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quinta-feira, abril 02, 2020

Ao dia não sei quantos de quarentena, dia frio, triste e chuvoso, com o peito vazio





Dia muito preenchido, dia absurdamente cansativo. Na empresa, e, se calhar, em quase todas as empresas, parece que toda a gente está a reagir de forma hiperactiva. Toda a gente quer avançar em força com muitos projectos, toda a gente ao mesmo tempo, como se toda a gente quisesse compensar a perda de actividade económica com uma forte dosagem de trabalhos que, podendo-se fazer em teletrabalho, mais vale fazê-los já antes que seja tarde demais.

Então, estou em sucessivos meetings e a ver que estão a convocar-me para outros e, passado um bocado, já vejo o meeting, que não aceitei, no ar e que, estranhamente, estão a tentar puxar-me para lá. Envio mensagem a dizer que estou noutra reunião. Mas, mal acabo aquela em que estava, já estou a receber uma convocatória para daqui por dois dias para fazer o seguimento da reunião que acabou de haver e na qual não estive. Uma loucura. É desde que me ponho o pé no chão até tarde na noite. Mal tenho tempo para almoçar, janto às quinhentas. Exaurida. E aborrecida com tudo isto.


E, ao sentar-me, um telefonema. Um conhecido diz-me que um familiar próximo está com covid e ele e a mulher, e sabe-se lá mais quem, certamente também. E uma pessoa fica pregada. Pregada. Do outro lado, o silêncio, depois a voz do medo. Medo. Ligo a outra pessoa a tentar perceber o que podemos fazer. Do outro lado, o silêncio. O medo. Nunca antes senti, como sinto agora, do outro lado, a materialidade do medo, mesmo quando o sinto traduzido em silêncio. Medo. O contágio invisível, o contágio entre os que se amam. A dor, o medo.


Como se não bastasse, esteve um frio de rachar e choveu que se fartou. Tive que me encher de roupa o que, em mim, é coisa nunca vista. Não faz parte de mim ter várias camadas de roupa em cima. Sou bicho de pele descoberta ou, vá lá, apenas levemente coberta.

Acresce que, obviamente, estamos os dois a partilhar na mesma casa, ambos cheios de trabalho e de videoconferências. Não podemos estar ao pé um do outro. Toca um telefone, toca outro, ouve-se um a falar, ouve-se o outro. Toda esta zona da casa comunica entre si, sem portas. Uma dificuldade acrescida, nestas circunstâncias. E aquecer a casa toda tem sido uma dificuldade.

O dia foi de tal maneira que nem consegui pôr o pé na rua. A bem dizer, nem consegui chegar-me à janela. Em dias assim, gosto de estar junto às janelas de vidro vendo a chuva, vendo o vento e o frio a dar nas árvores. Ficam muito bonitas as árvores em dias de frio, vento e chuva. Lavadas, livres, belas, vestidas de verdes exuberantes. Mas hoje apenas vi de longe. Vi e ouvi mas, infelizmente, sem poder prestar atenção. A dado momento pareceu-me ouvir um ribombar ao longe. Agucei os sentidos. Quis que trovejasse, mesmo. Se era para estar mau tempo, pois que viesse trovão, relâmpago, golpe de vento, gelo a valer. Mas se era trovão ao longe, pelas lonjuras se ficou. Não vi azul, nem nesga. Nem para saudade tive tempo.


Em tempos, distantes tempos, houve uma varanda florida, uma escada que descia para a rua, entre flores, e acho que o céu estava azul e que tudo sorria, o azul do céu, a sombra das árvores, as cores das flores, nós. Há muito, muito tempo. Numa outra vida. Não sei se noutra vida, se até noutro planeta. Não sei mesmo se outra-eu. Daqui por algum tempo talvez pense que nem nunca existiu esse outro tempo. 

Não há muito, talvez há uns dias, alimentei a esperança de que por esta altura estaria eu a sacudir almofadas, a arejar cobertores, colchas e almofadas. A casa iria ser invadida, haveria meninos a brincar, a correr na rua, a jogar à bola, sentados à mesa. O ano passado, um dos meninos, à mesa, lambendo-se com os petiscos da sua Tá, disse: 'Isto sim, isto é que é vida'. Quando nos rimos e, perguntámos porquê, disse que aqui podiam brincar, subir às árvores, fazer o que queriam e comer comidas boas. Fiquei toda contente e ainda me lembro do ar satisfeito dele. Contou-me a mãe que, numa composição, escreveu que tinha saudades de cá estar. Entristeço-me. Como aconteceu uma coisa destas?, não me canso de me interrogar. Fez no outro dia anos, este meu querido menino, e gostou da festinha virtual que a mãe organizou, com família e amigos. Vamos inventando novas formas para tudo. Somos animais mutantes. Mas sinto tanta falta de os abraçar. Quando fazem anos, depois de apagarem as velas, gosto de me me chegar a eles para lhes dar um beijo e desejar que contem muitos e felizes anos de vida. Desta vez não foi possível. E ainda não aprendi a dar abraços virtuais, em especial quando o amor é muito.


Há pouco escrevi um mail pessoal mas em contexto profissional. Andava para fazê-lo. Sei que é assunto que agora parece disruptivo, sei que quem o recebeu não está ainda preparado para encarar a verdade que antevejo. Sei, pois, que o que escrevi vai ser recebido com desconfiança e sei que, se bem conheço aquele que a esta hora deve estar a lê-lo, depois vai ficar inquieto, hesitando entre fazer de conta que não leu ou levar-me a sério. Sei que se esforçará para não me levar a sério. Mas tomara que leve pois o que aí vem -- não sei quando -- será uma realidade apesar de ainda não a conhecermos. Não vai ser a continuidade do que era nas primeiras semanas de Março deste ano que eu pensei que, pela graça do número, 2020, seria um ano bom e que, até ver, está a ser um ano pavoroso. Mas, se fomos apanhados desprevenidos, batidos por um merdinhas invisível, temos agora a obrigação de ser inteligentes e saber dar a volta por cima, tornado-nos menos nocivos para o planeta, para a natureza, para os outros.

Mesmo num dia frio, triste e chuvoso, mesmo sentindo o peito vazio, esforço-me por pensar nos dias que virão a seguir e que quero imaginar que serão os promissores dias de um mundo novo, dias que festejaremos com a ajuda de Sophia, dizendo:

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

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Bem. Para ver se me animo, vou ver o mais recente vídeo de Liziqui.
Comidas floridas, aspecto delicioso, uma paz feita de gestos silenciosos, vagarosos.

不能去人多的地方扎堆儿,赶在上巳节这天家门口春个游


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A street art dedicada ao merdiúnculo do corona foi avistada por um Panda aborrecido

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E eu desejo-vos um dia caloroso e bom. Apesar de tudo.

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sexta-feira, março 06, 2015

A menina Otília foi às Finanças







A menina Otília foi às Finanças. Queria um esclarecimento e foi lá informar-se. Não deixando nada ao acaso, produziu-se toda: minissaia justa, decote fundo, meia preta, maquilhou-se cuidadosamente e pintou as unhas de vermelho. E, do alto dos seus maravilhosos 29 anos, bem vividos, lá entrou, triunfante. Tirou a senha e sentou-se, enquanto desfrutava do olhar baboso de uns tantos cotas e menos cotas a olhar para ela, como que a quererem dizer-lhe, “comia-te toda”. 

Quando o seu número surgiu no ecrã, levantou-se e apresentou-se ao manga-de-alpaca da Autoridade Aduaneira (“que raio de nome”, pensou). O “manga”, com um fio de baba a escorrer-lhe pelo canto da boca, com voz trémula de desejo, perguntou-lhe: “então menina, o que temos, enfim, em que lhe posso ser útil?” Otília explicou-se: “Era puta, profissão que exercia desde que começara a crise, visto ter ficado desempregada. Ou seja, há já cerca de 5 anos. Por vezes, recebia a sua clientela em casa, outras ir ao encontro da clientela. E como não era esquisita, muito pelo contrário, tanto satisfazia homens, como mulheres, novos ou jovens. O importante era realizar dinheiro.

Ser puta era um bom investimento, razoavelmente duradouro, mais do que um atleta de alta competição, ou futebolista, por exemplo. Tinha despesas, é certo, porque isto de se ser puta implicava cuidados com a sua forma física nos fitness-centers, bem como na compra de vestuário adequado às circunstâncias. Ao contrário do que muita gente imagina, é uma profissão algo cansativa. Por exemplo, ter de aturar gente, muita das vezes, com gostos e desejos bizarros, etc. 

Mas, agora o que seriamente a preocupava era o seguinte, daí ter vindo aconselhar-se às Finanças: desde que iniciara aquela sua actividade liberal, nunca tinha emitido uma factura, nunca descontara para o IRS, nem tão pouco para a Segurança Social. Ora, depois de ver a perseguição de tinha sido alvo, recentemente, um dos seus mais ilustres clientes, por essa imprensa sem vergonha, ficou apreensiva”. 

Aqui, o “mangas”, já com a camisa húmida de baba, interrompeu-a, muito atencioso: “mas, apreensiva porquê, menina?” 

Otília lá esclareceu: “É que, fui convidada para exercer uma função governamental e tenho medo de que venham a descobrir que, não estando inscrita no Fundo de Desemprego desde que fiquei sem trabalho, o que seria normal, não tendo declarado rendimentos, como poderei justificar o pagamento da renda de casa, da água, gaz e electricidade, como me sustento, como me transporto e de onde me vem a choruda conta bancária que já possuo, embora conseguida com muito esforço, dedicação e entrega? Não queria ter rabos-de-palha, já basta o meu, tão cobiçado pela clientela masculina!”

O Sr. Honorato, o manga-de-alpaca, com um largo e babado sorriso solícito, sossegou-a: “Oh menina, não se preocupe com isso. A menina não faça nada. Vá por mim, salvo seja. Como não tinha que passar facturas, nem estava a recibos verdes, não tem que descontar nada. A menina é uma decentíssima puta e ninguém tem nada com isso. Nunca roubou ninguém, muito menos o Estado, já que essa sua versátil profissão não consta da lista das actividades profissionais reconhecidas oficialmente. Assim sendo, não está obrigada perante a lei e o fisco, quer a descontar para o IRS, quer para a Segurança Social. Se conseguiu viver e sustentar-se razoavelmente bem, furando a crise, até aos dias de hoje, a si lhe diz respeito e a mais ninguém. Olhe, sabe a menina, pode ter essa profissão de puta, como diz, mas puta de profissão é a minha, que não tenho dinheiro para ir às putas, sofro cortes no meu salário, desconto cada vez mais, tenho menos férias, vou ter uma reforma de merda e ainda me obrigam a trabalhar mais horas! Vá com Deus e a Nossa Senhora, aceite o lugarzinho político que lhe vão oferecer, aproveite-o para futuros contactos e influências, que a vida é curta. Tenha uma boa tarde!” 

Otília, de tão contente, até deu um beijo na calva testa do Honorato manga-de-alpaca e, baixinho, ainda lhe disse, ao ouvido: “a si faço-lhe um precinho especial, de amiga!” 

Uns dias depois tomava posse.

E alguns meses após, era capa do CM: “na cama com Otília!” E lá vinham os nomes de vários dos seus clientes. Quase tudo gente fina, banca, empresas, políticos, advogados, um mundo profissional “imaculado”. Como aquilo tinha surgido não sabia.

Mas, aquilo que mais receara não fez parte do tablóides, ou seja, se tinha feito descontos para a Segurança Social, se tinha pago o IRS, nada. Feito o desmentido oficial, Otília por lá continuou. 


Quando o governo cessou funções, era célebre e tinha uma carteira de clientes, do melhor, até ao ano 3 mil! Era puta, mas puta de vida é que ela não tinha. Bem pelo contrário!


Autor: P. Rufino


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Transcrevi a suculenta história que o Leitor P. Rufino me enviou por mail. As imagens, a música (Roberta Sá interpretando A Vizinha do Lado) e o destaque são de minha responsabilidade.

Se a menina Otília é arraçada de láparo ou tem qualquer coisa a ver com as 50 sombras fiscais e contributivas de Passos Coelho isso não sei.


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domingo, junho 10, 2012

Sobre o ciúme, sobre a traição - episódios de um casamento atribulado. A Bailarina Fantasista, segundo 'O Vampiro de Curitiba', isto é, Dalton Trevisan, Prémio Camões 2012


Música, por favor
Uma canção desnaturada - Chico Buarco e Elba Ramalho




- É amante da Helena. Confesse.
     - Confesso coisa nenhuma.
- Meu amor, por que nega? Eu perdoo.
     - Está louca, Elza.
- Faço nada. Só quero saber.


Ângelo deitado de pijama quando ela, tesoura na mão, chegou à porta.
- Sei quem é tua amante.
     - Então diga.
- É uma loira.
     - Quem te contou?
- A sortista.
     - Está brincando, Elza.
- Ela nunca se enganou. Disse que você sustenta essa loira. Por isso chega tarde em casa.
     - Mas eu não chego tarde. Sempre juntos à noite.
- O encontro de dia, não é? Mentir não adianta, meu bem.




Investiu contra ele, tesoura em punho. Elza era grande e forte, com dificuldade a desarmou.
- Sei que tem amante. Agora tenho certeza.
     - Outra sortista, não é?
- Não me faz carinho. Sem amante não seria tão indiferente.
     - Acha que posso te agradar, depois de tudo que me fez? Toda vez que entro em casa é uma cena. Se você me beija, reajo como homem. Mas ir atrás, tenha paciência, isso eu não posso.
- Nunca vi maior mentiroso.


Não o deixava atender o telefone, cheirava-lhe a roupa, revirava o paletó atrás de cabelo loiro. Em sobressalto, Ângelo despertado de sonho pavoroso. A luz acesa a, ao lado da cama, Elza afundava-lhe docemente a barriga com a ponta da tesoura.
- Não vai doer, querido. Nem vai sentir.
Soluçando, atirou-se ao seu peito, faminta de beijos.


Separados de comum acordo. Ela exigiu os filhos, a casa, o carro, uma mesada. Concordou e mudou-se para um hotel. Elza frequentava clube nocturno, procurava-o no escritório para contar do moço muito carinhoso - os outros não eram frios como ele. Ângelo ouvia quieto e calado.




Uma noite em que se dirigia, encolhido à sombra das árvores, do escritório ao hotel, um carro derrapou a seu lado, reconheceu os dois toques da buzina. Era ela, que o convidou a subir. Embriagada, saíu em corrida furiosa.
- Medo de morrer, meu bem?
     - Pode me matar, é favor.Mas um de nós tem de cuidar das crianças.
Os faróis acendiam um, dois, três olhos de bicho nocturno.
- Peça perdão do mal que me fez, seu miserável.
     - Tudo que quiser. Agora dirija como pessoa sensata.
- Você me dá pena, querido.
Com a violenta freada o carro quase capotou, ela o mandou descer. Obedeceu e, erguendo a gola do paletó, perdeu-se na estrada deserta. Os faróis assassinos a persegui-lo, mas não se afastou, disposto a morrer com dignidade.
- Suba, seu porco.




Sem discutir, subiu. Aquela noite dormiram juntos. Dia seguinte, escondido dos vizinhos, saíu bem cedo.

Para não pensar esqueceu-se no vício. Jogava noite inteira, bocejava no escritório. Caso discreto com uma viúva, a única mulher desde a separação.

Nos braços do amiguinho, Elza encontrou-o na boate. Aos gritos, rasgou o vestido da viúva, sacudiu-a pelo cabelo. Sem piedade os atormentava, jurando arrancar com as unhas o olho azul da outra. 




Mão arranhada no bolso, Ângelo voltou a ficar só.

*
Música, uma vez mais, por favor
A vizinha do lado - Roberta de Sá


Um inferninho anunciou com estardalhaço a próxima atracção:

TÂNIA
BAILARINA FANTASISTA

No cartaz a fotografia colorida de Elza, quase nua: Estrela do bailado afro-brasileiro! 




Ao batuque do tambor, entre as piadinhas cruéis da canalha, saracoteava pobre imitação de hula-hula.

Desonrado, em desespero, Ângelo decidiu matá-la. Só o pensamento dos filhos o afligia. Foi à procura do sogro:
- O senhor não pode fazer nada? Ela me arruinou, ainda não está satisfeita. Se oferece aos meus amigos e ainda vem me contar.
     - Muita dó de você, Ângelo.
- Pedir à sua filha que me deixe em paz? Não viu no jornal o retrato nudista? Assim que recebe os amiguinhos.
     - Eu não tenho filha. Para mim é morta.
Abriu a gaveta da escrivaninha:
     - Tome este revólver e seja homem!
Ângelo apanhou a arma, foi até à morta.
     - Meu filho.
Virou-se em silêncio.
     - Se não matar aquela perdida... Quem te mata sou eu!
O revólver pesava-lhe no bolso, nunca dera um tiro. E gemia: Meu Deus, que será de mim? Rondou os clubes suspeitos, escondido atrás dos carros. 




Quando a viu, nos braços de um gordo, agarrou o cabo de madrepérola. Queria matar e queria morrer, mas não tinha coragem. Cabeça baixa, voltou lentamente ao hotel: era um manso.




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Este conto chama-se 'Bailarina Fantasista' e é da autoria de Dalton Trevisan.
Pertence ao livro 'Cemitério de Elefantes'. 

Como é sabido, Dalton Trevisan, 86 anos, é o Prémio Camões 2012 e este livro é, até agora, segundo creio, o único publicado em Portugal.

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Otto Lara Resende diz que 'ninguém sabe quem é Dalton Trevisan. Deus mesmo não sabe e nem por isso se impacienta'. Ele faz vida de 'severo anacoreta' na Rua Emiliano Perneta, em Curitiba, de onde regularmente envia ao seu editor algum novo original. 

Foi para escrever como escreve, 'cada vez mais embutido, no plano ínfimo, do seu território' (Otto Lara Resende), tratando o 'forte veio do erotismo' (Thomas Lask), intensificando 'o clima de humor negro e o grotesco da realidade' (Barbara A. Bannon), ávido de 'laconismo' narrativo e usando como mais ninguém o 'andamento em stacatto' (José Paulo Paes), 'meticuloso, um tanto obsessivo' (Emir Rodriguez Monegal), que Dalton Trevisan se refugiou no fundo da casa, portas fechadas à curiosidade dos caçadores do privado, sentado à secretária pelo menos cinco horas nos sete dias da semana. Entrevistas, deu duas ou três em toda a sua vida literária. Numa delas explicou que prosseguia um objectivo invulgar, o de fazer prosa como os japoneses faziam haikais.

Dalton Trevisan foi-se à eloquência e cravou-lhe a faca. Ironia, elipse, nenhuma cedência ao romantismo nem ao realismo mágico, aí estão outras armas brancas do escritor, afiadas à secretária-mesa-de-cela-monacal. Uma busca pela vivissecção?

Deus, na sua infinita misericórdia, desvia os olhos.


(Excertos do prefácio, intitulado 'Onde Deus volta a cara', da autoria de Fernando Assis Pacheco)

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Tenham, meus Caros leitores, um belíssimo domingo!