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sábado, outubro 22, 2022

E sobre a Liz Truss não há nada, nada, nada?


Não. Nada. Não há nada a dizer. Nada. Nem antes, nem durante nem depois. Ela, Boris, Kwasi Kwarteng, outros que tal. Nada. Figurantes de uma tragédia que tem um nome: Brexit. E que tem um actor principal, que actuou na sombra, que criou as condições, que financiou, que engendrou, que manipulou, que mexeu os cordelinhos. E actores secundários que usaram ferramentas proibidas, que estudaram as motivações profundas, que exploraram os medos, que brincaram com a ignorância, que pagaram. 

E os britânicos votaram sem saber no que estavam a votar. Não perceberam o logro. Deixaram-se enredar na perigosa e imprevisível trama do logro.

E agora ninguém consegue gerir esse logro. O logro é ingerível. Cai um ministro, cai outro, caem às mãos cheias, e cai um primeiro-ministro, cai outro, cai outro, repescam os que caíram. Uma farsa, um absurdo, um caos.

E o rei assiste impotente porque está lá apenas para ser o public relations do reino, para ajudar a vender canecas e bandeirinhas, não para tomar decisões relevantes.

Por isso, nada a dizer da pobre coitada da Liz, nada a dizer do bacano do Boris, nada a dizer do James, nada a dizer de todos os que já se demitiram e dos que ainda se vão demitir. A única coisa com graça nisto do Brexit foi o pai do Boris se ter naturalizado francês.

Um dia aparecerá um político a sério, o Brexit será revertido, as coisas voltarão a entrar na normalidade. Só não sei quando. Talvez quando o actor principal, o diabo que actua na sombra, tiver virado pó.

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Até lá, que viva o outono que, finalmente, parece estar a aceitar deixar de ser verão. Que traga chuvas, aragens, neblinas, cheiro a lareira, terras molhadas, árvores gotejantes, vontade de aconchego.

E que os tempos tragam algum presciência a quem vive ou assiste ao declínio moral que aqui e ali vai medrando nas sociedades democráticas, abertas, tolerantes, inocentes.

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E que a beleza e a graça e o amor estejam sempre por perto

Auto-retrato de Élisabeth-Louise Vigée-Le Brun (Paris, 1755 –1842)


Lea Desandre & Cecilia Bartoli – De Bottis: Mitilene, regina delle amazzoni: "Io piango" - "Io peno"


The English Patient - The Heart is and Organ of Fire 


Bedroom Folk - Sharon Eyal & Gai Behar (NDT 1 | Strong Language)



Foto de Alain Laboile

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Um bom sábado
Saúde. Aconchego. Beleza. Paz.

sábado, fevereiro 01, 2020

Abaixo o Brexit.
Viva o sonho, o amor e o romantismo





Depois de um período no qual me senti chocada com o impensável a que se assistia no Reino Unido, agora entrei em modo 'nem aí'. Acho que isto do Brexit é coisa tão fajuta, tão mal engendrada, tão aborta que, na minha cabeça, é como se fosse coisa que se vai resolver por si. Há-de desaparecer, quero eu crer. Daqui por algum tempo os ingleses hão-de cair na real e hão-de dar um valente chega para lá nos anormais que os meteram nesta alhada. Embora pareça que sim, que o mundo está a derrapar e prestes a cair para o buraco que a malta toda anda a cavar, tenho uma vaga esperança que, aos poucos, a malta acorde e arrepie caminho. 

E espero que, nesse arrepiar de caminho, a malta volte a prezar a inclusão, a união, o estabelecimento de laços assentes na verdade, na generosidade, na construção de um futuro justo. Sonho com amanhãs que cantam, sou uma sonhadora, uma alienada.

A sombra que se me atravessa no percurso para o futuro radioso que quero antever é o receio de que a malta acorde tarde demais, depois o receio de que o percurso não seja linear e que, nisto, se percam anos preciosos e que, mesmo que a malta chegue a tempo à sua salvação, eu não viva o suficiente para acompanhar a caminhada até perto da alvorada que antecederá a entrada no jardim das delícias, das glórias, de todos os bons pecados e supremos gozos, dos cânticos, da igualdade e da absoluta e perfeita liberdade. 


Seja como for, pensar nisto também é bom. Basta que puxe o assunto à mente e logo imagino cores, melodias, mãos dadas, luzes, sorrisos, danças. E, se não me detenho, entro mesmo neste mundo maravilhoso e isso, como é fácil de perceber, não é muito conveniente uma vez que esse mundo ainda não existe.

Portanto, voltando à cold cow, estou em crer que esta macacada do Brexit há-de ser revertida e, cá na minha, capaz de nem durar muito, capaz de nem ser preciso esperar pela transformação da actual pangalhada num maravilhoso e esperançoso mundo novo.

Portanto, não vou falar deste mau passo. É da minha natureza.
No outro dia, um que trabalha comigo estava no meu gabinete, eu sentada à secretária e ele de pé, a conversar. Então dei com um buraco numa das mangas dele, no lugar onde a malha se ligava à cotoveleira. Pois bem: durante todo o tempo que durou a conversa, esforcei-me por não olhar para o buraco. Agora está na moda usar a expressão 'vergonha alheia'. Mas não era bem por vergonha alheia que eu não olhava para aquele descarado buraco ali a querer impor a sua presença, era pudor e não sei se era alheio ou muito meu.
Assim eu com o Brexit. Por pudor, não quero falar de uma coisa que os irá, um dia, envergonhar (isto em relação àqueles que ainda não sabem que vão arrepender-se e envergonhar-se).

Por isso, depois da sinfonia ineficiente, perdoem se me mantenho no registo de dar uso aos presentes que recebo, mas é o que me apetece -- e porque haveria eu de refrear os meus apetites? Ora essa. 

Agora é um vídeo muito bonito. Uma demonstração de amor, daqueles amores que aconchegam o coração, um amor com desenhos, sorrisos, provavelmente flores, provavelmente palavrinhas doces, promessas inocentes e boas. Uma presença de paz e afecto. Ser amada assim é uma benção e um homem que saiba amar dessa maneira suave, elegante e inteligente, tenha ele a idade que tiver, é uma fonte de felicidade para quem tem a sorte de receber as suas demonstrações de amor.


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Pinturas de Wolfgang Lettl ao som do Dream de Max Richter

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sexta-feira, dezembro 13, 2019

Corbyn, a lástima que abriu caminho a Boris.
O número máximo de dias que se deve usar um soutien sem o lavar.
E o SNS: um caso em Espanha e outro com a minha mãe.
[E, se isto parece que não liga a bota com a perdigota, a culpa não é dos cogumelos]





Só posso concluir aquilo que já concluí há muito tempo: o Corbyn é uma nulidade. Bem podem dizer-me que são as circunstâncias ou que sei lá o quê. Não vou nesse. Nunca fui e agora está à vista no que deu. Não há conjunturas que expliquem que, perante políticas tão erradas, estratégias tão desastrosas e atitudes tão inaceitáveis como são as dos Conservadores e, mais recentemente, potenciadas pelo descaminho que é o trafulha do Boris Johnson, o principal partido da oposição não tenha via verde para o tirar de lá. Devia ter sido piece of cake, canjinha de galinha. Já dizia o outro: até o rato Mickey teria conseguido melhor.

Jeremy Corbyn sempre se mostrou um frouxo, pouco claro, nunca conseguiu traçar um rumo claro e pòr-se em cima dos carris, nunca explicou, de forma inequívoca, o que se propunha fazer caso ganhasse. E veio agora com propostas que lançaram a confusão na classe média, ameaçando-a com medidas que poderiam fazer sentido se fossem para classe alta, altíssima e não para a grande maioria da população contribuinte; e isso e mais um banho de nacionalizações e mais um punhado de medidas desfasadas do tempo. Os eleitores votam não em princípios abstractos mas em pessoas que inspiram confiança e relativamente às quais se sabe o que farão quando se virem com o poder nas mãos. Portanto, o resultado dos Trabalhistas não terem resolvido o problema da sua liderança deu no que deu: um desastre para o Reino Unido. E uma machadada na União Europeia. Mas, se ganhasse o totó do Corbyn, a coisa não seria melhor. Portanto, vou ali e já venho.

E eu, perante esta fatalidade anunciada, não consigo dizer mais nada. Só que tenho pena.

E, se não for sobre isso, nem sei de que fale. Não estou em minha casa. A febre dos jantares e almoços de Natal alastra imparavelmente. Hoje estou a fazer baby sitting pois temos que ser uns para os outros. 
E isto porque me baldei a mais um. Melhor: a dois. Pode parecer mentira mas é verdade. De manhã, quando disse a um que hoje não ia, franziu o nariz, fez-se de desconfortável. Limitei-me a dizer: 'Pois. Mas é assim mesmo. Não vou. Ia ser a tarde em viagem, amanhã a manhã em viagem. Dois meios dias perdidos. Não dá. Ao outro, tinha dito logo de início que comigo não, violão. E ainda não fica por aqui. Isto são modas que vão alastrando. Não tenho ideia nenhuma de há uns anos haver esta moda dos almoços e jantares de natal em tão grande número. Ou, então, era eu que estava mais circunscrita. Não faço ideia. 
Os meus meninos já dormem. Foram cedo para a cama. Contei-lhes uma história e, estafados como estavam, foi tiro e queda. Por isso, nem é que me estejam a distrair. Não, não é isso. A questão é que, quando estou desenquadrada e fora do meu sofá, escrevo mas é o que se vê, a coisa parece que não flui. É como quando cozinho sem ser na minha casa. 

Parece que a intuição se me esvai, parece que a coisa perde a espontaneidade. 

E, assim sendo, uma vez mais fora do meu habitat, sem tema que puxe por mim, só me ocorre referir um artigo que li sobre a lavagem dos soutiens. Ao que parece, é frequente algumas mulheres usarem tempos a fio o soutien sem o lavarem. Sendo de cor não se notará a falta de limpeza. Li o artigo com aquela minha perplexidade de quando percebo que vivo num mundo paralelo. Então alguns especialistas pronunciaram-se: um soutien não precisa de ser lavado de cada vez que se usa mas não deve ser usado mais do que três vezes sem ser lavado. Exceptua-se, claro, a situação em que a dona pratica desporto, transpira, etc. Nesse caso, obviamente, deve ser lavado de cada vez.

Isto há com cada uma.

Ah, lembrei-me agora de um tema sobre o qual ando para falar há algum tempo. Serviço Nacional de Saúde.

Há pouco tempo almocei com uma espanhola que tinha vindo há umas semanas da Tailândia onde tinha estado a passar férias com a família. Uma das filhas contraíu uma bactéria esquisita e ela teve que a levar às urgências de um hospital público em Madrid. A miúda fez uma série de exames, foi medicada e foi para casa onde deveria ficar praticamente em isolamento a tratar-se. Disseram-lhe que em princípio ficaria bem e que telefonariam a vigiar. E assim foi. A miúda não voltou nem ao hospital nem foi a outro médico. Telefonavam, perguntavam pelos sintomas, pela temperatura, etc. Até que a miúda ficou livre de cuidados e teve ordem para voltar à escola. Uma semana depois, quando ela já nem se lembrava, recebeu novo telefonema do hospital a fazer um ponto de situação sobre o estado de saúde da filha. Estava óptima. Ela ficou muito bem impressionada pela eficiência e cuidado. Disse que na saúde, em Espanha, não há crise, não há tempos de espera, não há descontentamento, não há tema. 

Fiquei a pensar que, de facto, vai-se a tanta consulta, entopem-se hospitais e centros de saúde, quando, na volta, uma vez diagnosticada a maleita e medicado o paciente já não haverá mais a fazer a não ser vigiar o bom andamento da recuperação.

E, que nem de propósito, a semana passada constatei que esse bom método não vigora só em Espanha, já também por cá está em uso. No outro dia a minha mãe contou-me que estava com um sintoma bizarro. Vi no google e pareceu-me que não seria nada de grave mas que, pelo sim, pelo não, deveria se acompanhado. Sugeri que ligasse para a Saúde 24. Assim fez. E em boa hora. A senhora que a atendeu foi atenciosa, fez recomendações, validou algumas situações. E ficou de voltar a ligar por volta da hora de jantar. E ligou. E voltou a validar alguns aspectos, a aconselhar. E, para surpresa da minha mãe, no dia seguinte, voltou a ligar. Está tudo bem, os conselhos foram úteis, não foi não teve que ir ao médico, ficámos mais descansadas. E surpreendidas.

Portugal o que tem é um problema de organização, não é de dinheiro. 

Infelizmente, não é só no SNS, é em todo o lado. Se há área em que Portugal tem um longo caminho pela frente é o da organização. E a organização só se consegue com uma boa liderança e com inteligência. Tenho esperança que estejamos a começar a trilhar esse caminho.

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Entretanto, já estou em minha casa e, como sempre, perdida de sono. Estou com a leve sensação que o tema da lavagem do soutien está aqui a despropósito. Mas também não é agora que vou fazer purgas no texto. Vocês relevem, está bem? Façam de conta que isto é apenas uma conversa sem guião, em que vamos falando das coisas que nos vão ocorrendo. Quantas vezes, quando estamos a conversar, na maior informalidade, os temas vão surgindo em mão e em contramão. Por isso, se estou aqui na conversa convosco, não vou rasurar o que saíu, vou é contar com a vossa tolerância.

Também me apeteceu juntar ao texto as belíssimas fotografias de Alison Pollack que vê de perto, como ninguém, a hipnótica beleza destes seres misteriosos, irreais. Não têm nada a ver com nada mas a beleza não precisa de ter a ver com nada.

E também me apeteceu ter aqui a voz tranquila de Sissel. Gosto muito de ouvi-la. Espero que também gostem.


E, por ora, é isto.

Uma boa sexta-feira para si que aí está a aturar esta conversa desconexada.

quinta-feira, outubro 31, 2019

As gargalhadas e as lágrimas de Bercow ao aproximar-se a hora da despedida


Tenho para mim que Bercow foi a personalidade que, no Reino Unido, mais se destacou neste inglório período. Tem sido um fiel guardião da Democracia. Tem sido corajoso. Tem sabido manter o sentido de humor. Mostrou qual o significado da palavra liderança. 

Não sei se vai ou não haver Brexit mas, em minha opinião, o que merece respeito no meio do triste carnaval que as terras de Sua Majestade têm exibido ao mundo são as intervenções de John Bercow. Dificilmente haverá outro como ele. 


Clap clap, salve Mr. Speaker.

sexta-feira, outubro 25, 2019

O papel do Facebook no Brexit (e no resto) -- vejam o vídeo, por favor


Por mail de Leitor a quem muito agradeço recebi um vídeo (com legendas em português) muiiiiito interessaaaaante e que já foi visto mais de três milhões de vezes.

Transcrevo o texto que o acompanha no site do TED:
Numa palestra imperdível, a jornalista Carole Cadwallard aborda um dos acontecimentos mais desconcertantes da atualidade: a votação super renhida para a saída do Reino Unido da União Europeia. 
Investigando os resultados até chegar a uma imensidão de anúncios falaciosos no Facebook, dirigidos a eleitores indecisos e vulneráveis — e ligando os mesmos intervenientes e as mesmas táticas às eleições presidenciais dos EUA em 2016 — Cadwalladr acusa os "deuses de Silicon Valley" de estarem do lado negro da história e pergunta: Serão as eleições justas e livres uma coisa do passado?
A journalist on the frontline protecting an open society, Fintan O'Toole no The Guardian

Sobre a oradora, transcrevo (e agora perdoem-me a preguiça por não traduzir):
Carole Cadwalladr is a journalist for the Guardian and Observer in the United Kingdom. She worked for a year with whistleblower Christopher Wylie to publish her investigation into Cambridge Analytica, which she shared with the New York Times. The investigation resulted in Mark Zuckerberg being called before Congress and Facebook losing more than $100 billion from its share price. She has also uncovered multiple crimes committed during the European referendum and evidence of Russian interference in Brexit.
Cadwalladr's work has won a Polk Award and the Orwell Prize for political journalism, and she was named a Pulitzer Prize finalist for National Reporting in 2019. Of her award-winning work, judge Sir David Bell wrote: She "deserves high praise for the quality of her research and for her determination to shed fierce light on a story which seems by no means over yet. Orwell would have loved it."

O papel do Facebook no Brexit -- e a ameça à democracia
















Um bom jornalista é outra coisa. 
E uma mulher inteligente também.

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E queiram aceitar o meu convite e descer, por favor, até: 


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E... thanks God, it's friday! Enjoy.

sexta-feira, outubro 11, 2019

Se isto não é uma palhaçada, alguém me explica o que é uma palhaçada?


Poderei reformular: se isto é a monarquia, bardamerda para a monarquia.

Ou ainda, se quiser usar linguajar de salão: se isto é coisa que se faça a uma democracia vintage mais vale que ponham os Monty Python a governar o Reino de Sua Majestade.

A figurinha que andam a fazer desde que votaram o Brexit ultrapassa o razoável. É ficção e das delirantes. 

Esta que se vê no vídeo abaixo foi a última que vi e não dá para acreditar. Pela segunda vez fecharam a democracia e correram com os deputados.

E a forma cerimoniosa como o fizeram torna tudo ainda mais caricato. É ver para crer.


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Tudo o que é paródia parece mais plausível e realista do que aquela estapafúrdia realidade




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terça-feira, setembro 17, 2019

A labilidade de Boris não augura nada de bom


Olha-se e ouve-se Boris Johnson e o que se vê é a labilidade em forma de gente. Está perdido. Não sabe o que dizer, o que fazer, como comportar-se. Derrapa a cada instante.

Claro que o seu look e o seu sorriso disfarçam: à primeira vista pode parecer que tudo aquilo faz parte do 'boneco'. Mas não. Está mesmo à nora, não consegue disfarçar a instável inconsistência que vai nele. O olhar é lábil. Até a conversa é lábil. Saíu dos carris e está em roda livre. Os britânicos têm cada vez mais razão para se sentirem preocupados e envergonhados.

Tenho, contudo, ainda uma vaga esperança que algum volte-face aconteça.

Agora é o sonso do Cameron que, certamente mil vezes arrependido da burrice que fez, já quer outro referendo.



Pode, pois, acontecer que de entre os conservadores surja um movimento que tire o tapete ao Boris, forçando assim uma mudança completa de cenário. E há ainda a esperança que, do lado dos outros partidos, surja alguém com um mínimo de liderança na atitude e um mínimo de inteligência e visão que virem o jogo. Não será Corbyn, esse infeliz que nunca conseguiu sair das tábuas, nunca foi à lide.  É uma choca. Pode também acontecer que Bercow, que anda picado que nem fera acossada, consiga engendrar alguma manobra legal que, qual golpe de mágica, faça os monstros regressarem à caixa e deixe a democracia, de novo, nas mãos do povo e dos seus representantes.

A cada dia que passa mais Boris se revela um pateta alegre, um bon vivant que está bem na paródia, nos golpes mediáticos e a tanguear as chocas mas, do que se vê, um zero quando tem que mostrar a sua bravura, a meio da arena.
(NB: Vejo por aí muita gente pouco criativa a dizer mal do PAN por querer fazer touradas sem touros. Gozam com ele. Como é possível?, gozam. Pois eu respondo: é possível. Basta ver o caso do Reino Unido. Uma tourada sem touros. Chocas, palhaços, etc.: há de tudo. Menos touros. A menos que Bercow volte a entrar em cena mas, aí, não será para morrer na arena)

Ver para crer


terça-feira, setembro 10, 2019

As lágrimas amargas de John Bercow



Foi com pena mas, na realidade, sem grande surpresa que soube que Bercow anunciou a sua retirada para breve. Personagem muito cá de casa, não podia hoje deixar de aqui o ter. 

No meio da barafunda que os conservadores e populistas lançaram sobre o Reino Unido, era em Bercow que eu via coerência e sentido de Estado, mantendo uma linha de rumo sempre alinhada com o respeito que, na opinião dele, é devido ao Parlamento e, antes do Parlamento, aos representados pelos Deputados, ou seja, ao Povo.

Acresce que tem verbo fácil, raciocínio escorreito, tem bases culturais e elegância na fraseologia, tem agilidade mental, coragem e independência e transmite, a quem assiste de fora, um sentido de liderança, de mestre de cena sábio e experiente. Com um Parlamento desorientado, era Bercow que repunha a linha que não devia ser pisada em alturas em que, por vezes, parecia que já não existia linha nenhuma. Acresce ainda que tem sentido de humor, esse plus com que as pessoas verdadeiramente inteligentes costumam brindar as pessoas com quem lidam. E eu gosto muito de pessoas com sentido de humor, que -- ao contrário de gente ensimesmada e auto-convencida -- são geralmente boa gente.

Não é à toa que Bercow escolheu as datas, não é à toa que disse o que disse nas vésperas da suspensão do Parlamento. Num Reino onde a Majestade a sério manda tanto como a rainha de cera, num Parlamento em que à frente dos Conservadores está um pseudo-avatar do Trump e à frente dos Trabalhistas está um auto-atado e em que os demais partidos não riscam, o processo em que os britânicos se enfiaram, um verdadeiro beco do qual não se vê qual a saída, o futuro é cada vez mais nebuloso e a saída de Bercow uma notícia triste.

Uma palavra ainda para a emoção que revelou ao fazer o anúncio. Mostrou que respeita o lugar onde trabalha, que tem um vínculo relevante com os que lá trabalham e que ama a sua família. E mostrou outra coisa: mostrou que não apenas age racionalmente como é, também, uma pessoa que saudavelmente dá larga às suas emoções.

John Bercow: o anúncio da despedida para breve -- e as lágrimas



Os louvores a Bercow por parte das bancadas



Alguns momentos memoráveis de Bercow



Order!



E a suspensão do Parlamento entre 'Shame! Shame!'


Não é em lágrimas que acabo este post mas acredito que haja muitas lágrimas na despedida de Bercow

quinta-feira, setembro 05, 2019

E enquanto continua o desastre em vários actos no Parlamento britânico, Sua Majestade passeia em Balmoral e brinca com os turistas.
É a nova versão do Titanic a afundar-se enquanto os passageiros dançavam no convés?


Quando Cameron se meteu nesta linda palhaçada (e, ok Paulo, antes disso, já Blair se tinha portado mal, indispondo os ingleses), quando o comediante Farage alimentou a fogueira contra a Europa, quando Bannon apontou armas à Europa com a Cambridge Analytica a usar os dados pessoais do Facebook dos eleitores britânicos de modo a fazer um marketing personalizado, manipulando-os emocionalmente, e quando, sem saberem o que era o Brexit, a maioria votou favoravelmente à saída do Reino Unido da União Europeia, ninguém imaginaria que mais de 3 anos depois aquelas almas ainda andariam desnorteadas, galinhas sem cabeça, sem saber o que fazer. 

Pelo meio Cameron e Theresa May já saíram de cena, as demissões sucedem-se, as expulsões de gente idónea saem à cena, aparecem gestos perigosos como a suspensão do Parlamento -- e sobraram duas tristes figuras. Uma, Boris Johnson, um arruaceiro, um trauliteiro, um amigo de esbórnia e macacadas, outra, Corbyn, uma fraca figura, um totó que de carisma tem zero, capacidade de virar o jogo ou mostrar liderança igualmente zero, um daqueles espantalhos que tem especial queda para se pôr a jeito e ser alvo de chacota de estafermos como o Boris JohnsonTrump. 

Calculismos e totozices por um lado, populismos e palhaçadas por outro, manipulações all over da opinião pública, ataques à ética e à democracia a serem o novo normal, aristocracias a sobrevoar o mundo real como se não fosse nada com eles, resultam num cocktail perigoso, do qual este lindo espectáculo ainda é o menor dos males.

Dizem-me: a democracia britânica é das mais antigas, é sólida, sabem o que fazem. Concordo que é antiga, acho que até parecia sólida mas discordo de que saibam o que andam a fazer.
Faz-me lembrar aquela gente de famílias aristocratas que acha que é de famílias antigas, sólidas, que olham a plebe com condescendência e superioridade. E depois, quando são chamados à liça, revelam a mais dramática impreparação,  revelam que não sabem cuidar da vida. Frequentemente acabam na miséria, objecto de caridade e de olhares piedosos. 
O que se passa no Reino Unido, de negociação em negociação, a pedir mais prazos, sem se entenderem, a votarem e contra-votarem sem sairem do mesmo sítio, um desnorte como não há memória, é, de facto, uma barracada que envergonha qualquer democracia. Mas mais do que vergonha, o que há nisto tudo é um enorme risco para todos.

E se eu sempre soube que o papel da Rainha era quase figurativo, a verdade é que acreditava que, em situação de crise séria, se chegaria à frente. Nada. Continua na maior como se nada disto tivesse a ver com ela. Uma coisa inquietante.

O que o The Mirror relata pode ter graça para quem gosta de achar graça a gracinhas. Eu acho apenas que, afinal, aquela monarquia britânica é outra palhaçada: Queen's funny quip when hapless tourists failed to recognise her at Balmoral. Estava de lenço na cabeça e vestida discretamente e não com aquelas toilletes coloridas com que costuma aparecer nas cerimónias e os turistas americanos também não costumam ser gente bem informada pelo que não a reconheceram e a Rainha brincou com eles, não se identificando. Mas não ocorrerá à Rainha que até pode acontecer que a Escócia venha a sair do Reino Unido e que ela passe a ser estrangeira em Balmoral? Em vez de fazer de conta que o que se passa no seu Reino não é coisa que lhe assista, não seria melhor que mostrasse que manda alguma coisa e apontasse uma linha de rumo?

Bannon’s Populists, Once a ‘Movement,’ Keep Him at Arm’s Length
Claro que, com tudo isto, o Bannon e seus seguidores esfregam as mãos de contentes. Como não?

Um dos mais relevantes países da UE nesta pretensa debandada trapalhona, ameaçando fazer perigar a estabilidade a todos os níveis na Europa, não é mesmo o que ele anda a tramar? Claro que é. 

E não, meus Caros, read my lips, não é paranóia minha, não é teoria da conspiração, não: é verdade. É a preocupante verdade.


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MPs vote to reject early general election


Boris Johnson has suffered another defeat as the Commons rejected his motion calling for a general election. The PM responded by saying that Jeremy Corbyn has become 'the first leader of the opposition in the democratic history of our country to refuse the invitation to an election'. He added: 'I can only speculate as to the reasons behind his hesitation. The obvious conclusion, I’m afraid, is he does not think he will win.'

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E a ver se, depois disto, consigo retomar o meu espirito estival ou se a minha boa onda saíu comprometida com tudo isto.

Se conseguir recuperar a boa disposição, talvez cá volte com imagens e acontecimentos do dia


quarta-feira, setembro 04, 2019

Pode ser uma velha e sólida democracia, pode a velha monarca fazer bem o seu papel de morta, pode tudo...
Mas está à vista o que acontece quando um País vai atrás da lábia dos populistas.
A insigne democracia britânica está transformada num bando de patarecos. Uns totós que não sabem o que fazer com os votos que obtiveram.
Um espectáculo triste de observar.
E do Boris nem falo. Pode ser culto mas é um tonto, uma barata loura.


Não andando numa de me prender com coisas sérias, abro uma excepção apenas para aqui deixar referência a mais uma voltinha mais uma viagem lá por terras de Sua Majestade. É certo que, em certa medida, é a política e a democracia a funcionarem. Mas é um mau exemplo. Uma população nas mãos de gente tão desnorteada e não haver alguém que dê um murro na mesa é de susto. A única voz que se ergue é a de John Bercow mas pouco mais do que gritar Order! Order! ele pode fazer.

O que esta terça-feira se passou no Parlamento foi de antologia: Boris, em plena sessão viu-se sem tapete debaixo dos pés. Alguns dos seus correlegionários passaram-lhe uma valente rasteira e empurraram-no para a frente.

Eleições antecipadas? O pior é que Corbyn é um titubeante, daqueles políticos que caminham sobre ovos, que gostam de se sentar sobre o muro, sempre a ver para que lado cair. 

Não se sabe no que isto vai dar porque entre o jogo de uns, as irresponsabilidades de outros e os calculismos de alguns, os meses vão passando e o futuro do Reino Unido continua em banho-maria.

Boris Johnson suffers humiliating no-deal Brexit defeat - 328 to 301 votes - snap general election?



quinta-feira, agosto 29, 2019

Mas então, de facto, ter uma rainha a sério é o mesmo que ter a figura de cera dela no Madame Tussauds?
Não serve mesmo para nada, nada, nada?
Nem mesmo quando um palhaço que nem eleito foi resolve suspender o Parlamento?
Está bonito aquilo por lá, está...


E digo 'por lá' sabendo que, num desastre como o que pode estar na forja, não há 'lá' nem 'cá'. Votar por votar ou não votar porque 'são todos iguais' ou ficar em casa porque 'não vale a pena' dá nisto. Quando se dá por ela, está um palhaço no poleiro. E, de novo, esclareço: nada contra palhaços. Só que os palhaços estão fadados para fazerem palhaçadas e para fazerem rir. Ora como um Governo de um País não é um circo, as palaçadas lã são deslocadas. Para além disso, como se dizia no cartoon que aqui partilhei no outro dia, o que se vê é que não há ninguém a rir com as palhaçadas destes imbecis.

Os últimos dias têm sido férteis em produção de estrume por parte destes animais: desde o Trump ao Bolsonaro, passando agora por este quadrúpede de nome Boris, é só porcaria. Mas poderia ser porcaria em escala limitada, apenas o suficiente para os próprios se atulharem nela. Mas não, é tal a quantidade de esterco produzido que desestabilizam o mundo, estragam o equilíbrio planetário, causam danos porventura irreversíveis em todo este frágil edifício que é este mundo que os humanos tão desajeitadamente vêm (des)construindo.

Claro que há gente que fica passada com o que está a passar-se mas, do que se tem visto, não há ninguém com poder suficiente para dar um valente murro na mesa, para virar a mesa, para se pôr ao alto, obrigando a matilha de canzoada a bater em retirada.

Partilho um vídeo onde se podem ouvir algumas vozes revoltadas e, ouvindo-os, resta, ao menos, o consolo de pensar que ainda há alguns sobreviventes desse velho e antiquado regime que dá pelo nome de democracia.




Uma lástima, isto.

sábado, maio 25, 2019

Theresa May, um irrelevante ponto e vírgula na história do Reino Unido



Claramente não podia dar certo. Não sou de rogar praga mas há trajectórias que não enganam. Não é preciso ver o caminho acabar no buraco para a gente olhar e ver que é lá que ele vai dar.

No outro dia um colega lançou um projecto e eu, ao sair de lá, arreliada pelo dinheiro que se gasta em coisas destas, disse-lhe: 'Não vai dar em nada'. Ele, nem percebendo a incorrecção lógica da frase, como que teve um arrepio: 'Puxa. Vire essa boca para lá!'. Lembrei-o: 'Algum dos meus alertas alguma vez falhou?' e ele insistiu: 'Não. Por isso lhe digo que vire essa boca para lá'.

E é.


Mas também pode ser que os meus palpites que dão furados eu esqueça. Posso não saber de muita coisa mas de uma eu sei: não sou arraçada de cavaco de maneira nenhuma: engano-me. E, quanto a dúvidas, upa, upa, cada vez mais.

Hoje, por exemplo, juntei um e mais um e mais outra coisa que nada a ver e deu três e, vai daí, tocou um sino do caraças: uma suspeita cabeluda que, a ser verdade, seria uma tal bomba que me forço a pensar que mais vale tirar daí o sentido porque ia ser bomba demais, coisa que ninguém na vida poderia suportar. E, no entante, é como sempre. Sei que a coisa vai começar a fazer o seu caminho. E escrevo isto e penso: 'Estou enganada. Estou enganada'. e, dentro de mim, há sinos a tocar, campainhas que não se calam. 

Em situações destas forço-me a pôr-me em stand by, a não me mexer. Sei que a coisa se vai resolver por si e é assim que as coisas se devem resolver. Quando as antenas estão ligadas captam tudo, até o que está a milhas, até o que está para acontecer. Só tenho que estar sossegada, à espera que as pontas se juntem e que eu esteja atenta para observar antes da coisa ser visível. E, se nada acontecer, a suspeita morre por si.

Mas caraças. Caraças.


Mas isso não vem ao caso. E neste caso nunca aqui virá. Quanto muito sob a forma de história.

O que vem é que, tendo estado todo o santo dia incontactável, agora à noite me diz o meu marido: 'A May anunciou a demissão' e eu pensei que desde o primeiro dia eu tinha lido na cara dela a palavra demissão. Ter-se-ia poupado a tantas humilhações, a tanto esforço para superar as atrapalhações e para ser engraçada, para aparentar naturalidade, a tanto trabalho inglório, a tanta traição, a tanta preocupação para nada. Obviamente não nasceu para liderar coisa nenhuma.

Até acredito que seja boa pessoa, até acredito que genuinamente tenha pensado que conseguia fazer alguma coisa. Mas, coitada, não teve um bom amigo que, sem ser derrotista, lhe pudesse ter dito que aquilo não era coisa para ela?


Estive agora a ver o vídeo. A forma como se emociona ao terminar, dá-me pensa. Coitada, tanto esforço para nada. Terá à sua espera o abraço apertado do marido, aquele senhor com ar de totó e que é capaz de também ser um bom homem. 

Mas isso não apagará as noites mal dormidas, os vexames, as viagens permanentes de Londres para Bruxelas e vice-versa, para levar tareia por onde quer que passasse.

A alhada em que o Reino Unido se meteu é outra que me dá pena. Não é bonito de se ver nem sei como é que isto vai acabar. Adivinho mas não é tudo: só algumas coisas e, ainda assim quase nunca vem o guião completo. Mas uma coisa parece óbvia e nem é preciso ser bruxa: começo a pensar que pode não acabar bem.

A única saída que pode ser é se os resultados forem inesperados e vier a haver um segundo referendo que reverta a situação. Muitos ses que não descansam ninguém até porque... e se não?

Caraças.


Whatever. Estou a dormir. Muitos dias a madrugar e a dormir pouco, muita cena, muita distância, sempre muita coisa. E na volta até aconteceram muito mais coisas e, possivelmente, até mais colunáveis do que o triste fim de uma pobre desasada. Mas eu não sei e, além disso, é coisa que, a esta altura do campeonato, me dá igual.

Os vídeos abaixo mostram tudo isto de que tenho estado para aqui a falar, enquanto tiro um cochilo entre cada sílaba.









Os cartoons que plantei lá em cima, a meio do texto, são de Steve Bell e obtive-as no The Guardian. Gostava de ver é como eu me saíria das mãos dele. Medo... [o que vale é que essa é hipótese inexistente]

Impossível para mim, agora, comentar os comentários de ontem. Pode ser que amanhã. As minhas desculpas.

sexta-feira, abril 05, 2019

Como reorganizar a Casa para acolher o novo Povo?





Tenho agora muita gente nova a trabalhar comigo. Parte das minhas equipas tem agora menos de trinta anos, a maioria situando-se nos vinte e poucos. O mais velho do grupo dos jovens tem trinta e um. Depois de andar a ouvir teorizar sobre os millenials eis que me deparo agora com a necessidade de saber lidar com gente que nasceu numa era que nada tem a ver com aquela em que a maioria dos outros, os cotas, nasceu. Alguns destes já são bem mais novos que os meus filhos.

Gosto imenso de lidar com maltinha nova mas a verdade é que conseguir que convivam e trabalhem proveitosamente em equipa com gente acomodada, habituada a métodos de trabalho e a atitudes comportamentais que pouco evoluíram deste os tempos de antanho é um desafio.


Estes jovens pensam muito em férias, gostam de conviver, trazem o almoço de casa e gostam de ali estar numa boa tertúlia, combinam encontros e passeios, viajam muito, para longe. E investem na sua própria formação, fazem cursos fora de horas que pagam com o que ganham. E entreajudam-se, partilham informação e conhecimento, têm pensamento estruturado. Ao princípio passei por momentos de estranheza. Um, um dia destes, contava-me a crise com a namorada, e estava emocionado, e eu dizia-lhe que não valia a pena contar-me tudo e ele insistiu, disse que era para eu perceber porque é que andava com dificuldade em concentrar-se e porque é que quase não dormia e por isso andava tão cheio de sono. Nessa altura andei desconcertada, a pensar que tinha cometido um erro ao escolher um jovem ainda tão imaturo. Resolvi passar a tratá-lo com alguma secura a ver se crescia, pus-me mais exigente. Uma ou duas semanas depois já ele andava feliz da vida e quando me apareceu a dizer que queria mais um dia de férias para ir fazer um fim de semana alargado com a namorada nem estranhei. Perguntei: outra ou a mesma? Desatou a rir. Aliás, penso que me acha uma pândega. Que era a mesma, claro.


Outro dia, estava no gabinete e comecei a ouvir cantar baixinho. Pensei que era alguém, na sala ao lado, a ouvir música. Mas a cantoria continuava, baixinho, afinadinha. Apurei o ouvido até que não me contive e fui espreitar. Eram duas das meninas mais jovens. Estavam as duas sentadas à mesma secretária e cantavam. Quando me viram, ficaram envergonhadas, a rir. Disse-lhes que estava a gostar, que cantavam bem. Engoli o espanto, senti-me até agradada. Já as enviei para outro país, em serviço, e desembaraçaram-se melhor do que muitos dos que têm idade para serem pais dela o fariam.

Se me disserem que não votam não me admirarei. A cena deles é outra. No outro dia um colega dizia que tinha ficado passado: numa entrevista, perguntou ao candidato se ele tinha algum aspecto que quisesse esclarecer e, insensatamente, o jovem lhe tinha perguntado quando é que poderia tirar férias. Expliquei-lhe que se habitue, que a cena deles é serem felizes. Ele olhou para mim, intrigado, como se não percebesse bem que cena é essa.


E isto para dizer o óbvio: o mundo está a mudar. Nunca como agora noto tanta diferença entre as gerações. Quem nasceu e viveu já nos tempos de hoje, da net, da partilha da informação e da comunicação permanente, quem cresceu a ouvir a toda a hora que estamos debaixo da espada da crise, quem desde pequeno ouviu falar contra os escândalos financeiros, contra a grande corrupção e a contra a gananciosa especulação, contra offshores e contra o que provocou a ruína de grandes bancos, contra políticos que não prestam, políticos que defraudam as expectativas de quem os apoiou e que falam um palavreado que não interessa -- tem forçosamente uma maneira diferente de ver as coisas.

E o sistema político, em geral  (ou seja, não falando especificamente em Portugal), não está a saber dar resposta à mudança do mundo. Se o sistema democrático não souber reinventar-se vai perder estas novas gerações. Os jovens não se revêem na organização política actual e nas atitudes dos seus agentes.


E um exemplo paradigmático disto é o vídeo que abaixo partilho convosco. Tem poucas horas, foi gravado na House of Lords. O Reino Unido em risco de desagregação, toda aquela a gente em risco de uma saída desordenada da UE causando confusão nem se sabe bem onde. Há três anos nisto, incapazes de arranjarem maneira de se porem de acordo sobre a forma de saírem do buraco em que se meteram. E os Lordes, cristalizados num tempo que já não existe, com uma linguagem salamalequiana discutindo o sexo dos anjos enquanto os Comuns votam e revotam sem saírem do mesmo sítio e o Speaker grita desalmadamente por Order!. E, nas ruas, um outro mundo. Seis milhões assinando uma petição para se voltar atrás, outros perplexos, outros mascarados, outros saindo de lá antes que seja tarde.


E a Rainha continua nas suas visitinhas, enquanto Juncker se esforça por conseguir falar em estado de sobriedade. E em Espanha o Rei anda à deriva aparentemente controlado por uma Rainha que faz plásticas atrás de plásticas, em França o presidente só agora parece ter percebido que tem que fazer avançar as tropas contra os delinquentes que de gosto arrasam Paris, em Itália o governo envergonha a história do país -- e por aí vai.

Em Portugal as coisas vão benzinho mas não completamente pois, pelo que se vê, não conseguimos ver-nos livres de uma múmia ressabiada que volta e meia vem a público assustar as pessoas, mostrando que o passado continua a vir assombrar o presente.

Mas vejam por favor este teatro aqui abaixo. Tem graça... mas terá isto a ver com o mundo real?

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E agora, se me permitem, fico-me por aqui e vou reflectir no assunto

[É que eu hoje estou cansada, tive um dia complicado, e com a chuva acontecem os acidentes e estraga-se o trânsito e perde-se imenso tempo e amanhã o meu dia começa cedo e vai ser daqueles -- e tenho que ir dormir. E que me desculpem por não conseguir responder aos comentários. Tentarei fazê-lo amanhã. Isto hoje não está fácil]


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Mas para o post não acabar neste tom meio acabrunhado vou partilhar esta festarola de dar gosto. 
Gosto mesmo.

Encore / L'Arpeggiata / Christina Pluhar / N. Rial / V. Capezzuto / G. Bridelli / J.J. Orliński


E um dia feliz a todos.

[Ah, é verdade, Isabel: agora não consigo ir buscar o nome de cada pintor mas é arte contemporânea vietnamita]

quarta-feira, abril 03, 2019

Olha, agora quer mais um bocadinho para uma rapidinha com o outro


Meteu-se numa furada e o mais esquisito é que parece que gosta. Espetam-lhe facas nas costas e ela gosta; e desatam a rir-se dela pela frente e ela parece que também gosta. E quando o barco ameaça afundar-se e os amigos saltam borda fora, ela ri-se e parece que gosta. E quando quer armar-se em engraçada ninguém se ri mas, da sua falta de jeito, toda a gente se parte a rir -- mas ela parece que gosta. E, quanto tenta dançar, parece um boneco desajeitado e toda a gente se ri... mas, lá está, ela também parece que gosta.

E não consegue negociar na UE, não consegue negociar com a oposição no seu país, não consegue negociar no seu próprio partido, não consegue nada. O tempo esgota-se-lhe, o reino divide-se e agora, já em tempo de prolongamento, pede mais um bocadinho e marca um date com o Jeremy. Mas, como tem falta de gosto, em vez de ser com o Irons é com o Corbyn.

Transcrevo:
A primeira-ministra britânica, Theresa May, anunciou que vai pedir uma nova extensão "o mais curta possível" do artigo 50 do Tratado de Lisboa e consequentemente do Brexit para ter tempo de se reunir com o líder da oposição, Jeremy Corbyn. A ideia é encontrar um acordo que possa ser aprovado pelos deputados e ter a luz verde dos restantes líderes europeus. O líder do Labour já reagiu, dizendo estar "muito feliz" por se reunir com May.
Uma comédia macaca. Acabe como acabar, não acaba bem até porque, com tudo o que se tem estado a passar, o que está a correr mal já deu pano para muitas mangas.

Falo desta Totó, a Totó May


Ela podia ter a graça do camarada aqui abaixo quando se viu enfiado numa jaula com um leão, com um tigre à espreita do um lado e um cão a ladrar do outro. Mas não. Graciosa e ágil das ideias é que a Totó May não é.


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sábado, março 30, 2019

O bright side of Brexit e o tão esperado encontro com a Rainha




Mais uma cegada para os lados do Brexit. Não há explicação para o que se está a passar. Entretanto, nas ruas, uma maltosa altamente suspeita desfila a gritar 'Shame on EU'. Parecem hooligans, malta de gangs, de claques, fazem saudações que metem medo, dizem que foram traídos, querem sair da Europa. Outros são apenas excêntricos. Ou tias fora de tempo. Ou velhos nacionalistas desfasados da realidade. Ou gente que parece que chegou atrasada para os festejos de carnaval. Um grupo esparso e inconsistente. E vendo quem assim ainda continua a defender o Brexit percebe-se ainda melhor o tremendo disparate que os britânicos fizeram. 

Já tenho visto, nas empresas, cometerem-se erros incríveis. A gente tenta perceber como foi possível ter acontecido uma decisão tão absurda e, mesmo depois de se ter percebido o erro que se cometeu, continuar a persistir-se nele, e não percebe. 

Imagine-se isto a uma escala muitas mil vezes superior.

Que não haja uma figura acima disto a pôr fora de jogo quem já mostrou não saber jogar e a escolher melhor alternativa é coisa que ainda assusta mais. A rainha? Onde pára a rainha?

A vulnerabilidade dos povos é grande. Deixam-se empurrar, avançam determinadamente em direcção ao abismo e, mesmo que toda a gente veja o triste destino que se avizinha, permanecem incapazes de mudar de rumo. Muito preocupante isto a que o mundo está a assistir.

Mas já estamos no fim de semana e eu, depois de de um dia em parte preenchido por avaliações, eu como avaliada e eu como avaliadora, tudo coisas às quais não acho especial graça e tendo ainda em cima de mim o peso de saber que a parte pior é ainda a que me espera, nomeadamente o ter reuniões destas com algumas figurinhas complicadas, chego aqui, a esta hora, e falta-me vontade para dissertar sobre o tema.

Hoje, ao fim da tarde, alguém  espreitou à minha porta e, do nada, perguntou-me: então agora o que é que vai acontecer depois do que sucedeu hoje? Embrenhada que estava nas minhas coisas, levantei a cabeça, admirada: o quê? Ele disse: isto do brexit. E eu, apesar de admirada, disse: alguma coisa vai acontecer pois não creio que caiam mesmo no caos.  Ele seguiu e eu fiquei a pensar que, se calhar, daqui por algum tempo, vou lembrar-me do meu optimismo inocente.

Não será a primeira vez.
Há uns anos, estávamos numa reunião e um disse que estava preocupado pelo rumo que as coisas estavam a tomar a nível do BES, com o Banco de Portugal a agudizar a crise. Desvalorizei. Ainda vivia naquela tonta ilusão do 'too big to fail'. Lembro-me de ter dito que se o Banco de Portugal continuasse entregue às indefinições daquele que viria a revelar-se o Emplastro-Mor -- o tal que está em todo o lado mas está só por estar, para aparecer, para ser visto, para fazer número -- o Governo haveria de intervir. Não se deixa cair um banco daquele tamanho, sabendo que a sua queda arrastaria a queda de várias empresas, de ânimo leve. E, no entanto, aconteceu. O impensável aconteceu. E, no entanto, apesar da leviandade e incongruência da decisão, tanta gente apoiou, tanta gente ainda acha que foi dado o passo certo. E, no entanto, apesar dos custos brutais que a decisão acarretou e ainda acarreta, ainda há muita gente que não percebeu a dimensão do erro cometido.
São muito manipuláveis, as pessoas. Portanto, vulneráveis.

Mas isto não é tema para fim de semana, bolas. Se é para falarmos de desgraças que são tão estúpidas que até dão vontade de rir, então que entre quem sabe do assunto. E que entre também a Rainha, caraças, que se esta situação não está a pedir um gesto real então não sei qual é que pedirá.


quinta-feira, março 28, 2019

Um post cheio de mistérios



Não vou contar onde estive hoje porque ninguém acreditaria. Se eu não tivesse fotografias nem eu própria acreditaria. Mas não é por não acreditarem que não conto porque se não acreditam, não acreditam, paciência. Não conto porque se, por absurdo, aqui o contasse, o meu marido rifava-me e isso eu também não quero -- a ser rifada que seja por um motivo mais espectacular. Se bem que mais espectacular do que o lugar onde estive não deve ser fácil. 

Comigo acontecem-me coisas assim. Até há dois dias jamais me passaria pela cabeça a possibilidade de ali pôr os pés. Mas é que nem por sombras. E, no entanto, por um insignificante imprevisto, apareceu a possibilidade. Talvez um dia, daqui por tempo razoável, eu o refira, coisa en passant. E tenho a certeza que alguém aparecerá a dizer que é mais uma das minhas fantasias. Mas não: as minhas fantasias não são tão delirantes.


O que sei é que com tal programa de festas consegui vir mais cedo para casa e a coisa foi de tal forma fora de qualquer contexto que, quando cheguei, me apeteceu ir passear. Sentia-me como se estivesse de férias, recém-chegada de um outro planeta. Vim a casa buscar a máquina fotográfica e fui laurear e, de caminho, comer um gelado. Andava com o desejo do gelado atravessado desde domingo e, para a criança não nascer aguada, fui dar-lhe um ice cream a lamber. 

E agora, aqui refastelada, cheia de indolência e uma certa vontadezinha de estar a milhas, por exemplo em Amesterdão ou a passear de comboio pelas margens do Reno, pus-me para aqui a assistir em directo à palhaçada do brexit -- a malta a votar não e não e não e não, oito vezes não, e uns a rirem-se, outros a não acreditarem, outros passados e outros nem aí.


Eu ainda hei-de, um dia, dar-me ao trabalho de perceber para que é que a Rainha serve, para que é que a agremiação dos Lordes serve e o que é que os conservadores e os trabalhistas andam a fazer para se terem ensarilhado mais do que o enredo de linhas dentro da minha caixa da costura. Será que o espírito das comédias britânicas baixou neles todos e a única coisa que já sabem fazer é imitar os Monty Python ou outros que tais?


Tirando isso, estive a ver o livro que comprei para dar à minha mãe. E, depois de lho dar, logo vos conto. Agora não porque seria deselegante para o livro -- porque, se vai ser presente, deve estar é embrulhado e não aqui exposto. O que posso dizer é que acho que ela é capaz de lhe achar graça porque eu também acho.

Mas o facto de eu achar graça a um livro destes também é um daqueles fenómenos do além para o qual não encontro explicação. E a coisa é ainda tão mais bizarra quanto estou cheia de vontade de começar a pôr em prática parte do que ali se ensina. Mas sem fundamentalismos. Há coisas em que sou fundamentalista (mas não posso dizer quais -- e não posso porque agora não me lembro e não me apetece puxar pela cabeça). Mas nisto de que trata o livro não sou. Se fosse, se levasse à risca, isso violentaria a minha natureza e a minha natureza é sagrada. Sou obra dos meus pais e do acaso e das circunstâncias e este mix é um cocktail que merece respeito.


Resumindo (nb: a palavra 'resumindo' aqui está mal aplicada): há um tema sobre o qual gostava de falar, tema da actualidade portuguesa. Mas é tema pesado e eu, sinceramente, não estou para aí virada. Tema pesado não é coisa que se traga para aqui a uma hora destas e, ainda por cima, depois de um dia como o que tive hoje. Tema pesado deve vir envolto em negrume, pegado com pinças, transportado em carreta. Não é, pois, o momento.

Vou mas é curtir uns bailados. E, calma, curtir mas na base da inocência, nada de curtir na base das mocas. E isto a propósito da JV e do P. Rufino que, por eu nunca me ter pedrado, quase me fizeram sentir uma bota-de-elástico do mais cinzento e maçador que há. Mas é verdade: sou. Botinha, mesmo, das cinzentinhas e tudo. Nem erva nem piela. Nunca. Continuo virgem e, cá para mim, assim continuarei. Aliás, sou muito dada a virgindades. Por exemplo, também nunca me corrompi nem corrompi ninguém. Não que sejam coisas comparáveis. Mas pronto. Foi agora o que me ocorreu a propósito de virgindades. Há também um palavrão, um em particular, que nunca disse. Virgem também disso.

Bem. Vou mas é ficar-me por aqui que isto hoje está ainda pior do que é normal.  Que entrem mas é os bailarinos do Nederlands Dans Theater que nunca na vida me vou cansar deles.



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Isabel, hoje deu-me para ir buscar as pinturas de Tawaraya Sotatsu e, como é bom de ver, não têm nada de nada a ver com o que desescrevi. Mas são muito bonitas, não são?