que a minha mãe também trouxe.

Isto ao som de música. E ainda dancei com o meu namorado que até me pareceu que dança melhor do que quando era mais novo. Tenho que tirar isso a limpo.

Daqui por poucos dias teremos a terceira festa de anos desta leva e já disse que vai incluir bailarico.

À saída um dos meninos quis escolher a música, boa, de autor que eu desconhecia. Veio perguntar-me se eu tinha gostado. Gostei pois.

No outro dia, a minha filha e os seus filhos ofereceram-me um vídeo que me deixou emocionada. O mais velho ao ver-me emocionada, virou-se para a mãe: missão cumprida, pusemos a Tá a chorar. 

A minha filha mandou o vídeo também à minha mãe que, quando o viu, se fartou de chorar. Disse que não esperava ver ali fotografias do meu pai. Eu também não e gostei de vê-lo ali. Há uma continuidade em tudo isto.

Por volta das nove e tal fomos levar a minha mãe a casa. Provavelmente vai ser como nos outros dias: vai daqui com uma pancada de sono, que cai a dormir que nem uma pedra. Também eu.

E não, não estou de férias. Ainda me falta um bom bocado. Disse que me sinto de férias pois o bom tempo, os dias grandes e uma certa vontade de arranjar tempo para espairecer fazem-me quase sentir que estou numa de férias. Mas, hélas, esta segunda-feira o dever voltará a chamar por mim. Mas vou tentar não acabar depois das seis para ainda aproveitar aquele bocadinho até à hora de jantar. Não sei se nos apetecerá arriscar a praia depois da tortura do outro dia mas, mesmo que seja apenas para ficarmos em casa sem fazer nada, já será bom. Pequenos momentos de férias. Mesmo que sejam momentos de uma ou duas horas.

E é isto. Mais um dia feliz, entre os que me são tão queridos. O tempo vai passando, as crianças crescendo, as estações do ano indo e vindo, as flores nascendo, as folhas caindo, as árvores crescendo, os pássaros felizes da vida, cantando. É assim mesmo, um devir cujo sentido talvez não seja muito óbvio. Mas a vida é mesmo assim, feita de mistérios e coisas mal explicadas. E mais vale a gente rir do que chorar (a menos que seja chorar a rir).

E eu, com vossa licença, vou ver se vou para o meu quarto pois isto, dormir sentada e a escrever, não é lá muito confortável. Estou completamente knocked out. Portanto, je m'en vais.

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Pinturas de Fernando Botero ao som de What a wonderful world por Louis Armstrong

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Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira

quinta-feira, dezembro 17, 2020

A gente não vai para nova

 




Lá está, é aquilo que se diz: a gente não vai para nova. 

Parece -- e é -- um déjà lu mas é a verdade: o meu dia foi carregadinho de cabo a rabo. Quando as máquinas são postas em movimento, chegam a um ponto em que ganham embalagem e não há quem as pare. Portanto, levantei-me cedo e foi de então até agora. Em dias assim é garantido: não me sobra cabeça para tema. Se nem sei a quantas ando e, pelo meio, ainda tenho que arranjar espaço para rever um documento necessário para a faena de amanhã, muito menos sou agora capaz de inventar prosa capaz. Não sou. 

Não sei de novidades e, assim de repente, acho que apenas vi um passarinho. Mas, de tal forma estou, já nem sei se foi hoje, se foi ontem. Sei que choveu. Aliás estou num dilema. Há vasos muito grandes e impossíveis de mover que têm pratos de barro por baixo. Com a chuva, não apenas a terra está ensopada como os pratos estão cheios de água. Não sei se não é água a mais. Mas não sei como resolver isto sem partir o prato. Também saí, mesmo à chuva, para ir apanhar três laranjas que estavam caídas na relva. Estão muito sumarentas, ficam pesadas. Não se dá conta delas. No outro domingo foi o meu filho que levou uma sacada, neste foi a minha filha. Penso sempre que boa ideia mesmo era pôr-me a fazer compotas e geleias. Ou farripas de casca de laranja envoltas em chocolate. Imagino o cheirinho bom que haveria de se espalhar pela casa. Frasquinhos de doce resplandecente de cor e luz. Caixinhas de guloseimas. Mas tudo tem açúcar e se, em tempos, podia comer bolos na maior descontração que tudo se evaporava sem deixar rasto, agora é o contrário, só de aspirar o rasto já eu vou aumentando de peso. Tenho que jejuar de quando em quando para me manter nos eixos, coisa a que, de resto, já me habituei. Até porque o meu jejum é relativo, não é? Um chá, uma fatiazinha de queijo com trufa, uma maçã, um quadradinho de chocolate preto. Coisa simples. Quiçá um ou outro caju e arando misturado na boca com o chocolate. Não me perco.

Mas, então, dizia eu que a gente não vai para nova. Ninguém vai para novo. Que me lembre só mesmo o Benjamin Button. E não tenho ideia que fosse coisa boa. Imagina uma pessoa a perder idade, a perder sagesse, toda se rejuvenescendo a caminho de uma luminosa jeunesse e depois a caminho da childwood  e a ver a coisa a evaporar-se até voltar ao já eras. Ou melhor, ao ainda não és nada. Ninguém está contente com o que tem, essa é que é essa. Idade é sabedoria, é generosidade, paz interior, é paciência para aturar maluco, marado, sei lá. E é. Mas é também coisa chata, e esta de uma pessoa ficar toda cheia de formas só de desejar comer coisa doce é uma delas.

Tirando isso. Pus a mesinha onde me alojo a trabalhar mais junto à janela. Gosto mais assim. Mas acontece que, em frente, está um espelho. Volta e meia não consigo deixar de dar de caras comigo. O que vale é que sou míope. Ainda assim ajeito o cabelo se percebo algum desalinhamento. Mas cabelo desorientado é coisa conjuntural. Pior mesmo é ruga que isso, sim, é estrutural. No outro dia estava em casa da minha mãe e estava a dar uma porcaria e, enquanto atendi um telefonema, ela fez zapping. Foi parar a uma cena em que as mulheres estavam todas alteradas. Quando acabei de falar, indaguei mas que raio de coisa era aquela para as mulheres serem todas beiçudas e mamalhudas. Ela disse que era tudo assim. Parece que era um casadas à primeira vista num país qualquer. Diz a minha mãe, sabes lá, faz-se zapping e só aparece disto, bocas inchadas, bochechas e mamas redondas e insufladas. E eu espantada: mas estas são novas. Pensava que eram só as velhas que se recauchutavam daquela boa maneira. Diz a minha mãe: não, nem penses nisso, novas e velhas. No outro dia, também eu estava eu aqui a fazer zapping e dei com uma que quase que só conheci pela voz. Repuxada, repuxada, mal mexe a boca. Comentavam personagens do BB. Mudei logo porque aquilo estava a ponto de ferir a minha sensibilidade: não se percebia nada do que dizia e, quando a câmara mostrou os outros, foi o anti-climax. Gente estranha. Um mundo estranho.

Agora, enquanto escrevo e antes de ir parar às Terras Extremas, passei pela SIC, pela Arrastadeira Vermelha, e estava uma loura estranhíssima, platinada, ultra-pintada e com uma daquelas bocas que levou mais enchimento que um pneu. E toda ela deve ter sido injectada. Pintada até mais não poder. Não imagino como seja quando acorda, desmaquilhada, despenteada. E como será quando tiver mais vinte ou trinta anos em cima. Fico beige com estas coisas. Não percebo, sinto-me deslocada, incapaz de enfrentar esta realidade macaca, capaz é de ir eremitar-me.

Bem. Isto tudo para dizer que, estando eu para aqui sem cabeça de qualquer espécie, fui zanzando no desinteresse até aportar ao primeiro vídeo que o meu bff algoritmo tinha para me oferecer. Glória Pires e Marcos Frota se emocionam ao relembrarem Mulheres de Areia. Lembrei-me desse nome. Naquela altura as novelas da Globo eram coisa que não se podia perder. E a Glória Pires aparecia muito. Não era muito bonita mas era interessante e boa actriz. Fui no play sem hesitar. E fiquei sem saber como agora descrever. Apanhada de surpresa, talvez, com uma certa pena, também. Estupidez a minha. Não a via há tanto tempo que agora me espantei mas, lá está, espantei por mera desatenção minha. Envelheceu, ela... Mas como não haveria de ter envelhecido se não a via talvez há vinte ou mais anos? Envelheceu mas envelheceu bem. Está grisalha. Está com a pálpebra um pouco caída de lado. Era tão inteira, um cabelo tão bonito, e agora está uma senhora. Numa casa muito bonita, a Glória Pires é agora uma senhora distinta. 

Até não há muito, quem me via não me vendo há muito tempo, exclamava: ah, está na mesma... Mas, se calhar, um dia destes, vou começar a perceber que quando falam de mim dizem que é que estou uma senhora. Caraças é que sou uma senhora. Não tenho vocação para senhora. As senhoras são baças, chatas, datadas. Eu não.

Mas isso era a Glória Pires. Mas depois o Marcos Frota. Pelo nome não estava a ver quem fosse. Havia um que era que era pornô da pesada que era Frota mas esse acho que esse não era Marcos. Quando apareceu aquele velho barbudo ali no vídeo, cabelo branco, não vi quem era. Mas depois, pela voz, tive um lampejo. Quando apareceu em novo fiquei até emocionada, quase tanto quanto ele ao recordar aquele tempo e aquele amor tão grande, tão incondicional.

Gostei de revê-los e, vistas bem as coisas, ainda bem que envelheceram: é sinal que estão vivos e isso é que interessa, olarilas. E dizer isto é um daqueles lugares comuns que não fazem falta nenhum? Ah pois é, bebé. (Agora soa-me bem dizer isto)



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Os gordos do Botero fazem-se acompanhar pelas  MonaLisa Twins com When I'm sixty-four

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Saúde. Sorte. Amor.

sexta-feira, setembro 18, 2020

A diferença entre amizade e amor

 


De amores sei bem falar e posso falar de vários e de vários tipos. Todos intensos, todos exigentes. 

De amizades também, mas aí sou mais de amizades com o sexo masculino. Se eu quiser falar de uma grande amiga, amiga para a vida, não sei bem. Amigas, várias, mas grandes, grandes amigas, que me lembre, acho que não. Com homens, sim. Desde sempre. Desde que me lembro de mim, os melhores amigos sempre do sexo oposto. Grandes, grandes amigos. Ainda hoje. Se me apetecer falar com alguém para estar na conversa, para comentar coisas, para ouvir uma opinião, para me distrair, é de um amigo que me lembro, não de uma amiga. É certo que de um há quem se me refira a ele como 'a tua amiga' mas eu não dou troco a provocações. 



E confirmo aquilo de que se fala: com os amigos, a gente pode estar séculos sem se falar que, quando volta a falar, é como se estivéssemos a retomar uma conversa da véspera. Não há recriminações, não já justificações. Há apenas o retomar natural. E a gente a um amigo desculpa tudo, encontra explicação para as suas falhas, tenta ajudar, não tem vontade de retaliar se alguma coisa foi ao lado, não exige provas, não requer assiduidade. Não há cá dúvidas sobre a gradação do afecto, não há ciúmes, não há vontade de picardias, não há cá tentação de querer juras ou promessas.

Pelo contrário, num amor caem por terra todas as santidades. Bons íntimos, isso é com a amizade. No amor, quando os demónios dentro de nós se agitam, saem à cena todas as armas e é com a nossa mais apurada pontaria que as empunhamos. No amor a gente sofre com saudades, a gente sofre com receio que tudo venha a definhar envolto em memória, no amor a gente reclama, a gente zanga-se, a gente embirra, a gente duvida, a gente pena, a gente quer proximidade, quer presença, quer o olhar do outro fixado em nós, a gente quer a nossa alma desvendada pelo outro.

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Mas isto sou eu. E que sei eu? Sei de mim e, mesmo assim, é conhecimento escasso e volátil. Para se saber mesmo, de certeza absoluta, haveria de se reunir uma amostra que respeitasse as mesmas proporções da população toda -- em idade, sexo, escolaridade, condição social, religião, etc, etc. -- e, junto dessa amostra representativa, colher opiniões. Depois de ter colhido um ror de sentenças e dúvidas se faria um mix, se coaria a mistela para lhe retirar borras e espumas e da substância se traçaria o correcto retrato. Amizade é isto. Amor, aquilo. Assim... tudo o que se diga são simples tentativas de separar algumas águas.


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E se, em vez de estar a ver qual a teve maior maior, se o avante, se o santuário, ou a dissertar sobre o apoio de uns e outros ao tal que a mim pouco me diz, o tal que agora prescindiu do polémico apoio, coisa que a mim também me deixa de fora, estou aqui nesta conversa velha e relha da diferença entre amizade e amor é porque o meu soul mate, o algoritmo do YouTube, hoje tinha para me mostrar um little video no qual Borges, com aquele seu enternecedor sorriso inocente e cego, aborda o tema.


Borges habla sobre la amistad y el amor


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Talvez que os bem nutridos do Botero não sejam discretos o qb para aqui estarem mas que é lá isso de descriminar alguém em função do peso ou das curvas?

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E tudo bem

segunda-feira, maio 27, 2019

As Europeias 2019 em Portugal:
breve balanço à moda da UJM


Bem. Já falaram todos os líderes partidários e o Presidente Marcelo já rematou e, portanto, está na altura de eu me pronunciar. Há bocado já tinha botado faladura mas foi sobre sondagens. Agora já posso basear-me em factos. Para isto não ficar longo para além da conta, vou cingir-me aos que terão assento no Parlamento Europeu. O Sande e o Santana, o Rui Tavares, o Arrocha e o Ventura talvez sejam vistos num outro dia.

E, sobre os cinco contemplados de hoje, o que me ocorre dizer é que:


1. O Ambiente está na ordem do dia e ainda bem. A Europa está a acordar para a necessidade de salvar o Planeta e isso é mais do que bom, é vital. E presumo que o aumento dos votos no PAN também vá nesse sentido. Já confessei que não conheço o programa nem a actuação do partido mas provavelmente devia informar-me melhor. Ouvi há pouco o líder do PAN, de quem nem sequer sei o nome, e gostei de vê-lo, quer na indumentária quer no que disse. Não falou muito mas, no pouco que disse, não detectei disparates -- e isso não é despiciente. Será partido a seguir pois aparentemente tem sabido captar e interpretar a preocupação geral com o clima, com a sustentabilidade do planeta. Para mim foi uma surpresa.


2. O resultado do CDS enquadrou a ambição aparvalhada de Cristas. Sempre a apregoar que é a verdadeira líder da oposição e candidata a primeira-ministra, o país mostrou-lhe que, quanto muito, lhe arranja um lugar como porteira. Sempre desagradável, sempre armada em boa, sempre acusatória e agressiva, sempre a mostrar que não se enxerga, Cristas foi relegada para um lugarzinho entre a CDU e o PAN. No discurso mostrou-se a modos que meio desorientada, sem perceber bem qual o tom a usar. Humildade não é com ela mas deve ter começado a perceber que quem nasce para lagartixa nunca chega a jacaré. Foi Nuno Melo que assumiu claramente a derrota mas no meio do entusiasmo dos agradecimentos já todos aplaudiam como que esquecidos de que não tinham grande motivo para palminhas. E eu só penso numa coisa: baldas como é, se o Melo já antes era um faltista de primeira, agora que vê o partido a esboroar-se e farto de por lá andar, é que vai ser lindo. Nas legislativas o desastre deve repetir-se.


3. O resultado do PCP foi fraco e o discurso de Jerónimo de Sousa foi deslocado. Falou como se estivesse em campanha para as legislativas e não a acabar de sair de mais uma derrota eleitoral. Tentei perceber qual era a dele mas não captei: quase como se quisesse desvalorizar o que tinha acontecido e, para desviar as atenções, se pusesse a aproveitar o tempo de antena para vender o peixe dele. Mas não fez sentido. Desvalorizar a importância do Parlamento Europeu e escamotear o mau resultado só lhe fica mal. Dá ideia que são zombies, que estão em extinção e não percebem. Mas, digo de novo: dá-me pena. Há no PCP gente nova, com qualidade. Mas, enquanto não se libertarem do pesado lastro do passado, das raízes históricas que o tempo tem provado não darem planta que dê bom fruto, não irão a lado nenhum. O PCP continua agarrado a um sindicalismo que já representa apenas uma pequena parte dos trabalhadores, agarrado a uma conversa antiquada, onde campeiam também amizades que cerceiam a liberdade necessária para se modernizarem. Ou o PCP consegue libertar-se dos velhos do Restelo ou irá fazer companhia à Cristas.


4. O resultado do BE foi bastante bom. Já é o terceiro partido. Como disse há pouco, penso que o deve sobretudo à Marisa que não regateia afectos, abraços apertados, beijinhos a rodos. Com a Cristas e o seu compangnon de route sempre a despejarem provocações, insultos, trocadilhos a destilar fel e uma agressividade inusitada, o País preferiu desviar dali o olhar e focar-se nesta dupla feminina que não ofende, não insulta, não agride e, pelo contrário, distribui sorrisos, ternura e compreensão. Já o disse muitas vezes e repito: o BE tem mérito e tem apresentado boas propostas. Mas Catarina Martins tem uma pulsão populista, dizendo e oferecendo o que os seus ouvintes querem ouvir, e omitindo a impossibilidade de cumprir o que promete sem ir prejudicar outros, ou, outras vezes, bramindo contra incertos (ou contra banqueiros ou capitalistas em geral), sabendo que, com isso, colhe votos. Têm também provado que não olham a meios para atingir os fins, chegando a ser desagradavelmente desleais. Têm contado com a benevolência de António Costa que, assim como assim, tem preferido pôr-lhes a mão por baixo pois mais vale tê-las por perto do que saírem por aí, numa clara deriva populista. Claro que, se isso acontecesse, o eleitorado veria de que é que a casa gasta e o sex appeal do BE minguaria, passando a haver mais pessoas disponíveis para outras ofertas populistas que surgissem -- e é isso que o Costa (e o Prof. Marcelo) quer, e bem, evitar. O BE tem ainda a favor o de ser um partido marcadamente feminino -- Catarina Martins, Marisa Matias, as gémeas Mortágua -- e o País estar disponível para ver mulheres em lugares de poder, coisa na qual os outros partidos deveriam pensar.


5. Sobre o PSD nem sei bem o que dizer. Um disparate pegado, aquilo ali. O Rangel, coitado, esse trauliteirozito, um caceteirozito que, à mínima, fica histérico, é o que é -- e, quando as pessoas são assim, a responsabilidade não é delas mas de quem não o percebe e as convoca para coisas para as quais elas não dão. Alguém espera de uma galinha que ela suba às árvores e desate a pipilar lá de cima? Piada teve um jornalista que, no fim, querendo referir o tom irónico de alguma coisa que o Rangel tinha dito, disse erótico. E, a seguir ao erótico Rangel, que se apresentou sozinho, num cenário desolado, apareceu, então, o macho alfa do partido. Espadeirou à esquerda e à direita, distribuíu canelada, desatou à cabeçada. Não sei bem contra quem em particular pois vi o Rui Rio furibundo, enraivecido, com tudo, inclusivamente quando alguém lhe perguntou se achava que tinha condições para se manter à frente do partido. Ficou a mais de 10% de distância do PS e ficou claro que o País não tem saudades de quem tratou mal os portugueses sem que, com isso, tenha feito bem ao País. Enquanto Rio espumava, mostrando que não sabe ser empático, a plateia mostrava um conjunto de pessoas que vem dos tempos do cavaquismo ou do passismo. O PSD é outro partido que não tem sabido regenerar-se. É pena. Acredito que há muita gente decente que preferia ter um PSD mais arejado, menos preconceituoso, mais alinhado com os tempos modernos e que há-de estar a desesperar por ver o tempo a passar sem que a renovação aconteça. A continuar assim, nas legislativas ainda será pior. Rui Rio já está nitidamente a prazo.


6. O PS ganhou e não foi por poucochinho, foi por uma diferença expressiva mas, ainda assim, não espectacular. Digamos que ganhou bem e com justiça. E o discurso de ambos, Pedro Marques e António Costa, foi de natural alegria. Mostraram ter os pés na terra e a ambição de quem sente que há ainda muito caminho para andar. Contudo, para que se afirme com mais energia, o PS tem que saber limpar algumas nódoas que ainda lhe sujam a lapela. Como todos os grandes partidos com implantação nacional, regional e etc, e com anos de poder a todos esses níveis, o PS tem dentro de si, como o tem o PSD, um historial de amiguismo. Não haverá tantos caciques como entres as hostes laranjas mas há ainda alguma daquela lógica corporativista que desagrada aos eleitores. Deveria trabalhar para poder ostentar na lapela o emblema da ética e da honradez a toda a prova. E, sendo os tempos de mudança, com desafios de vários tipos e todos eles complexos, o PS deve saber abrir-se à sociedade. E deve cativar os jovens, muitos jovens. E deve saber atrair gente que saiba pensar, gente que saiba interpretar as preocupações e os anseios de hoje e de amanhã. E deve atrair mais mulheres. Quer dentro de portas quer na Europa, o PS deve saber aproveitar o voto de confiança dos portugueses e surgir como um partido com quem se possa contar para construir o futuro.

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E todos os partidos têm que saber falar às pessoas sem arrogância, não tratando as pessoas como se fossem crianças ignorantes, não cavalgando ondas e populismos. E todos têm que limpar do seu seio tudo o que seja duvidoso, oportunista, pouco sério. Um dos grandes inimigos da democracia é a abstenção e a abstenção alimenta-se do desalento que vem de as pessoas acharem que 'é tudo igual', que 'andam todos ao mesmo'. E esse deverá ser também o trabalho de Marcelo: em conjunto com os partidos, mobilizarem os eleitores. Que reflictam nas formas criativas e eficazes de trazer as pessoas para o debate público, para a intervenção política, e que consigam que, nas próximas eleições, já seja visível uma maior participação -- isso é o que desejo.

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Coloquei aqui pinturas de Botero porque foi o que me ocorreu. A política é uma coisa séria mas não tem que ser vista de forma ensimesmada.

E, pronto, já disse o que tinha a dizer. E, assim sendo, com vossa licença, vou sair daqui a dançar em pontas para ir pregar para outra freguesia.


E a todos desejo uma semana em grande, a começar já por esta segunda-feira.

terça-feira, fevereiro 26, 2019

Poderia. Mas não.





Poderia falar de como é bom, em dia luminoso, o calorzinho pré primaveril na bela cidade. E como são lindas, tão suaves, as cores que andam no ar. E como dá vontade de embarcar nos grandes navios deslizando no rio.  Ou nos veleiros brancos e silenciosos. E como é bom que nos deixemos estar, embarcando neles apenas o nosso olhar.


Poderia falar de como, apesar da pressão turística, ainda há enormes prédios abandonados nas melhores avenidas. E como são tristes os prédios grandes abandonados. Poderiam transformar-se em residência de artistas, em casas para jovens, em residências universitárias, em residências assistidas para idosos de fracas e médias posses. Mas, se calhar, vão ser hotéis.

Ou poderia falar de como começam a aparecer, nas empresas, movimentos reivindicativos atípicos, orgânicos, com os quais as estruturas tradicionais não sabem bem como lidar. E do medo que causam. Sem rosto, sem contornos. Um medo difuso.


Poderia falar também da casa de Salazar que vi na TVI. Abandonada, as coisas do ditador, do atávico campónio que arrastou o país para o coitadismo, para o remediadismo, para as galinhas no quintal para mostrar como é bom ser poupadinho. Poderia falar de que de nada lhe serviram os pides a guardar a rua, a prender e torturar os outros. Poderia falar do relógio na parede, parado, para sempre parado, e dos livros a desfazerem-se. O ditador que caíu da cadeira e acabou sem saber que já não era nada. De nada lhe serviu tudo o que fez. Agora ninguém quer saber de lhe preservar a casa, as malditas memórias. Poderia dizer que ele deveria voltar por um instante para ver que ninguém lhe sente a falta e que todos lamentam os anos de desenvolvimento e abertura ao mundo que roubou ao país. Poderia dizer que os piores são sempre os apertadinhos, como apertadinho era o Salazar, bem governadinho pela zelosa D. Maria.

[Nota: Desagradável, contudo, a imitação da voz do ditador na leitura da carta e do poema; banaliza-o. E vultos nefastos não devem ser banalizados]


Ou poderia falar de Neto de Moura, mais um dos juízes que parece ter saído das cavernas. Poderia falar em como é perigoso estar a justiça nas mãos de parvos encartados. Poderia falar que é assustador pensar que há mulheres que são vítimas de estafermos destes. Ou poderia falar de como é assustador pensar que há mais juízes como este. Ou como estarão desprotegidas as mulheres que caiam nas malhas de justiceiros destes a quem, pelo que se vê, não há quem tenha poder para os mandar de volta para as cavernas.

Mas falta-me a verve na conta e medida requeridas. Vou antes pregar para outra freguesia ou, melhor, tirar a minha viola do saco e tocar música para algum incauto que por mim ainda  se deixe embalar.


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E tenho dito. Abaixo há vestidos para despir e há um momento de química aplicada.

domingo, janeiro 13, 2019

Palavras de acalmia depois de um big vendaval





Pronto, já consegui instalar-me. Tive-os a todos cá e depois só os cinco porque os crescidos foram curtir a night e foi aquele festival de quando os cinco pimentinhas estão juntos em espaço confinado. Os quatro a fazerem wrestling, bebé incluído. No meio da confusão até deu uma dentada nas costas de um dos primos. Ela brincou aos escritórios, depois maquilhou-me, maquilhou-se. E eles depois a rebolarem em volta da big ball, bebé também incluído. Depois quiseram ir comer uvas e bolo, e isto para aí uma hora e picos depois de terem jantado.

Depois ela descobriu uma caixinha de trident e quis uma pastilha e depois todos queriam pastilhas e reivindicavam como se estivessem numa manif: pastilhas! pastilhas! pastilhas! e até o bebé gritava: pilha! pilha! pilha!

Quando os pais os vieram buscar, tarde e más horas, estavam todos espertos e prontos para continuerem a brincar.

Entretanto, as almofadas mudaram de sofá, as canetas e os lápis de cor estavam todos fora dos respectivos estojos, as cobertas dos sofás estavam meio tiradas, uma cadeira estava no chão e os brinquedos com que o bebé brincou estavam fora do cesto. Quando saem e nós vamos despedir-nos e depois reentramos em casa, é como se um furacão tivesse passado pela casa. O meu marido põe-se logo a apanhar coisas e desabafa: aqueles gajos... mas eu fico tão cansada que não consigo articular palavra.

Mas fui beber água e fiquei logo melhor.

Mas o pior não foi isso. O pior é que o touchpad de um dos computadores, um que está a dar as últimas, tinha deixado de funcionar e o do trabalho, que este fim de semana trouxe para casa, estava já sem carga e carregador viste-o. Passava da meia-noite, queria pôr-me aqui a descansar e os computadores fora de combate. Estiveram a mexer neles e fizeram este lindo serviço. O meu marido repreende-me: Deixas os putos fazerem o que querem. Fiquei furiosa: Deixo? Mas como consigo não deixar? Se ajudasses a tomar conta deles... Mas ele refila: Ai é? E quem é que punha a mesa? E quem é que levantava a mesa? E quem é que... E eu já nem o ouvi porque era verdade e não me apeteceu dar-lhe razão.

É que se ando atrás do bebé, que trepa e sobe e desce sozinho para cadeiras e tenta mexer em tomadas, ficam os outros quatro à solta. Se vou atrás de algum dos outros, não vejo o que estão os outros a fazer, em especial o bebé de quem não podemos tirar os olhos nem por um segundo.

Enquanto acabava o jantar, apareceram uns com o computador na cozinha para ficarem a fazer não sei o quê, jogos talvez. Entretanto, dei com ela, na sala, a brincar com a tia aos escritórios e depois aos médicos e a escrever no outro computador. E ouvi-a a dizer que ia guardar o carregador na mala do computador. Depois vieram dois dos rapazes a dizer que o touchpad tinha deixado de trabalhar. E dizia um: será que apanhou água...? e reparei que, de facto, havia alguma água no teclado. Percebi: não me digam que entornaram água no computador... E logo eles, com sorriso apanhado: não... E eu a ver que ali havia coisa. E o outro: só se caíu... E eu, já zangada: Olhem lá. Deixaram cair o computador? E logo o mais novo: Não, não caíu, juro que não fui eu... E os dois com sorrisinho apanhado. Fiquei mesmo arreliada: deixaram cair o computador e ainda lhe entornaram água. E agora? Fico com o computador estragado? E eles: desculpa Tá, desculpa. Não insisti. Não quis sabe quem foi, como foi. Foi; e de certeza que, o que foi, foi por acidente; portanto, ponto final. Não consigo zangar-me com eles.

Entretanto, agora pedi ao meu marido que lhe desse com o secador. E ele: Era mesmo só o que faltava, passa da meia noite e eu a dar com um secador num computador. Deu-lhe durante um ou dois minutos e foi dormir. 

Mas nada, nem pó, o rato do computador sem trabalhar e eu sem rato externo. Entretanto, como disse, o outro sem funcionar e eu sem descobrir o carregador. Dentro da mala não estava nem nos sofás nem debaixo deles nem na cozinha nem em lado nenhum. Liguei ao meu filho. Tinha acabado de deitar os miúdos e ainda estavam acordados. Disseram que estava na bolsinha exterior da mala do computador, bolsinha essa em cuja existência nunca tinha reparado.

Com o computador a carregar, pesquisei e li que fizesse fn F9 e milagrosamente o rato do computador voltou à vida. Portanto, às tantas nem o banho que apanhou nem o trambolhão que deve ter dado tiveram a ver com o touchpad ter ficado desactivado.

Passa bastante da uma da manhã e estou feliz da vida pois nada me traz mais felicidade do que estar com os meus; mas tenho que reconhecer que ficarmos os dois em campo fechado com estes cinco fazedores de vendavais é obra. Deixaram-me, pois, um bocado off. Ua vez mais não consigo responder a mails que tenho em atraso ou a comentários. Impossível. A energia daqueles cinco é uma coisa que só vista, parece que se potencia quando estão juntos.

Mas, como a seguir ao almoço já fui aos meus pais, este domingo estamos por nossa conta. Tenho vários afazeres mas face ao forrobodó e ao vendaval de hoje cá em casa vai ser piece of cake.

Lamento não ser capaz de escrever sobre o que quer que seja nem tenha fotografias das minhas para mostrar apesar de ter andado a passear numa cidade muito linda e bem arranjada e, penso, ter fotografias que o atestarão. Mas não consigo ir escolhê-las. E devo ter também muitas deles, dos meus queridos pimentinhas, certamente parte delas desfocadas pois não conseguem parar sossegados. Como será que eles, quando forem crescidos, recordarão estas estadias cá em casa, como recordarão as almoçaradas e jantaradas em volta da mesa grande, toda a gente a falar e a rir? Espero que sejam memórias que acarinhem para o resto da vida. Eu de certeza que o farei. Quando os meus filhos eram pequenos e andavam à bulha eu pedia-lhes sempre que fossem amigos, muito amigos, grandes amigos para sempre, toda a vida. E agora desejo isso também para todos os seus filhos -- que sejam grandes amigos entre si, amigos inseparáveis, irmãos e primos, tios e sobrinhos. Os meus amores e os meus amorzinhos.

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Os casais a dançar -- talvez um tango, talvez une valse à mille temps -- que Botero pintou talvez não tenham nada a ver com o texto. Nem a canção do Moustaki que, não sei bem dizer porquê, me causa um frémito e uma emoção que não sei bem definir, talvez como que de uma intrigante nostalgia. Mas estando eu tão KO como estou, é a minha forma de enviar um sorriso a um certo métèque que não sei se o merece ou não mas a quem, tendo eu a alma de uma verdadeira santa, me sinto com vontade de perdoar. E de dizer a todos os viajantes que por aqui gostam de passar que, apesar de perdida de sono, nunca perco a vontade de sorrir e de dançar, mesmo que apenas com as palavras.

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A todos desejo um bom dia de domingo.