Mostrar mensagens com a etiqueta Placido Domingo. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Placido Domingo. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, abril 19, 2016

Espasmos vaginais, a vida feliz quando ninguém sabia que ia deixar de o ser, noites azuis, tangos, amores impossíveis


Depois de ter visto aquele vídeo do hospital na Porta dos Fundos, lembrei-me daquela cena minha a ir à maternidade a meio da noite queixar-me de uma coisa que não tinha nada a ver. E, porque nisto, umas puxam as outras, agora lembrei-me de mais uma. Mas nem sei se conte. Não é coisa minha, é coisa de intimidade alheia.

Vou escrever com jeitinho, para não revelar mais do que devo e, no fim, logo vejo se vai para o ar ou se fica no limbo.

Vamos lá.
Noche azul que en mi alma reflejó 
La pasión que soñaba acariciar 
Vuelve de nuevo a dar paz a mi corazón 
No ves que me muero de dolor 



Quando andava a estudar, para além da minha colega alentejana que, sendo tão diferente de mim, era tão minha amiga, eu tinha uma outra muito boa amiga. Era minha colega de curso e namorava um rapaz de medicina que era uns dois ou três anos mais velho. Acabou o curso, ele, ainda nós estávamos a estudar.

A vida que ela teve depois não se deseja a ninguém, tudo o que poderia haver de mau ela testemunhou e viveu. Tantas, tantas vezes a apanhei desesperada, lavada em lágrimas, metida em situações horríveis, do pior que há. E quando se pensava que nada de pior lhe poderia acontecer, acontecia. Muitas vezes não era directamente a ela mas a pessoas muito próximas, que viviam com ela, horrores inimagináveis. Era uma corajosa pois sobreviveu, inteira, a tudo. Uma vez, depois de ter estado algum tempo sem a ver, encontrei-a na Avenida da Liberdade. Por essa altura já ambas tínhamos, cada uma, dois filhos, ambas tínhamos sido mães muito cedo, até certa altura as vidas paralelas. Estivemos para aí uma hora de pé, no passeio -- nem nos ocorreu procurarmos um banco -- e ela arrasada, a contar os sofrimentos, as coisas horríveis que estava a viver. Eu, que sou frágil (ou assim me imagino), interrogava-a quase a medo: 'E tu assististe a tudo? Até ao fim? E conseguiste?' E ela tinha assistido, a tudo, até ao fim, tinha conseguido. Já estava calejada, pronta para qualquer coisa, sem fatalismos, já então sempre preparada  para o pior.


Pouco tempo depois, estava eu a almoçar nas Amoreiras, encontrei uma amiga comum. Perguntou-me se eu tinha sabido do que tinha acontecido à nossa amiga. Pensei que se estava a referir àquilo que ela me tinha contado, naquele encontro na Av. da Liberdade. Mas não. Era algo ainda pior. Desta vez tinha sido o marido o atingido pelo infortúnio. Uma coisa horrível. Nem conseguia imaginar como podia ter acontecido aquilo a uma pessoa com tanta energia, sempre tão alegre. Nem conseguia imaginar como estaria ela a reagir a uma desgraça daquelas com o seu tão grande amor. Pensei que ninguém merecia tamanha pouca sorte, tamanha dose permanente de acontecimentos infelizes, irreversíveis, dolorosos.

Mas, na altura a que se refere aquilo que vou contar, ainda ela era despreocupada e feliz, não imaginando o que iria ser a sua vida.

Eu tinha o tal namorado novo, estava apaixonadíssima, andava sempre abraçada e aos beijos, eram permanentes manifestações de grande amor. Ela tinha conhecido o meu namorado anterior, tinha testemunhado a minha atribulada situação de acumulação, e presenciava com divertimento, agora, o estado de arrebatamento em que eu andava. Ela e o namorado eram mais moderados, especialmente ela, já que ele era um speedado, magro, corpo elástico, um bacano, sempre com anedotas e graças, todo piruetas no andar, na conversa, na alegria contagiante. Ela andava encantada com ele, embora um bocado ciumenta. Homens assim, divertidos, inteligentes, bem humorados e brincalhões são uma tentação para as mulheres. Ninguém tem grande paciência para um telhudo, ensimesmado, macambúzio, metido a erudito. Ele era o oposto disso e ela temia o efeito daquela efervescência dele junto de jovens médicas e enfermeiras, em especial nas noites em branco, de 'banco'. Mais tarde viria a ter mesmo razões para sofrer com isso -- grávida, a estudar, a dar aulas e a tratar da casa e ele de cabeça virada, pronto para mandar o casamento para o alto, com um caso tresloucado com uma colega médica. Depois mudou de ideias e manteve-se casado, mas essa sua atitude durante a gravidez da mulher, deixou algumas marcas no casamento. Mas, na altura a que se reportam os factos de que vou falar, era apenas uma ciumeirinha boba a que ela sentia por ele.


Encontravamo-nos os quatro com frequência. Como ele começou a fazer aqueles estágios hospitalares, era sobretudo ao fim da tarde ou à noite que nos juntávamos. Eram noites de risota, noites sem sono, uma alegria, uma pândega pegada, especialmente por causa dele.

Um dia, contava eu aquela maluqueira de termos ido à maternidade para me queixar de dores de pescoço e diz ela: Ah, nem me fales em espasmos. Sabem lá vocês o que nos aconteceu...

Ela vivia então num daqueles quartos que algumas senhoras nas redondezas nas universidades (senhoras penso que geralmente solteiras ou viúvas), alugavam a estudantes. Por essa altura não me lembro se eu vivia também num quarto ou se vivia, por engano (já aqui o contei), na moradia feminina da Opus Dei. O meu namorado vivia com os pais (embora pouco lá parasse) e o namorado dela vivia numa residência masculina, talvez nas Forças Armadas, não me lembro bem.

E então, dizia eu, havia uma senhora que alugava quartos e ela estava num. Quando a senhora saía ao fim da tarde e ele já estava livre das aulas ou do hospital e não estava ninguém em casa, ele enfiava-se lá à socapa (era proibido, as senhoras não deixavam entrar rapazes para os quartos, quanto muito podiam ficar na sala). Para ele a transgressão era uma festa: subir pela escada a pular degraus, entrar à pressa, esgueirar-se pelo corredor e enfiar-se no quarto -- e, sem tempo a perder, truca-truca.


Só que um dia, estavam eles naquilo, pensando que tinham tempo para a função e para saírem de fininho antes que alguém chegasse a casa, quando ouvem a chave na porta e a voz da senhora que entrava com outra pessoa.

E aí, a minha amiga, apavorada, coitada, teve um ataque de espasmos vaginais. Não me lembro se ela falou em vaginite, ou talvez tenha sido ele, acho que sim, mas não garanto que tenha sido isso que lhe aconteceu. Só me lembro de ela contar que tão violentos eram os espasmos que ele ficou lá preso, entalado, ela cheia de medo de ser apanhada, cheia de medo de que ele não se conseguisse tirar de dentro dela, que a senhora os apanhasse naquela linda figura, e cheia de dores e contracções, com a preocupação de não falarem, e ele aflito, enfiado, sem conseguirem controlar a situação.

Lembro-me do meu espanto, nunca me ocorreria que isso pudesse acontecer, e ele a rir-se, gozão, gozão, e ela a contar: 'Vocês nem queiram saber... O pânico, o pânico...'


Depois, lá devem ter respirado fundo, ele lá a deve ter conseguido acalmar, lá conseguiram apartar-se. E, com o coração a mil, ali ficaram assarapantados, sem saberem como sair dali sem serem descobertos. Por fim, a senhora lá saíu com a outra e eles lá conseguiram raspar-se. 

Quando contavam a aventura, ele brejeiro, malandro, apimentava a coisa, transformava aquilo numa cena macaca, daquelas de que se iriam rir até ao fim da vida. Mas ela dizia, 'Não sejas parvo, não sejas ordinário. Vocês nem queiram saber o pânico que senti, já nos imaginava a ser levados para o hospital, agarrados um ao outro, na mesma maca, ele em cima de mim, um vexame, sabem lá a sensação horrível, eu a querer que ele saísse e apertada, apertada, ele completamente preso. E não sejas parvo, não gozes que também estavas em pânico'.
___


Entretanto, as nossas vidas profissionais levaram-nos por caminhos diferentes e as desgraças que lhe sucederam depois acabaram por quase afastá-la do mundo em que eu me movimentava. Acabei por lhe perder o rasto.

Há algum tempo, num centro comercial, pareceu-me vê-la ao longe. Ela ia numa direcção e eu na oposta. Ainda pensei voltar atrás, correr, confirmar se era mesmo ela. Mas senti algum medo. Temi que lhe tivessem sucedido mais horrores, temi ouvir da boca dela aquilo que eu tinha sabido por outros. Mas pareceu-me bem, pareceu-me diferente, como se fosse outra, como se tivesse entrado num novo mundo. Tomara que sim.
___

Estive a reler o que escrevi. Vou publicar. Pode ser que entre os meus leitores esteja ela. Se ela lesse, reconhecer-se-ia. E saberia que me lembro muito dela e dos tempos que vivemos tão intensamente, tão alegres, ela ainda tão ingénua em relação ao que a vida tinha guardado para a castigar sem que ela tivesse feito nada para o merecer. E lembro-me muito bem das suas duas filhas, tão queridas, tão amadas e a quem ela tanto tentou proteger. Tomara que também estejam bem.
_____


Apeteceu-me intercalar aqui fotografias de bailarinos cubanos dançando nas ruas de Cuba. Talvez seja porque, apesar das dificuldades que enfrentam, conseguem conservar a elegância e a força para seguir em frente, para voar. O seu autor é Omar Robles.

Admiro as pessoas que, mesmo quando teriam razões para se deprimirem ou afundarem em desesperança, conseguem manter a vontade de rir, de conversar, que são generosas em qualquer circunstância, que não perdem tempo com diferendos fúteis, com quezílias menores, admiro as pessoas que conseguem manter a alegria e a vontade de abraçar a vida e os outros. 

Talvez por isso seja nos cubanos que pensei não apenas para as fotografias mas também para a música: Ernesto Lecuona. Lá em cima, Placido Domingo cantou Noche Azul. E agora o Grupo Corpo dança No es por ti, cantado por Zoraida Marrero numa coreografia de Rodrigo Pederneiras.

Não sou dada a orações (ou talvez seja mas não me apetece assumir), sou mais dada a exorcizar tristezas, medos, perplexidades ou anseios através de devaneios, danças, alegrias, através do corpo a corpo. E, especialmente se falo de memórias que, de alguma forma, me trazem alguma melancolia, se há coisa que me apeteça ver são bailarinos como estes aqui abaixo a dançarem música como esta. 

Por isso, porque acho que ficam bem aqui, a festejarem a vida apesar das complexidades, labirintos e alçapões que, por vezes, a compõem, aqui vos deixo na companhia deste casal e desta música.


____

E, por falar em cubanos, antes de me ir apetece-me ainda ouvir um poema de José Ángel Buesa

Poema del amor imposible


___

E, se ainda não me visitaram na maternidade nem aos camaradas da Porta dos Fundos no hospital, então queiram, por favor, descer até ao post seguinte.


segunda-feira, novembro 16, 2015

Imaginemos que o mundo não é um lugar perigoso. E tentemos que o não seja - apesar de o ser cada vez mais.


Enquanto escrevo, vejo na televisão que Ismael Omar Mostefai -- francês, de 29 anos, um dos terroristas que perpetrou, a eito e com a maior das calmas, uma carnificina, filho de pai argelino e mãe portuguesa, com quatro irmãos, empregado numa padaria -- era uma pessoa recatada, alegre, com mulher e filha, e que ninguém alguma vez desconfiou de algum indício de alguma coisa de estranho. 


Há uns 4 ou 5 anos, sem que se tenha, então, percebido porquê, supostamente terá optado por radicalizar a sua atitude perante a vida. Terá estado na Síria há um ou dois anos.

E é tudo isto que inquieta: a frieza que, nestes casos, se abate sobre algumas pessoas (que até então todos julgavam ser pessoas afáveis e amistosas) tornando-as despegadas da vida, com vontade de destruir e sem medo de ser, no acto, destruídas. Porque acontece isto? A infância ou a adolescência passadas num meio pobre, talvez a experiência de algum racismo, poderão explicar que o coração se feche desta maneira?

Ou não é isto? É outra coisa? Revolta, desejo de vingança? São pessoas facilmente manipuláveis? Estão a ser instrumentalizadas por outros mais fanáticos que eles?

Agora uma coisa é certa e é importante que nos fixemos nisto: Ismael não era um refugiado sírio -- era um francês enquadrado na sociedade. 

Muito difícil,pois, deve ser controlar estas situações, evitar as mortandades que um qualquer jovem possa entender levar a cabo. Mas, apesar do medo*, a única resposta possível é a união contra o terror, é a firmeza na defesa da democracia e da liberdade. E da inclusão.

Imaginemos que o mundo é um lugar onde é bom viver. E façamos por isso, façamo-lo com todas as nossas forças, sem reacções imediatistas, sem futilidades, sem emoções estéreis e efémeras.
...



David Martello estava a ver o jogo França-Alemanha no pub Konstanz na Alemanha quando soube dos atentados. Resolveu, de imediato, fazer qualquer coisa com algum simbolismo. Conseguiu transporte para o seu piano, cerca de 650 km, e fez os últimos metros puxando-o com uma bicicleta até à rua Richard Lenoir, a dez metros do Bataclan, o teatro que na noite de sexta-feira foi palco de um dos mais sangrentos ataques terroristas em Paris. De seguida, sentou-se e começou a tocar Imagine de John Lennon. Quem por ali andava, acercou-se e ficou a ouvi-lo.



...

Como forma de homenagear as vítimas dos atentados de Novembro, sexta feira 13, a orquestra do Metropolitan Opera de New York, dirigida por Placido Domingo, inesperadamente, tocou neste sábado "La Marseillaise".



...

Por todo o lado, as capas de jornais e revistas mostram ou o pânico ou a vontade de lhe reagir.



Do mesmo modo, as ruas enchem-se de orações e solidariedade.






....

E, por todo o mundo, os principais monumentos ou edifícios emblemáticos reflectiram as luzes francesas. Em Portugal também, claro.

Teatro Rivoli no Porto

Torre de Belém em Lisboa
...




Sobre o medo que nos tolhe perante alertas de ameaças terroristas, já aqui o contei.

Por razões inadiáveis estive por duas vezes em Paris em alturas de ameaças de ataques terroristas.

Sei bem o medo que sentia quando tinha que estar em lugares que pensava poderem ser alvos preferenciais ou a inquietação que sentia quando via grupos de polícias, movimentações estranhas.

Estava também em Barcelona num dia em que houve um ataque bombista, com as ruas atravessadas por carros de polícia, com a população ansiosa, com informação difusa sobre por onde se podia circular. Imagino o que será viver debaixo do medo todos os dias e não apenas quando se está na condição de turista, mesmo que turista acidental.

Mas bem pior, muito, muito pior, será viver debaixo de constantes ataques de morteiros, de mísseis, com as casas destruídas, com as ruas desfeitas, com a família desfeita. Sem tecto, sem raízes, sem esperança num amanhã de paz.

Portanto, nunca confundamos as causas com os efeitos, os culpados com as vítimas. E saibamos ser firmes todos os dias: não apenas nos dias de grande comoção colectiva.

... ...

Raid aérien français sur Raqqah en Syrie



Ce soir à 19H50 et 20H25 (heure française), une dizaine d’aéronefs français de la force Chammal ont frappé et détruit, lors d’un raid, un centre de commandement et un camp d’entraînement de Daech situés à Raqqah en Syrie.


[Chaîne officielle de l'état-major des armées]


Acabo, entretanto, de ouvir que França atacou, neste domingo, alvos do ISIS na Síria.
130 pessoas terão já morrido. Quid pro quo?
Hollande avisou: a França está em guerra.

Dez caças franceses lançaram esta noite 20 bombas sobre Raqqa, no Norte da Síria, que o Estado Islâmico tornou na sua capital, anunciou o Ministério da Defesa de Paris, no que está a ser visto como uma resposta aos atentados de sexta-feira na capital francesa, que o Presidente François Hollande tinha classificado como “um acto de guerra, cometido por um exército terrorista.”
E eu não sei se, com esta ofensiva, o mundo fica mais ou menos perigoso. Mas tomara que menos.

....

Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa semana, a começar já por esta segunda-feira.

..

sexta-feira, julho 20, 2012

Comecei de férias: saí da cidade com um calor infernal e já estou 'in heaven' com um ar fresco, tão agradável. Que bom!


Música, por favor

Massenet - Meditation (da Ópera Thais), 
interpretado por Sarah Chang no violino, aqui com Placido Domingo dirigindo a orquestra

*


Quando hoje saí da cidade, estava um calor impossível. Antes, passei pela beira do rio e deliciei-me com a maresia e com a visão dos belíssimos veleiros acostados ao pé de Sta Apolónia. E deliciei-me também a fotografar. Ah, parece que estou a renascer...!




Com o sol dourado da tarde, Lisboa fica linda e os veleiros estavam quase irreais, os mastros pareciam revestidos a renda, a brilhantes. Aqueles grandes cruzeiros ali, ancorados num Tejo cujo ondular parecia coberto de luz rosada, junto a uma cidade de cores suaves, tingida pelo sol suave da tarde, que maravilha, vocês haviam de ver. Tão bonito, tão bonito.

Hoje saí do meu cativeiro: agora que vos escrevo já estou in heaven. Quando cá chegámos, depois de quase três semanas de ausência, a natureza já estava a agir como dona do espaço. O portão já estava cheio de teias de aranha, o caminho à volta da casa coberto de montes de folhas secas e até a porta de casa estava já coberta de teias. É impressionante como, mal a gente se retira, mesmo que temporariamente, a natureza se apodera logo das casas.

Cá dentro, para além de algumas teias, também, em vários sítios, algumas colónias de bichos de conta. Claro que, ao deparar com este cenário, me deu logo vontade de fazer uma coisa que adoro (quem me conheça daqui já sabe que sou mulher de gostos simples): varrer! Mas ainda não dá para isso, acho e, aliás, hoje já tinha abusado um pouco. No entanto, amanhã vou tentar, começo cá dentro e, se me aguentar bem, avanço para a faxina no exterior. Parte do encanto das minhas férias reside nisto: fazer limpezas, lavar tapetes e carpetes, varrer a rua e apanhar folhas secas, regar, aparar ramos e serrar pernadas de árvores, podar o que apanhar à mão, fazer refeições saborosas cujo cheirinho saia pela chaminé e perfume o exterior, descansar à sombra da grande figueira, ler, ouvir os pássaros, olhar as árvores, olhar os montes ao longe. Aliás, sendo mais precisa: parte do encanto da minha vida reside nisto.

Quando cheguei, não resisti e, devagar, com muito cuidado - porque isto de andar em piso pouco regular agora é do pior - dei um pequeno passeio. Que saudades eu tinha, que saudades.

E encontrei tantas diferenças.




A começar, a linha do horizonte à nossa frente apresenta novidades - ou então, não tínhamos reparado e os moinhos de vento já estavam há mais tempo. Mas fica bonito. A fotografia foi feita com bastante zoom. De facto, o que se vê, pelo menos num fim de tarde como o de hoje, são uns suaves segmentos dourados que giram ao longe.

Depois as figueiras estão carregadas, tantos figos. Ainda estão pequenos e verdes, no meio de uma folhagem de um verde intenso.




Não tarda, estarão grandes, macios, rebentando, deitando leite, vermelhos e doces por dentro. Nessa altura serão uma tentação e eu tenho tanta dificuldade em resistir a tentações doces, assim.

As silvas, que há pouco estavam floridas, umas flores pequenas, delicadas, de penugem rosada, estão agora cheias de amoras. Ainda não estão bem no ponto (confirmei; como disse, há coisas a que não resisto e já as provei).




Agora estão a ganhar cor, algumas já cor de sangue vivo, macias. Mas, aos poucos, ficarão escuras, e só então ficarão doces, doces, deliciosas. Gosto tanto de amoras, selvagens, ínfimos bagos sumarentos.

E depois o alfazema. 




Aqui, para me perceberem, deveriam ter convosco uma espiga de alfazema, esfregá-la na palma da mão, fazer com que o odor se soltasse, aspirar suavemente.  Que bem que cheira à tardinha, quando o sol faz a planta suar e o perfume no ar é forte, limpo.

Amanhã vou apanhar e fazer raminhos, ato-os e ponho-os em lugares estratégicos. Fica tão bonito e fica tudo tão cheiroso, vêm-me à ideia as gavetas com lençóis de linho, barras bordadas a ponto Richelieu ou com renda, tudo imaculado e a cheirar a lavadinho, a lavanda natural.

Também apanhei alguns orégãos e amanhã a ver se apanho mais. A minha mãe seca-os à sombra, depois põe em frasquinhos que distribui pela família. Não dispenso para temperar a salada de tomate. Cheiram tão bem, sabem tão bem.

Quando andava por ali, feliz, feliz mesmo, reparei na minha sombra no meio da terra pedregosa (agora sequíssima, há tanto tempo sem chover e com este calor marroquino), terra que tanto amo, e fiquei contente por estar ali, impregnada nela, e feliz também por estar pelo meu próprio pé, a andar sem apoios. Fotografei-me para registar o momento e partilho-a aqui convosco. 




É uma imagem a la Giacometti, pernilonga, a sombra alongada com que o sol, antes de se pôr atrás dos montes, nos presenteia. Sou eu a fotografar a mulher renascida cujas células vivem inscritas nesta terra, nestas pedras, nesta vegetação campestre, aqui in heaven.


Comecei hoje, portanto, as minhas férias e estou no sítio, em todo o mundo, onde eu sou mais eu.

*

Já agora, convido-vos a ver a Kate Moss, bad girl, uma moça que também renasceu, que também se levantou - e andou por um heaven fresquinho até que chegou ao inferno do calor (comigo o percurso foi ao contrário pois, primeiro, passei por um calor dos diabos e só depois é que cheguei aqui, in heaven, dando, então, com uma temperatura muito amena; e, agora, de noite, até está uma aragem fresquinha, mesmo boa). Mas ela, no fim, foi deitar-se outra vez... e eu não! Eu já me aguento bem de pé! Aleluia!



**

E é isto, meus Caros Leitores. 
E a vocês desejo que se divirtam, que descansem, que se animem:  be happy! Enjoy!