Tem graça isto. Sócrates divide as águas, disso não haja dúvidas. Ontem escrevi um texto sobre o que se passou na RTP (o ataque à má fila que José Rodrigues dos Santos lhe desferiu), e as visitas ao UJM não param e os comentários agitam-se.
Os ânimos exaltam-se de cada vez que o tema Sócrates vem à baila e há pessoas que perdem a tramontana. Odeiam o homem e, muito sinceramente, não percebo porquê. Não sei o que tem ele que esfrangalha tão facilmente a racionalidade de alguns (a menos que a dita racionalidade já seja, de si, escassa).
Tenho a dizer-vos, meus Caros, que não sou das áreas da metafísica, do jornalismo, ou de outras áreas dadas à efabulação. Não. A minha formação académica anda pelas áreas das ciências exactas e toda a minha (longa) vida profissional gira à volta de áreas exactas, números, resultados, gestão.
Pelos frutos os conhecemos, disse o apóstolo e por isso me guio. Mas não analiso resultados independentemente do contexto. Invoco de novo a minha formação (académica e pós-académica) e toda a minha (longa) vida profissional para vos dizer que sei bem identificar as variáveis, as restrições, as relações de contexto, as tendências, as causas e as consequências, etc, etc.
Olho para as peças que mostram o desempenho de uma organização e interpreto-as e interpreto-as não em ambiente asséptico mas inseridas no contexto. E analiso-as com racionalidade, não com emoção, muito menos com paixão.
Tenho também experiência em negociação. Digo-vos: não é qualquer um que consegue dar-me a volta. Diz de mim quem me conhece bem: como adversária ela é temível.
Por isso, quando defendo Sócrates não o faço por paixão, por pancada, por pulsão irracional. Não. Louvo-o no que acho que é de louvar, critico-o quando é de criticar. Várias vezes o fiz durante a sua governação. Por exemplo, quando aumentou os ordenados dos funcionários públicos em 2009, muito o critiquei. Não havia, na altura, razões nem condições para o fazer. Também, quando aceitou cumprir cegamente alguns regulamentos europeus (made in Alemanha) nas obras do Parque Escolar, critiquei-o. Não o critiquei por melhorar as escolas, por gerar emprego local e não só, não o critiquei por apoiar a arquitectura nacional, a engenharia nacional, as empresas locais, etc. Critiquei-o, sim, por, obedecendo a regulamentos europeus, ter aceitado importar equipamento térmico inadequado para o País, fazendo o frete aos alemães - coisa de pormenor, no entanto, face à dimensão dos aspectos positivos.
Mas elogiei-o quando o vi (e vi mesmo - read my lips) a apoiar a reindustrialização do País, quando o vi a puxar pelo ensino e pela investigação, quando o vi a tentar vender os produtos do país por esse mundo fora, quando o vi, in extremis, a lutar por uma economia que ameaçava parar. Cada um dos processos não terá sido isento de erros. Mas isenção de erros é coisa que não existe em lado nenhum. Há é que fazer o balanço e identificar a linha de rumo e, não tenho dúvidas, caminhava-se, então, no bom sentido.
Analiso os resultados da governação Sócrates e separo os exercícios, não observando da mesma maneira o período 2005-2008 e o seguinte, em que estava em minoria, dependente da aprovação de uma maioria hostil, e pior, com o País a sofrer as vicissitudes de um mundo ocidental em crise e de uma UE a mandar, primeiro, avançar uma política expansionista (como forma de evitar a retracção decorrente da crise financeira internacional) e, logo a seguir, a mandar retroceder a todo o vapor.
Sei distinguir as boas decisões e as menos boas, fruto de algum voluntarismo inflaccionado por se sentir acossado face a uma maioria hostil.
Sócrates é um lutador e quer o bem do País. Sócrates ama Portugal e os Portugueses e disso eu não tenho dúvidas. Sócrates quer que Portugal seja um País desenvolvido, com gente instruída, capaz de encarar o futuro com orgulho. Disso não tenho dúvida. E nisso estou do seu lado.
Sei também que Sócrates, sabendo que a economia flui em função da confiança, lutou até ao último pingo das suas forças para escamotear o estado periclitante em que a crise internacional e a maioria hostil estavam a deixar o País - pois sabia que, quando baqueasse, os mercados fariam ajoelhar o País e que uma intervenção externa seria inevitável. Contra isso lutou até ao limite do razoável. Não considero que escamotear a situação do País para tentar evitar o que já se adivinhava como irremediável seja uma mentira mas sim uma forma (extrema) de lutar.
Acho que Sócrates, se não estivesse em minoria (com um Parlamento cheio de hienas ansiosas por avançar para a carniça - e refiro-me a um Passos Coelho impreparado e perigoso, a um Portas, ambicioso e bailarino e que, curiosamente, contavam com o apoio de um Louçã a querer afirmar o BE e de um Jerónimo sempre do contra), teria lutado de outra forma e Portugal não estaria como está hoje.
Uma vez que tinha o apoio da UE e da própria Merkel, teria conseguido aguentar a pressão dos abutres até que a Europa e o BCE erguessem o escudo protector.
Mas, quando ganhou as segundas eleições sem a maioria absoluta, cometeu um erro, Sócrates. Aceitou formar governo sozinho. Deveria saber que Cavaco não é flor que se cheire e deveria ter percebido que hienas como Passos Coelho e Portas não tardariam a atirar-se ao pescoço do País.
E isto é o que eu penso de Sócrates e do período em que foi Primeiro-Ministro.
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Quanto ao que José Rodrigues dos Santos fez ontem na RTP, volto a dizer que acho que foi deselegante, mal educado, inconveniente. Repito: aquilo é um espaço destinado à opinião de Sócrates. A que propósito desatou a fazer-lhe uma entrevista relativa ao passado?
Aqui há algum tempo, fui convidada para ir dar uma aula livre mas sobre um determinado tema a uma universidade.
Quem me convidou acompanhou-me ao anfiteatro, apresentou-me e deu-me a palavra. No final, deixei espaço para perguntas e respostas e a pessoa que me tinha convidado, para desbloquear a normal inibição, colocou-me a primeira pergunta. Imagine-se se essa pessoa, ao invés, ao apanhar-me ali no palco, perante um anfiteatro pejado de alunos e de alguns professores, resolvia começar a fazer-me perguntas a ver se me apanhava em falso, ali à frente daquela gente que se tinha juntado para ouvir a minha opinião sobre um determinado tema.
Era só o que me faltava. Eu aceder a ir ali e, sem mais nem ontem, quando dava por mim estava a ser interrogada por alguém que parecia querer ver-me ali estendida ao comprido. Das duas uma: ou perguntava a essa pessoa se estava com os copos ou se estava a gozar comigo. E, se a pessoa persistisse, levantava-me e ia-me embora. Claro.
Uma coisa bem diferente seria se me tivessem convidado para ser entrevistada sobre um determinado tema. Se aceitasse, sabia ao que ia, sabia que, quem vai à guerra, dá e leva, sabia ao que me estava a sujeitar.
Se José Rodrigues dos Santos queria fazer uma entrevista sobre a governação de José Sócrates deveria convidá-lo para isso - e estou certa que Sócrates ia de boa vontade. Não o apanhava à má fila, como fez neste domingo.
Rodrigues dos Santos não fez jornalismo, não deve ter sido isto que aprendeu na BBC, não foi acutilante, não foi a Oriana Fallacci dos pobrezinhos: foi simplesmente despropositado e malcriado. Quis o protagonismo para si como, de resto, sempre quer.
Mas volto a dizer: em boa hora o fez. Sócrates não se irritou, não se desnorteou. Manteve a calma, manteve a cabeça no lugar, respondeu a tudo e respondeu bem. José Rodrigues dos Santos, de facto, deu a oportunidade de que Sócrates gosta para o combate político, para afirmar as suas convicções.
Espero agora ter sido mais clara para que os Leitores não venham tresler o que eu escrevi, tirando conclusões de pernas para o ar.
Mas, meus Caros, caso queiram, contem comigo para isto. Não viro costas a uma boa divergência.
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NB: A quem aterrou agora aqui, lembro que, descendo um pouco mais, encontrará o texto da polémica, o que ontem escrevi e que já recebeu (até à hora em que escrevo) para cima de 2.700 visitas.