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sexta-feira, abril 12, 2019

Cinco obras de arte em dias destravados




Os dias desta semana andam-me desencontrados. Na terça-feira, quando fui fazer o euromilhões, convencida que era quarta-feira, preenchi apenas uma aposta para sexta-feira. À noite, às tantas, quando estava a ver as notícias, vi a chave vencedora do euromilhões e, espantada, fui confirmar: era mesmo terça-feira. Fiquei a sentir-me desfasada. Hoje, estava a combinar reuniões e a tentar encontrar um buraco na agenda para 'amanhã' e outro para sexta. A pessoa com quem eu estava a falar olhou-me e perguntou-me: 'Que dia é hoje?' e eu, estranhando a pergunta, pensando que ele é que estava desorientado: 'Quarta' e ele 'Quarta...? Pois. Era bom, era. Mas isso foi ontem'. Fiquei desconfortável. Ele, simpático, tentou que eu não ficasse a pensar que o problema era meu: 'Os dias andam a passar a correr'

Há bocado, estava a ver como vai ser amanhã e voltei a ficar baralhada: já sexta-feira? Já dia 12? Já a meio do mês de Abril?


Aliás, de manhã, no carro, liguei a um a perguntar-lhe o que se passava para ainda não me ter respondido a um mail no qual lhe pedia uma data para avançarmos para uma certa coisa. E ele explicou-me que está sem recursos, que não encontra gente, que já está a contratar gente no Brasil e que prudencialmente o melhor era apontarmos para daqui por um mês. E eu fiz contas de cabeça e vi que aquilo ia dar para depois de férias quando eu, a estas horas, já queria era ter despachado aquilo. E, depois de desligar, fui a rebobinar enquanto conduzia e a pensar em que é andei a ocupar o tempo para não ter dado pelo tempo a passar desta maneira. E a verdade é que tive alguma dificuldade.

Talvez seja que, com a idade, venha uma aceleração do tempo. E isso não é uma boa sensação.

A meio da tarde fui a uma reunião onde estava alguém com mais dez anos que eu. Muito bronzeado, muito tranquilo. Explicou que vive agora a maior parte do tempo numa quinta na Beira -- junto dos passarinhos, disse ele. Como cheguei atrasada, expliquei que tinha apanhado o trânsito cortado numa certa zona. Ele sorriu, disse que em Lisboa ja não usava carro há muito tempo. E toda a sua conversa foi de pessoa sem pressa, de pessoa que não deixa os dias assarapantarem-se, fugirem sem se dar por eles.


Agora, antes de chegar ao blog, abri os jornais e vi a fotografia de um velho de cabelos brancos e longas barbas brancas. O título da notícia referia Assange e eu, desatenta, pensei que aquele era alguém que não ele. Noutro jornal vi a mesma fotografia. Olhei, então, com mais atenção. Percebi que era mesmo ele. E voltei a sentir-me a viver um jet leg agudo, como que sugada por um qualquer buraco negro. Pois se não há muito o homem ainda era relativamente novo, quantos anos decorreram sem que eu tivesse dado por nada para o homem já estar assim?

Serei só eu? O tempo está a andar ao seu ritmo normal? Só eu é que ando desfasada da realidade cronológica? Se calhar sou.

Enfim. 


Felizmente, encontrei um artigo que agora me alegrou: As cinco obras de arte mais espectaculares do mundo. Antes de deslizar pela página fechei os olhos tentando pensar em obras de arte espectaculares para ver se algumas coincidiam com a selecção de Claire Beghin. Depois fui ver. Zero. Aliás, das cinco, apenas conhecia Puppy de Jeff Koons, esta aqui acima, mas, na verdade, nem me ocorreu. Na altura, quando estive ao lado dela, fotografei-a de vários ângulos, acho que até tenho uma fotografia com ela atrás, coisa rara pois nunca apareço nas fotografias. Achei uma coisa bem apanhada. Mas mais do que pensar nela como uma obra de arte, achei uma ideia engraçada, bem arquitectada, engenhosa. 

E agora tenho estado a saber mais sobre cada uma. De facto, todas me parecem espectaculares e gosto de todas. A primeira, a das sete montanhas mágicas de Ugo Rondinone, já está a dar-me vontade de chegar lá ao meu little heaven e empilhar pedras e pintá-las. É o tipo de coisa que me traz alegria. 

Também achei fantástico o nome da aranha de Louise Bourgeois: Maman. Disse a autora que a obra era uma ode à mãe, a sua melhor amiga. Que associe a imagem de uma aranha à mãe e a uma pessoa muito amiga parece-me curioso.

A escada para o infinito, Diminish and Ascend de David McCracken, também é o máximo. Houve uma altura que me dava para meter escadas que não levavam a lado nenhum no meio das minhas pinturas. Não sei porque as fazia. Apareciam ali. Esta escada também me parece uma ideia fantástica. Parece que as gaivotas se espetavam no bico em que termina (acaba em bico, justamente para, através de ilusão óptica, parecer que acaba no infinito) pelo que agora o substituiram por um material menos rígido.

Mas a minha preferida é esta aqui abaixo. Celestial Vault de James Turrell. Acho uma ideia maravilhosa. Um local para sentir a magia do espaço imenso, o céu, a luz, o vagaroso devir do tempo.


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E não sei se A mão no Arado vem a propósito -- o mais certo é não vir -- mas apeteceu-me tê-lo aqui


terça-feira, julho 24, 2018

Coisas porcalhonas
-- que, logicamente, devem ser evitadas --







Pode ser que às mentes auto-sustentáveis as estações do ano não alterem a disposição. Mas a minha ainda é movida a coisas que se escafedem com o dealbar das temperaturas mais altas -- mesmo quando de altas não têm nada.

Sempre me lembro de chegar a estas alturas e já estar por tudo. Ficam à espera que proteste e eu moita. Podem provocar, tripudiar, saltar em cima a pés juntos que eu olho de longe, indiferente às minudências do pequeno mundo. Acham que o meu silêncio não prenuncia nada de bom, temem chumbo grosso mas eu, em paz, nada digo -- porque, simplesmente, estou sem paciência, desejando que passem à frente porque a mim tanto se me dá.


Hoje, no restaurante, ao almoço, dois dos meninos contaram que o outro avô defende o Bruno de Carvalho e acha que o Marta Soares é que é o culpado disto tudo. O meu marido ia entrando em apoplexia, que não podia ser, que essa não, que estavam equivocados, que o avô era pessoa de bom senso. E os meninos que não, que o outro avô era mesmo a favor do Bruno de Carvalho. O meu marido, fora dele, pediu aos meninos que dissessem ao avô que, que ele ache que o Salazar foi o maior, ainda vá que não vá, agora que ache que o Bruno de Carvalho deve voltar ao Sporting essa é que não. Os miúdos disseram que sim, que levavam o recado. E, dizendo isto, o meu marido atirava-se para trás na cadeira, perplexo, indignado. E eu, observando-o, gabava-lhe a energia.

A mim não apenas aquilo me foi completamente indiferente como nem que por ali adentro entrasse o clã Aveiro em peso, com a D. Dolores de shorts esfiapados e nalgas ao léu,  o namoradão todo camioneiro e altamente barrigudo feito sleeping partner, mais as manas Cátia e Elma em monoquini, bota alta e purpurinas multicores artisticamente espalhadas pelo corpo, com o CR7 em tronco nu a dar saltos no ar e a uivar, e a menina Georgina com três bebés ao colo e com as mamocas e as quatro bochechas três vezes maiores que eram quando ele a conheceu, que a mim me daria igual. Sem ânimo para me exaltar ou entusiasmar com o que quer que seja. Mesmo se entrasse o Marcelo a dar beijinhos de mesa em mesa eu juro que ficaria pregada à cadeira, impassível -- e se ele fizesse mesmo questão numa selfie comigo pois que viesse ele sentar-se ao meu colo que eu nem aí.


E isto para dizer que parece que nada do que vou sabendo sobre a actualidade me tira do sério, me entusiasma ou me revolta. Tudo me parece mais do mesmo. Monotonia mais chata esta.

[Mas sou eu. Sei que sou. É a energia dentro de mim que parece esfumar-se, retirando-me a vontade de espadeirar o mundo à minha volta. Fico mansa como uma rola budista num galho de azinheira]


Só coisas meio desasadas é que puxam por mim. Por exemplo, isto dos hábitos pouco higiénicos. Isto, sim, parece-me útil. Chamem-lhe coisa de estação pateta, chamem-me a mim desmiolada-mor. Tanto se me dá. A mim parece-me instrutivo e pertimente.

Portanto, transpondo -- em tradução e ordenação livres -- o artigo Tous ces gestes du quotidien qui ne sont pas hygiéniques, de Ophélie Ostermann, publicado no Le Figaro . Madame, partilho convosco dez dos erros mais frequentes a nível de higiene quotidiana. Cenas a evitar, portanto.


1. Nunca limpar o telemóvel

Uma nojeira. Pousamo-lo em todo o lado, mexemos nele sem quaisquer cuidados. Encostamo-lo quase à boca ou à cara mesmo que esta tenha cremes ou esteja transpirada, pegamos-lhe com as mãos pouco limpas. Portanto, façam o favor de, volta e meia, o limpar. Dizem as boas regras de higiene que bom mesmo era limpá-lo três vezes por dia com uma toalhita anti-séptica. Mas, se calhar, se o fizermos, ainda corremos o risco de nos tornarmos num daqueles maníaco-compulsivos com a mania das limpezas e, caneco, tudo menos isso. Eu diria que, talvez, uma vez por semana não fosse mau de todo. E, não havendo toalhitas dessas, talvez um papelinho com álcool. Melhor que nada.


2 . Não deixar arejar a cama

Parece ser coisa de gente arrumada mas é um erro. Refiro-me a, de manhã, quando se sai de casa, deixar a cama toda feita, muito bem feitinha, sem que o colchão ou o lençol de baixo fiquem a arejar. Errado. O ideal será deixar a roupa puxada para trás, lençol de cima incluído. Arejar é bom.


3 . Cortar o melão no prato (sem ter a certeza que foi previamente lavado)

Ou bem que se lava o melão antes de cortá-lo (tal como se deve fazer com toda a fruta) ou descasca-se antes de colocá-lo no prato. Nunca se sabe se traz vestígios de terra, de fertilizantes, herbicidas ou estrume de bicho cagador. Por via das dúvidas, há que ter cuidado.


4 . Partilhar a toalha da casa de banho

Se parece um bocado nojento partilhar a escova de dentes, pode parecer normal partilhar a toalha do lavatório da casa de banho. Errado. Limpar as mãos ou a boca deixa na toalha bactérias, células mortas e, num ambiente quente e húmido, ainda mais os germes se multiplicam. A menos que goste de partilhar micoses, verrugas e cenas que resultem de bicheza variada, não o faça. 


5 . Beber bebidas pela lata

Uma porcaria. Quando se levanta a tampa, uma parte que está em contacto com o meio exterior mergulha na bebida e lá vai toda a espécie de micróbios ao banho na bebida que vamos beber. Portanto: não beber bebidas directamente pela lata é o conselho a ter em atenção.


6 . Não lavar as mãos depois de mexer em moedas ou notas

Escuso de lembrar que quase não há dinheiro que não contenha vestígios de droga. Mas, mesmo não pensando na droga, sabido é que, de mão e mão, a bicheza miúda vai-se acumulando. O ideal seria usar toalhitas de limpeza ou aqueles sprays desinfectantes para ir mantendo as mãos limpas depois de mexer em dinheiro. Não havendo, água e gel de lavagem são melhores que nada.


7 . Pousar a malinha de mão ('carteira', para as tias) ou o saco das compras em cima da mesa da cozinha, da mesa do restaurante ou em cima da cama

Esta espero que o meu marido não leia. Volta e meia pouso o que não devo onde não devo. Errado. Razão tem ele em chamar-me a atenção (mas, lá está, prefiro que ele não leia isto para não me aparecer a cantar de galo). Em especial se já os pousámos no chão, nos transportes públicos ou noutros locais onde a higiene não abunde, nada de os pôr em locais que se querem limpos como a mesa onde comemos, a bancada da cozinha ou a nossa rica caminha. 


8. Não lavar as mãos antes de, na casa de banho, limpar as partes íntimas

Penso que já é bem sabido que, depois de irmos à casa de banho, devemos lavar as mãos. No entanto, pasmo, mas pasmo mesmo, por, em casas de banho públicas, ver frequentemente mulheres que saem do habitáculo privado e... ala moça que se faz tarde, e aí vão elas, as porcalhonas, sem lavar as mãos. Pois bem. Depois, sempre. Isso já deveria ser sabido e consabido. Mas, se temos as mãos pouco limpas, deveremos lavá-las também antes de limparmos as intimidades ... a menos que não nos importemos de correr o risco de nos contagiarmos com as porcarias que, incognitamente, transportamos nas mãos.

9 . Não lavar a roupa antes de a vestirmos pela primeira vez.

Penso que toda a gente lavará a roupa interior nova antes de a usar. Contudo, talvez não lavem a roupa que se encontra exposta e disponível para ser provada. Errado. Excepto se forem peças dobradinhas e resguardadas, parece de bom tom lavar o que já pode ter sido provado por gente transpirada, suja e mal cheirosa (já para não dizer com doenças estranhas e contagiosas). Agora que o escrevo, dou por mim a pensar que... bem prega Frei Tomás. Mas, de facto, pensando bem, parece uma nojice uma pessoa vestir uma coisa que sabe-se lá quem é que a vestiu antes. (Credo... só de pensar nisso...)


10 . Dormir com cuecas

Já aqui, no blog, referi uma vez que é mais saudável dormir nu ou, pelo menos, sem cuecas. E repito: as cuecas podem favorecer o desenvolvimento de irritações, inflamações, culturas de fungos -- especialmente se forem de fibra (as cuecas). E isto é tanto mais relevante para as mulheres. Arejar é que é bom. (E isto é regra que se aplica à genitália, ao colchão da cama e, assim de repente, a tudo)

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Para tentar atenuar -- que um tema sobre práticas pouco higiénicas não será do mais apelativo que há, reconheço --  resolvi aqui ter as melhores fotografias (em grandes planos) tiradas em jardins e que integraram o conjunto em apreço na eleição do melhor Garden photographer of the year com o patrocínio de Royal Botanic Gardens in Kew, London [no The Guardian]. São lindas, não são? Ah como eu gostava de ser capaz de fotografar assim.Tão, tão, tão bonitas.

E para que o ambiente fique mesmo limpinho, peço agora a ajuda do grande Cine Povero

Ruy Belo :: Algumas proposições com pássaros e árvores / Por Luísa Cruz



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Lá em cima Antoine Ciosi interpreta Ti Tengu Cara e talvez também não tenha nada a ver com nada mas eu gosto, sabe-me bem ouvi-lo.

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quinta-feira, março 22, 2018

Os novos poetas que me desculpem mas, cada vez mais, é-me difícil gostar da nova poesia





No meu dia da Poesia não houve poesia. Não é grave. De resto, não ligo a isso dos dias. Todos os dias são dias e os que são mais dias que outros não é por serem dias, é por serem eles mesmos. .

Mas revivo. A manhã foi árida. Tantas vezes as horas da minha vida são áridas. Nem boas nem más, apenas áridas. Nada de mais. Da aridez nasce o sonho e sonho é coisa boa.

Mas continuando. Antevendo que a tarde seguisse o mesmo rumo, fui, numa corrida à hora de almoço, a uma grande livraria. Não podia demorar-me, deveria nem ter entrado. Mas pensei: é dia da poesia, deve ser uma festa, tantos os livros de poesia, talvez lançamento de novos, talvez os autores dizendo-os, talvez poemas a serem oferendados aos vistantes.


Mas não. Nada. Não desisti e procurei-os na bancada da poesia. Folheei um, dois, três. Nada. Talvez não seja problema dos livros mas meu. Cada vez estou mais difícil de contentar. Se calha ver no meio de um poema uma palavra que considero pouco elegante logo fecho o livro, quase desprezando aquele a quem logo passo a ver como um mero pretenso poeta. Poemas que pingam sentimento também não suporto. Há que ser-se elegante e contido em qualquer situação e na poesia não se podem aceitar excepções. Exageros, vulgaridades ou deselegâncias são fatais. 

Folheei outros. Por exemplo.

O novo da Adília. Sorrio com o que escreve a Adília. Por vezes, tem graça. Apesar de. Há ali muita solidão. Mas não é poesia. Como quem procura um porto seguro, folheei Nuno Júdice. Também não. Manchas densas e compactas de palavras onde o silêncio não tem lugar, onde o ar não respira. Talvez sejam pequenas histórias. Poemas não são. O novo de Alice Vieira: abri. Pensei: não gosto de a ouvir, rebola-se e ri demais, acha-se fofa, mas escreve bons poemas. Mas tudo o que ali vi me pareceu déjà-vu -- palavras a cheirarem a alfazema, frutos com cor de romã. Não me interessa. Imagens gastas. E outros. A Tatiana, a Rosa. Nem sei já.


Os poemas da professora de poesia. Ana Luísa. Áridos também. Ou desengraçados. Não poéticos. Ouço-a na rádio: impetuosa e emproada na forma como exibe os seus conhecimentos sobre poesia. Não suporto. Maça-me. Não gosto de ouvi-la a esmagar a poesia. Na rádio ouço várias outras vozes, todas de pessoas que desconheço, dizendo os poemas das suas vidas. Não gostei de um único. Prosaicos ou vulgares. Um actor dizendo poemas e dizendo-os bem, mas poemas gastos de tão ditos e reditos. Não gostei. 

Procuro as palavras verdadeiras e únicas, procuro o fio azul da água, o silêncio, a luz autêntica, a subtileza e a suavidade da sombra, o gesto suspenso, o sentimento intuído, a beleza, a musicalidade perfeita. Ou o grito à beira da escarpa, a névoa branca e pura, o segredo voando baixinho, a flor nunca vista, o olhar que quebra a vontade, o fogo que desenha rendilhadas filigranas, as mãos que rasgam o peito, as carícias desejadas, e as saudades, tantas, tantas. E tudo isso é tão raro. 


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Aqui à noite, eu na minha concha, procuro ao acaso palavras de antes para me fazerem companhia. 
Acolho-as e ouço-as, serena, apaziguada.

Podem não ser novas mas são sempre novas.






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As fotografias foram feitas este domingo in heaven ou, no caso da última, a caminho de lá.

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quinta-feira, dezembro 21, 2017

É hoje





Meus Caros. Isto hoje está impossível. Cheguei aqui ao computador depois da meia-noite. Vi os mails e ainda consegui responder a um. O Leitor dizia-me que descansasse e tirasse férias do blog por uns dias que os Leitores compreenderiam. Pela forma carinhosa como estava escrita e pelo cuidado, comovi-me e agradeci. A seguida ia escrever um post sobre isto de se terem privatizados os CTT e de a coisa estar como está mas, meus amigos, caí num sono profundo. Acordei agora. E não há volta a dar: não consigo. É hoje que não vou conseguir dar uma para a caixa. Não que não tenham existido mil outras situações idênticas. Mas penso que nunca tão nulas como me palpita que hoje será.

Já tenho comigo as mais de mil fotografias. Fomos buscá-las esta noite. Já fizemos umas compras que ainda faltavam (e tomara que não me lembre de mais nada). Tinha ideia de chegar a horas de ainda as separar por destinatários e começar a separar e embalar presentes. Nada. À vinda, vários acidentes, um trânsito sem explicação. Horas para tudo. Um desespero. Passo pelos acidentes e nem me ocorre pensar naquelas pobres pessoas ali no meio da estrada com os carros amachucados, apenas maldigo o tempo que me fazem perder.

Cansada. É que, com estas coisas e com o trabalho, só consigo começar com estas faenas natalícias depois das oito da noite. Amanhã mas um dia de reuniões e múltiplos afazeres. Conciliar uma agenda a rebentar pelas costuras com a preenchida vida familiar é um equilíbrio que, pelos vistos, deixa marcas. O estado de soneira profunda em que estou só pode ser disto. À hora de almoço, IKEA com a minha filha e com os miúdos. Compras a gosto dela e, de caminho, estar com pimentinhas que já estão sem aulas e que, se puderem ter umas saídas da escola, melhor se sentirão. Uma alegria, claro. O que gosto de estar com eles vale por mil cansaços. Mas a hora de almoço no ikea não é uma hora pequenina porque está repleto, porque o restaurante transborda, porque os miúdos brincam e é preciso estar de olhos neles no meio daquela confusão. Portanto, ao fim do dia, a saída do trabalho teve que ser mais tarde. E é sempre isto e, por uma razão ou por outra, nunca consigo sair cedo, vir cedo para casa.


Ainda não comprei o que o meu marido disse que queria de presente: uma serra a gasolina para cortar troncos grossos. Temos uma serra mas não é grande coisa etem que estar ligada à electricidade, não dá para andar pelo campo. Cada vez há ramos maiores que lhe dão muito trabalho a serrote. Éramos para ir ao Leroy. Gostamos de lá ir. Descobrimos ferramentas que percebemos que são úteis. Cada vez mais temos este apelo do campo, da terra. Mas ainda não conseguimos. Claro que dizer que é presente de Natal é uma forma de expressão mas, enfim, apesar de tudo, ainda temos estas coisas de crianças, da troca de presentes, mesmo que, na realidade, não sejam presentes-presentes. 

Enfim.

Hoje não deu e não está a dar para escrever sobre o que quer que seja.

Não estou a queixar-me, longe disso. Estou apenas a deixar um registo. Talvez isto seja mesmo uma espécie de diário.


No outro dia (ou ontem de manhã?) ouvi o Luís Miguel Cintra a dizer poemas e estava com ideia de tentar descobrir esse poema. Mas não consigo. Coloco apenas dois outros e este apenas não é coisa menor. É maior. Apenas que não foram estes que ouvi. Mas também não faz mal.

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E tenho que ficar por aqui. Não tarda tenho que estar a pé e não consigo escrever mais. Tomara que não encontrem gralhas assustadoras. Não vou conseguir reler.

As fotografias foram feitas durante o fim de semana in heaven

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Um dia feliz a todos quantos têm a paciência de acompanhar esta minha adormecida peregrinação através das palavras. Saibam que vos agradeço. 

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quarta-feira, março 02, 2016

Já a nossa vida não tem alicerces





Noite que me apetece de silêncio. 

Não há assuntos na política nacional que me motivem. O governo está a começar. Há que lhe dar tempo para se instalar, conhecer os cantos ao país, organizar-se. Um ou outro tropeção são normais, há que não dramatizar. Até agora nada de grave, as intenções são boas, o rumo é o correcto.

A oposição está gasta, é um saco vazio. Gastas as figuras, gastas as ideias. Não consigo ouvir aquela gente, tudo aquilo é nefasto.

E, se não quiser falar em política e me virar para o dia a dia, ou me deito a efabular ou a deitar perfuminhos no ar, ou, se olho para o que se passa à minha volta, o que vejo a toda a hora é que a vida de tantas pessoas é uma angústia, uma verdadeira angústia. Por exemplo, hoje à hora de almoço ouvi na rádio uma senhora que se queixava de que o edifício onde trabalhava, com amianto, lhe causava alergias e que de vez em quando estava de baixa. E que, além disso, lhe tinha aparecido um cancro. E que vários colegas estavam também com problemas de saúde, já para não falar nos que tinham morrido. E eu ia a ouvir isto com uma crescente tristeza. E só pensava, com espanto, como é que a senhora conseguiu falar o que falou sem estar lavada em lágrimas. Em condições normais, humanas, uma pessoa, perante uma situação daquelas, largava aquele emprego e ia trabalhar para um sítio onde se sentisse bem. Mas a situação que se vive (por todo o lado, não apenas aqui) é de tal ordem que uma pessoa, mesmo nestas circunstâncias, continua a trabalhar num lugar que lhe dá cabo da vida. Ouvi que vão agora fazer obras no edifício mas, pelos vistos, foi necessário que várias pessoas tivessem chegado a estados limites para que alguém achasse que era preciso fazer alguma coisa, Ora isto não é uma sociedade humana, é um grupo de estúpidos, de gente cretina. Em contrapartida, há sempre dinheiro para injectar nos bancos. E o jornalismo acéfalo -- que se precipita de microfone em punho para ouvir as asneiras que diz um sujeito que devia estar escondido durante anos (para ver se a gente se esquece do que andou a fazer ao longo de quatro anos e que por aí anda armado em importante) -- raras vezes  documenta o que de mau (e de bom!) existe por aí, raras vezes faz investigação ou reportagem, raras vezes indaga das aspirações das pessoas, das suas condições de vida, dos seus sonhos e sobressaltos,  ou seja, raramente se interessa pela vida das pessoas.


Mas, se olho para fora, ou me foco no espaço e aí facilmente me deixo levar pelas boas ondas, ou, se me detenho no que se passa com os humanos à solta nas camadas terrestres, fico igualmente desmotivada.
  • A situação nos EUA é deprimente, aquele regime parece cada vez mais duvidoso tal a iliteracia e incultura, e de tal forma grande parte da sociedade está capturada pelos interesses da indústria da guerra, da indústria farmacêutica, da indústria do petróleo, etc, e aquilo a que se assiste não parece próprio de um grande país democrático. 
  • A União Europeia é uma carroça desconjuntada, descomandada. 
  • A situação na Síria e arredores é um pavor -- e sabemos quem ajudou à festa. 
  • África é um desconsolo: corrupção, pobreza, uma crise permanente, escravos ainda. 
  • O Brasil é o que se sabe, um país imenso e sempre envolto na nebulosa da corrupção e de uma crise que se reinventa e se regenera. 
  • E a China e a Rússia... 
  • ... e, por todo o lado, um latejar de problemas de toda a espécie. 
Mas é tudo de tal forma incomensuravelmente problemático, tudo tão descontrolado, tão irremediavelmente desregulado, tão imenso e fora da esfera de acção individual que ou nos afogamos em desespero ou nos alheamos. 

E eu, a esta hora, por mais que queira mostrar a minha preocupação, já não consigo dizer nada, parece que nada que eu diga está à altura do que queria dizer. Nem, neste momento, tenho capacidade para fazer opções, acho que nem sequer para pensar direito. Estou cansada. Só me apetece paz, palavrinhas boas, gestos amigos, saltos de pássaro feliz.

E, por isso, com vossa licença, deixem-me mergulhar em poesia.
Devagar, devagar. 


Já a nossa vida não tem alicerces: pássaro sem nexo,
ela conduz-nos a qualquer lugar e também
não nos faz promessas. Deixa andar.
Todas as coisas serão finalmente reconduzidas
à sua própria dimensão
e nós próprios, melhor será não esperarmos nada
e agradecermos qualquer gesto de amor ou qualquer acto de camaradagem,
como se realmente o não merecêssemos, dádiva esplendorosa e gratuita
da nossa vida sem alicerces.

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Tu estás aqui

Ruy Belo





E criar, sonhar, fazer: Zaha Hadid

A arquitectura escultura



Vídeo feito para a disciplina História da Arquitetura IV do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie



 E voar. Apetece-me tanto voar, tanto.


Una Noche con Kylián (Sleepless, Petite Mort, Sinfonía de los Salmos) - Compañia Nacional de Danza no Teatro de la Zarzuela de Madrid
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As esculturas de vidro e luz são da autoria de  Michele Gutlove

O 'Poema dos alicerces da nossa vida' é de Luís Filipe Castro Mendes in 'Outro Ulisses regressa a casa'

 Lá em cima, da autoria de Biagio Marini: Passacaglio in G numa interpretação de Andrew Manze

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quarta-feira.

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quarta-feira, dezembro 30, 2015

Homens versus Mulheres
- descubra algumas diferenças e veja como juntos ganham outra graça
[E uns pós sobre mais esta agora dos investidores institucionais do BES poderem perder para cima de 2 mil milhões de euros]






Não sou grande frequentadora de blogs mas tenho a impressão que esta coisa das diferenças entre mulheres e homens deve ser, nesse fértil terreno, explorada à exaustão. Por isso, originalidade sobre o tema é missão impossível. Tenho também a ideia de que, se a coisa é escrita por homens, o objectivo é depreciar as mulheres. E vice-versa. Pois aí talvez eu consiga ser vagamente diferente porque não consigo alinhar nessa dicotomia e, sobretudo, por deformação formativa ou profissional, não consigo (nem em registo de conversa parvinha) fazer generalizações abusivas. 

Já muitas vezes aqui o disse: vivo, em grande parte, num mundo de homens -- e dou-me bem. 

Mesmo quando andei no liceu as turmas em que andei tinham para aí 10 raparigas e vinte rapazes. Mas nem é apenas dessa altura eu ter, como melhores amigos, os rapazes: isso acontece desde sempre. A minha grande amizade de infância não foi com outra menina: foi com um rapaz que era um ano mais velho que eu. Não é que eu fosse ou seja de tipo maria-rapaz. Não sou, antes pelo contrário. Sou muito feminina em tudo. Contudo, prefiro conversar com homens. Ainda hoje estive para aí uma hora ao telefone com um amigo. Falamos com uma proximidade enorme e não existe reserva no que dizemos.

O meu marido vai adorar esta!
Quando andei a estudar na faculdade, havia uma infestação de alunas, quase tudo umas marronas maçadoras. Claro que, por isso, tirando talvez aquela alentejana desempoeirada e extrovertida de que no outro dia falei, não conseguia manter uma conversa com aquelas chatas. Eu queria combinar ir ao cinema ou ver uma exposição ou passear e elas só falavam de dúvidas, de trabalhos, daquela matéria que eu via como poética e que elas viam como um calvário que era preciso percorrer. Por isso, nesse período eu enturmava-me sobretudo com um colega de outro curso, com o meu namorado da altura e com o que veio a seguir ou com os estudantes africanos. Havia um grupinho de colegas raparigas com quem ainda havia alguma afinidade mas nada por aí além: trocava instintivamente a companhia delas pela dos rapazes. Quando dei aulas, as professoras também, em geral, eram conflituosas ou desinteressantes. Uma ou outra mais divertida (e lá encontrei de novo essa tal outra colega) mas, uma vez mais, era com um colega que eu mais me enturmava, um bem apessoado sindicalista. 

Segundo um estudo da
Universidade de Wayne State é isto
mesmo que acontece: ao fim de pouco tempo
de separação os
homens sentem-se tristes e as mulheres libertas

A seguir, quando comecei a trabalhar em ambiente empresarial, quase tudo homens. Íamos num transporte dedicado, uma carrinha, e era eu e uns vinte homens. No local de trabalho, quase só homens, no refeitório idem. Nas reuniões,  eu a única mulher. E sempre na maior. Nunca tive que me masculinizar nem eles nunca me trataram com menos respeito.

Até me faz lembrar os meus filhos:
ele vai de vez em quando a um sítio barato,
dá uma rapada quase total:
ela faz um filme, gasta uma nota,
e vem igual

Uma das coisas maçadoras do convívio social com os meus colegas é que, quando levam as mulheres, eu levo o meu marido. E ele, naturalmente, enturma-se com os meus colegas e falam de política, de geo-estratégia, de história ou, na pior das hipóteses, de futebol. E eu, por uma espécie de sentimento de dever, fico no grupo das mulheres. E elas, regra geral, falam de empregadas, de assuntos domésticos, e, como parte são professoras, falam da falta de educação dos miúdos e da falta de educação dos pais dos miúdos. Tem graça mas, de forma geral, a conversa gira muito em volta disso. Salva-me uma que é médica (em S.José!) e que é maliciosa até dizer chega, quase fazendo corar o marido que, sendo um malandreco, ao pé dela parece um menino do coro. E vale-me também uma outra, pessoa conhecida, misto de cientista, de empreendedora e de crazy girl, que dá conta da cabeça do marido (e da cabeça do meu marido também, que a acha doida varrida). Mas, se essas não estão, dou por mim a fazer um esforço para não me raspar para o pé deles na primeira oportunidade. No entanto, quando me vejo na conversa, no meio de um bando de homens, penso que as mulheres deles podem achar isso estranho. 

Outra que confirmo:
apesar de ter um cabelo farto e forte,
vejo sempre se há algum shampoo milagroso
(nem sei para fazer que milagre);
o meu marido usa o gel de banho.

Enfim.

Portanto, resumindo: conheço razoavelmente quer a mentalidade quer o comportamento dos homens. E acho-lhes graça. E acho que a maneira de ser masculina e feminina se complementam, que os contrastes dão, por vezes, à vida sal e pimenta e, por outras, açúcar, mel e suaves licores. Ou luz e exaltação, por vezes, ou sombra e recato, por outras.

Quando às vezes penso que, para descansar o corpo e o espírito, não me importava nada de viver durante algum tempo num convento, ocorre-me logo que ou era em silêncio (coisa que não sei se suportaria durante muito tempo) ou, então, não descansaria enquanto não me visse livre de tanta mulher. Em contrapartida, não me importava nada de viver durante uns tempos num convento masculino. Se tivessem lá um coro gregoriano, então, havia de ser como viver às portas do céu. Não sei é se admitem mulheres-turistas num convento só de padres. Conventos mistos acho que ainda não há. (Ora aí está um belo nicho de mercado).

Adiante (que quero ver se chego ao fim do post sem pisar o risco).

Vem isto a propósito de, no outro dia, por mail, um Leitor , a quem agradeço, me ter enviado dois desenhos que ilustram o comportamento típico masculino ao comprar sapatos, que é racional e minimalista, ao passo que o das mulheres é caótico, quase delirante.


O meu marido é deste género:
o objectivo parece ser comprar
sapatos sempre iguais e só compra uns quando os anteriores estão velhos

Isto parece a conversa entre mim e o meu marido quando compro sapatos:

se deitasses fora os que não precisas, talvez tivesses onde arrumar esses;
ou:
não tens uns quase iguais a esses?
ou:
se em vez de comprares tanta porcaria, comprasses sapatos de jeito, bastava-te um par.

(Tenho que fazer um grande esforço de abstração para não ir na conversa dele)


Entretanto, vi uma coisa do género e fartei-me de rir: refiro-me aos desenhos com que fui enfeitando o texto provêm do Bright Side. Tudo verdade o que ali se descreve. Mas sou incapaz de, colocando os comportamentos lado a lado, dizer que um é melhor que o outro: são diferentes, e é na diferença que reside a graça. Eu, pelo menos, assim o acho.
...   ...

CASOS PRÁTICOS

1.

Um homem que sabe amar uma mulher

Até que tu vieste provisoriamente 
encher da tua ausência um coração 
que só a fome alimenta 
Até que tu poisaste tão serenamente 
como a tardia folha que tem 
insaciável vocação de chão


.....

2.

Um homem e uma mulher aprendendo-se e desaprendendo-se -- num telhado de zinco quente


 .....

3.

Um homem e uma mulher aprendendo-se num espaço e num tempo só deles

...   ...
  • Lá em cima Anna Netrebko e Rolando Villazon são o par que se diverte, interpretando A Traviata de Verdi. Um prazer a dois, um prazer total.
  • Eunice Muñoz e Pedro Lamares dizem Ruy Belo. Mais um prazer a dois, desta vez temperado com palavras.
  • Elizabeth Taylor e Paul Newman vivem os altos e baixos de uma paixão encalorada em Cat on a Hot Tin Roof. Um tempestuoso prazer a dois.
  • Por último os bailarinos do English National Ballet, Erina Takahashi e James Forbat, numa coreografia de James Streeter, dançam um delicioso mano a mano: Bohemian Rhapsody dos Queen. Um prazer a dois, um prazer em que os corpos se entregam um ao outro outro, sem peso, sem sombras.
....

Esta nova tranche de resgate do Novo Banco, agora à custa dos credores obrigacionistas institucionais, mereceria aqui uma referência. É assunto que, apesar de ser, porventura, uma opção mais equilibrada face à alternativa de ir fustigar, de novo, os contribuintes, também não é isenta de dor para quem perde o dinheiro, nomeadamente para as empresas que tinham investido em obrigações do tipo das que agora, quais sardinhas de volta ao prato, regressam ao BES para se transformarem em nada.

Claro que, no meio da desgraça, há sempre uns quantos que, mal ouvem isto, esfregam logo as manápulas de contentamento: os grandes escritórios de advogados. A esta hora já deve reinar a efervescência. Processamos os gajos!
Contudo, hoje vinha com esta encasquetada e preferi converseta simples, música, dança, cinema e poesia a pôr-me com uma prosa enfadonha metendo números, bail-ins, regulações que são umas ceguinhas do caraças, gente que mente com quantos dentes tem na boca e etc. Talvez amanhã se estiver para aí virada.

Só de me lembrar que caíu o Carmo e a Trindade quando António Costa falou numas quantas surpresas que Passos Coelho e Maria Luís andavam a esconder: que não senhor, que com eles era tudo transparência. Está bem, abelha. Só trapalhices, lixo debaixo do tapete. 

O que eu, no meio da desgraça pegada em que estava parte do sistema financeiro português, só espero é que -- com este incompreensível mega-desastre do Banif e com, agora, mais esta bola a sair do saco, a capitalização necessária do Novo Banco -- se limpe de vez tudo o que há para limpar. É que já não há pachorra. Cambada. Espatifaram dinheiro como manteiga em focinho de cão. É que se há mais alguma bronca para rebentar que António Costa trate já de apagar o fogo, a ver se, depois, se deixa a economia funcionar como deve ser, sem ter que andar a alimentar o sorvedouro que são estes bancos privados tão maravilhosamente geridos. Caraças.
...

Para os que ontem não repararam, sempre publiquei à hora de almoço, um post com dois stripteases para que as Leitoras possam avaliar qual se adapta melhor a si e para que os Leitores possam escolher qual o tipo de strippers que mais apreciam.
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Bem, por agora por aqui me fico.

Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quarta-feira. 

segunda-feira, novembro 02, 2015

São precisas tantas coisas para que as nossas mãos se encontrem. Feliz aquele que administra sabiamente a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias



Domingo tranquilo, dia de leituras boas, pausas a saborear a frase perfeita, olhos fechados a sentir o ambiente descrito: o apelo da natureza, a cumplicidade dos homens. O livro é Butcher's Crossing de John Williams e, tal como Stoner me prendeu, também este me tem enlaçada.

E passeio à beira-rio, à chuva, ao cair da noite que é quando os passeios sabem melhor, qualquer coisa de clandestino, qualquer coisa de interdito. Depois uma procissão silenciosa que passa. Um cheiro a castanhas assadas roçando a penumbra. Uma igreja iluminada à noite, dourada. Música numa tasca na praça, ensaio uns leves passos de dança, sinto-me leve.


Em casa, abrigada, deleitada, um candeeiro ao lado, o livro ao colo. Vejo-me nas fotografias, primeiro serena, depois a rir, depois a atirar-me para trás no sofá a rir ainda mais. Depois de novo sossegada, a olhar a câmara. 

Mais tarde sentei-me ao computador. Tinha visto uma reportagem sobre os refugiados, estava comovida. Mas custa-me falar, a quente, sobre o que muito me emociona: as crianças a dormir na rua, os pais exaustos, uma pessoa de muletas ajudada pelos outros, quase sem forças também, tantas crianças perdidas nas águas, por vezes tão perto da costa, tanta gente a morrer todos os dias nesse sonho vão de fugir da morte. 

Por isso, como poderão ver no post a seguir a este, apesar de ter uma garra a amordaçar-me o coração, preferi escrever sobre o falado regresso de Madonna e Sean, o tumulto das paixões sem freio.


Depois parei.

Agora dei uma volta pelos jornais online e por outros blogs. Queria esquecer o olhar daquelas crianças que atravessam países cujas fronteiras se fecham ou o desânimo dos adolescentes, desalentados, desesperançados, vendo estreitar-se o largo horizonte com que sonhavam. Mas não consegui que alguma outra coisa se sobrepusesse à tristeza que se tinha depositado em mim.

Então resolvi, antes, apaziguar o espírito. Quando se sente uma grande impotência perante o grande sofrimento pouco mais se pode fazer do que pousar a alma e deixar que as asas da poesia a levem para bem longe da imoralidade humana.

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Feliz aquele que administra sabiamente
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará

Oh! como é triste envelhecer à porta
entretecer nas mãos um coração tardio
Oh! como é triste arriscar em humanos regressos
o equilíbrio azul das extremas manhãs do verão
ao longo do mar transbordante de nós
no demorado adeus da nossa condição
É triste no jardim a solidão do sol
vê-lo desde o rumor e as casas da cidade
até uma vaga promessa de rio (...)

A mão no arado - vídeo novo do Cine Povero



Ruy Belo (1933-1978), "A mão no arado" in «O Problema da Habitação - Alguns aspectos», 1962 Luís Miguel Cintra in «Poemas de Ruy Belo»

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Los ponientes y las generaciones.
Los días y ninguno fue el primero.
La frescura del agua en la garganta
de Adán. El ordenado Paraíso.
El ojo descifrando la tiniebla.
El amor de los lobos en el alba.
La palabra. El hexámetro. El espejo.
La Torre de Babel y la soberbia.
La luna que miraban los caldeos.
Las arenas innúmeras del Ganges.
Chuang-Tzu y la mariposa que lo sueña.
Las manzanas de oro de las islas.
Los pasos del errante laberinto.
El infinito lienzo de Penélope.
El tiempo circular de los estoicos.
.
(...)
Se precisaron todas esas cosas
para que nuestras manos se encontraran.

Las Causas - Jorge Luis Borges



Que as mãos que se procuram se encontrem.
Um dia. Talvez quando as maçãs brilharem ao sol.
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As fotografias mostram paisagens na China e vi-as no Bored Panda
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Sobre amores possíveis impossíveis, adiáveis inadiáveis, fala-se já a seguir.

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domingo, julho 27, 2014

Estás aqui comigo à sombra do sol



In heaven, em paz, numa noite do fim de Julho. Enquanto vejo um filme - no qual duas mulheres se aproximam e se afastam, amores e desamores, pele contra pele, lágrimas, gritos, abraços - vou revendo as imagens de hoje à tarde. 







As figueiras estão carregadas mas os figos ainda estão pequenos, rijos, verdes. Percorrem os mesmos caminhos que os cavalos azuis que por aqui passam em tropel enquanto, sonolenta, deslizo entre o sono e a leitura, o sono e o sonho.

Os marmeleiros também têm marmelos, não muitos mas já a amarelecer. De longe parecem reluzentes mas, vistos de perto, estão cobertos por dócil penugem. Quando estiverem mais maduros libertarão um odor doce. Os figos também. Tal como os loendros agora. E o rosmaninho, o alecrim, o alfazema, o tomilho, os orégãos. E os pinheiros e os cedros. De todos se solta o doce perfume que atrai os cavalos azuis, os dançarinos nus, os pássaros misteriosos que cantam sem que eu os veja, as sombras cúmplices, o tempo que passa com vagar.

O sol vagueia pelos muros, entra em casa, ilumina os meus passos, e eu quase durmo, deitada a ver o céu sobre a copa das árvores ou as árvores do lado de lá dos vidros.

Não dormi, estava a ler, mas estava com muito sono, fechava os olhos, quase adormecia, e a luz do fim da tarde e os sons e os cheiros embalavam o meu corpo agradecido.

E chegaram-me mensagens, palavras brincalhonas escritas por um menino que já tem seis anos e depois foi o irmão que quis falar comigo, disse que queria vir para cá. Disse-lhe que estamos quase de férias e que, não tarda, virão todos para cá. Depois, começaram os dois a dizer palermices e a rir, e depois pedi ao mais pequeno que cantasse o hino porque não há igual. A plenos pulmões, cantou com aquela energia fantástica que se lhe conhece, 'Às ajas! Às ajas!'. Sei que não se deve rir quando alguém canta o hino mas como resistir a este hino...? Claro que ninguém o corrige, fica melhor assim, às asas, às asas. Além disso, como lhe iríamos explicar o que são armas?

Já de manhã tinha estado com os meus outros meninos, já chegados do sul. O bebé, quase a fazer dois anos, já sobe sozinho as escadas do escorrega e grita, 'Eu conchego!'. E consegue mesmo. Trepa muros, sobe escadas de rede (embora, por vezes caia, claro) e fala quase como gente grande. A maninha linda, de vestidinho florido, rodopia, coquette, e vai dar-lhe um beijinho.

Também telefonei aos meus pais, estão bem, o meu tio esteve lá, estiveram a conversar mas, para o fim, como sempre, o meu pai já estava impaciente. Conversar ou ouvir conversar durante muito tempo, cansam-no. Mas está bem. Este domingo à tarde lá estarei. Comprei de tarde, antes de vir para cá, dois Pães de Deus da Padaria Portuguesa para lhes levar, são muito fofos e cremosos e eles gostam muito. Se já houvesse figos ou marmelos maduros, levaria. As uvas também ainda estão verdes. O que está maduro são as amoras, adoro comer amoras escuras e doces. Por vezes, fico picada, as silvas são ariscas. Mas não é coisa que lhes leve, ficaria toda picada se tentasse apanhar uma quantidade que se visse.

Tenho sempre pouco tempo para estar aqui no campo, sossegada, mas o tempo aqui parece que dura mais tempo, é uma tal acalmia.

Ao anoitecer caíu uma leve neblina e a serra aparecia-me suavizada, em contra-luz. É lá que o sol se põe e, em dias de muito calor, o céu fica em chamas. Não hoje que o sol estava dourado e depois se deixou envolver pela fresca névoa que trouxe a noite.

Gostava de poder ficar cá já esta semana, estou a precisar de descansar. Chega a esta altura do ano e começo a ficar cansada. De cada vez que alguém me entra no gabinete a dizer que temos um problema só me apetece que o vão resolver e que, só depois, me venham falar nele, mas, se fazem favor, com os verbos no passado, tivemos um problema. Mas não é possível, ainda tenho que pôr a minha resistência à prova por mais uns tempos. Mas não me queixo. Como poderia queixar-me se tenho trabalho, se sou respeitada, se sou remunerada pelo que faço? Não, por todas as pessoas que queriam ter trabalho e não tem, ou que têm um trabalho de que não gostam ou que não se sentem reconhecidas ou recompensadas, por todas as pessoas que, para terem trabalho, tiveram que se afastar do país, eu tenho que sentir-me agradecida pela sorte que tenho e desejar que todos esses venham, em breve, a ter também sorte. A desigualdade fere-me.

Por isso, pelo que tenho, sinto-me agradecida, sim. E sinto-me tanto mais agradecida quanto tenho a sorte de ter descoberto, em vida, a parcela de paraíso que me estava destinada, este bocado de terra de cujas pedras nascem árvores carregadas de fruta e de pássaros, e flores que perfumam o ar doce que respiro.

E tanto mais agradecida quanto sei que, junto a mim, estão todos vocês, a receber estas minhas palavras que espero que cheguem intactas e limpas até vós.

Obrigada por estarem aqui comigo.








Estás aqui comigo à sombra do sol
escrevo e oiço certos ruídos domésticos
e a luz chega-me humildemente pela janela










e sou amável
selecciono cuidadosamente os gestos e escolho as palavras
e sei que afinal posso ser isso
talvez porque aqui sentado
dentro de casa
sou
 outra coisa








Estás aqui comigo 
e à volta são as paredes
e posso passar de sala para sala 
a pensar noutra 
coisa





Estás aqui e sinto-me absolutamente indefeso
diante dos dias. 
Que ninguém conheça este meu nome
este meu verdadeiro nome 
depois talvez encoberto noutro
nome 
embora no mesmo nome este nome
de terra de dor de paredes este nome doméstico





Estás aqui comigo
deixa-te estar aqui comigo
é das tuas mãos que saem alguns destes ruídos domésticos
mas até nos teus gestos domésticos tu és mais que os teus gestos domésticos
tu és em cada gesto todos os teus gestos
e neste momento eu sei eu sinto ao certo o que significam certas palavras como
a palavra paz




Deixa-te estar aqui 
perdoa que o tempo te fique na face na forma de rugas
perdoa pagares tão alto preço por estar aqui
perdoa eu revelar que há muito pagas tão alto preço por estar aqui
prossegue nos gestos 
não pares 
procura permanecer sempre presente
deixa docemente desvanecerem-se um por um os dias
e eu saber que aqui estás de maneira a poder dizer
sou isto é certo 
mas sei que tu estás aqui








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A música lá em cima é  Rachmaninov, Rhapsody on a Theme of Paganini

Os excertos de poema pertencem a Tu estás aqui de Ruy Belo que, no vídeo, é dito por Luís Miguel Cintra


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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo e feliz domingo. 


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