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quarta-feira, abril 18, 2012

A grande solidão, o pesado silêncio, os rostos despidos de olhar - e, por acaso, até não estou a falar dos dias de inquietação que vivemos mas, sim, do estranho mundo de Giorgio de Chirico


Música, por favor


Bernardo Sassetti - Da noite ao silêncio



Espaços abertos, desolados, uma imensidão desabitada. As sombras se existem são abstractas, as cores, que existem, são irreais. E há silêncio, muito silêncio, um estranho silêncio. Mas como descrever em palavras este silêncio tão vazio?



Há casas mas estão também vazias ou, então, estão ocupadas por rostos de pedra, por esfinges amorfas de expressão sombria, vultos sem nome; e há monumentos mas foram deixados ao abandono, um abandono asséptico, e não há qualquer forma de vida, apenas manequins sem olhos, estátuas ocas – e silêncio, silêncio.

Se há figuras, elas não são humanas embora adoptem posturas quase humanas. Mas, apesar de não terem feições, pela forma como inclinam a cabeça, podemos imaginar-lhes a tristeza, a pesada solidão. Ou, então, se as figuras são humanas, dir-se-iam pequenas figurinhas de brincar com que as grandes e silenciosas estátuas se entretêm.

E aparecem figuras com as vísceras à mostra mas as vísceras são afinal edifícios, esculturas, e se as figuras são femininas não são crianças o que os seus braços irreais embalam, são pequenos seres embrulhados (na verdade o que se vê é um pano que envolve qualquer coisa). Ou então, serão talvez pequenos seres vivos que os manequins pariram e que agora não podem amamentar, nem sabem o que fazer com eles e a inquietação quase nos invade.



E se há figuras que se abraçam, é, afinal, para partilharem estados de arte, uma arte em queda ou decomposição, não estados de alma.

A vida quedou-se nestes espaços de perdição, o que ficou foi um território desumano onde o vento não existe, onde a chuva nunca cai, onde o sol, se aparecer, será também sombrio, irreal.

Por vezes, nestas ruas que o tempo abandonou, vêem-se silhuetas mas parecem ser apenas as sombras de pessoas que, em tempos, passaram por ali, um homem passando, uma criança brincando. Dir-se-ia que as pessoas desapareceram e deixaram para trás, perdidas, as suas sombras.



Estes espaços de solidão, de quase absurda desolação, são os espaços que habitam a obra de De Chirico.

Claro que há os seus auto-retratos ou outras obras que diferem deste atmosfera rarefeita. Mas a impressão geral que nos fica é esta e foi, aliás, por estas obras que mais foi reconhecido.

Giorgio de Chirico, pintor italiano, nasceu na Grécia em 1888 filho de pais italianos. Viveu até 1978 em vários países (Grécia, Alemanha, França mas, sobretudo, em Itália). Casou duas vezes e, em ambos os casos, com mulheres russas. Pintor integrado nos movimentos metafísicos, surrealistas, pintor que subverte a razão de ser, Giorgio de Chirico é um dos pintores que vivem in heaven.



                      Cansei-me de tentar o teu segredo:
                                 no teu olhar sem cor, - frio escalpelo,
                                 o meu olhar quebrei, a debatê-lo,
                                 como a onda na crista dum rochedo.

                                 Segredo dessa alma e meu degredo
                                 e minha obsessão! Para bebê-lo
                                 fui teu lábio oscular, num pesadelo,
                                 por noites de pavor, cheio de medo.

                                 E o meu ósculo ardente, alucinado,
                                 esfriou sobre mármore correcto
                                 desse entreaberto lábio gelado:

                                 desse lábio de mármore, discreto,
                                 severo como um túmulo fechado,
                                 sereno como um pélago quieto.

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Giorgio de Chirico -
o trailer de um Documentário que deve ser bem interessante


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O poema acima é Estátua de Camilo Pessanha in Clepsidra. 

E, por poesia, convido-vos a virem até ao meu Ginjal e Lisboa, a love affair. Hoje as mihas palavras voam em volta de um amigo especial e é Emerenciano que regressa. A voz é de Jennifer Larmore para Rossini.]


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Tenham, meus Caros, uma bela quarta feira.
De preferência, sem sombra de inquietação, afastados da solidão, com sorrisos no vosso olhar!