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sábado, outubro 14, 2023

Dias sombrios

 

Esta sexta-feira tive mais um daqueles dias. 

Se não morrermos cedo, um dia damos por nós e estamos velhos. E não sei se é um processo progressivo em que vamos admitindo que, aos poucos, o nosso corpo vai ficando mais débil, ou se vamos indo, na boa, e, quando damos por ela, não queremos aceitar, julgamos que é maleita que deve ser tratada, imediatamente tratada, tratada com rigor, com ciência.

E, se for este o caso, como, por mais que nos tratemos, nos examinemos, nos aconselhemos, não sentimos que voltámos a ficar como éramos quando tínhamos menos vinte ou trinta anos, entramos num ciclo de ansiedade, medo, preocupação exacerbada. E queremos mais médicos, mais exames, mais cuidados.

Se calhar uns são assim, outros são de outra maneira.

Tenho uma amiga cuja mãe está perto dos cem e, segundo ela, a mãe, apesar das muitas limitações, nunca se queixa, mostra-se sempre agradecida e bem disposta.

Não sei como será comigo. Nem sei se chegarei lá. Mas, se chegar, do que me conheço, o que desejo é estar ocupada e animada, agradecendo todos os dias as flores, os frutos, as palavras, a luz, os sorrisos. E, se me vir limitada (como, por exemplo, o meu pai tão radicalmente se viu), recolher-me ao meu interior, às minhas memórias, viver apaziguada e não revoltada.

Mas não sabemos, de facto.

Acontece que, portanto, o meu dia foi outra vez assim.

Os meus amigos, no grupo, questionaram o que era feito de mim que não dava ar de minha graça. Pois. Não é fácil ter tempo para o que tem que ser e, depois, ter disposição para o resto.

Ao fim do dia, a televisão a mostrar o impensável. Não há explicação nem perdão para quem faz tanto mal aos outros. Mas uns fazem porque os outros começaram e os outros fazem porque não podem admitir e têm que vingar e os outros fazem porque os outros também fazem. E, no fim, agora, o ponto em que estamos, o mal anda à solta porque tem que ser. 

E, quando o mal parece obrigatório e incontornável, onde podemos encontrar o espaço para a bondade, para o afecto, para a humanidade? 

Em lado nenhum...?

Claro que é o que o Corvo diz num comentário abaixo. Nós, na nossa cultura, agarramo-nos, com unhas e dentes, à vida. Mas há aqueles para quem a vida vale zero e bom é morrer a lutar pela fé. Não há convergência possível. 

Nem faz sentido, perante isto, tentar perceber quem são os bons e quem são os maus porque haverá sempre quem venha com uma adversativa diabólica justificar que o sangue e o horror são devidos porque antes houve quem também o fizesse.

Mas há uma coisa que talvez possamos convencionar: não faz sentido o fanatismo religioso, não faz sentido considerar as mulheres como um animal de segunda, não faz sentido a pena de morte ou a tortura. Etc. Coisas assim. Talvez a gente possa, em casos limites, quando não há consenso sobre quem começou ou quem são os maus e os bons da fita, dizer que regimes assentes em conceitos maus a gente não quer. E pôr aí a linha vermelha.

Mas a verdade é que, no meio de consecutivos bombardeamentos, de tantas e tantas casas destruídas, de tantos mortos, de tanto terror, de tantas ameaças, do pavor pelo que ainda está por vir, do pó que tudo cobre de ruína e dor, não há espaço para pensar em nada.

Nunca pensei chegar a esta fase da minha vida, em pleno 2023, e viver num mundo tão perigoso, tão insano, tão desumano. Nunca pensei que o mundo em que os meus filhos e netos iriam viver seria este lugar tão cheio de maldade e falta de esperança.

Por mais que puxe pelo meu optimismo, não estou a conseguir ver uma saída feliz para a tragédia que se abateu sobre tantos países, sobre tantos milhões de pessoas.

Que tristeza.

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Estava a querer acabar isto com um toque de bom ânimo mas não vejo como. O melhor que consigo é ir buscar a Chuva, até porque o dia esteve sombrio e, ao anoitecer, choveu que se fartou.


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Um bom sábado.

Saúde. Harmonia. Paz.

Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. 

quinta-feira, dezembro 08, 2022

Que nunca me apareça à frente ninguém com esta cara ... please....

 


Há uma palavra para a mania de ver caras em coisas. Creio que a palavra é pareidolia. Na casa dos meus pais as paredes da casa de banho eram de mármore, em antracite e branco, e uma mancha que havia na parede ao lado do lavatório parecia-me a cara de um homem zangado. Teria eu uns doze ou treze calhou ler os contos de Allen Poe. Nessa altura eu tinha aulas de manhã e a minha mãe dava aulas à tarde. Quando eu chegava a casa já ela não estava. Deixava-me o almoço e eu almoçava sozinha. E sozinha ficava até que ela e o meu pai regressavam ao fim da tarde.

Por isso, nessa altura, cada som não identificado que eu ouvia me assustava. O terror escorria da literatura para dentro da minha casa. Receava ouvir suspirar de dentro das paredes, receava que uma mão saísse de um estante para me agarrar ou que um pássaro sinistro entrasse dentro de casa e me arrancasse os olhos, que sangue escorresse das torneiras. Temia sobretudo as almas do outro mundo. E quase receava ter vontade de ir à casa de banho pois sabia que lá estaria aquela cara medonha a ameaçar-me com o olhar.

Em contrapartida, uma das cenas que recordo como mais intimidantes prende-se com uma ausência de rosto.

‘Something extraordinary’: dorsal, ventral and lateral views of a sawshark. Photograph: Simon Weigmann/Natural History Museum

Teria uns quinze ou dezasseis anos e tinha estado até mais tarde com os meus amigos. Era inverno, anoitecia cedo e estava um nevoeiro cerrado. Ia apanhar autocarro para casa mas mal via onde estava a paragem. Consideravelmente assustada, ia no passeio sem ver nada. Nada de nada. E, do nada, uma voz de homem disse o meu nome. Não vi ninguém nem reconheci a voz. Como o meu nome foi dito no diminutivo admiti que seria alguém que me conhecia de pequenina. Até hoje recordo o arrepio que me percorreu. Não sei se era o medo de que fosse um voz do além ou de um um monstro assassino se escondesse sob o espesso manto de névoa que envolvia o negrume da noite. Tenho uma vaga ideia de ver um vulto a afastar-se. 

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E os bichos assustadores que aqui pairam com a sua horrível cara quase humana são tubarões-serra. 

Com a ajuda de pescadores em Madagascar e na Tanzânia, cientistas descobriram duas novas espécies raras de tubarão-serra de seis guelras.

Nadando no oceano estão tubarões que parecem ter um corta-sebes preso à cabeça e um bigode pendurado no meio. Estes são os tubarões-serra e usam o seu formidável capacete para cortar cardumes de peixes. O bigode é um dispositivo sensorial que ajuda os tubarões a detectar presas.

[Artigo completo:  Discovered in the deep: the extraordinary sawshark with a weapon-like snout]

Agora imagine-se se um dia estou a nadar ao lusco fusco e me aparece um monstro destes com estes olhinhos de pipi-cagão e a boca num esgar de profundo desprezo e diz o meu nome... Medo...

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Entretanto, choveu, ventou e trovejou como se não houvesse amanhã. A ver se as barragens ficam au point. As televisões mostram as ruas de Lisboa e arredores cheias de água, carros meio submersos e, num túnel, até mergulhadores. Só me espanta que o Marcelo ainda ali não esteja a observar in loco as ocorrências, quiçá mesmo a mergulhar.

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Mas se o omnipresente Marcelo desta vez falhou, quem não pode falhar em dia de chuva é  Mariza com uma das canções que volta e meia aqui marca presença. Gosto demais.


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Um bom dia
Saúde. Boa sorte. Paz.

quarta-feira, novembro 11, 2020

Do-Re-Mi-Fa-So Long

 



Os tempos que aí estão, pelo menos por estas nossas bandas, não são de molde a festejos. Hoje éramos oito, dois dos quais em confinamento por alguém do seu agregado estar infectado. Mas isto é apenas um exemplo, uma amostra não significativa. Significativa e muito é a curva das novas infecções. Não vou repetir-me muito mais mas, uma vez mais, estou apreensiva. Face à duração dos internamentos e face ao crescente número de novos casos, temo o que aí venha. Não faço ideia de quando se atingirá o pico nem qual será o número de mortos por essa altura. A julgar pela curva, nem quero arriscar uma previsão. Mas, numa situação destas, não é a matemática a muleta a que nos devemos agarrar: é, sim, à coragem para tomar decisões difíceis e ao bom senso para tomar decisões simples. 

Isto há-de acabar, claro. Talvez daqui por um ano possamos estar mais tranquilos. A vacina talvez já esteja, nessa altura, para quem quiser, facilmente distribuída, bem testada. E, sobretudo, tratamentos mais efectivos talvez já sejam conhecidos. Antes disso teremos o verão, descontração, vida ao ar livre. Portanto, provavelmente a doer, a doer, teremos ainda mais uns seis ou sete meses. 

Se há empresas e actividades que se aguentem em hibernação durante tanto tempo, muitas afundar-se-ão irreversivelmente. E isso é outro drama a acrescer ao drama das famílias com doentes ou perdas.

Acresce que os hábitos das pessoas alteram-se. No domingo fui a uma grande superfície. Precisava de alguns produtos e lá encontrá-los-ia a todos. Noutros tempos jamais iria a um centro comercial a um domingo. Contudo, admiti que não haveria confusão. E não havia. Estava com pouquíssima gente face ao que, nos áureos tempos, lá se encontraria. Qual confusão...? Passei pela Zara, pela Parfois e por essas lojas que, noutros tempos, estariam cheias e o que vi deu-me muita pena: praticamente vazias. Tantos empregados e sem nada que fazerem. Lojas e lojas sem ninguém. Na zona da restauração algumas pessoas, algumas pessoas com famílias a almoçarem como se não houvesse covid. Mas poucas face ao que era usual num domingo à hora de almoço. Vários restaurantes sem ninguém. E isto num fim de semana 'normal'. Quantos restaurantes não fecharão até ao verão? Quantas lojas não fecharão? Por não haver consumo quantas empresas não fecharão a montante? E quando estas grandes superfícies também não aguentarem os custos fixos e começarem a fechar portas? E toda a brigada de serviços de manutenção, limpeza, segurança que vivem da vida destes espaços...?

Não são tempos fáceis, os que aí estão. O Governo injectará, e bem, dinheiro na economia. O défice vai disparar, a dívida vai disparar, os juros que andam tão bons não sei como vão ficar. A Segurança Social vai pagar, e bem, subsídios e mais subsídios e a almofada da sustentabilidade vai esvaziar e a ver se um buraco não começa a desenhar-se. Tempos difíceis para todos, mesmo para os que se julgam a salvo.

É certo que não é só por cá -- e a bazuca europeia vem ajudar. Mas como vai tudo conjugar-se e o tempo que vai levar a atingir o equilíbrio eu não sei. Sei é que, no meio tempo, haverá vítimas. E não serão poucas.

E já se percebeu que, em cima da pandemia, aparecerão as legionelas e outras bactérias, outros vírus, os calores excessivos, os vendavais, as enxurradas. 

Portanto, há que tentar encontrar forças, há que apelar à criatividade, há que ter inteligência. Qualquer bicho, quando o que está em causa é a sua sobrevivência, sabe virar-se. Sei que há muito céptico que desdenha do apelo a uma mudança, que se acha superior a preocupações, gente que sabe tudo, que não acredita em nada de bom, que não quer saber de tempo usado a querer melhorar as coisas. Deixá-los. Nestas alturas é que se vê quem gosta de se enterrar em vida, começando por enterrar a cabeça, e quem são aqueles a quem as gerações futuras serão devedoras. 

Onde uns se entregam a curtir fossas, dissertando sobre os que tentam manter-se fora delas, é necessário que outros se unam, ignorem os velhos do restelo e as vizinhas carpideiras e tentem encontrar novos rumos. 

Para começar já é bom que o poluidor-mor, o estupor-mor, o bronco-encartado tenha sido apeado. É uma das grandes notícias para o mundo. Com Trump despedido e o trampismo em queda, espera-se agora que os seus sucedâneos vão pelo mesmo caminho, a começar pelo analfabeto Bolsonaro. 

É tempo para gente com nobreza de carácter, com cultura, com sentido de abnegação. É bom para a Europa e para o mundo que esta mudança nos Estados Unidos tenha acontecido nesta altura tão crítica.

Não admira, pois, que a alegria tenha eclodido de forma tão espontânea e efusiva nas ruas e nas casas de todo o mundo. Uma vez mais, partilho dois vídeos que mostram bem o ambiente que se vive nos Estados Unidos. No meio da mortandade que por lá grassa, o pessoal saíu à rua para fazer a festa. E Colbert, Kimmel, Fallon, Corden e outros dão conta da alegria e esperança que varre aquele grande país.

Por enquanto, limitamo-nos a fazer as despedidas da tartaruga obesa e do trampismo. Do-re-mi-fa-sol. So long, farewell, auf Wiedersehen, goodbye. Seria bom que, dentro de meses, estivéssemos a despedir-nos também da covid. E, algum tempo depois, poucos anos, dos riscos climáticos. Gostava que, dentro de algum tempo, todos pudéssemos deixar aos vindouros um mundo melhor do que o que os nossos antecessores nos deixaram. 

Do-Re-Mi-Fa-So Long, Donald!



Trump Melts Down Over “Stolen" Election



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Fotografias de Bryan Huynh @bryanhuynh ao som de Quem me dera na voz de Mariza
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E que não seja por isso: So long, farewell


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E queiram continuar a descer caso queiram justar-se aos festejos.

E tenham, por favor, um dia feliz

terça-feira, abril 07, 2020

Em dia de chuva o tema é cozido à portuguesa e outros temas de suma relevância





Todo o santo dia choveu. Mas choveu muito. Muito, muito. Água forte ao longo de todo o dia, água escorrendo por todo o lado.

E o dia muito escuro, muito frio. Não consegui sair de casa. E tive muito frio. A casa é grande, difícil de aquecer. Tenho que estar com um aquecedor por perto. Noutra ponta da casa está o meu marido, também com um aquecedor. A princípio da manhã, acerquei-me de uma porta de vidro que dá para a rua e por onde entra mais generosamente a luz. Relativamente perto dele. Mas, às tantas, estávamos os dois em vídeo-conferência, cada um na sua, uma estereofonia difícil de orquestrar. Levantei-me e fui para longe, para um canto resguardado. Mas mais escuro, mais frio. 


No primeiro dia de teletrabalho, ele abriu a escrivaninha que está ali ao canto e, sem hesitação,  aí se instalou e aí se mantém, dia após dia, de manhã, à tarde e, se necessário for, à noite. Eu já corri meia dúzia de sítios, em busca do melhor lugar. Ou me dá o sol de frente, ou fica numa zona de sombra e fica escuro mais cedo do que é suposto, ou está numa zona mais de passagem, ou isto, aquilo e o outro. O meu marido pasma com a minha procura pelo lugar ideal. Ri, encolhe os ombros, acha uma maluqueira. Não ligo. 

Claro que, quando em videoconferênia, desfoco o fundo, senão a procura teria que ser ainda mais exigente.


Mal me levantei, depois de ver os primeiros mails e de ter encaminhado um tema, fui a correr para a cozinha e pus a sopa a fazer. Sopinha de legumes temperada com ramalhete de hortelã. 

Antes de almoço, mal me despachei da última reunião da manhã, fui de novo para a cozinha e, num tacho, coloquei azeite, cebola cortadas aos bocados, três dentes de alho e frigi levemente. Juntei cinco tomates maduros de tamanho médio, um bocado de alho francês às rodelas largas, uns quantos feijões verdes cortados aos bocados, salsa que tinha congelada. Deixei amolecer. O cheirinho começou a desenvolver-se. Depois juntei dois lombos de salmão que tinha deixado a descongelar. Passado uns cinco minutos, juntei um pouco de sal e duas quantidades de água em relação à quantidade de arroz basmati que iria colocar a seguir. Quando a água ferveu, juntei, então, o arroz. Ao fim de uns oito a dez minutos, o arroz tinha absorvido o caldo. Desliguei o fogão, destapei o tacho, deixei respirar. Um cheirinho apetitoso a envolver a cozinha. Não desfazendo, ficou bem bom. E ainda sobrou um bocado que comemos ao jantar, depois da sopa.


Logo a seguir, voltámos ambos ao trabalho. Não gosto de não dar um tempo a seguir à refeição. Parece que a comida nem aterra nem acama. Mas teve que ser. Foi um dia estrafegado para ambos. Lá do fundo, o telefone não parava de tocar e, no intervalo, chegavam-me vozes de toda a espécie e feitio. E eu na mesma, atarefada, a casa invadida por sucessivas meetings. Novos tempos.

Ao fim do dia, quando pensava que já pouco faltava para encerrar o expediente, ao receber uma chamada, decidi que estava na hora de fazer a transição. Abri uma janela que é mais abrigada e fiquei, de janela aberta, a ver e ouvir a chuva em directo, quase a senti-la. Enquanto tinha ouvido o telemóvel a tocar, tinha ido a correr buscar a máquina, pendurei-a ao pescoço e, assim, enquanto falava sobre o dilúvio de pouca sorte que ameaça desabar sobre a tesouraria das empresas e sobre mudanças que são necessárias nas estratégias e nas estruturas organizativas, olhava as gotas e apontava a objectiva para captar a beleza límpida do que o meu olhar alcançava. 

Do outro lado, um colega partilhava as suas dúvidas e preocupações e eu referia alternativas e a coragem que é necessária para enfrentar decisões que aí estão para ser tomadas mas, enquanto isso, a minha alma já estava a voar de mim, já estava em busca dos verdes e dos pássaros e de tudo o que é independente das conjunturas. Ouvia-me e parecia que estava a ouvir outra pessoa. Nessas alturas desconheço-me.


Mas o dia foi bom: os números covidianos foram animadores, as notas que já chegaram de dois dos meninos muito boas, meus meninos mais queridos, um projecto de uma das meninas crescidas foi aceite como altamente promissor, e é, os telefonemas mostraram os meninos a brincarem nas respectivas casas, todos bem, bem dispostos, o meu bebé mais lindo, mais lindo, já tão crescido e a falar como um rapaz grande, os meus pais também. Tudo é frágil e nada é garantido e eu, a cada instante, penso nisso. Mas a gente vai levando. E, quando está tudo bem, sinto-me agradecida e feliz da vida.

Já vi que vai continuar a chover forte e feio até de manhã desta terça-feira e que depois vai aliviando até à hora de almoço e que só volta a chover na quarta-feira. Gosto da chuva. A chuva lava a terra, lava o mundo, lava as almas. Claro que tanta chuva, quando a gente está a trabalhar fechada em casa, acaba por ser uma coisa confinante. Mas não faz mal, não é problema, não é tema. A chuva é bonita, é boa, deixa tudo limpinho e luzidio e a terra fica com cheiro de mulher fértil e os musgos ficam grandes, macios, de uma cor requintada de veludo antigo.


Há pouco estava a fazer a lista das compras do supermercado: escrevi 'carnes, legumes e enchidos para fazer cozido à portuguesa'. Quando estava a escrever, e juro que é verdade, um plim no whatsapp. Uma fotografia. Um big tabuleiro com croquetes, uns cilíndricos e outros bolinhas. Como legenda que eram croquetes de cozido. Dizia o meu filho, chef de mão cheia, que eram bons mas difíceis de pôr bonitos. Fiquei a salivar. Logo de seguida, um plim da minha filha, a pedir que lhe dissessem receita simples de cozido para encomendar ingredientes para fazer cozido pelo Páscoa. E eu fiquei a olhar para o telemóvel: de repente, o cozido à portuguesa estava na convergência das nossas ideias. Achei curioso. E bateu-me uma saudade deles. Se no próximo domingo houvesse almoçarada em minha casa, como costuma haver, perguntar-lhes-ia se achavam bem um cozido à portuguesa e, pelo que vejo, haveria de merecer o apoio de todos. Mas paciência, este ano é um ano diferente e enquanto tivermos todos saúde para nos batermos com um belo cozido tudo estará bem.


Nestes dias em que estamos longe, destas pequenas coisas se vai fazendo a nossa proximidade.

E destes pequenos nadas se vão fazendo os nossos dias. Um após outro. A caminho do que será a nova normalidade.

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La lluvia tiene un vago secreto de ternura,
algo de soñolencia resignada y amable,
una música humilde se despierta con ella
que hace vibrar el alma dormida del paisaje.

Es un besar azul que recibe la Tierra,
el mito primitivo que vuelve a realizarse.
El contacto ya frío de cielo y tierra viejos
con una mansedumbre de atardecer constante.
(...)



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Um bom dia a todos.

segunda-feira, março 02, 2020

Praia fluvial do Vimieiro, um lugar de um outro mundo







Há pouco tempo, um colega apareceu-me no gabinete e perguntou: Quer ver como era quando era nova? e deu uma gargalhada. Não percebi. Ele, rindo-se, acrescentou: E o Paulinho? Um menino. Chamou-me, então, que fosse ao seu gabinete. Foi à estante e, de uma pilha de revistas, escolheu uma. Era uma revista que, no tempo do papel, se fazia no Grupo. Agora ainda se faz mas, como é bom de ver, já é tudo para ver no computador, uma tremenda falta de graça. Mas, então, folheou a revista e mostrou-me: Olhe para si. E eu vi-me. Teria, naquela altura, seguramente menos uns dezassete ou dezoito anos do que tenho hoje. Pesaria cinquenta e poucos quilos e usava o cabelo bem curto, quase uma Jean Seberg. Na primeira fotografia, de grupo, estamos todos junto ao autocarro que nos levaria para um fim de semana de aventura. Tínhamos todos ar de jovens, ríamos sem saber ao que íamos. Eu estava com uns jeans, uns ténis, uma blusinha justa, decotada, sem mangas. Numa outra fotografia já tenho outra blusa, estou sentada num chão atapetado de erva, encostada a uma árvore, ao lado de outros colegas. Combinávamos uma estratégia e, pelo ar atento de todos, levávamos aquilo muito a sério. Numa outra estou com eles a fazer uma jangada e noutra já vou em cima dela com alguns deles, todos com um colete que identificava a equipa. Não apareço naquela corda oscilante, suspensa por cima do rio, onde apanhei um dos grandes sustos da minha vida, e é pena que não tivessem registado esse grande momento. Nem há fotografias das provas de orientação diurna, muito menos do festival que foi a orientação nocturna.


Nessas fotografias mal consegui localizar o colega que estava agora a mostrar a revista. Ele ajudou-me: Então não reconhece aqui o menino? Não mesmo. Agora tem o cabelo completamente branco enquanto naquela altura não apenas tinha metade do volume que tem hoje como tinha o cabelo todo preto. 

Com quem ele se divertiu mais, e eu também, foi com o Paulo, grande director da 'casa', então quase um puto, tal o ar de menino, tal o cabelinho à beto e o outfit de rapazola. Olhe aqui o nosso grande Paulinho...! E riu à gargalhada. Eu também.

Nunca mais tinha conseguido localizar onde tinha sido esse épico evento de team building. Nem ele nem o Paulinho se lembravam. Um dizia: Seria Canas de Senhorim? Pelo menos o hotel acho que era. Outro dizia: Não sei. Penela? Ou Penalva? Não nos lembrávamos. 


Pois bem. Sem querer, agora vim parar a esses lugares. Hoje, à hora de almoço, estive no Panorâmico onde, numa das vezes, tínhamos almoçado. E hoje reconheci o lugar onde fizemos as jangadas e as águas em que remámos como se tivéssemos que chegar mesmo a um certo destino. Os homens são muito competitivos e eu vi-me e desejei-me para os acompanhar para que não os fizesse perder o lugar na competição. Eles próprios, quando andávamos por montes e vales a correr, a escorregar e a trepar, quando me viam a perder a força, me davam a mão e puxavam por mim.

Tinha de memória que tinham sido lugares lindos mas, na altura, o convívio, a palhaçada, a diversão e a ocupação permanente não deixavam grande espaço para o desfrute das belezas naturais. 


Hoje não, hoje estive dedicada não à aventura e à competição mas ao encantamento. E se me encantei. Quanta beleza. A água corre, sala e canta por aqui. Para além de nós, hoje, quatro franceses. E, mais à frente, dentro de água, um pescador. Pensei na felicidade que deve ser estar assim, ali, em paz, sem pressa, sem ruído, entre verdes e sombras quase douradas na água, esperando o peixe. Um luxo. O verdadeiro luxo é isto, o contacto directo e silencioso com a natureza. Luxo e felicidade.


Maravilhada, fotografei sem parar. Andei pelos caminhos de pedra, junto às levadas de água, pelas margens do rio. Tudo tão lindo. Pudesse eu e convidava-vos a todos a virem até aqui visitar estes lugares que parecem de um outro tempo, de um outro planeta que não aquele, citadino, que habito durante a semana. Tudo tão puro e límpido e intocável, tudo tão tranquilo e belo.


Os pássaros cantam no maior chilreio e os patos deslizam pela água e, de vez em quando, vêm dar uma volta a pé, sem se importarem com a presença humana. E a sua plumagem tem umas cores que parecem perfeitas demais para não terem sido desenhadas e pintadas por alguém. Mas certamente o grande deus que é o acaso e o tempo que aperfeiçoa todas as coisas explicam o que por aqui se pode ver.

E até os cogumelos, senhores, até os cogumelos em alegre ajuntamento, estão solares, atrevidos, serzinhos brincalhões de dentinhos de fora.


Chove enquanto escrevo. Chove muito. A chuva foi este domingo uma constante. Agora ouço também o vento. Tão bom andar por aqui com este tempo abençoado. Era bom que pudesse ficar mais uns dias. Mas não dá. Fica para a próxima.

Ainda tenho outros lugares bonitos para vos mostrar, mormente, o espaço do Senhor Alfredo,  mas agora já não consigo, tenho que apagar a luz. Fica, talvez, para amanhã.

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Envio daqui os meus votos para que Luis Sepúlveda tenha consigo a imagem de Greta Garbo para que o proteja. Era dele a história de que não há muito aqui falei. Mas se não for a Greta Garbo pois que qualquer outra santo ou santo da sua afeição zele por ele.

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Se ainda não conhecem Santa Comba Dão, não deixem de visitá-la ao vivo ou, se não puderem, aqui

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Hoje não consigo comentar os comentários pois, reconheço, já estou a pisar o risco. 

Desejo-vos uma bela semana, a começar já por esta segunda-feira

segunda-feira, setembro 16, 2019

Um grilo cantante, uma Nossa Senhora, dois Sto Antónios e um passaroco espanta-espíritos


Grilo de madeira pintada
Na fotografia dá ideia que é grande mas não, não deve medir mais que uns 10cm
O pauzinho que tem nas costas serve para passar pelo rendilhado dos lados, reproduzindo o cri-cri dos grilos de verdade


E é assim que estou de volta à cidade, preparada para, dentro de poucas horas, retomar a vida normal, longe de paisagens de cortar a respiração, longe de rios e mares, longe dos extensos areais por onde fiz tantas caminhadas, longe do dolce far niente com que tão afanosamente me tenho ocupado.

Apenas trago a pena de não ter conseguido ler tanto quanto desejaria mas a verdade é que, entre o que pouco que fiz e o muito que descansei, pouco tempo me sobrou. Mas, ainda assim, alguma coisa li e a melhor foi a última que comecei e de que ainda vou no princípio: Tudo o que tenho trago comigo de Herta Müller.

Entretanto, de regresso, já visitei os meus pai e, embora de raspão, já revi parte da descendência.

E, aqui chegada, já estive a fazer as minhas arrumações e preparativos, já voltei ao roupeiro para avaliar o que devo vestir, já fui ver se tinha dinheiro na carteira, já reencontrei gestos que estavam em stand by. Até o estar aqui sabendo que daqui a nada vou acordar com o despertador é um déjà-vu e, por acaso, até não é dos melhores.

Espanta-espíritos com pássaro articulado.
Ainda tem uma pecinha pendurada no fio que se vê
Está pendurado no telheiro onde está a mesa de madeira e respectivos bancos, o grelhador, etc

E, assim, a minha mente começa a adaptar-se à perspectiva de voltar a ver-me no meio do pára-arranque do trânsito, de ter reuniões umas a seguir a outras e decisões para tomar e prazos para cumprir. Não é das melhores perspectivas.
Nossa Senhora com o menino ao colo
Feita em crochet. Ofereci à minha mãe.
Em casa da minha mãe, quando ela me dizia que as minhas férias tinham sido tão curtas, eu disse que sim e que me sabe tão bem ser dona do meu tempo. Ela recordou que, quando deixou de dar aulas e o meu pai ainda trabalhava, deixou de usar relógio e ia sair, passear, ver montras, observar com pormenor as coisas do supermercado, sem pressa, sem ter que se despachar pois sabia que não corria o risco de chegar atrasada a algum lugar. Mas que, ao fim de algum tempo, já não sabia o que fazer com o tempo e pensava que estava melhor quando estava a trabalhar. Percebo-a. Disse-lhe que eu, quando chegar a altura de deixar de trabalhar (e ainda falta tanto tempo), terei que arranjar ocupação, rotinas, e que acho que não me vão faltar. Mas sei lá. Sabe-se lá alguma coisa do que vai acontecer seja no futuro mais longínquo seja, até, no mais próximo. O que for soará e pronto. Não quero fazer planos. Só tenho uma vaga ideia, um desejo, mas, ainda assim, se verá.
Mas, enfim, não é o tema.

O tema é que já estive também a arrumar as coisinhas que trouxe de Caminha. As bugigangas, diz o meu marido com aquele seu ar depreciativo. Diz que basta eu ver uma coisa que não serve para nada para ficar logo toda interessada -- e a verdade é que não tenho grandes argumentos para o contradizer.

Sto António com o menino ao colo
Igualmente feito em crochet
Não é que faça questão de andar à pesca do que trazer. Não, não mesmo. Mas gosto de ver artesanato. Gosto porque me enternece o trabalho manual e criativo das pessoas. Acho que é um tributo que presto às pessoas que, ou por amor ou por necessidade, fazem, com as suas mãos peças de que gosto e que gosto de enaltecer.

Duas ficaram na casa in heaven, outra foi presente para a minha mãe e apenas duas vieram para cá.

Mas claro que concordo com o meu marido: são inutilidades e, um dia, podem tornar-se numa dor de cabeça para quem tiver o pincel de dar destino a tanta tralha. Isso custa-me e penso que não posso deixar tal carga de trabalhos para ninguém.

Já pensei: in heaven, onde há espaço -- e que espero que fique na família por muitos e bons anos -- se calhar um dia arranjo uma sala com várias vitrines (para não lhe entrar o pó e a sua limpeza não ser outra dor de cabeça) e levo para lá toda a bonecada, santos e anjinhos, caixinhas, ampulhetas e tralha miúda de toda a espécie. No fundo aquilo a que o meu querido pimentinha mais crescido uma vez se referiu como 'o museu da Tá'. Tenho que pensar nisso. Mas, na volta, quando falar nisto ao meu marido, é bem capaz de achar que é mais uma maluqueira sem pés nem cabeça. Mas a mim parece-me uma boa solução. Logo se vê.

Sto António com menino e peixinho ao colo
[O que trouxe de Caminha é o pequenino -- e, na volta, está tão espantado por ver que há outro e bem mais flausino que ele]
A fotografia foi feita in heaven mas ele veio para cá, está ali ao pé de outros Stos Antónios


E não me perguntem se sou devota de Sto António pois estaria a fazer género se dissesse que sim. Simplesmente acho graça à figura. Acho graça e sinto uma certa (e inexplicável) ternura. É como com a Nossa Senhora. Gosto da figura talvez por ser maternal, talvez por pensar que, como em todas as mães, tem em si a capacidade de abençoar e amar. Como sei que a minha mãe reza e pede pelos seus, pensei levar-lhe aquela ali em cima. E não sei se uma simples figurinha feita em crochet pode ser intermediária das preces de quem acredita no poder de uma qualquer força superior mas se calhar sim. Há coisas que não se explicam, não é?

E, para terminar, não resisto a partilhar mais quatro fotografias de Caminha, aquela terra tão linda.







Caminha

E até já.

sexta-feira, julho 12, 2019

Matemática para enfrentar a canícula






Quando vinha a conduzir perto das sete da tarde, numa das mais bonitas avenidas de Lisboa, tinha as janelas fehadas e o ar condicionado ligado. Vinha a ouvir música e a sentir o ar fresquinho. No escritório a temperatura também estava fresca. Não me apercebi, pois, do calor pelo que foi com admiração que vi no mostrador do carro que, lá fora, estavam 40º. Abri a janela para confirmar e, ao sentir aquele bafo ardente, fiquei quase aterrada. Um ar quente, opressivo.

Ao falar com a minha mãe, ela disse que o número de vezes em que a temperatura está tão alta, a inconstância, os fenómenos extremos como a tempestade de granizo na Grécia a assustavam. Acrescentou que só estúpidos muito estúpidos como o outro é que não se apercebem disso. Penso que estaria a falar do Trump. A senhora que vai ajudar a tratar do meu pai, quando se fala no Trump, diz: 'um parvo com boquinha de rosa'. E ri-se e rimo-nos as três mas o que nos faz rir é o ar caricato dele, não a sua brutal ignorância e estupidez.


Agora passa da meia noite e continuar a estar muito calor. Quis ligar o ar condicionado aqui da sala mas o meu marido, como esteve constipado e ainda anda com tosse, disse que era melhor não. Quando se for deitar, ligo.

Este ar muito quente é horrível. Seria bom que agora pudesse estar num local fresco. Lembro-me de quando estive em Zurique e devia ser inverno porque me lembro de ter ficado num hotel junto a uma montanha com neve. E, quando fomos lá acima, no teleférico (já contei: um terror para mim), passava perto das copas de cedros gigantes, escuros, lindíssimos, pintalgados de neve. Mas eu estava cheia de medo, não desfrutei como devia. E não levava a máquina fotográfica comigo. Uma pena que aquilo era mesmo bonito. Mas aquele friozinho era tão bom, estou a lembrar-me tão bem. Depois tive uma reunião na sede de uma grande empresa, porque foi por isso que fui a Zurique, e a sede era numa belíssima moradia moderna com um jardim à volta, com grandes cedros no relvado. E a rua era toda de moradias assim e estava frio e o tempo escuro, as grandes árvores escuras pingavam, e tudo era tão bonito. Trouxe de lá a caixinha de música em rosa velho e dourado que ali está, naquela estante.


Voltei lá depois, era verão e estava calor e eu estive tanto tempo de pé, num edifício enorme, cheio de luz, e eu não bebi o meu segundo café a meio da manhã e senti mesmo que ia desmaiar. Entre uma dúzia de homens que falavam pelos cotovelos, cada um de sua nação, tudo falado em inglês mas alguns com sotaques que dificultavam a compreensão e eu a sentir a pressão a baixar, a começar a ver tudo branco, a ver que ia armar barraquinha no meio de um edifício espelhado, rodeada de executivos. Ou seja, com alguma inibição não fossem eles achar que estava a fazer género, tive mesmo que pedir para me sentar, para me arranjarem café e água fresca. Nesse dia ainda fui andar de barco a ver se refrescava mas já não gostei tanto como da primeira vez. Dessa vez trouxe a segunda caixinha de música mas não é tão bonita como a primeira.

E hoje, com este calor abrasivo, o que me ocorre é que seria bom poder voltar a estar numa montanha fresca, entre árvores protectoras, ouvindo os sons subtis que atravessam o silêncio dos dias frios.


E agora, acreditem ou não, abri o youtube e a criatura mostrou-me um vídeo que vem mesmo a calhar, refrescante: um homem que gosta de deslizar sobre a fina camada de gelo que cobre alguns lagos. É matemático e diz que sabe o que faz. Trigonometria. Mede a espessura da fina camada, sabe calcular a elasticidade a partir dos vectores que puxam cada um para seu sítio, imagino eu, daí os ângulos, quicá a probabilidade de fractura. Trignometria conjugada com cálculo vectorial e com probabilidades. Um festim de fazer aguar a minha boca. Mas, portanto, diz Märten Ajne que vai à confiança, sabe que não se abrirá a fenda através da qual poderia ser sugado. E, talvez ainda mais importante, deixa-se guiar pelo som do gelo. Ou seja, uma conjugação de beleza nas suas mais variadas formas.

Eu, que mal ouço falar em senos e cossenos e em cenas afins sinto logo um tremorzinho por mim adentro, fico atenta a ouvir, a ouvir pelo gosto de ouvir. Mas, neste caso, tenho que confessar que me sinto também atravessada por algumas vertigens. A perspectiva de sentir falta de apoio nos pés e o medo de cair num espaço infinito é, para mim, aterradora.

by  Sergey Gribanov

Mas sinto também uma sensação de maravilhamento: deve ser tão bom quase voar, sentir o ar frio, ver a luz sobre a lâmina brilhante, atravessar aquele espaço imenso e limpo.
People get nervous when they see Märten Ajne ice skating. He intentionally skates on extremely thin ice. Ajne has pursued this dangerous hobby for 40 years and has skated on more than 1,800 bodies of water from Norway to North America. So why hasn’t he fallen through the ice? He uses his knowledge as a mathematician and a highly-trained ear to stay safe. Ajne can actually calculate how thick the ice is by listening to the sound it makes when he glides across it. Join us for one of the coolest math lessons ever taught.

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Felizmente esta sexta-feira parece que vai estar mais fresco e vi agora que até é capaz de chover e apetece-me ouvir esta canção que é lindíssima.



E muito sinceramente desejo que seja um bom dia para todos

domingo, maio 12, 2019

Obrigada, mamã, por não seres o papá
[e a explicação: porque não passo disto?]




Ando nisto: mal poiso, logo apago. Pela contractura muscular, tomei ontem à noite um comprimido que tinha em casa para relaxar os músculos, flexiban se não estou em erro. Li na embalagem para tomar 1 comprimido três vezes por dia. Só tomei um ao deitar. Dormi até às dez da manhã e foi porque fui acordada, E como me custou. Não dormi no carro mas quase. Ao chegar aqui ao quarto, deixei-me dormir e só acordei à força para ir para a praia, onde, por sinal, se estava maravilhosamente. Deitada ao sol, a ouvir o mar e a sentir a aragem quente a deslizar sobre o meu corpo, também quase adormeci. Agora que estou de volta do jantar, estou na mesma, capaz de adormecer pesadamente. Ainda agora mesmo o meu marido me perguntou: 'Então? Já estás outra vez a dormir?' E tudo por um comprimido tomado na véspera, um terço da dose recomedada. É como quando estive constipada. Parece que fico sedada, anestesiada, capaz de me arrancarem um pedaço e eu nem dar por nada.

Felizmente já consigo mexer o pescoço. Na volta isto nem é do comprimido, é mesmo o meu corpo a pedir descanso. Não sei. 


Na estação de serviço comprei o Expresso -- aquilo do patife do Steve Bannon interessa-me. Ainda não li tudo. Estive a ler as crónicas que antes não perdia e algumas críticas. Foi a primeira vez que o comprei em saco de papel. E já vai em 4€. Qualquer dia não vejo notícias portuguesas em lado nenhum: deixei de comprar jornais em papel e agora nos onlines portugueses aparece aquele abuso do Nónio a pedir que me identifique se quiser lê-los. Não me apetece identificar-me. Claro que podia lá escrever um endereço qualquer da treta mas não me apetece. Ridículo, isto, de escarrapacharem uma treta qualquer pelo meio que nos impede de ver os jornais se não deixarmos lá a nossa identificação. Um abuso,

Se conseguisse estar acordada, falaria do que li do Mexia, da Clara Ferreira Alves, desses assim. E gostava mesmo de comentar a desgraça de estar à solta pelo mundo uma besta solitária e perigosa como o Bannon, besta essa que agora tem como objectivo dinamitar a democracia europeia. Tanta coisa a dizer sobre isso. Mas não consigo.


Provavelmente amanhã já estarei normal, já conseguerei agradecer os comentários, já conseguirei dar melhor conta das minhas andanças, já conseguirei desenvolver alguma coisa sobre o que me vier à cabeça. Hoje nem pensar.

Mas não estou na Arrábida. não senhor. Um bombom metafórico a quem descobrir (para os naturais de cá não vale a adivinha). Só posso dizer que é um lugar abençoado pela luz e pelo mar.


E para que não se sintam completamente defraudados por virem cá e não haver um mínimo de conversa que faça por merecer a visita, mostro um vídeo que tem dado uma polémica danada na Alemanha. A ideia era agradecer às mães toda a atenção e carinho que dão aos filhos, por contraponto humorístico com a forma desleixada como os pais lidam com os filhos.

Foi logo um fuzuê: que o vídeo era machista, que parece que dá a entender que o lugar das mulheres é em casa a tratar dos filhos e mais não sei o quê, os homens também agastados, todos maria-amélia, que não é nada daquilo, que são uns jeitosos, habilidosos e cuidadosos. A ideia do vídeo tinha sido de uma cadeia de supermercados alemã que, fruto da má reacção generalizada, se vê agora em apuros com os apelos ao boicote às compras nas suas lojas.

Eu, pela parte que me toca, não sei se é ainda do relaxante muscular de ontem ou se é coisa mesmo minha, não vejo nada de mais, acho-lhe até uma certa graça.

Obrigada, mamã, por não seres o papá


Até amanhã

terça-feira, janeiro 15, 2019

Uma explicação





Ontem era para continuar a minha reportagem fotográfica por Lisboa: tenho paredes poéticas e vernáculas para mostrar, tenho um alfarrabista muito especial, tenho montras fantásticas. Mas tenho que confessar que estava um bocado sem vontade. 

Já tinha falado no recebimento de Montenegro pelo nosso Excelentíssimo e Ubíquo Presidente (diz-se recebimento ou recepção? ou recebidela? ou recebidinha? -- não sei, não sei qual a duração do encontro) e quando, nesta minha auto-disciplina que me faz ser uma trabalhadora incansável, ia escolher as fotografias das ruas de Lisboa, fui-me um bocado abaixo.

Há coisas para as quais a gente não está preparada.

No outro dia, quando estávamos a passear em Óbidos telefonou-me, falou-me dos filhos, de si próprio, perguntei pela família, estava tudo bem e que me viria fazer uma visita um destes dias.

Ontem, à tarde, o telefonema impensável.
Não quero falar nisso, não agora. Nunca sei quem está a ler-me, não quero falar de uma situação muito difícil e triste. 
Em voz baixa, contou-me. Ouvi com um aperto no coração.
Éramos tão novos. Rimos tanto. Ainda no sábado, depois dele me ter ligado, chorei a rir a recordar uma das situações mais divertidas da minha vida. O que ele me vez rir nesse dia. E o que ele me reencaminhava dela, ela ainda pior que ele. Uma foliona, uma descaradona. Já várias vezes aqui falei dela. O que me ri com ela. 
Não estamos preparados.


Os nossos filhos cresceram, são agora mais velhos do que eu e ele éramos nessa altura em que nos conhecemos. Ela ia buscá-lo. Apitava. Ele ia à janela, fazia-lhe sinal, descia.

Os anos foram andando e nós também. Os nossos pais, os problemas da idade, as casas, as coisas da vida. Sempre a sabermos do que se ia passando.

Inseparáveis, ele e ela. Até ao fim, inseparáveis.

Não estamos preparados.

E a fatídica coincidência. E a voz dele a dizer-me o que me disse. Fui capaz de falar, de dizer o que, na situação, se pode dizer. Mas com que custo.

E, mal acabei, uma reunião, como se nada se passasse. Depois no carro, a minha filha também admirada. Não sabemos bem, eu, pelo menos, não sei.

Hoje à hora de almoço, outro telefonema, outro impensável telefonema. 

Não quero falar nisso. Talvez daqui por uns tempos fale. Nunca consigo falar em cima do calor (ou do gelo) da situação. Falo depois, como uma memória a propósito de outra coisa qualquer.  

Mas, porque estou um bocado abalada, ontem passou-me a vontade e a capacidade para aqui escrever o que quer que seja; tentei mas não deu mais que isto. Depois, a noite foi praticamente em claro. Melhor: afogada em breu. E hoje ainda pior. 

Lamento.


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Para isto não ficar tão árido, coloquei aqui três fotografias feitas com drones

Trouxe a Mariza com a sua Chuva porque sim.

segunda-feira, janeiro 14, 2019

Lisboa é romântica, é namoradeira, conversadeira e boa para se ficar zen.
Lisboa, minha linda.
[Postal nº 4 de 8]




Por onde se passe, em especial junto ao rio, há gente a contemplar o rio, lindíssimo, tranquilo, muito azul. Gosto de fotografar as pessoas que olham as águas, seja de um rio, sejam do mar.

Seria bom poder ir falar com elas, saber como se sentem, o que pensam. Mas claro que se pudesse me inibia pois haveria de ter o bom senso que olhar para a água é um momento sagrado, jamais se deve interromper alguém que contempla um horizonte ou o azul impossível de um rio que corre mansamente.


Acho romântico ver alguém assim. Seja uma pessoa solitária, seja um casal, seja um grupo de amigos. Imagina se eu era maluca que fosse cometer um tal dislate: Olhe desculpem, podem dizer-me o que sentem quando aspiram a maresia ou olham o azul cambiante ou o ondular das aguas. coitadas das pessoas, haveriam de ficar desconcertadas, sem perceberem se haveriam de me empurrar a ver se um banho me refrescaria as ideias ou se, cortesmente, me diriam: sorry, can't understand such surreal questions

Também gosto de fotografar pessoas que conversam, mulheres geralmente. Duas mulheres que tirem a tarde para passear, conversarão ininterruptamente desde que se cumprimentem até que se despeçam. Tão certo como dois e dois serem quatro.


Acho o máximo ver duas mulheres a conversarem. Nem dão pelo que se passa à sua volta. A conversa absorve todos os seus sentidos.  Há sempre assunto. 


Diferente de dois amigos, de dois namorados. Aí há silêncios, hesitações, suposições não assumidas, meias palavras -- a cumplicidade assume outras formas. Com duas mulheres amigas é uma torrente contínua.

Mas, enquanto ia caminhando e observando, uma dupla chamou a minha atenção. Um homem magro, debruçava-se sobe uma mulher que, assim de repente, me parecia que estava numa cadeira daquelas para pessoas que não se aguentam bem sentadas. Desviei o olhar. Não gosto de ser indiscreta. Mas a curiosidade foi mais forte. Ao passar perto, espreitei pelo canto do olho e vi que não era o que tinha pensado. Mas continuei a não perceber, parecia que se deitava sobre uma mulher também ela toda inclinada.


Então olhei melhor e vi que era uma cadeira de massagem e que ele lhe dava uma intensa massagem. Ela ali estava, abandonada às mãos e aos antebraços dele. Fiquei com uma certa invejinha. Que bom deve ser levar uma massagem nas costas ali, à beira mar, ao sol suave da tarde. Aliás, pelo Natal, recebi um voucher para uma massagem da felicidade e não vejo a hora de o resgatar. Adoro massagens. A ver se para a semana dá. 

Ao lado do massagista uma rapariga fazia colares, igualmente em estado zen. Vejo agora na fotografia que estava um homem atrás dela. Lá não reparei. A gente não repara em grande parte do que está perante os nossos olhos. É tão estranha essa sensação. Quem sabe se as nossas ideias não seriam diferentes se, no momento em que fazemos opções, tivéssemos em atenção tudo aquilo a que não prestámos atenção?

(É uma pergunta retórica: nunca conseguiremos absorver tudo o que a vida nos oferece)

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Ainda tenho mais uns três ou quatro postais mas já é tão tarde que acho que vou deixá-los para amanhã.

Entretanto, se estiverem in the mood para um passeio comigo por esta Lisboa que amo de coração, desçam até à Lisboa linda e amorosa, à Lisboa musical, à Lisboa com homens com pinta e aos pontos cardeais de Lisboa. Espero que gostem.