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segunda-feira, fevereiro 20, 2017

Tom e eu.
Sem Dindinha


Por muito que confie em quem me lê e por muito que goste de escrever, há coisas de que não poderei aqui falar. São assuntos privados, meus.

Para além disso, talvez porque sou, de formação, uma pessoa das ciências exactas com um forte pendor racional e uma irracional fixação nos preceitos da lógica, tendo a relativizar ou, mesmo, a ignorar os factos que não consigo compreender.

Portanto, desculpar-me-ão por passar por sobre a inexplicável noite de ontem e vos contar apenas parte do meu dia de hoje. Aliás, no post abaixo, já, em parte, dele vos dei conta.

Não me levantei muito cedo. Ao domingo gosto de preguiçar no calor da cama. Depois fiz uma caminhada junto ao mar. Fiz fotografias.


Depois, fui a uma livraria muito especial onde encontrei livros não mediáticos. Vim para casa ao fim da tarde, feliz com as minhas aquisições e com o dia tranquilo que estava a ter. Tratei da casa, da roupa, do jantar. Comi sopa acabada de fazer, pêra abacate com queijo fresco de cabra e mel, dióspiro com queijo curado de cabra.

Depois, vim para a sala com uma chávena de chá. Misturei erva-príncipe com lúcia-lima. Liguei o aquecedor a óleo aqui ao meu lado. Passei as fotografias para o computador. Li algumas páginas de alguns livros. Escrevi o post que poderão ver logo a seguir a este. E adormeci.

E estava a dormir quando ouvi o toque da campainha. O meu coração disparou de imediato. Alterada, de passagem vi-me ao espelho do corredor. Perguntei quem era. Ouvi 'O primo'. O meu coração quase saltou. Enervada. Tentei sorrir para parecer natural.

Presumi que vinham os dois. Quando abri a porta apenas vi Tomé. Antes que eu perguntasse alguma coisa, disse-me 'Vim sozinho. Fiquei a pensar que ontem fui indelicado. Posso...?'. Desviei-me da entrada, deixei-o passar.

'Indelicado?'.

'Sim, ontem vim visitá-la pela primeira vez e não lhe trouxe um presente'.

'Disparate', disse eu.

Estendeu-me um saco de plástico com um pequeno embrulho.

'Que ideia... para quê dar-se ao trabalho?', disse eu, admirada mas, amiga que sou de receber presentes, curiosa.

Fomos andando até à sala. Fiz-lhe um gesto para que se sentasse. Sentei-me num sofá e ele noutro, à minha frente. Abri. Era um pisa-papéis de vidro, muito bonito, com uma flor lá dentro. Devo ter aberto a boca, de espanto.

Vendo a minha reacção, perguntou 'O que foi...? Não me diga que já tem...'.

Respondi: 'Pode não acreditar mas há que tempos que ando a namorá-lo. Acho-o lindo. Mas, de cada vez que estava prestes a ceder à tentação, pensava que era dispensavel'.

Ele sorriu: 'E é. E fico contente que goste. Aliás, sabia que gostava'.

Olhei para ele, admirada: 'Adivinhou?'

E ele: 'Não. Já a vi algumas vezes lá, a olhar para ele'.

O meu coração disparou de novo. Assustada. 'O quê? Que conversa disparatada é essa?'.

Ele explicou: 'Há tempos, estava eu lá com a Fred, eu aos livros, ela a ver lápis e apara-lápis, vimo-la a si. A Fred escondeu-se, não queria que nos visse. Mas eu fiquei a vê-la. Depois disso já a vi lá algumas vezes. De todas as vezes, vi-a a namorar esta peça'.

Fiquei sem saber o que dizer. Depois de uns instantes disse: 'Desagrada-me isso. Parece que estive a ser espiada.'

Ele desvalorizou: 'Percebo. Mas se a Fred não queria que a prima soubesse, que ia eu fazer?'.

Depois levantou-se. 'Hoje não pergunta se quero tomar alguma coisa?'. Levantei-me também.

'Não. Tenho vontade de pô-lo porta fora'.

Ele fingiu-se de repreendido, 'Quanta violência, prima...! '.

Depois pegou na minha mão, levou-a quase até ao seu rosto, como que num delicado beija-mão. 'Acho que não fiz nada de mal mas, se acha que sim, Senhora, aceite as desculpas deste seu servo. E dê-me de beber, Senhora, que uma pinga de água não se nega a um pobre caminheiro'.

Respirei fundo, tentei sossegar o coração. 'E bebe o quê?'.

Ele sorriu 'Quanta secura, Senhora, e eu tão sequioso. Dê-me o que quiser que eu lhe agradecerei.'.

Fiquei a pensar por um instante. Depois, testando-o: 'Nikka?'.

Olhou-me admirado. 'Nikka, Senhora...? Surpreende-me. Mas muito bem. Nikka'.

Fui lá dentro e voltei com dois copos. Trouxe também um pacote de bolachas de chocolate preto e gengibre. Levantou o copo e eu levantei também. Não disse nada e eu também não. Depois bebeu um vagoroso gole, fechou os olhos, o prazer banhou-lhe o rosto. Eu fiz o mesmo.

A seguir, reparando nos livros que eu tinha comprado, levantou-se e veio sentar-se ao meu lado para os ver, um por um. Tentando que ele não ouvisse as batidas do meu coração, disse-lhe 'Para ver se consigo perdoar-lhe o ter-me andado a espiar enquanto eu pensava que estava a namorar o pisa-papéis sem qualquer testemunha, leia um desses poemas.'.

Ele disse: 'Pelo seu perdão, Senhora, cumpro qualquer ordem'. E leu.


No fim, disse-me: 'De olhos fechados, não lhe soube melhor?'. Bebi mais um gole do Nikka e, com a cabeça, disse que sim. 

Então perguntei-lhe o que, desde que ele entrara, não me saía da cabeça: 'A Frederica sabe que está aqui?'.

Ele chegou-se ligeiramente para trás, notoriamente o assunto não lhe era querido, e respondeu secamente: 'Não lhe disse. Não costumo dizer-lhe tudo o que faço. Algum problema com isso?'.

Limitei-me a encolher os ombros. A questão é que não sabia, nem sei, o que pensar de tudo isto.

Depois perguntou-me: 'Não se ouve música nesta casa?'.

Eu apontei-lhe as estantes dos CDs e disse: 'Mas agora ouço no computador. Também quer que eu escolha?'.

E ele 'Não, agora escolho eu'.

E escolheu. Disfarcei a vontade de rir. Atrevido, mesmo.


Depois disse-me, 'Feche os olhos'. Fechei. Fiquei a ouvir a música assim, de olhos fechados, sentindo o seu cheiro e o seu calor a latejarem bem perto de mim.

Pouco depois, senti-o a despir-me. Não ofereci resistência.


Apenas lhe perguntei: 'Aqui, professor?'.

Ele beijou-me um ombro, e os lábios estavam quentes, a barba a roçar-me a pele, depois beijou-me a nuca, eu arrepiada. Respondeu: 'Por mim pode ser aqui, sim. Mas como aluno'.

Depois de uma pausa durante a qual me beijou o colo, acrescentou em voz muito baixa, quase como se confidenciasse um segredo: 'Ouvi dizer que é uma boa professora, prima'. 

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Este é o 4º episódio do folhetim 'Dindinha'. 
O anterior pode ser lido aqui e o link para os anteriores pode ser encontado lá.

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quinta-feira, abril 07, 2016

Coisas simples


Hoje estou meio off. No post abaixo, onde falei sobre a Marilú e sobre o cãozinho Lulu, já vos contei que cheguei muito tarde a casa. Outro dia assim. Foi mais um daqueles em que as reuniões são consecutivas e, ainda por cima, em lugares diferentes da cidade. E a verdade é que, entre as reuniões e os percursos entre elas, parece que se me esvaiu o pouco que me sobrava de alguma verve.



Estive a ler mails e comentários, todos sempre tão simpáticos, tão carinhosos, para mim, até para a minha corajosa e jovial mãe, e com vontade de responder, de agradecer mas, a cada um que leio, logo penso que queria responder com vagar, que queria mostrar o meu agradecimento -- e estou tão cansada e ia levar muito tempo e depois não consigo manter-me acordada, a escrever aqui. Talvez amanhã consiga chegar um pouco mais cedo, não sei, não anda fácil isto. Se conseguir, agradeço um por um, como deve ser.


A verdade é que me sinto desconcentrada, só me apetece veranear, andar de blogue em blogue.

Os que mais me atraem são aqueles em que a voz de quem os escreve parece estar rente à terra -- tanta a verdade que se sente nas palavras, parece que o mundo ainda não contaminou a pureza da voz que nelas se ouve -- aqueles em que chega até mim a generosidade delicada de quem partilha as suas lembranças ou impressões. Não estivesse eu tão sem energia e, tal como fiz no outro dia, elencava aqui, outra vez, aqueles que percorro como se fosse no banco de trás da bicicleta, por entre os solitários caminhos da serra ouvindo a aragem nas folhas e a música da água, ou como se pudesse eu também descer ao convés e ouvir as conversas e as gargalhadas, ou ir eu também até junto dos índios onde a verdade ainda é estranhamente sábia ou, então, parar e ouvir o silêncio puro de quem sabe da vida colher a luminosa e destilada beleza. E outros, outros. Sou injusta por não falar dos outros mas é mesmo apenas cansaço. Mas, mesmo não falando, quem eu visito sabe como gosto de passear pelos caminhos amigos onde há sorrisos, inteligência, bondade. 


À hora a que aqui me sento a ler as palavras dos outros falta-me energia para suportar palavras violentas, obscenidades gratuitas, insultos ou maldades. Talvez quem as escreva se sinta engraçado ou libertado das suas peias interiores soltando, assim, a sua amargura ou má índole. Cada um sabe de si, é bem verdade. Mas eu não consigo suportar. Por isso, também não uso o meu tempo para ler o Correio da Manhã ou as revistas em que falam de um que saíu da regeneração alcoólica, de outra que foi abusada pelo padrasto, de uma que é rica e se queixa que não consegue arranjar namorado ou de outro que foi traído pela família. Não consigo. É tudo má onda. Pode ser que o mundo real seja isto, espancamentos, agressões, violações, facadas, roubos, insultos, ordinarices. Talvez. Mas, se parte do mundo é assim, eu, nos momentos em que posso escolher, opto pela parte não conspurcada.


Por esse mesmo motivo, depois de ter espreitado jornais, desisti e mergulhei na fantasia. Fui parar àquela coisa de que, para duas pessoas caírem nos braços uma das outra, basta sentarem-se em frente uma da outra e responderem a um conjunto de perguntas. Estive a lê-las. Intriga-me. Será que se eu me sentasse em frente a um estupor e nos puséssemos a responder a estas perguntas, esquecíamos as nossas vidas anteriores e sentíamos que estávamos a nascer ali, um para o outro? Tenho dúvidas, muitas dúvidas.

Lembrei-me agora de pegar em algumas das primeiras e responder aqui. Será que as minhas respostas fazem algum dos meus Leitores sentir que há entre nós uma empatia que poderia ir em crescendo? Mas mesmo que sim, teria eu, ao mesmo tempo, que gostar de ouvir as respostas do meu interlocutor para que a química se pudesse esboçar.
Digo eu -- incrédula em relação a estas receitas mágicas.


1. Se pudesse escolher não importa quem, em qualquer parte do mundo, para jantar, quem escolheria?
Para começar, sinto-me sempre tapada e burrinha perante perguntas assim porque adivinho que a maior parte das pessoas teria uma resposta na ponta língua e a mim pouco se me ocorre ou, se me ocorre, acho sempre que me estou a esquecer do mais importante. 
Mas, enfim, sem pensar muito, acho que gostaria de jantar com o Manuel João Vieira (tal como referi no post abaixo). Também poderia ser o Jeremy Irons, pela voz, e pedia-lhe que me dissesse poemas. Ou o Malkovich para ver se, armado em malandreco, passava a língua pelos lábios, insinuando inconfessáveis gulodices. 
2. Gostaria de ser célebre? De que maneira?
Não, não gostaria de ser célebre. Ou, se fosse, sê-lo como a Elena Ferrante que não se chama Elena Ferrante e que ninguém sabe quem é ou onde vive. 
3. Com que se pareceria um dia perfeito para si?
Um dia simples, de manhã com passeio na praia, junto a um mar revolto, o areal envolto em brumas, as gaivotas inquietas. Um almoço numa esplanada ao sol, talvez num restaurante grego, com a família alegre e ruidosa como sempre. Depois dormir ao sol, nua, onde ninguém me visse. À tarde passear numa floresta, com caminhos atapetados de musgos, árvores muito grandes, riachos, regatos, pássaros. Um picnic numa clareira, uma toalha no chão, um livro, alguém a dizer poesia. À noite, em casa, lareira, amigos, uma festa, jantarada preparada por mim. Depois, a seguir, quando os outros saíssem... (não quero dizer, cenas cá minhas). E, a seguir, dormir dez horas de seguida.
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Jon Lord - Afterwards 
Poema de Thomas Hardy lido por Jeremy Irons

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Amanhã, se estiver neste meu indolente e exaustivo comprimento de onda, repesco mais algumas perguntas daquela lista e ponho-me aqui a responder. Se no fim, os meus leitores estiverem quase apaixonados por mim, a culpa não é minha, é das perguntas. O pior é se as minhas leitoras também ficam na mesma...
(... embora, pensando melhor, pior porquê?)
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As fotografias mostram um mundo maravilhoso e são da autoria de Alix Willemez. Lá em cima a Buika canta Las Simples Cosas.
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E queiram, por favor, descer até onde o cão Lulu espanta o mau astral que fica onde a Marilú passa.

(e se isto estiver carregadinho de gralhas, por favor, relevem)


quarta-feira, julho 16, 2014

Dispa-me, pedi eu a um desconhecido, undress me. [Com vossa licença, uma história caliente numa noite de verão]






Num dia de tédio tomei uma decisão impensada. Não sei como fui parar a um site em que uma realizadora pedia pessoas para realizar um vídeo experimental, qualquer coisa para estudar comportamentos. Encontros entre pessoas cujas afinidades ou antagonismos seriam detectados por ela a partir de um questionário. que os candidatos preencheriam. Não me recordo exactamente do que lá se dizia mas tenho ideia de que, pela leitura, percebi que poderia estar perante uma situação desafiante. Preenchi o inquérito com inteira franqueza e, reconheço agora, com uma estranha leviandade.

Passaram semanas sem qualquer resposta. Pensei que era mais uma daquelas coisas que não dão em nada. Contudo, um dia recebi um mail dizendo que iria ser contactada a partir de um certo número para combinar o que se iria passar caso eu aceitasse participar. Tinha sido seleccionada sem saber exactamente para quê.

De facto, horas depois recebi um telefonema. A realizadora pareceu-me simpática e explicou-me a ideia. Achei muita temeridade mas, nem sei porquê, aceitei. Ela deu-me alguns conselhos a que eu achei alguma graça e pensar nas perspectivas excitava-me, não tenho como esconder.

No dia aprazado, lá fui. Quando ia na rua, vi um homem a entrar para o prédio.

Ele ia apressado e mal consegui perceber como era. Contudo, reparei que olhou também para mim, um breve relance. Disfarcei. De resto, não sabia se seria aquele.

A realizadora tinha-me dito que eu entraria para um quarto, sentar-me-ia na cama. Entraria um desconhecido ou uma desconhecida. No quarto estaríamos apenas os dois. Nós e as câmaras. As câmaras estariam a filmar. Deveríamos despir-nos mutuamente. Depois deveríamos deitar-nos e, a partir daí, faríamos o que entendêssemos, ou nada.

Estava nervosa, recordo-me bem. E se me aparecia uma mulher? Desconfortável. Ou se me aparecia um homem assustador? Ou se me aparecia um homem repugnante? E se me queria tocar? Um nervosismo crescia em mim.

E se, pelo contrário,... ?  Adrenalina.

Quando entrei no andar, fui recebida pela realizadora, uma mulher jovem e simpática. Tranquilizou-me. Não aconteceria nada de mal pois tudo estaria a ser filmado, em caso de algum desconforto, alguém interviria. Fui de novo à casa de banho. Nervosismo. Insegurança. Olhei-me no espelho. Sentia-me trémula. Respirei fundo.

Entrei. O quarto na penumbra. 

Tentei descontrair-me, respirar fundo. Impossível.

Então entrou ele. Era o que tinha visto na rua. Também vinha nervoso, percebi-o logo. Olhámo-nos, tentámos perceber-nos. Um sorriso tímido, um não saber o que dizer, o que fazer.

Ele disse, Chamo-me Tomás. E a voz era extraordinária. Poderia ter-lho dito, Tem sua voz e tanto, sempre era uma forma de quebrar o gelo. Mas não consegui dizer nada.

Com algum esforço, instantes depois, um fio de voz, disse, Chamo-me Sara. E conseguinacrescentar, Não sei porque me meti nisto.

Ele riu-se, Nem eu.

Silêncio.

Ele disse, Se quiser, estamos a tempo de desistir. As mãos abertas sobre as calças, mãos transpiradas certamente.

Estamos, respondi eu. Mas depois, tenho destas coisas, quando ele parecia ir virar-se para a saída, deitei-lhe a mão ao botão de cima da camisa.

Ele parou, olhou-me admirado.

Aproximei-me. É esta minha atracção pelo imprevisto. Senti o seu perfume. Acqua de Gio, pensei. Desapertei um segundo botão. Fechei os olhos, não queria ver, medo do abismo. Ele estava imóvel e eu sentia o seu coração a bater. O meu também batia descompassadamente. 

Às cegas, procurei o terceiro botão. Às cegas, senti as suas mãos a procurar a bainha da minha túnica branca.

Levantei os braços e aproximei-me um pouco mais para que ele mais facilmente me despisse. Abri os olhos. Olhou-me e o sorriso inseguro tinha dado lugar a um ar intrigado, como se me quisesse desvendar. Deixei que me olhasse, deixei que me despisse a blusa. Depois deixei que me tirasse as calças.


A seguir desabotoei os botões que faltavam da sua camisa, soltei-a das calças. Tirei-lhe o casaco, e ele ajudou a despir o que faltava da camisa enquanto me olhava, expectante. De tronco nu ali ao meu alcance, um cheiro forte, como se o nervosismo o fizesse transpirar ou tornasse o perfume mais intenso.

Vontade de sentir o toque da sua pele. Mas não. Limitei-me a imaginar.

Ficámos num impasse como se aquilo não fosse uma experiência, como se apenas subitamente  tivéssemos percebido que já tínhamos ido longe demais. Senti que o meu sorriso se estava a transformar numa timidez envergonhada. Tive vontade de lhe dizer, Isto não me costuma acontecer. Mas tive a lucidez de perceber que seria ridículo. Era apenas uma experiência, não uma aventura amorosa. Não sei o que pensava ele, calado, hesitante, como se sem saber como prosseguir.

Talvez estivesse apenas surpreendido com o que estava a ver, a minha lingerie era bonita, sensual, e talvez não estivesse habituado a uma coisa assim, ou, então, estava simplesmente apreensivo, sem saber como prosseguir. Quase me arrependi, talvez tivesse exagerado, ele veria certamente que eu tinha dado excessiva importância a este estranho blind date. Mas nestas ocasiões eu não penso.

Fui eu, de novo, que avancei. Segurei-lhe nas mãos e conduzi-as até às minhas costas. Ajudei-o a desapertar o corpete, depois soltei as alças com vagar, deixei que a minha sedução o envolvesse e, intimamente, comecei a desejar que o efeito nele fosse letal. As minhas mãos tocavam as dele enquanto o ajudava a deixar-me de igual para igual, frente a frente, em tronco nu tal como ele. Senti então que ele, sem querer, olhava os meus seios. Também sem querer, subi o peito para que os meus seios ficassem mais levantados. Sorri sem querer. Começava a apetecer-me desafiá-lo mas agora já não era sem querer. Queria, queria mesmo. Apeteceu-me pegar-lhe de novo nas mãos e conduzi-las pelo meu corpo mas não o fiz, contive-me.

As suas mãos, grandes e macias, estavam juntas, à frente do corpo. Ele não sabia o que fazer com elas. Então separei-as. Tirei-as da frente do corpo. Desapertei o cinto. Ele riu, e o ar já era malicioso. Pareceu-me que queria tirar-me o que ainda faltava e que já não era muito. Eu disse, Primeiro eu. Nestas alturas controlo bem a impaciência. Ele obedeceu.

Abri-lhe o botão das calças, desapertei o fecho. Olhei-o. Ele olhava para baixo, queria ver o que se ia passar. Como eu hesitasse, foi ele que, malicioso, disse, Então…? Perdeu a coragem…?

Sorri, maliciosa também. Por enquanto ainda não... ainda não vi nada que me metesse medo, respondi-lhe com voz lenta e a minha voz soou-me de seda, provocante. Ele deu uma gargalhada mas era uma gargalhada já com a impaciência rouca dos animais sedentos.

Comecei a puxar-lhe as calças para baixo, devagar, deixando os boxers à vista. Ele ajudou. Descalçou-se, ajudou-me a tirar-lhe as calças.

Nada mal.

O nervosismo já era outro. O meu. E o dele também.

Em momento algum me ocorreu quem seria ele, o que faria na vida, qual a sua história. Nada. Apenas um corpo habitado ali à minha frente, à frente do meu corpo habitado por mim.

Agora já pode, disse-lhe eu, e cheguei-me. E ele então baixou-se, tirou as minhas pequenas cuecas. Fiquei apenas com as meias e de saltos altos, olhando para ele. 

Tiro as minhas meias?, perguntou ele quase envergonhado.

Ri-me. Sim, ficará melhor sem meias. Ele tirou-as. E perguntou-me, Tiro as suas? E estava com a respiração contida e o perfume chegava até mim mais intenso.

Respondi, Como queira. Ele ia tirá-las mas depois disse, Não, deixe-se estar com as meias e com os sapatos.

Concordei. Depois, sem lhe pedir autorização, tirei-lhe eu os boxers. Apreciei o interesse que despertava nele mas fui discreta e ele também fingiu que não me tinha visto a ser indiscreta.

Então ele disse-me, Olhe ali ao canto: um sofá. Olhei, nem o tinha visto, apenas tinha visto a cama.

Ele disse em voz baixa e densa - e aquela sua voz era toda ela uma longa carícia - Deite-se no sofá, e deixe-me ficar a olhar para si. Afaste o cabelo da cara, deixe-me ver os seus olhos, deixe-me vê-la bem.

Assim fiz. Gosto de me sentir desejada. Mas, então, ocorreu-me uma coisa inesperada e disse, Fico aqui, sim, mas numa condição: apenas se disser poesia.

Ele riu ao de leve mas, estranhamente, não parecia surpreendido. Poesia? 

Sim, diga-a, em voz baixa.

Ele disse, Escute. Afterwards de Thomas Hardy.

E a sua voz era uma toada e as palavras que a sua voz modelava percorriam o meu corpo, a minha pele estava arrepiada, e eu quase me sentia tremer de desejo. Não sei porquê mas a seguir levantei-me e abracei-o. Talvez porque me sentisse agradecida pela sua voz percorrendo o meu corpo, ou quase aliviada por termos conseguido chegar ao fim da prova. Gostei de sentir o seu corpo contra o meu. Ele estreitou-me e eu senti que os meus seios se apertavam contra o seu peito amplo e gostoso. Gostei de sentir os seus braços nus em volta do meu corpo nu.

Então ele beijou-me o pescoço. Tombei a cabeça para o lado para que ele melhor o pudesse beijar. Cheira bem o seu cabelo, disse ele – e eu gostei de sentir que aspirava o perfume da minha nuca.

Quando ele me puxou para a beira da cama pareceu-me natural. Sentámo-nos nus, ao lado um do outro. Ele passou o braço pelos meus ombros, eu encostei a cabeça ao seu. Ele beijou-me a testa e eu, imprevidentemente, voltei a cara para ele e, sem pensar, fechei os olhos e beijei-o na boca.

Em momento algum pensei nas câmaras. Em momento algum pensei no que quer que fosse.

Sei que nos deitámos, sei que nos tapámos com um lençol, sei que os nossos corpos se estreitaram um contra o outro. Sei que, de vez em quando abria os olhos quase como a certificar-me que aquilo estava a acontecer ou talvez para ver qual a expressão do desconhecido que navegava dentro do meu corpo. Sei que foi bom, que foi libertador.

Não sei mais nada. Não trocámos telefones, nada. Nunca mais o vi. Nem sei se se chama mesmo Tomás já que eu também não me chamo Sara.

Mas penso muitas vezes nele. Não quero procurá-lo. Talvez receie que, se isso acontecer uma só vez mais que seja, não consiga voltar a deixá-lo sair de dentro de mim.


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UNDRESS ME




Vídeo publicado a 10/07/2014

Diz a autora do filme, Tatia PIlieva, que há algum tempo pediu a estranhos para se beijarem:  Pedi a estranhos que se despissem mutuamente e se deitassem. Mais nada. Sem regras.


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Lá em cima, a acompanhar a belíssima voz de Jeremy Irons a dizer o poema Afterwards de Thomas Hardy, está a música de Jon Lord (antes dos Deep Purple).


E, por hoje, por aqui me fico. 
Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa quarta feira. 
E que nunca o amor falte na vossa vida. Nem a sedução.