Mostrar mensagens com a etiqueta Elvis Costello. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Elvis Costello. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, fevereiro 25, 2021

O que tenho dentro da minha carteira (leia-se: na minha mala) -- eu e outras duas madames bem conhecidas

 



Uma vez estava ao telefone do lado contrário da sala àquele em que tinha deixado a carteira -- e vou já avisando que, quando me refiro a carteira, quero dizer aquele recipiente a que outras pessoas chamam mala. 

Então, precisando de um documento, fiz sinal ao colega que estava lá perto e pedi-lhe que me desse a bolsinha de documentos que estava dentro da dita carteira. Fez-me sinal que não. Não percebi. Pedi um minuto ao meu interlocutor telefónico e insisti com o meu colega, pensando que ele não tinha percebido: 'Desculpe. Faz-me um favor? Pode abrir a carteira e tirar de lá a bolsinha dos documentos?'. E ele: 'Não, desculpe mas não vou fazer isso'. E eu, sem perceber: 'O quê? Não pode fazer-me esse favor?'. E ele: 'Não. Desculpe. Não vou fazer isso. Tenho medo.'. E eu, sem perceber: 'Medo? Medo de quê?'. E ele: 'Tenho medo de enfiar a mão na carteira das senhoras'. 

Os outros deram-lhe razão. Todos disseram que também tinham medo. 

Tive que interromper mesmo a chamada e dizer que voltaria depois, com o documento. 

Não queria acreditar. Estavam no gozo, claro. Dizia um: 'Não se pode arriscar. Quando se mete a mão na carteira de uma senhora, nunca se sabe o que se vai encontrar'. Todos concordaram. Um risco, diziam. 

E eu, de repente, caí em mim e dei graças a todos os santinhos por ele não ter acedido ao meu pedido. Bolas... que sorte.

A quantidade de coisas que sempre tive nas carteiras é indescritível. Carradas de coisas. Resmas. Paletes.

A coisa começa sempre bem, só o indispensável, tudo muito racional. Mas depois é a embalagem dos lencinhos, depois o baton. Depois outro baton. Depois um gloss. Depois outro, noutro tom. Depois o perfume de bolso. O pente, claro. O eyeliner. Pastilhas elásticas. Uns ganchinhos. Travessão para apanhar o cabelo. Bolsa das moedas. Porta-documentos. Uma caneta. Outra caneta. Um lápis. Uma fita métrica velha do ikea. Um bocado de papel. Uma talão de uma loja de que já não se consegue ler uma única letra ou número. E mais tudo o que se lá for juntando.

Antes da menopausa podia também haver uma bolsinha com um penso ou um tampão. E foi nisso que pensei naquele dia ao imaginar o desastre que poderia ter acontecido se ele lá tem enfiado a mão e agarrado um tampão.

De cada vez que mudo de carteira, mudo para lá os essenciais e fica na outra o que carece de escolha para, mais tarde, ver o que deve ser deitado fora e o que deve ser resgatado. Até que me esqueço. Ficam carteiras com toda a espécie de coisas lá dentro. Não sei se lixo, se relíquias. 

Contudo, com o corona, tudo mudou: até o conteúdo da minha carteira. Agora a própria carteira é mínima, pequenina, fininha, nada a ver com as que transportavam toneladas. Agora é uma bolsinha espalmadinha com uma correntezinha para usar. Pouco saindo de casa, a minha carteira agora tem apenas o porta-chaves com as minha muitas chaves, a bolsa dos documentos*, uma factura**, uma caneta e uma máscara de reserva. Levezinha de dar gosto. 

Explico os asteriscos.

* Sobre a bolsa dos documentos tenho a dizer que, depois de ter experimentado toda a espécie de bolsas -- porta-moedas, porta-documentos, grandes, gigantes, com mil divisórias, pequenas também com divisórias, multifunções -- encontrei a ideal. Antes todas acabavam bojudas, deformadas, mal fechando, pesando quilos. Agora é um descanso. Comprei uma bolsinha mínima, simples, apenas com uma pequena divisória lateral. Salvo erro, custou doze euros. Parece de pele mas não deve ser. Comprei-a numa lojinha chinesa. Os cartões ficam na bolsinha principal, mesmo à medida. Abdiquei de usar parte dos cartões que raramente uso. Na bolsinha lateral tenho uma nota e duas ou três moedas. Levezinha, prática, pouco espaço ocupando e com tudo à vista e à mão de semear.

** A cena da factura tem a ver com isto do confinamento. Pode ser preciso mostrar onde moro. Nunca foi preciso mas também não pesa nem chateia.

......     ......     ......................................................     ......     ......


Nestes dias de total imersão em teletrabalho, não tenho de que falar. Só saio de casa para fazer uma rápida caminhada à hora de almoço e não tenho paciência para notícias. 


Há bocado, num zapping, apareceu-me aquele mangas de alpaca que pode ter algum jeito para contabilidade mas zero para política. Sempre com ar de mestre-escola maldisposto, é criatura que não apenas é de má catadura como de maus fígados. O que ele está a fazer é abrir a porta aos laranjas, empurrando-os para os braços do chega. Pode dizer-se que são laranjas podres, gente vendida que não interessa nem ao menino-jesus, gentalha que se vende por dez réis de mel coado e um lugar numa autarquia, numa junta, numa empresa municipal, no que for. Antevendo que o alpacas não vai longe, devem estar todos a bandear-se para quem se está nas tintas para ideologias e quer é pôr as patas nas máquinas do poder. Por isso, se vejo gente destas ou do género, o que logo faço é fugir a sete pés.

Conclusão: não tenho temas frescos nem nada que interesse para aqui dizer. Não que nos outros dias tenha mas, pelo menos, sempre posso tentar. Assim nem isso.


Então, reduzo-me à minha insignificância e ponho-me a ver vídeos. Podia ver instagrames, feicebuques ou quejandos mas também nem isso. Sou muito rudimentar: só iutubes e blogues, coisas datadas, pouco féchanes.

E, hoje, o que o meu amigo algoritmo teve para me propor foi coisa inusitada. Uma senhora com idade para ser minha mãe -- e que eu não via desde o tempo em que ela já era assim, como é hoje, muito artilhadinha, e que era eu, então, uma jovem -- mostra o que tem na sua carteira. E o mais curioso de tudo é que o tempo passou, eu tornei-me uma anciã qualquer dia centenária e ela... ela, caraças, ela continua igualzinha ao que era nos tempos da Dinastia. 

E não estou a ironizar. É ver para crer. Ainda por cima, vejam a graça: anda com um santinho na carteira, o Sto António, imagine-se. Eu que gosto tanto de Stos Antónios.

Joan Collins: In The Bag 


E, a seguir, uma outra senhora também entrada na idade mas igualmente com tudo em cima, jovem, linda, elegante, simpática e, ainda por cima, bem open minded

Jane Fonda: In The Bag


.......................................................................................................

O  Dude with sign vem pela mão de Elvis Costello & Charles Aznavour com She

.........................................................................................................

Um dia feliz
Saúde. Alegria. Boa disposição.

quarta-feira, fevereiro 05, 2020

Quem sou eu?





Nas estatísticas deste blogue, na secção das palavras-chave que trazem as pessoas até aqui, ou seja, o que escrevem nos motores de busca e em que, a partir daí, são remetidas para algumas das minhas páginas, continua a ter lugar de destaque a dúvida que vem desde há anos: 'quem é a autora do blog um jeito manso?'. 

Já fiz vários posts tentando satisfazer essa curiosidade: já pedi ao meu marido e aos meus filhos que falassem de mim, já gravei o meu marido a fazer-me 'entrevistas', já publiquei fotografias minhas feitas por ele, inclusivamente nua, e já me descrevi de diversas maneiras. E, no entanto, pelo que continuo a ver, a curiosidade persiste. 

Dá-me alguma pena isto pois preferia que o blog valesse por si e que quem o escreve fosse assunto de somenos importância para quem o frequenta. Sendo um blog anónimo até poderia ser escrito a quatro mãos ou poderia ser obra de uma equipa que se fosse revezando. Ou poderia ser escrita por um homem a fazer-se passar por mulher ou por uma bibliotecária centenária a fazer-se passar por esta que aqui vos escreve. Mas, enfim, as coisas são o que são e, pelos vistos, a obra parece incompleta a quem a consulta sem que se conheça a autoria.

Portanto, uma vez mais, vou dar o meu melhor na tentativa de me dar a conhecer. E hoje a abordagem é outra, a ver se desta é que que fica claro.


Sendo que se diz que somos o que comemos, vou descrever as minhas refeições típicas durante a semana.

Pequeno almoço

Se tenho mais tempo:
  • Logo em jejum, um copo de água morna com sumo de um limão
Depois tomo banho e etc. Só a seguir tomo o pequeno-almoço propriamente dito:
  • Num prato junto uma mão cheia de salada (alface, canónigo, cenoura ralada, etc, o que houver), um ovo cozido às rodelas, uma beterraba pequena ou parte de uma maior, cozida, uma banana e uma laranja devidamente cortadas. Tempero com orégãos em folhinha seca, um pouco de mel e azeite. 
Se não tenho tempo:
  • De véspera, numa tacinha ponho água e um bocado de flocos de aveia. Levo ao micro-ondas durante dois minutos. Na manhã seguinte, junto uma banana cortada aos bocados, alguns cajus secos, uvas (o que houver à mão).
Depois, tenha ou não tempo, bebo um nespresso, longo e forte, sem açúcar.

Durante a manhã
  • Durante a manhã, habitualmente bebo uma um duas chávenas de infusão do que calhar (cidreira, lúcia-lima, etc.).

Almoço
  • Durante a semana, almoço sempre 'fora' e, obviamente, tento variar. Gosto de ir a restaurantes indianos e aí não dispenso uma chamuça de frango, um pão naan com queijo, depois pode ser borrego com especiarias ou com frutos secos ou com outra coisa qualquer e que pode acompanhar com basmati simples ou couscous. Mas também pode ser uma salada de quinoa com peixe cru, edamame, alface, rúcula e algas. Ou uma empada de salmão fresco acompanhada com puré de legumes e alcachofras. Ou coisas assim. Pode acontecer que também seja cozido à portuguesa. Por norma, não como sobremesa. E por norma acompanho com água das pedras fria, por vezes com gelo e limão.

Lanche
  • Se tenho fome, como alguns miolos de amêndoa. É o meu snack que me faz sentir gulosa, tanto que gosto.

Jantar
  • Sempre sopa. A que hoje comi -- e que é ainda a que fiz no domingo à noite -- levou cebola, cenoura, abóbora, nabo, courgette, chuchu e uma maçã (sem caroços mas com casca). No fim, juntei azeite, moí e juntei espinafres cozidos brevemente.
  • A seguir, qualquer coisa, carne ou peixe, acompanhada apenas por salada. 
  • Depois fruta. Agora tem sido meio dióspiro daqueles grandes (daqueles rijinhos mas maduros, dos que não deixam a boca áspera -- e nada de interpretações enviesados) que corto às rodelas. E aqui é que começa a minha perdição. Em cima de cada rodela ponho uma fatia fininha de queijo e polvilho com canela. Hoje abusei pois, em vez de emental ou flamengo, coloquei ricota. Fica delicioso: dióspiro, madurinho, docinho, e ricota com canela. Mnham-mnham. 
  • Por fim, estrago ainda mais a dieta: um ou dois quadrados de chocolate preto e, ao mesmo tempo, dois ou três cubos de gengibre cristalizado (compro no pingo-doce uns saquinhos com cubos bem definidos; os do auchan são uns cubinhos ínfimos que, ou meto uma mão cheia deles na boca ao mesmo tempo, ou a sensação fica muito aquém).
Durante a semana, habitualmente não bebo chá (melhor: uma infusão) à noite, enquanto aqui estou. 


Agora alguém que tire a bissectriz a isto e descubra a matéria de que sou feita. E, escuso de dizer, a minha doçura tem a explicação simples que se viu. E a barriguinha à Rubens que me enfeita também.

_____________________________________________________________

E se daqui se tira a matéria, há depois o alimento que mantém o espírito e aí o que tenho a dizer é que, nesta vertente, também não há grandes novidades: durante o dia, quando não estou a trabalhar, há música variada, há espreitadelas ao Guardian, há espreitadelas a outros blogues, há espreitadelas a livrarias, há espreitadelas a perfumarias, há condução pela cidade, há momentos de pensamentos à solta, à espreitadelas pela janela. E há olhar o rio quando me levanto e olhar as árvores sempre que posso e olhar as pessoas.

E pensar nas coisas. E nas pessoas. E nos caminhos que tento adivinhar.

E há os mistérios das coisas. E das pessoas. E de tudo. Dos acasos, do devir. Dos deuses que adivinho disfarçados de tempo, de ar, de mar, de árvore. De presenças imateriais e longínquas. Mistérios que me esforço por não desvendar.

E há a poesia que leio e ouço sempre que posso e na qual penso e que me norteia e conduz. E que tento não compreender para não me perder da melodia silenciosa das suas palavras.


E há, aqui à noite, o desdobramento de mim. E o alimento, neste caso, é o perfumado pot pourri composto pelo que calha mas que tem que ser sempre de paz (espreitar um ou outro livro, ver fotografias, ver vídeos, ler com mais calma alguns blogues, voltar a espreitar as notícias, olhar de soslaio a televisão, ler os mails ou os comentários do blog, escrever estas coisas que se alimentam não sei de quê e que servem também não sei para quê mas que, estranhamente, me alimentam a alma)

__________________________________________________

E agora, uma vez mais, vou chamar por todos os anjos não apenas para me garantirem uma noite descansada como para vos protegerem

Santa Maria, Santa Teresa, Santa Anna, Santa Susannah
Santa Cecilia, Santa Copelia, Santa Domenica, Mary Angelica
Frater Achad, Frater Pietro, Julianus, Petronilla
Santa, Santos, Miroslaw, Vladimir and all the rest


As quatro primeiras fotografias que usei são de Nick Knight e as duas são de Uldus Bakhtiozin. Aos muito distraídos, informo que nenhuma das retratadas sou eu. A primeira é Sky Ferreira, que não sei quem é, e a segunda desconheço. A música escolhida faz parte da banda sonora de Until the end of the world. 


Flores para todos como agradecimento pela vossa presença aí desse lado.

E um dia feliz.

sábado, agosto 03, 2019

Casadinhos de fresco





Já contei várias vezes como foi o meu casamento. Foi do mais simples que há, em casa dos meus pais. Para além da senhora da conservatória (ou do notário?), apenas a família mais próxima de ambos os lados lá esteve. Não usei vestido de noiva porque, quando fui provar, achei que parecia fantasiada e não me pareceu bem que, para um momento tão importante, eu me apresentasse fantasiada. Além disso, era caro e pareceu-me absurdo gastar (ou melhor: fazer alguém gastar) um balúrdio num vestido que iria usar um único dia. Optei por uns jeans justos, brancos, uma túnica de algodão muito fino, transparente, bordada, também em branco, do Augustus, uns sapatos leves de verão. Toda de branco mas assim, nesta base. O meu marido também foi na descontra e, ao pescoço, levava um fio feito por mim de missangas pretas minúsculas. Quem não visse com atenção nem se dava conta das missangas. Fi-lo para mim, tipo gargantilha ultra-leve, ultra-fina, um discreto risco preto na base do pescoço. E um dia, quando namorávmos, tirei-o de mim e pu-lo nele e ele deixou e ficou com ele. Portanto, quando se casou, ia, naturalmente, com ele. E também não quis levar bouquet, parecia-me uma coisa meio sem jeito, andar de ramalhete. Ele levou-me um botão de rosa, como me oferecia todos os meses, no dia do mês em que tínhamos começado a namorar, e foi essa flor que usei na mão, isto para cumprir minimamente o ritual de ter flores na mão.

Depois fomos para um lugar muito bonito para as fotografias, e estava um lindo dia de sol, e lá juntaram-se os nossos amigos e restante família, seguindo, então, de lá para um restaurante onde comemos bem, divertidos, muita gente nova. E partimos o bolo de noiva também para mantermos a tradição. Ao fim da tarde despedimo-nos e partimos para a lua de mel. O fotógrafo era um colega da faculdade que se ajeitava a fotografar e que às vezes me fotografava quando eu estava por lá, na cantina ou na associação. Também não nos ocorreu contratar um fotógrafo profissional. Tudo sem grandes pensamentos, tudo na base da espontaneidade. Um dia de pura e inocente felicidade. 

Hoje, para a maioria das pessoas, o casamento é uma produção complexa, dispendiosa, muito trabalhosa e stressante. Festas preparadas com muita antecedência, grandes produções, muitos serviços contratados, muita coiseca, muita dor de cabeça. E um dinheirão. Cada um é como é e ainda bem que há gostos para tudo mas a verdade é que isso, a mim, não me diz nada. Pasmo como é que há pessoas que se dão a tanto trabalho para uma coisa que, depois, dura umas horas e, no fim, cá para mim deve é ficar um vazio, uma frustração -- tanto trabalho para afinal acabar em menos de nada. Prefiro a simplicidade absoluta, pouca gente, coisa espontânea, sem dar trabalho ou despesa a quem quer que seja. Mas lá está, na volta sou um misto de bicho do mato e de irmã carmelita, sendo que como irmã carmelita sou daquelas que acaba expulsa do convento. 

Na altura, tinha eu vinte anos, casei-me. Estava farta de namorar e sem grande paciência para não morar com o meu namorado, ter que me despedir à noite já não me fazia grande sentido, e não nos ocorreu simplesmente irmos viver um com o outro. Outros tempos. Parece que, nessa altura, não era muito frequente as pessoas irem viver juntas sem se casarem. Se fosse hoje era isso que faria, juntar-me, sem aparatos de qualquer espécie.

Os meus pais também não fizeram grande finca-fé em que fosse diferente. Conheciam bem a filha e estavam era preocupados com aquela paixão e com a liberdade intrínseca que sentiam nela, uma filha que nunca aceitou arreios. Não fosse aquilo ainda dar em barriga que, isso sim, seria uma situação embaraçosa para eles, acho que até devem ter ficado aliviados com o casamento.

Foi, pois, um casamento muito simples, sem preparações, sem stresses, tudo na boa. De qualquer maneira, nunca depois senti pena de que tivesse sido assim. Pelo contrário, tenho para mim que, se calhar, por nunca ter havido 'armações' ou fantasias, é que dura até hoje. Digo eu mas, seja como for, há mil e uma razões para um casamento durar e muitas não passam por aqui. 

No entanto, gostei muito, muito mesmo, do casamento dos meus filhos apesar de terem sido o oposto do meu.

A minha filha planeou tudo ao milímetro, desde o vestido, às flores da igreja (casou na igreja, não pela igreja, como ela costuma dizer), a toda a decoração do belo solar apalaçado onde decorreu a festa, e foi um casamento todo ele muito bonito, todos os espaços estavam lindamente decorados, o banquete foi primoroso, a música muito boa, os convidados eram elegantes e chiques, tudo de revista. Ela estava linda e muito feliz. Dançou muito, andou abraçada e enlevada e as fotografias mostram um dia muito alegre, inesquecível. Quando vejo aquelas fotografias não apenas recordo esse dia de sonho como pessoas que já não estão entre nós como, ainda, vejo dezenas de pessoas que, até hoje, não voltei a ver. O noivo provém de uma família muito numerosa e nem eles próprios dão bem conta de quantos são. Já aqui contei que quando perguntei ao avô dele quantos bisnetos já tinha, o senhor sorriu, encolheu os ombros e, para meu espanto, disse: 'Não faço ideia, estão sempre a nascer'. Presumo que nem netos ele soubesse ao certo, tantas as dezenas. 

O meu filho sai um bocado a mim, não é grande apreciador de cenas. Sempre disse que não se casava, não tinha paciência para festas, quanto mais para festanças. Mas a minha nora sempre disse que teria um bocado de pena de ser mãe solteira e eu compreendia-a, é coisa que, parecendo que não, ainda tem, socialmente falando, algum peso. Por isso, vivendo juntos há algum tempo, quando ela engravidou, ele lá foi sensível ao argumento e resolveu fazer-lhe a vontade. Mas festa não haveria, disse ele. Só os pais, os padrinhos e, vá lá, talvez os irmãos de ambos os lados. Mas a coisa foi ganhando vida própria e acabou por haver uma grande festa, uma folia, uma animação. A noiva com uma barriga enorme, vestido branco, feliz como devem estar todas as noivas, o meu filho emocionado por ver a noiva feliz, orgulhosamente a transportar, no ventre, a filha de ambos. Muito bonito, tudo, muito alegre, uma festa rija, dezenas e dezenas de jovens bem dispostos.

Escusado será dizer que eu, em qualquer dos casos, me emocionei como gente grande ao ver os meus filhos tão felizes. Mas estar ali no meio daqueles grandes ajuntamentos, a ter que me controlar para não dar barraquinha e a ter que me manter distante dos meus filhos quando gostava era de estar junto deles, a fazer-lhes mimos, a desejar-lhes felicidades e boa sorte e tudo de bom na vida é uma coisa um bocado violenta para mim -- embora disfarce bem, sei comportar-me.

E estou com isto porque quando aterrei no sofá, perdida de sono --
depois de ter ido ver os meus pais ao fim de um dia de trabalho e depois de ainda ir ao supermercado e, no fim, depois das dez da noite, ainda ter estado a fazer o jantar -- 
e me pus a ver as novidades do YouTube, dei com o vídeo do casamento daquela jovem de 26 anos que vive nos bosques do norte da Suécia, Jonna Jinton, e que se descreve assim:
My name is Jonna Jinton, I'm 26 years old live in the woods in the north of Sweden. I practice the art of kulning, which is the name of the ancient Swedish herdingcall. It was used a long time ago to call the herdstock (the cows and goats) and to communicate with other women. Because of it's very high pitch tones the sound can travel through very far distances and makes very load echoes. To me "kulning" has become a form of art and I love to share my music here on this channel.
Besides kulning, I work as an artist, photographer and are running one of the most popular blogs in Sweden. 
E agora casou e mostrou o filme do dia. E gostei de ver a simplicidade deles e do lugar, a beleza das flores do bouquet. Contou-o assim, ela:

On July 13 we got married in our garden. A day I will always remember with so much warmth, joy and love. This beautiful film with glimpses of our day was made by amazing wedding photographer Sandra Hila, as a gift to us. (...) It was truly a magical day. I was not prepared that it would feel so emotional. I have never cried so many tears of joy than on our wedding day. Just being there with my Johan, my soulmate and husband, together with so many people we love, it was just...so beautiful. I will soon make a vlog where I tell you all about our day. Meanwhile you can get a glimpse of the love and magic that we felt on our wedding through this film.


E que sejam muito felizes

____________________________________

As flores estão no gelo apenas porque me apetecia ter aqui flores e porque estou com calor.
Olga Kulakova foi quem as fotografou.

_________________________________

E a todos desejo um belo sábado.
Tenham ou não alguém ao vosso lado, sejam felizes, está bem?

quinta-feira, março 15, 2018

Esse espaço escuro que se arrisca a ficar vazio





Penso no repugnante striptease espiritual que se dissemina cada vez mais. Aos amantes e ex-amantes ansiosos por exibir na televisão os seus azedumes, rebaixando a cama ao rés-do-chão dos arrufos e coscuvilhices, às mães cujo coração nas mãos ocupa todo o ecrã, às legiões que contam no Facebook a sua intimidade -- tão interessante como a sua roupa íntima -- a pessoas que não conhecem de parte nenhuma e que se tornam ainda mais distantes depois da troca, ou então que difundem obscenamente intimidades alheias roubadas.
Também o coração, escreve Flaubert, tem as suas latrinas, mas não há razão para que devamos espiar estas latrinas através do buraco da fechadura, convidando milhões de outras pessoas a fazer o mesmo, nem para abrir a porta da própria latrina na precisa altura em que se vai evacuar, convidando os outros a observar.
Mas penso também em nós, que escrevemos e que não só publicamos, mas também andamos por aí a pôr o nosso coração talvez não tanto a nu, mas por certo sob os holofotes, lendo em voz alta as nossas páginas, esperando por multidões de ouvintes, contando como e por que razão enchemos de palavras aquelas folhas e que nobres, sofridas ou trangressivas paixões estão por trás dessas folhas impressas. Naturalmente esperamos que seja admirada aquela parte da nossa escuridão que é posta à vista, sem nos apercebermos de que dessa forma, como escreve Borges numa memorável página, nos esvaziamos, deixando que nos levem tudo e esse espaço escuro arrisca-se a ficar vazio.


...............................

Tal como os dois posts abaixo --  Recrutas do destino e Sentir tudo aquilo de que se sente falta -- também o texto acima é um excerto de Instantâneos de Claudio Magris

As fotografias são de Sheila Metzner da série 'Celebridades'

Elvis Costello interpreta Days 

..............................................................................

segunda-feira, novembro 21, 2016

Outono in heaven




Fim de semana tranquilo. Chove e eu gosto de ver e ouvir a chuva. O campo está fértil, o musgo começa a aveludar a terra. Por onde passo, ouço o sobressalto dos bichos, o esvoaçar apressado dos pássaros por entre a folhagem. Depois aquietam-se, percebem que sou eu, a mulher-bicho que por vezes se ausenta mas que sempre volta, porque este pedaço de terra é a sua casa.

O medronheiro oferece-me os seus doces frutos. Desfazem-se-me na boca, pequenos pedaços de carne sumarenta a saber a mel. E oferece-me também a graça das suas flores, cachos de pequenos balões brancos. 

A serenidade sabe-me tão bem. Não me lembro do que vivi durante a semana. Essa é outra. Eu sou esta.


Vou passando, passeando e noto que o me mais atrai o meu olhar é o que mostra a passagem do tempo. Os ramos agora quase nus, a patine dos muros, o pó que se entranha nos azulejos. Não tenho vontade de os limpar. Também não tenho vontade de esticar a minha pele. Acho que o tempo acarinha a natureza, traz-lhe beleza. As cores misturam-se com as memórias numa simbiose perfeita.

E o frio, que me sabe tão bem, dá-me também vontade de ir para dentro, tapar-me com uma manta, pegar num livro, comer chocolate, diospiros, beber um chá quente e inaugurar o calor da lenha na salamandra.


Por onde passo, o chão está atapetado de caruma e folhagem. Há arbustos com bagas amarelas, cor de laranja ou encarnadas. Tudo me encanta. Onde outros verão um matagal à solta, vejo eu a harmonia da natureza. 

Não penso nunca na vida depois da morte. Mas penso muito na vida antes da morte e penso e sinto como é bom sentir o privilégio de me achar dentro do paraíso. 
Ouvir os pássaros, ver as cores das folhas, a dança dos ramos das árvores ao som do vento, olhar o deslizar da névoa do horizonte até ao céu, contemplar a delicadeza das flores, ouvir o musicar da chuva  -- é para mim uma felicidade que é difícil explicar.
___________________________________

Elvis Costello interpreta Days

___

Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa semana -- a começar já por esta segunda-feira.

_______