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quinta-feira, agosto 18, 2022

7 sinais de genuína inteligência que não se conseguem fingir

[E a forma bizarra como Madonna se apresenta nos seus 64 aninhos]



Já fiquei mais descansada. Em alguns dos mais banalizados testes de QI aparecem aquelas figuras de triângulos dentro de quadrados, em que a disposição dos triângulos brancos e pretos vai evoluindo e é preciso descobrir qual a sequência que se segue. Outras vezes são sequências numéricas ou outras. Não sei porquê o meu cérebro rejeita tudo isso de forma tão liminar que se recusa a olhar e a pensar. Sou tentada a responder ao calhas. É que poderia esforçar-me e falhar em toda a linha. Mas não, é pior que isso, é rejeição absoluta. Por algum motivo, acho aquilo tão absurdo para provar o que quer que seja que a pachorra se me evapora instantaneamente ainda antes de começar. E, por esta séria lacuna, sempre pensei que a minha inteligência tinha certamente uma falha fatal.

Agora, ao ver o vídeo que abaixo partilho, não concluo que não tem mas concluo que a falha não se deve, forçosamente, à incapacidade em resolver aqueles irritantes testes.

Felizmente nunca tive que fazer um teste daqueles para arranjar emprego senão não tinha passado da porta de entrada. 

Fiquei também confortada ao ver confirmada uma opinião que tenho sempre que ouço alguém, muito satisfeito consigo próprio, tantas vezes referindo-se a uma decisão questionável que, em tempos, tomou, dizer qualquer coisa como isto: 'A prova que na altura tomei a decisão correcta é que, se fosse hoje, tomá-la-ia outra vez, exactamente igual '. É que até pode ser mas, caraças, o que é que aquilo prova a não ser que quem o diz é uma pessoa algo limitada? Que raio de raciocínio é aquele? As circunstâncias mudam, nós mudamos, os outros mudam. Então porque é que é axiomaticamente acertado tomar exactamente a mesma decisão tempos depois? 

Em minha opinião, os sinais de inteligência de uma pessoa são vários e eu, já aqui o confessei tantas vezes, tenho grande admiração por pessoas inteligentes. A meus olhos, uma pessoa inteligente cintila. 

Em contrapartida, a burrice encanita-me cá de uma maneira... 

Mesmo aqui na blogosfera, não consigo deixar de rosnar entredentes quando vejo coisas que tresandam a burrice. Eu a ler coisas que quem escreveu acha, certamente, o máximo e eu, cá para mim, 'Ca ganda burra. Chiça penico...!'.

Tem razão o Mestre com quem tenho trocado umas ideias ao alertar para os perigos que a inteligência por vezes acarreta. E, concordo, é bem verdade que alguns seres inegavelmente inteligentes foram (ou são) uns estupores encartados. Mas, por outro lado,  se conseguirmos despir-lhes a identidade, o que fica da sua inteligência ilumina a nossa existência.

Claro que, se com a inteligência, vier a bondade, a tolerância, a afectuosidade, a graça e todas essas características que deveriam ser intrínsecas a todos os seres humanos, melhor, mil vezes melhor. Senão, a gente tem cuidado, guarda distância e fica só com o produto que nasce do estafermo, seja palavras, pintura, música -- o que for.

Agora que escrevo isto penso num colega que tive. Sempre que tinha algum trabalho complicado em mãos, algum relatório mais cabeludo para concluir, algum projecto mais crítico para lançar, era de fugirmos dele. Intratável. Rude, cafajeste. Outras vezes, na reuniões, saía-se com coisas que deixavam toda a gente gelada, incomodada. Era de uma franqueza desabrida. Creio que lhe faltava inteligência emocional. Mal o stress passava, era de uma pessoa se deliciar com as piadas, com a ironia oportuna e implacável. Tinha ainda uma particularidade: tinha uma colecção infinita de música. LPs e CDs, milhares. De cada obra tinha todas as derivações que conseguia descobrir: maestros, intérpretes, gravações em estúdio e ao vivo. Para gerir a colecção tinha uma base de dados que mantinha actualizada e que permitia pesquisar por cada um dos parâmetros que, para ele, fazia a diferença. Tinha quse tnto orgulho n bse de ddos quanto na colecção. Agora que os suportes físicos estão a cair em desuso não sei como estará a completar o seu tesouro. Sendo uma pessoa com competências reconhecidas na sua área de trabalho, tinha depois esse seu lado de melómano que o fazia virar outro quando disso falava. Eu gostava imenso de conversar com ele. Tinha sempre uma perspectiva diferente e interessante das coisas e eu aprendia sempre com ele. 

Contudo, sempre que eu falava dele, quase toda a gente se torcia e fazia um esgar de desagrado: 'Esse traste' ou 'Um mal-educado' ou 'Um tipo perigoso'. 
Aqueles ataques de franqueza desassombrada de que por vezes parecia possuído causaram problemas a muito boa gente. Diziam que desferia golpes baixos quando menos se esperava. Nunca me pareceu que o fizesse premeditadamente ou para ajustar contas com alguém. Sempre me pareceu que era simplesmente desligado das conveniências sociais ou de preocupações em relação aos outros.

Outras vezes, quando se queriam referir a ele, diziam-me: 'O seu amigo' pois, de facto, acho que eu era a única pessoa que o suportava. E, ainda por cima, gostava dele. Desculpava-lhe os maus humores.


Mas isto para dizer que, vendo que o Psych2Go me caiu no goto, o menino algoritmo do youtube saiu-se com mais um vídeo daqueles em que se dizem coisas com piada e bem pensadas (textos de Max Gustavo) com uns bonequinhos fofos (feitos por Rose Lam), ditos por uma menina que tem uma vozinha soft e que fala das coisas num tom convincente e empático (Amanda Silvera de seu nome). 

Desta vez, o tema é a inteligência e sinais impossíveis de forjar e que evidenciam que ela está presente.

7 Genuine Signs of Intelligence You Can't Fake

Are you truly intelligent? Intelligence is a coveted thing, and we’re encouraged to “fake it til we make it” with things. But some things in life can’t be faked and real intelligence is one of them.

Here is a short list of the subtle signs of genuine intelligence. See if you can identify these traits in yourself. 

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A propósito de inteligência ou se calhar não tendo nada a ver, já que estamos na silly season, apetece-me agora mostrar a forma estranha como a Madonna está a ganhar idade (e digo assim e não a envelhecer pois a palavra envelhecer parece-me engelhada, mal amanhada). Fez 64 anos e, de facto, não tem rugas nem flacidez no rosto. Mas está inchada, desfigurada e, agora, tem tanta tralha na boca que nem sei o que me parece. E que ande a festejar os seus verdes anos dando beijos de língua a quem se senta ao seu lado só me faz sentir afortunada por nunca me ter acontecido tal golpe de pouca sorte.

Madonna Shows Off Her Custom Birthday Grillz and Reveals What Almost Killed Her Career



Madonna TONGUE KISSES Friends During Italian Birthday Celebration



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Pinturas de Jean-Paul Riopelle na companhia de Sheku Kanneh-Mason, Isata Kanneh-Mason que interpretam Song without Words, Op. 109 de  Mendelssohn

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Desejo-vos uma boa quinta-feira
Saúde. Boa disposição. Paz.

quinta-feira, julho 14, 2022

A desmontagem da história da carochinha (ie, da nato e dos nazis) e a explicação de como chegámos até aqui, se calhar ao início de uma diferente maneira de vermos as coisas

 


Na verdade, a canalhice de Putin foi um separar de águas. É pena que tantos mortos, tanta destruição, tanta expatriação, tantas vidas destroçadas tivessem que acontecer para que olhássemos o mundo e uns aos outros de uma outra maneira.

Alguns, avessos à clareza, virão falar das muitas sombras, para as diferentes tonalidades de cinzento. Há quem não queira ver o branco e o preto, apenas os cinzentos.

E depois há os outros, nos quais me incluo, que vêem os cinzentos mas também, e muito claramente, o branco e o preto. Há coisas que são inequívocas. Quem começou a guerra. Quem invadiu outro país. Quem, tendo invadido outro país, o está a destruir. Inequívoco. 

Virão os que gostam de se pôr do lado dos agressores, dos violadores. Dizem que os ucranianos se puseram a jeito: não quiseram ceder território à Rússia, quiseram ter a protecção da Nato, querem ser europeus de pleno direito.

Como se essas razões:

1 - não fossem legítimas (... e são!)

2  - fossem o motivo para que Putin levasse a cabo os crimes (... e não foram)

Pois bem. Todas as evoluções recentes desmontaram essa torpe e cobarde narrativa. A Rússia já veio dizer que não está nem aí para que a a Suécia e a Finlândia entrem para a Nato tal como há muito que deixou cair a história da carochinha nazi. Desde há muito que a Rússia o diz com todas as letras: quer alargar o seu território à Ucrânia, quer refazer-se da desonra da quebra da União Soviética. Desde há muito que Putin o diz à boca cheia: o que a move são os seus ímpetos imperialistas.

E é este ditador, protector de oligarcas, imperialista e criminoso que ainda tem quem o defenda. Podem sentir algum rebuço e, então, disfarçam-se de pacifistas. Mas, ainda assim mostram-se como pacifistas tendenciosos pois, para que haja paz, não defendem que Putin pare a guerra que começou. Não, querem que o povo ucraniano se renda, capitule, aceite ser russo. 

Contudo, no meio da desgraça podem vislumbrar-se alguns aspectos positivos. 

Fica mais claro quem defende a liberdade, a democracia, o respeito pelo direito internacional e quem, pelo contrário, defende tiranos, ditadores, corruptos, dementes, mentirosos, atrasos de vida.

Fica mais claro quem defende a paz. A paz baseada no respeito pela liberdade, pela democracia. Fica mais claro como a Europa é um conceito e um lugar de liberdade, de democracia.

A Europa tem defeitos? Tem. E tem, por isso, um longo caminho de melhorias a conquistar. 

A Europa fica fortalecida com a barbárie de Putin.

Fica também claro que é importante que os estados livres e democráticos tenham meios efectivos para se defenderem de intuitos criminosos e, claro, não apenas de intuitos mas, sobretudo, de actos criminosos.

Há a China, há a Índia? Claro que sim e de que maneira. Alguém ignora a relevância destes pesos pesados? Claro que não. Mas a forma como as peças agora se jogam no grande tabuleiro da geopolítica agora é outra. E cada vez o será mais.

O vídeo que aqui partilho é, em minha opinião, bastante bem feito, muito claro. Ian Bremmer fala sobre o assunto em mais um vídeo da Big Thing. 

How Russia’s war in Ukraine is birthing a new global order | Ian Bremmer

“This is much deeper than just ‘let’s figure out how we can get both sides to get along.’”


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As pinturas não têm nada a ver com nada. Escolhi-as apenas porque sim. São da autoria de Lee Jung Seob.

Sheku Kanneh-Mason interpreta Elégie, Rachmaninov

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Desejo-vos um dia bom
Saúde. Abertura de espírito. Paz.

segunda-feira, outubro 25, 2021

Agora que Outubro caminha para o fim, aproveitámos este domingo de sol para estarmos juntos e para tentarmos escapar aos desencabrestados ímpetos do little baby bear

 


Entramos, pois, na última semana de outubro. O mês rubro começa a despenhar-se nos dias curtos e escuros. Quando aqui chegamos sinto sempre uma certa nostalgia. E não sei se nostalgia é a palavra certa mas não me apetece usar a palavra certa.

Mas hoje o dia ainda esteve bonito. Um solinho ameno, brando, dourado, um calorzinho a querer despedir-se mas, entre vai e não vai, ainda gostoso de se sentir.

Agora, já o dia a dobrar, aqui no sofá, quase a dormir enquanto via o final do filme sobre o Madoff, reparei que estava a sentir-me apertada. 

Olhei para mim para perceber de onde vinha a sensação e só depois de perceber que não vinha da roupa visível é que me lembrei que ainda estou com o soutien vestido. Mas agora não o dispo senão esqueço-me dele aqui e ainda acontece o que aconteceu no outro dia. Vi o ursinho de peluche muito entretido num canto. Pareceu-me que estava com qualquer coisa preta na boca mas como todo ele é um tufo quase preto, não prestei a devida atenção, pensei que era uma falsa impressão minha. Mas, depois, pensei que, just in case, deveria validar. E nem queria acreditar. Estava todo entretido com o meu lindo soutien de renda preta, uma copa na boca, creio que tentando desacoplar uma alça. Fiquei passada. Assim de repente nem encontrei explicação para ele estar na sala a brincar com o meu soutien. Só depois me lembrei que eu, na véspera, em idêntica situação, me tinha desacoplado dele.

Se estamos apenas nós em casa, ando na maior liberdade de movimentos. Mesmo as reuniões remotas são feitas sem soutien. A liberdade de movimentos motiva a liberdade de espírito. 

Por isso, quando o tenho vestido parece que me sinto amarrada. Certamente ainda amarrada à memória de uma realidade que já foi a minha. 

Até corpete de renda, com mil colchetes nas costas já usei, um quase-espartilho em renda rosa e branco-pérola, lindo de morrer, que comprei no Soleil Sucrê em Bayonne. Já aqui contei e penso que, se estiverem para aí virados, merece ser relido pois prova bem a velha máxima de que o que tem que ser tem muita força.

Até as minhas caminhadas são, pois, quase sempre na total desportiva, o mais possível a l'aise.

Mas hoje foi casa cheia e, portanto, noblesse oblige, soutienzinho com ela. Só que, com a fera desencabrestada, excitada com tanta brincadeira, ao contrário do que era costume ao ver-me sozinha, hoje nem me lembrei de tirar todos os arreios.

A endiabrada criatura -- que toda a tarde correu, saltou, rebolou. arranhou, mordiscou, driblou, quis comer cogumelos frescos e cocós antigos e simulou actos indecorosos com algumas pernas que achou mais inspiradoras -- agora, aqui no chão, dorme o sono dos justos ao pé do sofá onde o dono faz o mesmo.

Os meninos gostam todos deste nosso novo familiar. Apenas a minha menininha mais linda ainda não se chega muito. Tem um certo receio. Eu era assim. Lembro.me de ver os meus filhos com a nossa cãzinha ao colo, na maior descontração, e eu incapaz de lhe pegar ou de me chegar muito. Tinha medo que se virasse a mim, que me mordesse, nem sei bem. Depois passou-me, claro. Mas foi um receio que tive que vencer. E a minha menininha também haverá de vencer os seus receios. Mas se todos gostam e todos têm ternura e grande à-vontade com ele, de todos é o mais novo da minha filha que mais brinca, mais se dedica a este endiabrado monte de pelo. Gosta mesmo, mesmo muito dele. E a pequena fera retribui-lhe o afecto. A ele e, de forma exuberante, à minha filha. Quando a viu ia-a devorando, tanta a alegria. Teve que trocar a mini-saia por umas leggings que lhe emprestei para não ficar com as pernas todas arranhadas. 

O mano do meio do meu filho trata-o por puto. E o que posso dizer do puto é que é uma ternura não doseada. E irrequieto, irrequieto, maluco, maluco.

Fotografei-o em plenas refregas mas tão escurinho é e tão depressa corre e salta que as fotografias ficam sempre pouco nítidas. Só fica bem quando está cansado e o pessoal aproveita para o ter ao colo. E aí é a ternura que se vê. Quentinho, fofinho, maciinho, um peluchinho que apetece ter aninhado no nosso colo.

Para além disso e do lanche e dos jogos e das conversas, tivemos, como sempre, os velhos números de luta livre. 

Desta vez, dois primos uniram-se para derrubar o pai de um e tio de outro, coisa que invariavelmente acaba com eles todos transpirados. Um deles, então, acaba sempre a escorrer. Também já têm acabado com algumas nódoas negras. Eu, se fosse comigo, ficava sem me mexer. Mas eles voam, saltam, dão cambalhotas e levantam-se sempre prontos para outra.

O teenager já não se envolve nisso, está grande, com o buço a despontar e preocupado com os seus testes, com os resultados dos jogos e com outros temas próprios dos 'crescidos'. A menininha mais linda ajuda na cozinha, ajuda a pôr a mesa, salta à corda, joga ao limbo e deixa-se estar deitada na relva, indiferente à batalha campal que ali vai, mesmo por cima dela. 

Estava com umas calças minhas pois as jardineiras que trazia não a deixavam ter a flexibilidade necessária para jogar ao limbo. O que vale é que a minha roupa dá para todos os números.

E o mais novo, o caçulinha mais lindo, sempre na boa, alinha com as brincadeiras de um e de outro, provoca a fera, atira-se do balouço e curte a feliz despreocupação da sua inocência.



Para além disso, posso ainda acrescentar outra coisa.

Temo os dias escuros, húmidos, frios, curtos -- o que é sabido. Prefiro que seja dia até ser tarde, andar ao sol, ver as flores resplandecentes de luz. Mas tudo tem um lado bom e, por isso, já estive a inventariar as pinhas que estão perto de casa para quando acendermos a lareira. Gosto muito de estar ao pé da lareira: gosto do quentinho aconchegante e bom, gosto da luz do fogo. Gosto. Portanto, vou tentar não me queixar mais por Outubro estar a chegar ao fim pois não tarda poderei estar a trabalhar ao pé de uma lareira acesa e isso, caraças, também é bom demais. 

Daqui a nada, também irei assar castanhas e o perfume das castanhas assadas também também vem com a minhas boas recordações ao colo. 

Num outro mundo, comprava-as na rua e recebia-as num cartucho feito com jornal ou com uma página das páginas amarelas. E sabiam-me pela vida. Não sei para onde foi esse mundo ou para onde foi a minha vida que nunca mais comi castanhas assadas na rua. 

Mas castanhas assadas a la maison e comidas à beira de uma lareira acolhedora também é coisa boa, daquelas que têm o sabor bom da saison. Reza a lenda que deveriam ser acompanhadas com uma água pé mas isso não, obrigada. Talvez um medronho ou uma ginjinha de Óbidos. On verra.


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Desejo-vos uma bela semana a começar já por esta segunda-feira

sábado, outubro 02, 2021

Romãs a caminho de serem rubras-romãs para retribuir a gentileza da autora dos Atalhos de Campo

 

Quero agradecer-lhe as suas lindas romãs já com o rubor de Outubro. Mas, sem caixa de comentários aberta ou endereço de mail para onde se possa escrever, tem que ser mesmo aqui, desta forma a modos que esdrúxula. 

Estão lindas, T, certamente com uns belos e sumarentos bagos, bons para trincar. E a fotografia fá-las parecer ainda mais sedutoras.

As minhas são umas meninas do coro ao pé das suas que já se mostram maduras e prontas para serem degustadas. 

Como abaixo de pode ver, as minhas estão quase todas inocentemente verdes com excepção de duas que começam a dar o ar de sua graça. E já caíram umas duas cujos bagos não provei pois, quando dei por elas, já estavam rodeadas por uma nuvem de mosquitinhos que chegaram antes de mim.




E, sendo escassos os meios de agradecimento, para ver se o meu obrigada aparenta ser um pouco mais composto, permita que se nos junte um jovem que me traz cativa: Sheku Kanneh-Mason, aqui interpretando Blow The Wind Southerly


Obrigada, T.!

quinta-feira, setembro 30, 2021

Divagações desarrumadas

 


Tenho a dizer, e nem é para me desculpar. que a noite passada foi noite de São João. Complicada. Muito mal dormida. Acordada antes de tempo. 

Já me custa suportar noites muito mal dormidas. Não apenas tenho muito sono como parece que me dói tudo. A manhã, na continuação da noite, também complicada. A tarde com reuniões e telefonemas de seguida. Telefonemas e mails e confusões até às tantas. Quando, perto das oito da noite, me reclinei no sofá para papar mais um episódio da Segurança Nacional, ligou o meu marido. Queria saber como estava tudo e dizia que não tardava. Depois chegou. E houve várias coisas para fazer. Quando finalmente penso que vou descansar, há sempre mais qualquer coisa.

Há bocado, depois das muitas coisas para fazer, consegui regressar à série. Adormeci de súbito. Sem apelo nem agravo. Acordei algum tempo depois. Estava cheia de frio. Fui buscar o poncho de lã verde-seco que a minha mãe fez o ano passado. Daquelas peças insubstituíveis, leves, quentes qb.

Estou de calções brancos, de algodão alinhado e havaianas. Estava calor à tarde. Na parte de cima tinha uma camisa de seda em tons de azul. É o que se vê no ecrã. E uns brinquinhos de pérola e um colarzinho também de pérolas. Por cima estou apresentável. Por baixo, podia ir para a praia -- mas para uma praia mal frequentada. 

Adormeci, portanto. Mas acordei também com os pés frios. Fui buscar umas meias curtinhas em rosa fúcsia. Nada a ver com nada. Mas agora estou quentinha. Pior é que me dói um ombro, as costas, uma anca e, se me puser de ideia apurada, sou capaz de achar mais bocado de corpo dorido. Por exemplo, acho que também me dói uma perna e um bocado da cabeça. Não sei porquê. Só pode ser de não dormir.

Estive a reler os comentários. Suculentos. Devia costurá-los e apresentá-los à plateia. Mas estou incapaz, lesionada. 

Lancei uma vista de olhos às notícias. Não as havendo, as vizinhas inventam intrigas. Entre ministros, entre marinheiros fardados. Vale tudo. 

Sobre isso não tenho nada a dizer. Só se for que, ao ver o Vice-Almirante naquela sua bela e aprumada farda branca, me lembrei do meu tenente privativo. Acho que era tenente. Ou sub-tenente? Ou seria segundo-tenente? Já não sei bem. Acho que andava à volta disso. Lindo que só visto. Barbudo e de luva branca e espada. Provavelmente por ter muita pinta, nos desfiles punham-no à frente das tropas em formatura e dar as vozes. Muita pinta. 

Mas cenas militares não eram com ele. Eu gostava que ele ficasse. Ele nem pensar. Chegou aos dois anos e, em vez de aceitar o convite para um curso nos States, deu as costas. Queriam fidelizá-lo durante oito anos. E ele nem oito meses mais, quanto mais oito anos. Tentaram convencê-lo. Eu também. Nem aí. Nunca gostou do espírito da coisa. Nada a fazer. Ainda temos as fardas, a branca e a azul escura. A marinha é outra louça. E quando o comandante, para me cumprimentar, bateu pala? Que coisa mais engraçada. Eu sem saber se deveria retribuir e a sorrir, atrapalhada, estendendo a mão. Uns rituais do caneco. Gente com muita pinta, eles e as mulheres. Conhecemos algumas. Mas, pronto, não quis, não quis. Cada um é para o que nasce. Hoje, quando penso no primo general, percebo que é mesmo para quem nasceu para elas. O meu marido não nasceu. Mas o Vice-Almirante nasceu e é daqueles que impõe respeito sem ter que levantar a voz, usar dichote ou fazer maledicência. Impõe respeito só por ser como é. Um homem do mar. Os homens do mar têm sempre aquele je ne sais quoi. Que me desculpem os de terra e de ar mas as verdades são para serem ditas. 

Conheço ex-fuzileiros e é outra coisa, outra filosofia. Penaram nos treinos e recordam isso com saudade, como se quisessem ainda voltar para lá. Não são de belas fardas, são mais de andar a rastejar na lama, de noite, a rachar de frio. Lá está, cada um é para o que nasce.

Bem, já não sei a que propósito vinha isto. Se calhar de nada, se calhar estou a dormir, a sonhar. Nem imagino o que seja ler isto. Devem estar a pensar que devo estar com os fusíveis todos queimados. E pensam bem.

Vou dormir, senão amanhã ainda estou pior.


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Fotografias pertencentes ao conjunto das vencedoras do concurso 2021 Nature Conservancy
De Fauré: Elégie in C Minor, Op. 24 na interpretação de Sheku Kanneh-Mason

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Uma bela quinta-feira.
Saúde. Boas notícias. Espírito leve.

sexta-feira, setembro 24, 2021

Brocado

 


Dia muito complicado. Reuniões, situações complexas, dúvidas sobre a melhor forma de atacar os problemas. Por vezes, não as meço e ouço-me a cortar a direito. E depois, quando acabo, o silêncio. A seguir, alguns segundos depois, o apoio. Mas conheço-o bem. Aprecia o meu estilo mas, quando assiste em directo, fica sem saber como me acompanhar. Se a coisa dá para o torto, atiro para não falhar. Ele não. Se a coisa dá para o torto ele mostra desconforto e espera que isso seja suficiente. Não é. Não é o desconforto que move montanhas. Penso, por vezes, que teria sido prudente da minha parte, em vez de saltar em cima a pés juntos, mostrar enfado, ar incomodado. Mas depois penso: o que tenho a perder? E sei a resposta: nada. Portanto, para quê dar-me ao trabalho de ser quem não sou?

Às tantas, no meio da conversa, alguém disse a propósito de uma empresa accionista de uma outra empresa: quando a empresa ainda era nossa... (e continuou a frase justificando uma série de disparates). Ouvi, perplexa, o que parecia ser um raciocínio escorreito mas em que, na verdade, não se aproveitava uma. Não disse nada pois estava em público e porque a única coisa a dizer seria: Seu grande burro. Primeiro a empresa não era nossa, muito menos sua, a empresa era dos accionistas e que eu saiba você não o é. Segundo, mesmo que fosse 'nossa' lato sensu, jamais o que você diz que se fazia era justificável. E mais vale não me dizer mais nada para eu continuar na inorância. É mais seguro para si que eu não saiba de nada. Seu grande burro.

Mas, estando em público, nada disse. Fiquei, isso sim, siderada. E a pensar que aquele sujeito é um perigo. A ignorância, quando é arrojada e destemida, é um verdadeiro perigo. 

Não sei como se sai cem por cento funcional depois de lidar com gente assim. 

A meio da manhã, um mail. Alguém pedia que eu desse uma ordem pois um não queria dar os elementos que lhe estavam a ser solicitados. Enviei o mail. Seco. Ordem dada. Passado dois minutos, um telefonema. Um outro, melindrado com a minha ordem, justificando-se de coisas de que ninguém o acusou. Nestas coisas, fico calada. Ouço. Do outro lado, desdobram-se em argumentos. Como não digo nem ai nem ui, tentam ser mais explícitos. Falam, falam. Ou seja, enterram-se, enterram-se. Quando, no fim, falo é para rematar à baliza e dar a brincadeira por acabada. Mas, às tantas, estou saturada.

Volto a pensar no que a minha menininha perguntou: 'exactamente o que é que tu fazes?'. Isto. O dia todo nisto. Reuniões, telefonemas, chatices, relatórios, reuniões, telefonemas, chatices, reuniões... Todo o santo dia nisto. Não há pachorra.

Foi só já muito ao fim do dia, quase de noite, quando finalmente tínhamos feito a rápida caminhada, que consegui regar as flores da parte de trás. Liguei à minha mãe já perto das nove da noite.

O dia passa assim, veloz, sem eu dar por ele. Não há tempo para pegar num livro ou para me sentar a apanhar os últimos raios de sol.

A nível mais pessoal, dia também de muitas dúvidas, de retrocessos. Depois, dia de fuga para a frente. Intuição com ela. Mas até ao lavar dos cestos é vindima. Portanto, nada garante que amanhã não haja nova reviravolta. 

Processo mais complicado este...

Tirando isso: a colcha que trouxe no outro dia fica lindamente na minha cama. Lembrei-me do nome do tecido. Brocado. 

Brocado é um tipo de tecido ricamente decorado, feito em seda colorida e com relevos bordados geralmente a ouro ou prata.

Não posso ir agora fotografar a colcha pois o meu marido já dorme. Mas vou retirar da internet fotografias de diferentes padrões de brocado. Não sei se ainda há brocado à venda. Esta colcha que eu trouxe do campo e que, antes, estava na arca, é muito bonita e fica muito bem na minha cama. Acho que é uma preciosidade. Olho-a ou toco-a e fico encantada.

Também trouxe uma coberta de um algodão espesso, dir-se-ia que prensado. Pensei colocar em cima de um destes sofás. Mas os sofás são grandes e a colcha deve ser de camas de corpo e meio. Como são duas cobertas iguais (uma ficou no campo), penso que talvez fosse das duas irmãs quando eram jovens. Gosto de pensar que as suas peças tão estimadas e tão bem guardadas estão a ser respeitadas, usadas com dignidade. 

E a colcha de brocado, então, está nova. Não sei como mas está. O que os humanos almejam -- vida longa e eterna juventude -- tem-no o brocado. Brocade, brocart. A sempre jovem beleza.


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Uma vez mais é Sheku Kanneh-Mason que nos acompanha com Song Of The Birds

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Desejo-vos uma happy friday.
Juízo. Calma. Ponderação. Coragem.

quinta-feira, setembro 23, 2021

Na maior impunidade

 


Hoje é que é mesmo zero. De manhã até ao fim do dia em reunião. Sobra pouco mais do que uma empty head -- e digo em inglês para ver se soa um pouco melhor. 

Tínhamos combinado que eu não deveria estar despachada antes das seis mas que, logo que ele chegasse, poderíamos sair. Mas qual quê. A ver o tempo a passar e a coisa a dar para mais. Uma impaciência. Avisei que teria um limite. Mas como ele também não chegava, pensei que, na volta, o tema se extinguiria a tempo.

Mas ele chegou perto das sete e ainda eu estava no meio. 

Então comecei a acelerar, já deserta de que tudo se resolvesse a tempo para não ter que sair à papo-seco. Foi à tangente. Melhor: mais do que à tangente. Quiçá uma secante. 

Saímos às sete e picos. Voltámos a uma secção a que não íamos faz tempo.

Sorry por isto estar encriptado. Não é que seja supersticiosa mas não vou contar para não atrair.

Ultimamente, tudo o que damos como certo sai ao lado. Mesmo o que estava dado como garantido, furou. Por isso, agora bato a bola baixo.

Já sabem que, quando estou dentro delas, quando elas são de monta, eu fico de bico calado. Não gosto de falar da história quando não sei como é que ela acaba. Mas, logo que eu saiba como vai ser, eu conto. Conto e tenho muito que contar. Que contar e que dar pontapé e virar a mesa. Ai não que não.

Mas, então, lá fomos à secção a que há muito não íamos. 

Pelo caminho, para cá e para lá, fui fazendo os meus telefonemas. Pelo meio, algumas dúvidas. Receio de má decisão. Consultamos site e cada um diz a sua. Conhecimento feito na base do google é conhecimento da treta. Mas é o que há e vamos tentando fazer a bissectriz. E fiar-nos no que parece mais reliable. Hoje está a dar-me para os anglicanismos. 

E, sem jantar feito, encomendámos piza. Metade de presunto, metade de salmão. Passámos por lá a apanhar. No cu de judas. Fomos pela mão do gps: na rotunda sai na segunda saída, a quatrocentos metros vira à direita, na rotunda sai pela primeira, logo à esquerda, a duzentos metros vira novamente à esquerda. Não faço ideia de por onde andámos. Era de noite, íamos na conversa e, em piloto automático, obedecendo. Lá demos com a pizaria. Na volta, cheirava bem no carro que só visto. E nós cheios de fome.

Depois do jantar havia um mail. A Lurdes escreveu. Era ela mesmo que, no outro dia, aqui comentou. Mail bom, daquelas cartas longas que gosto de receber. Quando as recebia na caixa de correio avaliava pela grossura do envelope se tinha muitas folhas. E, quando abria, mais contente ficava se viessem escritas na frente e no verso. A Lurdes é parecida comigo, acho eu. Talvez leve as coisas mais a sério que eu. Mas parecida não significa igual. Tive vontade de responder de seguida. Respondi.

Depois era para ter vindo logo para o blog mas, sem aviso prévio, adormeci. Agora acordei. Doeu-me um pouco o alto da cabeça. Ao passar a mão por ela, senti um alto, dorido. Presumo que esteja até um pouco ferido. Lembrei-me que, de manhã, ao ir apanhar uma coisa debaixo da romãzeira, bati com toda a força com a cabeça num ramo tombado pelo peso das romãs. Ainda não estão outonais, graúdas e rubras. Ainda estão em crescimento e verdes. A ver se desta vez não são comidas, não sei se pelos pássaros se pelos ratos. No outro dia, disse à minha mãe que se calhar tinham sido os ratos que trepavam aos ramos e comiam os bagos das romãs. A minha mãe olhou para mim como se eu não fosse boa da cabeça, como se fosse impossível que os ratos andassem sobre aqueles ramos finos e vergados. Não sei quem foi. O que sei é que elas apareciam forjadamente boas mas ocas, devoradas.

Sei também que fomos à horta para apanharmos ameixas e já não conseguimos trazer uma única. As duas que sobravam caíram ao chão, desfeitas, mal o ramo estremeceu. É uma dificuldade. Primeiro estão pouco doces, depois, mal começam a adoçar-se, os pássaros começam a comê-las e, mal estão doces de verdade, caem, amolecidas e tocadas, impróprias. O chão está pejado delas, desfeitas em sumo espesso. Há um cheiro doce no ar. É como, in heaven, o chão pejado de figos, um odor quente e húmido no ar. 

Penso muitas vezes que um dia que tenha tempo hei-de fazer compotas. Mas as compotas são feitas com açúcar e o açúcar não faz bem nenhum. Por isso, vou fazer coisas que depois ninguém quer comer porque engordam e porque fazem mal? Acho que não. Haverá compotas sem açúcar (e sem adoçantes)? Tenho que investigar.

Ah, é verdade. Mais uma novidade. Finalmente estou a ver se me adapto aos óculos. Não sei se já contei. Desisti dos progressivos. Perguntei à técnica porque é que não me adaptava. Disse-me que o feitio da lente não era recomendado para os progressivos. No exame fiquei também a saber que tenho um pouco de astigmatismo. Não sei como foi que isto apareceu. Deve ser mesmo da pdi. Sempre tive foi um bocado de miopia. Não era muita mas habituei-me a usar óculos para conduzir. No cinema também me sentia mais confortável com eles. Ultimamente juntou-se a vista cansada. Pensava que era só isso, coisa de velha. Afinal, diz-me a jovem oftalmologista: tem aqui um pouco de astigmatismo. Tão espantada fiquei que não perguntei se uma coisa tinha substituída a outra ou se agora se juntaram as três à esquina a tocar a concertina: miopia, vista cansada e astigmatismo. Whatever.

Optei por óculos por ver ao perto, simples. Mas, com eles, só vejo alguma coisa se for mesmo ao perto. Basta que a coisa esteja um pouco afastada para já ser uma baralhada. Mas como são de lente baixa, posso ensaiar ver por cima, coisa mesmo à anciã. Mas a isso ainda não cheguei até porque não os coloco na ponta do nariz. O que faço é, se tenho que ver mais ao longe, tiro-os. Resumindo: quase nunca os uso. Mas hoje a reunião foi daquelas em que estava a ser partilhada uma apresentação cheia de número miúdo Falava-se de milhões mas, para disfarçar, os numerozinhos eram bons para coca-bichinhos. Tive que os usar. E, caramba, fiquei surpreendida com a cara de toda a gente. Caras nítidas que só visto.

A vista é cheia de surpresas. A gente pensa que sabe e que vê e, afinal, basta uma pequena lâmina de vidro para a gente perceber que andou a ver tudo diferente do que é. E, se calhar, se um dia experimentar outra coisa qualquer, vou ver tudo virado do avesso. Nunca se sabe ao que se anda, essa é que é essa.

E, tirando isso, nada. Aliás, confirma-se o que avisei no início: hoje isto é mesmo zero. Escrevo por escrever, na maior impunidade.

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As imagens são recriações de pinturas em cenas protagonizadas por celebridades e a autoria da proeza é do instagramer Kyès

Sheku Kanneh-Mason, Isata Kanneh-Mason interpretam In the Bleak Midwinter de Holst

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Quando fui à procura de música para estar aqui a ouvir, o meu amigo algoritmo apareceu-me com coisa alusiva a Clarice Lispector. Por enquanto não fala, ele, o algoritmo, só vem de mansinho oferecer-me vídeos. Lá chegará o dia em que uma caixa de bombons belgas se materializa aqui nas minhas mãos enquanto a sugestão me é sussurrada aos ouvidos. Acho que já faltou mais.

Enquanto não, vai agindo assim, também na maior impunidade. Desta vez, todo prosa, trouxe-me este aqui abaixo. Partilho convosco. Quando receber bombons belgas também vos farei chegar alguns.

"Não se lê Clarice IMPUNEMENTE"


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Desejo-vos uma boa quinta.
Bora lá curti-la a valer, ok?

quarta-feira, setembro 22, 2021

Autárquicas 2021 -- é impressão minha ou é tudo mais do mesmo?

 



Há vários dias que praticamente não vejo televisão. Cansa-me a televisão. Quando não estou nas minhas lides profissionais ou nas minhas coisas de casa ou de família, e antes de vir aqui cumprir o vício do dia, vejo Homeland (a extraordinária série que em português dá pelo nome de Segurança Nacional). De cada vez que abro a netflix aparece-me anúncio de outras séries e várias delas me parecem tentadoras. Como o tempo escasseia, cinjo-me à Carrie e ao Quinn e ao Saul e ao Brodie e a todos aqueles fantásticos personagens que me trazem presa à intriga internacional e ao jogo mais do que duplo e tantas vezes sujo da espionagem e da contra-espionagem. 

E, se aqui à noite espreito as notícias nos onlines, nada me convoca. Cá pelo burgo tudo gira em torno das autárquicas. Em termos de notícia, é tudo coisa de interesse nulo. Identicamente, de cada vez que vejo um cartaz ou um folheto, tendo a achar que é quase tudo de uma tremenda falta de imaginação. 

No outro dia, quando andávamos a caminhar, vimos dois homens a andar junto às vedações das moradias. Achei aquilo intrigante. Tinham bom ar, é um facto. Não era gente de que se suspeitasse que andasse a ver se dava para assaltar alguma casa. Nada disso. Reparei que tinham qualquer coisa na mão. Pensei que, quando nos cruzássemos, nos dissessem qualquer coisa ou dessem um papel. Isto se andassem a distribuir papéis. Poderiam ser Testemunhas de Jeová, que andam sempre aos pares. Mas os das Testemunhas têm um ar menos urbano e andam todos mais arranjadinhos. Estes tinham um ar desempoeirado. Bom ar, já o disse. O meu marido disse que deviam ser de alguma imobiliária. Cruzámo-nos com eles sem lhes darmos atenção e eles também não nos deram. Nem atenção nem qualquer papel.

Mais à frente, noutra rua, junto a uma outra moradia, vimos uma mulher muito vistosa, ampla melena platinada. Foi deixar um papel na caixa de correio. O meu marido disse: ''Vês? Não te disse? Acho que esta é da remax'. Não fiquei convencida que os outros também andassem ao mesmo.

Hoje fui ver a caixa de correio e, para além das cartas, tinha vários papéis. Remexi os papéis para ver o que ali havia. De agências imobiliárias, de empresas de obras e reparações e, vários, de partidos. E, de repente, ao ver as fotografias de um dos papéis, juraria que eram os dois que tínhamos visto. Pelos vistos andam por aí, pelas casas, a distribuir folhetos. 

Dei-me ao trabalho de ler alguns: uma ou outra ideia vagamente interessante mas, em geral, mais do mesmo. 

(As ideias que eu teria para o meu município... Caraças, as ideias que eu teria.)

Esta gente é muito virada para o passado: 'o que nós fizemos', a 'obra feita'. Ou, se é para a frente, nada mais é do que replicar a dita 'obra feita'. Mais do mesmo. Não há um golpe de asa, não há uma disrupção para partir para outra. Não há uma verdadeira visão de cidadania, de conhecimento, de partilha, de modernidade. Ora, sem modernidade não há futuro que valha a pena.

Não vejo escolas abertas para gente de todas as idades, espaços de arte e de investigação, bibliotecas e museus abertos e livres, creches e residências seniores abertas, voluntariado a sério, mobilização dos cidadãos para o arranjo e limpeza das casas e das ruas e dos jardins, a natureza dentro dos espaços urbanos -- mas com uma visão moderna, a começar na arquitectura de todos os espaços (que é determinante para abrir mentalidades). Não vejo propostas arrojadas, daquelas que nos deixam de boca aberta, daquelas que nos fazem ficar a pensar. Não vejo.

A cidadania constrói-se caminhando nos caminhos da democracia. Mas constrói-se sem peias, sem ditames, sem preconceitos, sem amarras a feudos ou preceitos partidários, sem a disciplina das casas burocráticas em que nas concelhias ou nas distritais se cozinham os tachos, os favores, os amiguismos.

Estive a pesquisar na net alguns programas partidários de autarquias que não a capital: tretas. Só de olhar para as caras de parte das listas, logo se vê que é gente arregimentada nos partidos não por terem uma visão de futuro para as autarquias mas por serem disciplinados e acéfalos. Não vamos longe assim.

Não vou referir nem autarquias nem listas (até porque numa delas concorre um meu sobrinho) mas direi que, salvo uma ou outra honrosa excepção, é tudo o nosso portugalzinho a marcar passo. 

Não nego que o país está mil vezes melhor agora do que estava há vinte anos. Mas o que digo é que, salvo algumas modificações verdadeiramente diferenciadoras (do que conheço, grande parte delas em Lisboa e grande parte relacionadas com urbanismo -- honra seja feita a Manuel Salgado), o resto é um mero melhorzinho na continuidade.

O país pode e deve dar um salto qualitativo: temos uma geografia e um clima extraordinários, uma beleza natural ímpar, temos mão de obra bastante qualificada. Temos tudo para atrair imigrantes que nos façam abrir os olhos à diferença e à inclusão, temos tudo para lançar programas de apoio à natalidade, temos tudo para atrair e fixar jovens, temos tudo para nos tornarmos um lugar de futuro -- em vez de continuarmos a ser um país envelhecido, em que quase não nascem crianças, em que grande parte do país ainda parece que vive no século passado, em que ainda há demasiados guetos de pobreza e marginalidade. 

Hoje soube de um jovem que acho muito promissor e cuja selecção passou por mim há cerca de um ano: tenciona ir-se embora daqui por uns meses. Terá dito que já pouca coisa o prende cá. Senti uma enorme tristeza. Disse para o desafiarem a ficar connosco, em teletrabalho a partir do outro país para onde quer ir para se juntar à namorada. Não me interessa onde é que ele viva nem a partir de onde trabalha. Gostava era que continuássemos a contar com ele. Olharam-me com estupefacção mas depois deram-me razão. O mundo mudou. E as nossas mentes também têm que mudar. O mundo pode e deve organizar-se de outra maneira. E as cidades, as vilas e as aldeias têm que saber acolher estas novas formas de viver.

Acho eu de que.


Inté. Vou pregar para outra freguesia.

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As fotografias aqui usadas são do 2021 WildArt Photographer Of The Year

Sheku Kanneh-Mason acompanha-nos em Nimrod de Elgar

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Mas, antes de me ir, que entre Sergei Polunin com The Road To Eternity

Voa, Sergei, voa


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Desejo-vos uma feliz quarta-feira
Saúde. Alegria. Motivação.

segunda-feira, janeiro 21, 2019

In heaven a natureza começa a florescer. E eu com ela.




Dividida entre fazer o tapete ou falar do meu mundo, opto por voltar a entrar no meu heaven. Estou a rever o que já antes tinha visto, o documentário que mostra a paixão de Judi Dench por árvores. Uma coisa fascinante. 

Cheguei no sábado já era noite. Tínhamos estado a passear à beira rio enquanto os miúdos estavam no Pavilhão do Conhecimento. Depois fomos lanchar com eles, demorámo-nos, conversámos, matei saudades e, de lá, seguimos para o campo.

Tinha estado a chover.  Estava frio, uma noite de inverno.


Enquanto o meu marido andou a levar pedaços de madeira para a salamandra, andei a fotografar as laranjas lavadas pela chuva, as flores do vaso que está à porta despontando, um rosa viçoso no escuro da noite, um escuro iluminado por um intenso luar branco.


Depois, já ele tinha acabado, chamou-me, estava frio, não eram horas de andar  ali na rua, às escuras. Não gosta de chegar de noite. E eu, lembrando-me, do bicho misterioso que por lá tinha andado, concordei que era melhor recolher-me.

Este domingo acordei tarde. Não há lugar no mundo onde durma tão bem. Parece que o meu corpo percebe que aqui, em dias assim, não tenho horários nem compromissos, estou por minha conta.

Quando estava a tomar o meu frutado pequeno almoço, chegou o meu marido. Madruga, ele. Anda pelos caminhos silenciosos da manhã, vê o levantar do dia, vê o orvalho, vê as cores lindas da natureza. Diz sempre que não sei o que perco.  Não sei mas acho que sou capaz de adivinhar. Desta vez, como era bem tarde, depois do seu passeio, já tinha andado de volta das árvores com aquelas ferramentas que o meu filho lhe ofereceu pelo Natal e que o traz viciado. É ele que diz: esta coisa é viciante. Vinha com um serrote telescópico. pode serrar troncos que estão nas alturas.

Logo de seguida fui eu que fui passear. Devia dizer caminhar pois devia ter caminhado, andado apressadamente, compenetrada no acto de caminhar. Mas sou uma diletante. Parece que não consigo concentrar-me nos deveres quando tenho tentações a chamar por mim. E tudo aqui me tenta.


Um ninho aconchegado entre dois ramos. Há coisa mais bonita do que um ninho? Quanto trabalho ali está. Tão perfeito. Gostava de um dia conseguir ter tempo para ficar sentada num canto, imóvel, a observar estes pequenos seres que aqui habitam e que tanto se atarefam nas suas obrigações. Fazer uma casinha para porem os seus ovinhos, para nascerem os seus filhotinhos.

Continuo nas minhas observações vagarosas, atentas, à procura de mais casotinhas, de mais grutas, de novidades.

Não encontrei dois buracos na rocha, penso que já estão tapados pois a vegetação cresce vigorosamente. Até que descobri um. Intrigam-me. Um dia ainda arranjo uma câmara pequenina e enfio-a lá para dentro.


No outro dia os meninos levaram os troncos que resultaram do pinheiro grande que tombou e que eu tinha em volta da  árvore que dá flores amarelas e de que agora não recordo o nome para junto do murinho verde. O ano passado já se tinha enchido de folhos vaporosos. Este ano está outra vez assim, engalanado, vistoso. O meu pinheiro reinventa-se, vivo, metamorfoseado.

Se calhar estas asas macias e quase douradas estão a querer decompor a madeira. Não faz mal. A transformação é, em si, uma forma de viver.


Mais à frente, umas coisinhas nunca antes vista. Ando mil vezes por aqui e mil vezes estas coisinhas por aqui devem ter estado e nunca antes tinha visto. Cega ao que desconheço, cega em relação ao que não procuro.

Agora como ando à espreita, baixo-me, aproximo-me, quase um gata vagarosa. Penso que sejam cogumelos. O que ainda resta deles. Quando digo que numa semana estáo lá, na semana seguinte desapareceram, se calhar se olhar melhor verei sempre isto. Mas nunca antes tinha visto. E isto encanta-me muito, esta permanente sucessão de surpresas. Esta terra é uma caixinha de surpresas. Uma arca do tesouro, de mil jóias, mil mil mil, muitas mil maravilhosas jóias.


E depois, mais à frente, uma borboleta dourada pousada entre a caruma. Aproximei-me. Talvez não uma borboleta, talvez uma folha caída, uma sobrevivente do outono.

Mas não. Um belo cogumelo alado, pequeno, ali isolado, tão frágil, tão bonito, um pé fininho, tão desprotegido. Mas talvez aqui tudo se proteja entre si. Que sei eu do que aqui se passa?


Entretanto, outra novidade. À saída gruta grande, pegadas fundas. Deve fazer força nas patas para subir. E agora estão por todo o lado, até cá em cima, até no largo da capela. No musgo fofo, muito visíveis. Pegas grandes, fundas. A terra revolvida. Procura raízes, procura o quê? 

De que tamanho é, onde vive? De noite está na gruta? Vive sozinho? Como foi lá para dentro?

Hoje reparei como uma reentrância de uma rocha havia água, ainda bastante água. Se calhar é ali que bebe água. Não assustará os coelhinhos? Os gatinhos? Só andará por ali de noite? 

Tantas pegadas intrigam-me. 


Entretanto, o alecrim, o rosmaninho, o alfazema estão a despontar. As florzinhas cheirosas e perfeitas começam a aparecer. Adoro-as como outros adoram santos, anjos, deuses. Adoro-as porque são simples, pacíficas, belas. incrivelmente perfeitas na sua inexplicável espontaneidade. Adoro-as porque me sinto feliz quando estou perto, quando as olho, quando as cheiro, quando as toco.

Tenho vontade de as apanhar para as ter comigo durante a semana, quando não há natureza perto de mim, apenas a memória de quando por aqui ando. Mas não. Deixo-as ficar, intactas, intactas na sua inocência.


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A todos quantos por aqui me acompanham desejo uma boa semana a começar já por esta segunda-feira.

Be happy.