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terça-feira, março 15, 2016

Arouca, a vila, tão bonita, tão bem cuidada. E o bem que lá se come (e tanto!).


Nos posts lá mais para baixo falei da Serra da Freita e dos prodígios que alberga e antes já tinha mostrado vistas deslumbrantes e animais em plena liberdade e, depois, falei de igrejas, santos e irmãzinhas em Arouca. Mas ainda não mostrei a vila em si. Não quero ser maçadora mas, às tantas, com tanta fotografia e tanta conversa, estou mesmo a ser.

E, aliás, estou com vontade de ir já ver as fotografias da minha expedição aos Passadiços do Paiva para escolher algumas para aqui. Mas parece que cometo uma injustiça se omitir referência à elegância e à tranquilidade desta bela vila. Por isso, mesmo correndo o risco de molestar a vossa paciência, vou mostrar algumas das fotografias que lá fiz.

Numa moradia, na avenida principal, vi várias esculturas junto à entrada. Penso que seja uma moradia particular. Mostro apenas estas mas há lá mais umas quantas e todas bonitas.



Há vários edifícios do género deste aqui abaixo, muito elegante, coberto de azulejos. Olho e imagino que tenham chão de soalho e que o sol encha de sol a sala e os quartos e que seja muito bom lá estar a ouvir os pássaros.
Esta segunda-feira acordei com um pássaro a cantar, trinados exuberantes, coloridos.

Para quem, como eu, já só compra carne (e pouca, cada vez menos) nos talhos do supermercado, é com curiosidade que vejo o destaque dado a um talho como este aqui abaixo, situado no rés-do-chão de um edifício tão bonito na avenida principal. Penso que os talhos aqui devem ser lojas importantes.


A propósito de talho: as pessoas aqui comem uma tal quantidade de carne...! Ou então é cá em casa que se come pouca.

No domingo à noite, vi que havia arroz de miúdos e este é o género de comida que me dá logo vontade de provar. Custava 5 euros a dose e eu pensei que viria uma travessita com um arrozinho com fígados, moelas e um ou outro coração e que era o indicado já que à noite gosto de comer pouco,. Pois bem. Quando vi nem queria acreditar: veio um tachão de barro, cheio! Um belo arroz malandro, escuro, com miúdos que não acabavam e, imagine-se, até com várias patas de galinha! Claro que sobrou metade, no mínimo. Mas que bom que estava, que bom, cheiroso, saboroso. Deu-me pena lá deixar aquela comida toda mas já não consegui - mas, senhores, haverá alguma alma que consiga bater-se, sozinha, com uma tachada daquelas...?

Esta segunda feira, depois da expedição aos passadiços, voltámos a Arouca e fomos a outro restaurante. Desta vez, optámos os dois pelo mesmo: vitela no forno, com batatinhas também assadas e feijão verde. Havia meias-doses e uma dose; pedimos uma dose para os dois.

Pois, já se sabe: uma quantidade brutal! Um tabuleiro de barro, cheio! Muito boa, aquele saborzinho bom da comida de forno, mas, senhores, tanta carne, tanta, e tantas batatas. E, à parte, uma tigela cheia de arroz. E, para nosso espanto, a meio da refeição, o dono veio perguntar se estava tudo bem, se queríamos que ele trouxesse mais um naco ou que mandasse grelhar uma posta. Que não, que estava muito bem assim, dissemos espantados. E ele, que víssemos, que estivéssemos à vontade, que ele trazia. No fim, ainda vários bocados de carne no tabuleiro, eu incapaz de comer mais e com vergonha que, depois daquela conversa, ainda deixássemos comida no tabuleiro. O meu marido lá se esforçou mas, mesmo assim, ainda lá ficaram bocados de carne e não sei quantas batatas. E o arroz quase todo. Não dá para acreditar o que aquelas pessoas devem comer...!

Mas uma outra coisa chamou a minha atenção. À entrada do restaurante havia uma cesta com livros e uma espécie de jarra com folhinhas de papel com poemas. Fiquei intrigada -- mas por pouco tempo pois na parede de entrada estava este cartaz:


Achei a ideia muito interessante e aqui a divulgo. O País seria outro se a população tivesse outros hábitos de leitura. A escrita é uma porta de entrada para outros mundos.


Aliás, Arouca é uma terra que, por apostar na cultura e na divulgação do património natural, religioso e cultural irá certamente atrair muita gente para a conhecer, e isso, se for feito de forma inteligente, é bom para as terras, desenvolve-as sob todos os pontos de vista.


No domingo encontrámos muita gente na rua. Esta segunda-feira já nem tanto mas é uma terra viva, com muitos jovens (a escola que se encontra nessa avenida é enorme, vista de fora, muito bonita, tem uma escadaria larga e os edifícios são um espanto; terão sido arranjados ao abrigo do Parque Escolar?), com fábricas em redor, com as terras muito cuidadas.


E as casas estão bem preservadas, vê-se que há gosto e cuidado e que há valorização da sua história. E os jardins estão muito bem tratados, as árvores estão floridas e há muitos amores-perfeitos nos canteiros, e eu não pude deixar de me lembrar que o meu pai, até não há muito tempo, plantava sempre amores perfeitos no canteiro do jardim da frente da casa e havia assim como estes, amarelos descarados mas, também, em cor de vinho, um vermelho profundo, quase negro e outros roxos, lindos. Eu preferia os roxos, de veludo.

Tinha uma professora de português de quem gostava muito, já falei dela aqui, a Profª Joana Meira, e, eu que nunca fui de gestos desses pois temia que parecessem bajulação, mais que uma vez lhe levei pequenos bouquets de amores-perfeitos. Acho que ela merecia isso e muito mais. Foi a melhor professora que tive.


E, só para terminar, repito-me: toda a vila vive como que num berço ao sol pois está rodeada de montes onde as casas estão dispostas em socalcos, pelas elevações acima, entre árvores, com igrejinhas pelo meio, tudo tão bonito que quase parece uma paisagem a fingir, perdida no tempo. Mas não, são casas vivas, numa paisagem cheia de luz.


E agora vou ver se escolho algumas fotografias dos passadiços. Mas não deve ser tarefa fácil porque as fotografias são mais que as mães e, of course, antes de escolher, tenho que vê-las o, e só de pensar nisso, a esta hora, já me parece missão quase impossível. Ou seja, a ver se consigo fazer um post ainda hoje ou se fica mesmo para amanhã. 

Agora já estou em casa. Tirámos apenas um dia de férias o que, junto com o domingo (porque no sábado tínhamos afazeres, obrigações e devoções), nos pareceu uma temporada à maneira. Mas a verdade é que, com isto tudo e com o dia que me espera esta terça-feira, não sei se vou conseguir ainda fazer agora um daqueles estirões. Mas, vá, vou deixar-me de conversas e vou à luta.
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E, continuem, por favor que, por aí abaixo, há agora as igrejas e os santinhos.

E, para quem queira depois, como eu fiz, visitar os passadiços, faça favor: é aqui.

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terça-feira, maio 19, 2015

O senhor subcomissário bateu no adepto benfiquista à frente dos filhos? Pois não vou falar disso. Sou contra a violência. Sou a favor do amor. Diz André J. Gomes, um verdadeiro pipoco nestas coisas do amor: O amor é para os atrevidos, deixe de coisa e vá buscar o seu. Ninguém sofre de amor, a gente sofre é quando ele falta. Quanto mais amor a gente tem, mais medo a gente sente.


Os media andam doidos, cheira-lhes a confusão com futebol à mistura, coisa do melhor que há.

À falta de tremores de terra, naufrágios ou atentados bombistas, descarrilamentos ou atropelamentos, roubo de esticão, provocações passistas, sms para maria-amélias,
(e andando a ministra-loura de bico calado, o c-rato tão disfarçado de bom menino e todos os outros tão caladinhos, tudo na moita a ver se a gente se esquece deles; 
e sendo já um déjà-vu que o Super-Judge Alex esteja em todas tal como que o Prof. Marcelo comente sobre tudo e apresente livros em todo o lado, ambos a comprovarem que a ubiquidade é um dom com que foram abençoados, mais omnipresentes que Deus nosso Senhor) 
atiram-se como cães a bofe à confusão armada no fim do jogo do Benfica. Os polícias bateram nos adeptos, os adeptos bateram nos polícias e o frenesim que isso gera nas redacções é uma festa. Mas não é só nas televisões, é também nos jornais online. Já nem é tanto aquilo do Benfica ter ganho o campeonato que interessa, é mesmo o furdunço que houve a seguir.

O momento mais épico aconteceu quando a polícia bateu num senhor à frente dos filhos e do pai. O BE já pediu explicações, o senhor sub-comissário diz que o pai das crianças ameaçou cuspir-lhe, a criança já não quer jogar futebol, toda a gente esqueceu o menino que apanhou estalos ou o outro das orelhas grandes, agora toda a gente se concentra na tareia que o senhor levou. 


Note-se que não estou a sub-valorizar o episódio -- que acho a todos os títulos lamentável -- mas sim a desviar-me da forma histérica como a comunicação social repete até ao enjoo imagens de violência, quase a banalizando, quase banalizando a forma como toda a gente é levada a manifestações de repúdio instantâneas que apenas duram até à próxima.

E agora, enquanto escrevo, já estão os comentadores todos num excitex, animadésimos, uns contra uns, outros contra outros, advogados, ex-ministros, tudo opina minha gente, tudo disserta sobre leis, sobre moral e sobre costumes - e já ninguém quer saber das crianças que assistiram à violência sobre o pai ou do pai que assistiu à violência sobre o filho.

Ora quem sou eu para me pôr a competir com tão ilustres opinadores...? Ninguém.

Viro para a RTP1, Prós e Contras, a Fátima Campos Ferreira tão dramática, invasiva e grandiloquente como sempre. Falam da desregulação do trabalho. Até poderia ser interessante mas a esta hora estou sensível, ouvidos sensíveis, alma sensível, toda eu a precisar de paz e sossego, vozes em pianíssimo. Por isso mudo-me.


A seguir é o FMI que quer mais austeridade, parece. Não se sabe se é a Lagarde -- o Blanchard não é de certeza -- talvez seja o Subir, quiçá até o careca. Mas não vou comentar, que aqueles lá gostam é de jogar aos jogos de soma nula, um diz uma coisa, outro diz logo a seguir o contrário. Uns brincalhotos.


E aí vou, eu, portanto, tentando em vão descobrir alguma coisa que se aproveite. Mas qual quê? Só disto.

Por isso, com vossa licença, vamos mas é dar uma voltinha ao jardim dos amores.


Pipoco e uma namorada no metro - a arte antiga nos tempos modernos


Descobri, na Revista Bula, um cronista mesmo à maneira: sabe do amor à brava e partilha o que sabe, nada destes nossos experts, mais doces ou mais salgados, que gostam de se armar em bons, apregoando conhecimentos, conquistas aos molhos, e, com ar displicente falam de decotes assim, decotes assado, e, como se desdenhassem, vão deixando cair umas dicas de quem supostamente é grande connaisseur na matéria, minhas senhoras para aqui, minhas senhoras para acolá - mas de onde nunca sai ensinamento útil ou dissertação que possa fazer escola.

Pois este André J. Gomes parece saber do que fala e escreve com aquele torrãozinho de açúcar nas palavras que faz a prosa rolar gostosa, não se limitando ao título ou a duas ou três frases soltas que chamam clientela mas que insinuam mais do que fundamentam. Não, aqui o André percorre com sabedoria todos os caminhos do amor: a insegurança, o medo, a persistência. Tudo. No que abaixo transcrevo limito-me a extractos de três crónicas mas tem lá para um tratado das paixões da alma.

E não estou a brincar, concordo com tudo aquilo que ele diz. Capaz de toda a gente concordar que, quando a prosa é solta, a gente gosta mesmo que seja só por gostar e, enfim, nisto também já não há muito a inventar.







O AMOR É PARA OS ATREVIDOS. DEIXE DE COISA E VÁ BUSCAR O SEU



Então fica assim. Para o bem de todos os amantes, para a saúde de todo ser amado, quem quiser um amor verdadeiro vai ter de ir buscar. Esse negócio de esperar no sofá, a TV ligada, o olhar perdido, a vida em estado de suspensão por longos fios de baba enquanto a pessoa perfeita não vem, tudo isso fica revogado até segunda ordem. Desista que do céu não vai cair.

Quer amor? Levante e vá buscar. Não tem delivery, compra por catálogo, encomenda, disque-pizza. Não se pode pedir pela Internet. Faça por merecer!

Aos distraídos de boca aberta, os encalhados na correnteza, os pesos mortos e os zumbis sentimentaloides só chegam moscas, mariposas, lesmas, vermes e outros pequenos bichos. O amor é para quem sabe o que quer e, sobretudo, para quem sabe o que oferecer.

É para quem se atreve, se arrisca e se lança. Para os que ousam devolver o prato mal feito e o que mais não serve, para os insubordinados e os insatisfeitos, aqueles que procuram sem fim. Procuram até achar. E se acaso encontram e perdem de novo, retomam a busca sem frescura.




NINGUÉM SOFRE POR AMOR. A GENTE SOFRE É QUANDO ELE FALTA



Quem já andou de amores por aí sabe bem do que se trata. Entende como funciona. Sentir amor é a maior sorte que a vida nos dá. Do sentimento amoroso brota um mundo inteiro de possibilidades novas, vontades honestas, intenções felizes, projetos abençoados. Do amor vem todo o resto.

O amor nos empurra para a frente, nos leva adiante. Faz nascer em nós razões irresistíveis e toda sorte de desejos, ímpetos e motivos para romper amarras mesquinhas, vencer torcidas contrárias, superar encalhes derrotistas, evoluir, melhorar. E merecer mais amor.

Aos sortudos escolhidos na roda dos acasos, o amor chega trazendo fortuna. Melhora a pele, desopila o fígado, clareia a vista. Amor jamais segura, não atravanca e nem atrasa. Amar faz bem e ponto.

Sentir amor faz de nós bombas atômicas ambulantes, reagindo em cadeia aqui e ali com outros seres amorosos, varrendo a terra de ternuras. Quem sente amor o espalha pela vida, transborda o mundo de festa. É o que nos salva da sanha dos patifes, invejosos, cretinos, estúpidos e patetas tão dedicados a distribuir descaso e apatia e desamor.

Amar o ser amado, um ofício, uma ideia, um sonho, não importa o quê. Amar faz bem e só. Sempre! Quando faz “mal”, como acontece a quem ama e não se sente correspondido, já não é amor. O que machuca quando o amor não é recíproco é a frustração, a carência e esses sentimentos decorrentes da indiferença do outro. Não o amor.

Isso também acontece com o amor não declarado, não vivido: o que castiga é a ansiedade, a aflição, a espera do que nunca vem. Não o amor. 

(...)

Ninguém sofre de amor, não. A gente sofre é da falta dele. Amar nos dá sorte. Enche os olhos de sonhos e os dias de esperança. Quem ama não faz jogos. Ama simplesmente. Jogos são para apostadores. Amor é para os amantes.

(...)



QUANTO MAIS AMOR A GENTE TEM, MAIS MEDO A GENTE SENTE



Quem tem amor tem medo. Eu tenho. Todo mundo tem. É assim mesmo, sempre foi. Uns têm mais. Outros, menos. Outros tantos, quase nada. Tem ainda os que morrem de pavor mas vivem negando. De qualquer jeito, toda criatura que sente amor, toda alma que já amou alguém na vida também já sentiu medo.

(...)

É medo de ver o amor acabar como acabam a água, o leite, a comida da despensa. Medo de não ter para onde ir buscar mais. Medo da sombra que paira no olhar da pessoa amada depois do riso, medo de não ser aceito, medo das conversas pontuadas de silêncios tensos.

Também tem o medo da insegurança que vira e mexe nos acomete e, por ironia suprema, nos afasta de quem amamos pelo simples pavor de perder.

Há quem sinta medo de deixar o medo travar-lhe as pernas e endurecer-lhe o coração. Medo de se permitir paralisar. E tem aqueles que sentem medo de não perceber o óbvio: aos que amam, o medo é um aviso sublime. É o alerta divino para cuidar do amor. É a consciência de que o ser amado pode partir, de que o amor periga fraquejar ninguém sabe quando. Então é melhor amá-lo agora e amanhã e depois e depois e depois. Só assim o medo esmorece. E se esconde no escuro solitário do porão.

Amor é sentimento irmão do medo. Quem tem um, tem o outro. Pode ser pouco, pode ser muito. Mas há sempre um medo repousando no coração dos amantes. Ou para que serviria a tal coragem de quem ama se não há medo nenhum a enfrentar?

Então, que o amor nos venha cheio de medos inevitáveis. Que venha! É melhor viver com amor e sentir medo que morrer de medo e viver sem amor.

(...)


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O eterno ele-ela


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  • A música lá em cima é Fadinho de António Chainho com Marta Dias
  • A primeira imagem é photoshop puro, uma pintura de antanho transposta para uma estação de metro, da autoria do ucraniano Alexey Kondakov.
  • As restantes ilustrações são aguarelas de Elena Romanova
  • As crónicas completas, estas e outras, de André J. Gomes podem ser vistas na Bula.
  • O bailado está a cargo de The Nederlands Dans Theater, numa coreografia de Jiří Kylián
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um dia muito feliz.

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quarta-feira, setembro 10, 2014

O que é a beleza? O que é uma mulher bonita? E se a beleza for fruto da maquilhagem ou de plásticas? E é isso relevante para o amor? Ou para alguma coisa?


No post a seguir falo do primeiro debate televisivo antes das primárias entre os dois candidatos à liderança do PS. Judite Sousa, essa mulher que está a revelar ter rara fibra, moderou as contendas. Debates como estes não esclarecem nada em termos programáticos, dois minutos para cada resposta não dão para aprofundar coisa alguma, mas, em contrapartida, desvendam de forma algo brutal o que é a personalidade e o carácter dos candidatos. António Costa e António José Seguro, de certa forma, desnudaram-se perante nós.


Mas isso é a seguir.

Aqui, agora, retomo o texto que há uns dois dias já tinha começado. Já está um pouco fora de tempo. Vim do Algarve no sábado à tarde mas parece que já foi noutra era. O tempo na cidade corre muito depressa. Por isso, é hoje ou nunca que o completo.

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Um hotel grande e cheio é uma espécie de micro cosmos. Gosto de observar tudo e, muito em especial, as pessoas. Tivesse eu mais descaramento, pedia autorização para fotografar algumas pessoas e fazia-lhes perguntas, tentava perceber a sua história. 









No outro dia, na piscina interior que é a que prefiro quando o tempo cá fora está fresco, estava um casal que podia ser árabe ou talvez indiano, não consegui perceber bem nem pelo tom de pele ou feições nem pela língua que falavam. Mas deveriam ser muçulmanos: ambos vestidos de preto, sentados na escada da piscina, dentro de água. Ele tinha calções justos pelo joelho e blusa de mangas compridas, ela calças justas até aos tornozelos, blusa de gola quase alta e mangas compridas, tudo justo, de lycra, e uma criança de uns cinco ou seis anos também vestida de alto abaixo mas de azul. A criança tinha medo da água, estava com um colete insuflado e não largava os pais. Os pais sorriam. Quando passei por eles, e passei várias vezes, eles sorriam-me e eu sorria para eles. Depois eu fui pôr-me debaixo de uma das cascatas e ela sorria e falavam ambos a sorrir, enquanto olhavam para mim. Quando saí, ela foi a andar pela piscina e foi lá pôr-se, sorrindo imenso, sorrindo para mim como que contente por estar a fazer o mesmo que me tinha visto fazer e o marido sorrindo para ela. A criança chorava desalmadamente ao ver a mãe debaixo daquele cacho de água mas eles sorriam. Depois o marido tentou nadar mas não sabia, dava umas braçadas com grande falta de jeito mas sorria e a mulher sorria para ele. Não estava mais ninguém na piscina, eles estavam à vontade e eu também lhes sorria quando eles sorriam. Poderiam parecer ridículos assim naqueles propósitos mas, a meus olhos, não achei nem um pouco. Fiquei a simpatizar com eles. Quanta diferença para eles a nossa cultura e, no entanto, ali estavam numa situação de compromisso, todos vestidos dentro de água mas tão enternecidos um com o outro.


Passado um bocado chegou um homem enorme, andar confiante, um bocado gordo, seria talvez um alemão. Mas tão alto era que quase não parecia gordo. Nessa altura o casal com a criança saíu da água e foram-se embora, embrulhados em toalhas.

Meio mundo anda agora com tatuagens, nuns casos só se vê quando estão despidos mas há casos de pernas e braços que desfeiam completamente quem os tem. Flores, pássaros, tartarugas, símbolos orientais, frases, desenhos que não entendo. Mulheres com aspecto normal e com as pernas e braços tatuados de alto a baixo. Fica estranho, não vejo beleza naquilo. E, no entanto, lá andam com manifesta auto-confiança, achando belo aquilo que eu acho feio.

Mas o dito grandalhão tinha uma tatuagem horrenda. Uma cara de bebé em tamanho natural e com as cores de uma cara de bebé, cara cor de rosa, cabelo louro, olhos azuis. Mas feio de dar dó. Ora o estúpido é que a criança poderia até não ser feia mas, com a barriga do pai dilatada como estava, a criança parecia deformada, estranha, desumana. Que ideia mais estúpida a daquele homem. Devia ser a cada do filho ou filha em bebé mas deve ter-se esquecido que, para a criança se conservar linda como devia ser, ele teria que se manter esbelto como era quando se fez tatuar. Imagino a cara daquele bebé quando o pai tiver refegos ou peles no lugar da barriga. No entanto, ele, se calhar, ainda gosta de se ver com aquele rosto com aspecto aterrador gravado no seu corpo. Imagine-se, se um dia se separa e volta a arranjar namorada, o susto de horror que ela soltará quando o homem se despir. Credo. E, no entanto, ele parecia ostentar aquela obra de arte com orgulho, como se achasse bonito, como se se achasse bonito com aquilo.


Mas aquilo de que eu me estava a lembrar quando comecei a escrever isto era de um casal de idade indefinida. Não eram já novos, eu diria que uns quarenta e muitos, ele talvez já passasse dos cinquenta e ela, se os não tinha, andaria perto. Ambos pouco dotados em termos de beleza. Num homem disfarça mais - este era mal jeitoso, mal acabado, mas a coisa não era dramática - mas nas mulheres a coisa fica mais exposta. Coitada, mesmo feiinha, cabelo muito fraco e baço, boca com um riso feio, as gengivas de fora quando se ria, pele com problemas, toda ela feiinha mesmo. Tinham um filho, um menino de uns sete ou oito anos, também não muito bonito mas muito simpático, que ambos tratavam com desvelo de avós. Ao princípio, pensei que eram os avós do menino mas logo ouvi a criança a tratá-los por pais. Mas o que me enterneceu mesmo foi o amor entre eles, sorriam-se, trocavam olhares cúmplices, volta e meia as mãos tocavam-se, um afecto indisfarçável. Quando ela se levantava para ir buscar alguma coisa, ele ficava a segui-la, nitidamente achando-a linda. A beleza deles passou para plano muito secundário depois de assistir à ternura entre aquelas três pessoas. De cada vez que o miúdo dizia alguma coisa, eles sorriam embevecidos e olhavam na minha direcção como que para ver se eu tinha ouvido aquilo que eles achavam uma prova da inteligência ou graça do filho. E eu sorria também, para que soubessem que tinha testemunhado o momento e que compreendia a razão de tanto embevecimento.


Sempre trabalhei em empresas com muitas mulheres (não em funções de gestão mas noutras). Havendo muitas, há de todos os tipos. Tenho constatado que é normal que as mulheres feias e mal jeitosas, tenham vidas conjugais mais estáveis e, aparentemente, mais felizes do que as que são espampanantes.

Sempre houve mulheres que se destacaram. Lembro-me, em particular, de uma que era (e ainda deve ser) o chamado avião, aquilo a que dantes se chamava uma brasa. Toda ela, da cabeça aos pés. Ela sabia disso e usava e abusava da sua beleza e do seu corpo escultural. Toda ela era um convite explícito. Eram-lhe atribuídos inúmeros romances e sei, de fonte certa, porque era notório que sim e porque ela o confessou a outros que não fizeram disso segredo, que teve vários casos com vários homens casados, geralmente colegas com posições de relevo na empresa. E, no entanto, com aquele corpo e aquela cara de pecado, devia ser das poucas que não tinha marido, namorado ou relacionamento de que falasse (talvez porque eram sempre clandestinos). Talvez seja a síndrome das mulheres belas demais: são tão desejadas que às tantas querem tudo o que se lhes oferece de bandeja, ou esperam sempre que algum deles largue a respectiva mulher para ficar com ela e geralmente não largam. Era tão bela e, no entanto, aparentemente, tinha uma vida afectiva menos realizada do que as amigas feias com quem trocava truques de maquilhagem. Volta e meia ia para o corredor perto da casa de banho telefonar e por várias vezes a ouvia a discutir, que tu não tens razão, que porque é que dizes isso, que diz lá o que é que eu disse para tu dizeres isso. Mudavam os affaires mas os dramas eram sempre do mesmo tipo.


Vi e fotografei vários casais passeando na praia, especialmente casais de alguma idade. Noto que se tornam quase parecidos tal a afinidade entre eles. Enternecem-me os casais que, apesar da idade avançada, caminham de mãos dadas ou que vão andando e conversando, as palavras como elos de afecto que se vão desdobrando e abraçando aqueles corpos moldados pelo tempo. Interrogo-me sempre: porque é que se desprezam os velhos apenas porque são velhos? Porque se pretende que, por serem velhos, não devem expressar opiniões públicas? Porque se acha que ficam ridículos os velhos se manifestarem jovialidade? Porque é que as mulheres escondem ou disfarçam a idade? Uma mulher ou um homem podem ser tão belos, sendo velhos, enrugados. E a opinião de um velho é preciosa: ela contém uma vida inteira de vivência, contém despojamento, verdade, compaixão.


... & ...



Não sei bem qual a moral da história. Nem sei se há grande ligação entre tudo isto que fui escrevendo sem grandes preocupações de coerência. Não sou boa com coisas do foro da moral. O que sei é que a beleza não é livre trânsito para coisa nenhuma e que ninguém deve sentir-se infeliz por não seguir os cânones de beleza, tal como ninguém se deve tornar vítima da procura de um ideal de beleza que, muitas vezes, é artificial. E sei também que a beleza - em abstracto - é indefinível. Quem o feio ama, bonito lhe parece.

Nesta era de revistas de moda e beleza para todos os gostos, de blogues que têm milhares de visitas diárias por divulgarem dietas, truques de maquilhagem ou sítios onde se vende roupa da moda, há uma campanha que despertou a minha atenção. Chama-se Stop The Beauty Madness e anuncia-se dizendo:


There Comes A Time When You Have Simply Had Enough
Enough of the impossible standards. Enough of the "ideal" image. Most of all, enough of the feeling of NOT ENOUGH when it comes to your own beauty. There also comes a time when an entire culture of women have had it. When blogs and ad campaigns and AS-IS selfie pictures start to change the rules of the game.


Algumas mulheres já aceitaram divulgar as suas fotografias sem maquilhagem e a surpresa é grande. Afinal a beleza que desperta inveja é muitas vezes construída. De facto, quando se levantam, têm as mesmas imperfeição que qualquer mulher normal tem. Algumas já se expuseram: Jennifer Lopes, Kate Perry, Gwyneth Paltrow. Susana Vieira. E muitas mais.







Depois desta conversa e destas imagens todas, e para rematar, escrevi uma frase que tinha a ver com felicidade, beleza, genuinidade, afecto. Mas depois apaguei, soava-me a lugar comum. Não é que as principais linhas mestras da vida sejam incomuns ou apenas possam ser expressas através da grande literatura ou de pensamentos profundos mas, enfim, para dizer o óbvio mais vale ficar calada.


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A canção lá em cima é interpretada por Marta Dias com António Chainho e chama-se Fadinho Simples.

O último vídeo mostra um excerto do filme 'Cet amour-là' com Jeanne Moreau e Aymeric Demarigny fazendo, respectivamente, de Marguerite Duras, então uma mulher velha, e Yann Andréa, um homem jovem, seu amor e companheiro de fim de vida, aqui ao som de Capri, c'est fini. O filme baseia-se no livro homónimo de Yann de quem já em tempos aqui falei.

As primeiras imagens pertencem à campanha Stop the Beauty Madness e as últimas mostram actrizes conhecidas pela sua beleza e sensualidade fotografadas sem e com maquilhagem.


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Relembro: sobre as minhas impressões a propósito do debate entre António Costa e António José Seguro na TVI com moderação de Judite Sousa, é favor descerem até ao post seguinte.


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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quarta-feira!


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segunda-feira, abril 30, 2012

Ginjal com chocos e gaivotas, Chiado, Livraria Bertrand, Santa Catarina, o Elevador da Bica e Adamastor no miradouro, Belém com veleiros e gaivotas, Skapinakis no CCB em dia de música - ao som de Marta Dias e António Chainho; e ainda um poema dito de António Ramos Rosa


Música, por favor

Marta Dias com António Chainho interpreta Fadinho Simples


Quando eu era pequena gostava muito de andar no campo, de correr. Havia entre a casa da avó - onde ficava quando saía da escola e até chegar a hora de ir para casa dos meus pais - e a escola uma ladeira muito íngreme. O que eu gostava de vir desde lá de cima a correr...! Ganhava balanço, a velocidade ia aumentando e eu sentia que, se quisesse parar, não o conseguiria. Sentia que quase voava.

Ainda hoje tenho nos joelhos marcas das quedas que ali dei. 

Na parte de cima da casa dessa minha avó, havia campo, muitas árvores, montes, pedras. Era também para aí que eu gostava de ir brincar. Via os pássaros, adorava andar à procura de ninhos, para espreitar os ovos. Pouco parava dentro de casa. 

Também, por essa altura, perto da casa dos meus pais havia campo. Agora já pouco há, quase só casas. Mas na altura havia largueza, um ar muito puro, e era também à solta que eu mais gostava de andar.

Quando comecei a namorar, novinha, dava grandes passeios com o meu namorado. Jardins, beira mar e, também, livrarias. Mais tarde, por alturas da faculdade, assim me mantive, jardins, parques, praia, beira-rio  e, por essa altura, para além de livrarias, também museus.

Ainda hoje sou assim. Por força das circunstâncias obrigada a trabalhar, fechada, em ambiente de escritório, logo que posso é a andar ao ar livre, a passear, a calcorrear livrarias e museus que eu me sinto melhor.

Temo maçar-vos com a descrição recorrente destes meus passeios mas, gostando tanto de os fazer, gosto também de partilhar convosco este gosto.

Por isso, com as minhas antecipadas desculpas pelo déjà vu, aqui vos dou conta do dia de hoje, um dia que, para mim, foi uma maravilha.

Eu, caminhante, qual ave em terra, lá fui. E, claro, vocês já me conhecem, lá fui fotografando tudo.




Comecei, claro, pela beira do rio.



Hoje as gaivotas voavam alto, muito alto, voos largos, uma fantástica dança aérea.

Gosto de fotografar os pescadores. São pessoas que se encontram envoltas em azul, no meio de vastos horizontes, no meio da beleza, numa tranquilidade expectante. Quando são em sucedidos nas suas pescarias, sinto que gostam que eu registe o fruto do seu sucesso.

Hoje um apanhou um belo choco.



Colocou-o no chão, creio que de propósito para eu o fotografar. Reluzente, o choco agitava-se na calçada. Vejo agora na fotografia que até ficou com uma pena de gaivota presa na viscosidade da sua pele. E um belo cheiro a maresia sempre presente.

De tarde, depois de almoço na zona do Chiado, novo passeio.



Início no Largo do S. Carlos, junto à estátua de Fernando Pessoa, não a da Brasileira mas esta, de um Pessoa com um livro no lugar da cabeça.

A seguir, visita a um local de recordações, a Bertrand do Chiado, uma livraria linda, em que se vai de sala em sala e dentro da qual tanto tempo passei, tantos livros comprei.



Quando eu andava na faculdade e havia os saldos da Bertrand eu gastava todo o dinheiro que tinha e não tinha, era uma perdição.

Junto ao Teatro São Luíz, carrinhas das estações de televisão e muitas pessoas, algumas conhecidas, que iam recordar a pessoa feliz e boa que era Miguel Portas. Vi agora na televisão que foi um ambiente de ternura que, de forma muito digna e tocante, envolveu a sua memória. Os seus pais sentiram, certamente, muito orgulho no filho que ficará para sempre no coração de toda a gente; e os filhos, tão bonitos, meiguinhos, sentiram também, com certeza, que o seu pai foi um homem muito especial.

A seguir o passeio dirigiu-se a um dos vários miradouros da cidade, desta vez a Sta. Catarina.



Um local belíssimo, cheio de tradição, mas no qual encontrei uma frequência algo duvidosa. Não é que eu as receie mas uma excessiva profusão de rastas, cerveja a litro, cigarros e cheiros algo suspeitos tornam o local muito pouco ecológico.



Mas, enfim, bonito na mesma, o Adamastor imponente a desafiar todas as rastas deste mundo.

A seguir, de novo em direcção ao rio. Àquela hora da tarde, o rio estava platinado, brilhante, de uma beleza quase insuperável.


Naquelas gradações de prata brilhante do Tejo, os veleiros ficavam quase abstractos contra a luz. E as gaivotas sempre presentes, sempre belíssimas.

A nossa ideia era ir ver a World Press Photo no Museu da Electricidade mas a grande fila cá fora dissuadiu-nos, pelo que nos pusemos a caminho do Centro Cultural de Belém. Em dia de festa da música, uma numerosa multidão animava o espaço. Aliás, desde o restaurante até ao Chiado, à beira do rio e ao CCB a presença de turistas era assinalável. 



Acabámos por ir ver a BES Photo 2012 e a retrospectiva 'Nikias Skapinakis, presente e passado, 2012-1950' ao Museu Berardo.

Na altura havia jazz no ar, vindo de um concerto que devia decorrer num pavilhão pois o som era bem audível, uma maravilha.

Muito mais gente do que é costume, na maior parte estrangeiros. Não interessa. O que interessa é que hoje encontrei um museu vivo, com gente a falar ou a ver em silêncio, a fotografar, a rir com algumas peças - ou seja, um museu como os museus devem ser, um local onde é bom estar.

Destaco em especial a exposição de Skapinakis. Muito completa, muito apelativa, um gosto.



Novos, velhos, crianças, toda a gente apreciava com alegria a imaginação fértil, o sentido de humor e o equilíbrio da obra de Skapinakis.




Termino porque vocês, meus queridos Leitores, já devem estar maçados com estes meus passeios na cidade. Mas eu gosto tanto de me deleitar com a beleza natural que nos rodeia e com as diversas manifestações da arte que fico a sentir-me quase na obrigação de vos dar testemunho da alegria e prazer que é percorrer estes caminhos.

Já agora: não custa dinheiro. A entrada no Museu Berardo é gratuita; a rua, os miradouros, o rio, as gaivotas, os veleiros, também o são... (e não me alongo não vá o Gaspar ter alguma ideia infeliz). 

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Ouçam, agora, por favor, um poema de António Ramos Rosa


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[Já agora, antes de me ir: não querem dar uma espreitadela lá ao meu Ginjal e Lisboa? Hoje temos palavras em volta de um belo poema de Maria do Rosário Pedreira. E esta semana continuamos com a grande música e as grandes vozes: Puccini. Serão muito bem vindos por aquelas minhas bandas.]

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E tenham, meus Caros Leitores, uma bela semana a começar por esta segunda feira. 

E sejam muito felizes, está bem?