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sábado, março 02, 2024

Serenidade

 

Dia de descanso. Nem monda por gavetas repletas de infindáveis pastas, dossiers, envelopes com mil coisas dentro, nem transporte de sacos e caixotes, nem arrumação do que se trouxe. 

Nada. Intervalo.

Estava muito precisada de desligar. 

Tem sido pesado.

Depois de já muito ter sido escolhido, perguntam-me os meus filhos porque, agora, o que sobra, não vai tudo direito ao lixo. Não posso. Tenho descoberto coisas extraordinárias onde menos se espera.

Ontem descobri um caderninho feito manualmente pela minha mãe, muito à semelhança do outro feito pela minha bisavó, sua avó materna, em que ela escreve o nome completo de todas as pessoas da família, data de e local de nascimento e, no caso dos falecidos, data em que foram para o hospital, data da morte, com quem se casaram e em que data, ou, no caso dos mais novos, nome completo, data de nascimento, nome dos pais. 

Fiquei a saber que um dos filhos de um dos meus primos tem o mesmo nome próprio (nome duplo) que um dos meus netos. Conhecemo-los apenas pelo primeiro nome e foi preciso a minha mãe ter morrido para eu descobrir que estes jovens primos são homónimos. 

Vi também duas cartas que me foram dirigidas e que juraria que nunca antes as tinha visto. Aliás estavam num lugar muito improvável, uma de um prévio namorado e outra de um que, tempos antes, tinha sido forte candidato a sê-lo. Provavelmente, a minha mãe temeu que fossem perturbar o meu namoro da altura. Mas isto, claro, são conjecturas minhas.

Descobri também umas folhas assinadas por muita gente, creio que terá sido quando o meu pai se reformou. Tenho que ver com atenção. 

E muitas medalhas dele, muitas dos seus feitos desportivos.

E descobri uma coisa que muitas vezes tinha desejado ter: umas folhinhas escritas por mim com o nome completo e a morada de muitos dos meus amigos. Há uns dias, ao ver muitas cartas que me tinham sido dirigidas, via apenas o nome abreviado (Mané, Noémia, etc) e não conseguia recordar-me do nome todo e de quase todas não sabia a morada pois no envelope, na parte de trás, escreviam apenas esse nome abreviado. Quanto muito, e raramente, por baixo, o nome da cidade. Ou a minha grande amiga e correspondente de que apenas sabia ser São Tavares. Agora tenho o nome completo e a morada.

É verdade: fica para a posteridade o que está escrito em papel. Ainda ontem, quanto contei isto ao meu filho, ele o disse. Na verdade, só isso fica. Computadores que se desactualizam, de que não sabemos as passwords, acabam por ser uma caixa preta em que o mais certo é irem para o lixo. Quantos dos meus computadores já foram para o lixo... Sei lá qual a password que usava na altura. E, caso se liguem, estão horas a fazer actualizações e muitas já nem podem ser feitas. Em contrapartida, o papel sobrevive a gerações.

Be., portanto, não quis salvar coisas com que o meu marido não concorda, não tentei trazer coisas que o meu marido se recusa a transportar, não tive que andar a ver infinitos papéis. Hoje nada disso, zero, hoje dia de descanso. 

Campo, ar puríssimo, tudo verdinho, tudo a florescer, as árvores com as folhinhas e os frutinhos a despontar, preciosidades, milagres da beleza espontânea, os passarinhos numa alegria e, certamente, a julgar pela quantidade de pinhas roídas, os esquilos também.

Pena foram dois pequenos percalços. 

Quando estávamos a chegar, lembrei-me de que me tinha esquecido das chaves. Ainda por cima, trazíamos o carro cheio. Felizmente, no molho de chaves com que ando sempre, tenho uma chave da casa. Mas não do portão... Então o meu marido teve que saltar a vedação. Receei que se espetasse todo nos espigões ou que se espetasse no chão ao saltar... mas vá lá que não. Sobreviveu. Claro que o cão estava maluco com esta dinâmica, saltava, ladrava. Não percebia. Eu, do lado de fora, a agarrá-lo e o dono a saltar o muro. 

Conseguiu entrar em casa mas agora -- desde que, há uns anos, assaltaram o quintal e levaram mesa e cadeiras e bancos grandes e artesanais de Monchique -- temos um cabo e cadeado no portão... e em casa não encontrámos nenhum duplicado da chave do cadeado.

Então o meu marido foi abrir o portão lá de baixo, ao fundo, longe da casa, e entrámos por lá. Mas como o carro não consegue chegar ao pé de casa quando se vem lá de baixo, passei as coisas pela vedação, cá em cima, ao meu marido. Um contratempo.

E este foi o primeiro percalço. 

O segundo foi um pouco pior. Fui abrir as janelas da parte mais antiga da casa. Tem uns degraus em pedra muito altos. Quando vinha a chegar cá a baixo, voltei-me para cima para me certificar de que tinha apagado a luz do quarto lá de cima. E, acto contínuo, julgando que estava no último degrau e que descendo-o ficaria no piso térreo, desci de 'marcha atrás'. Só que não, ainda havia outro e coloquei o pé na sua beira. Como estava de meias e com chinelos, o próprio pé escorregou no chinelo. Conclusão, nesse mesmo segundo levantei voo e caí para trás, desamparada, no piso de pedra. Segunda conclusão: bati com as costas na porta e caí, com toda a força, de rabo e apoiada numa mão. Felizmente, graças à porta, a queda foi amortecida e não bati com a cabeça no chão. Mas agora mal posso estar. Vou ficar com a nádega negra, verde. Receei pela mão mas parece que daí menos mal. Ao cair, acho que bati os maxilares um no outro e, num primeiro momento, doeu-me tanto que receei que daí também viesse algum problema. Felizmente parece que não. Mas ao longo do dia tenho vindo a ficar progressivamente mais dorida. 


Contudo, o importante não são os percalços, o importante é que dei descanso à cabeça e ao corpo. Um dia bom, sereno. Estivemos tranquilos, felizes, em comunhão com a natureza. E, ao usar o plural, incluo o nosso inseparável e querido amigo que, no campo, revive as suas raízes ancestrais, encontra a total liberdade de movimentos.

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Desejo-vos um bom sábado
Saúde. Tranquilidade. Paz.

segunda-feira, fevereiro 13, 2023

Há uma virtude sem a qual todas as outras são inúteis: essa virtude é o encanto.

 



Tenho dormido bastante. Depois de dias algo incómodos e noites mal dormidas com o joelho inflamado e dorido (só com cortisona é que foi ao sítio), eis que, no rescaldo, o corpo se tem desforrado. Durmo de noite e, a seguir ao almoço, é só encostar-me que logo adormeço.

De manhã fomos passear com a minha mãe. Deu-me uma joelheira elástica que era do meu pai. Coloquei-a e senti-me mais confortável. Parece que andava a sentir os ossos e as cartilagens como se estivessem à solta, agora que o inchaço passou e o quisto de Baker se esvaziou. 

Tínhamos pensado ir comprar comida chinesa para o almoço mas, afinal, o restaurante estava fechado. Já era tarde. Fui ao supermercado ver como resolvia a emergência e, como contra factos não há argumentos, trouxe frango assado. Devíamos estar com fome pois soube-nos lindamente.

A seguir, foi um sono tão profundo que até sonhei. Sonhei que o meu marido tinha lá chegado e, na brincadeira comigo, como se eu fosse uma menina de quatro anos, tinha pegado em mim ao colo e me tinha sentado na parte de cima de uma estante. E eu a protestar, que não gostava de estar nas alturas, e ele a troçar. Depois tinha ido buscar lenha para a lareira e tinha-me deixado ali. Eu a protestar, que me tirasse dali, e ele sem aparecer. Eu olhava para baixo para avaliar se tinha alguma hipótese de sair por mim. Não: muito alto para saltar e sem possibilidade de descer pela estante como se fosse uma escada pois esta poderia virar-se. Então, tinha resolvido que mais valia deixar-me ficar, aproveitar para dormir. 

Quando já passava das cinco, acordei e olhei à volta, convencida que ainda estava sentada lá em cima.

Levantei-me do cadeirão. O cão levantou-se também, tinha estado a dormir no chão, ao meu lado.

Se há prazer de que tenho desfrutado é vir para aqui à tarde. Afasto o cortinado para entrar a luz, pelo sim pelo não ligo o candeeiro de pé, cubro-me com uma mantinha leve e aveludada, ponho-me a ler... e deixo-me ir. Maravilha.

Quando me vê a dirigir-me para as escadas o ursinho cabeludo aparece logo, parece que pressente. Subo, ele também. Eu sento-me e ele também. Eu adormeço e, creio, ele também. 

Valiosos momentos de tranquilidade.

Hoje estava a ler a Biblioteca Pessoal de Jorge Luis Borges. Outro prazer. 

Ao fim da tarde fomos dar um passeio por aqui. O céu estrelado, a noite fria mas agradável. Só nós na rua. As casas com as luzes acesas, algumas com o interior à vista. Sempre gostei de passear à noite vendo o que, de fora, parece sempre aconchego e intimidade. Em algumas casas, a escadaria entre os pisos é acompanhada por um enorme painel de vidro que dá para a rua. Vê-se tudo, em especial à noite, quando têm a luz acesa. Pergunto-me sempre: não lhes acontece andarem meio despidos? Não se importam se alguém, na rua, os vir?

Há uma casa nova em que a cozinha dá para a rua, com uma janela de vidro de parede a parede. Quando estão a cozinhar ou a lavar a louça estão à janela, virados para quem passa. Fico sempre na dúvida sobre o que devo fazer: fazer-lhes adeus para os cumprimentar ou fazer de conta que não vejo. 

Na casa grande cujas traseiras dão para um caminho a partir do qual não há mais casas e em que tudo era envidraçado, sem estores ou cortinas, incluindo o grande quarto de dormir, há agora, justamente aí, um estore de lâminas verticais de madeira. Sinceramente, quando o vi até me senti aliviada pois temia o dia em que visse o que não queria ver.

Tirando isso: quase não temos visto televisão. E isso é muito bom.

Ligo o computador à noite e vou espreitar os vídeos. Gosto em particular de ver casas. Esta que aqui partilho é fantástica. Não que eu gostasse de morar numa casa assim. Mas gostaria de visitar o seu dono, andar a espreitar isto e aquilo, apreciar a elegância das escolhas. 
Claro que, como sempre, custa-me perceber como se limpa o pó a uma casa assim. E penso também noutra coisa: uma casa assim é uma casa para ser eterna. Ora, como ninguém é imortal, o que acontece a uma casa como esta, tão pessoal, tão especial, tão indissociável do seu dono, quando este se desprender da existência? 
Mas, enfim, ideias peregrinas à parte, é um gosto ver casas bem desenhadas e bem decoradas

Refúgio francês cheio de tesouros do designer John Galliano (com 7 objetos exclusivos) | Vogue


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Lá em cima, a música é de Handel: "Eternal Source of Light Divine", com Thomas Dunford, Jupiter, Lea Desandre, Iestyn Davies

O título do post são palavras de Stevenson citadas por Borges.

As pinturas são da autoria de Fujishima Takeji

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Desejo-vos uma boa semana a começar já nesta segunda-feira
Saúde. Serenidade. Paz.

sábado, maio 28, 2022

As mãos, a lã, a tradição, a paz nas montanhas

 


Não sei se posso dizer que sou artesã. Gostava de poder dizer. Contudo, agora de artesanato apenas faço o blog. Mas, durante muito tempo, fiz tapetes de arraiolos. Já tinha feito tricot e quando mudei de casa reencontrei várias camisolas feitas por mim, geralmente com um design improvisado enquanto ia fazendo. Apenas para os meus filhos e marido fazia peças normais. Para mim era sempre um design fora da caixa. Também houve uma altura em que fazia crochet e até uma colcha eu fiz. E bordei e tenho vários 'quadrinhos' abstractos feitos em bordado. Mas aquilo de que mais gostei de fazer foi, sem dúvida, os tapetes de arraiolos.

Para já, gosto de tapetes. Não apenas gosto de fazê-los como de os ver e sentir na casa. Digo 'sentir' porque frequentemente ando descalça. Acho que uma casa, para ficar confortável, tem que ter tapetes. E gosto de tapetes de lã. Um dos mais bonitos, comprei-o em Londres e é um tapete afegão. É um tapete frágil, lindo, em lã que parece prensada e, depois, sobre a base da lã prensada, é bordado. É uma pequena carpete, talvez de 1,2 por 2m. Está in heaven e por isso agora não posso medi-lo. Com medo que se desfizesse, pedi à minha mãe que o forrasse. A parte que agora contacta com o chão é de algodão espesso e pespontou o tapete ao forro. Tenho também um outro tapete afegão mas mais simples, menos frágil. Tem um bordado em quadrícula, em cada quadradinho um desenho quase infantil. São peças especiais. 

Às vezes penso que, um dia que tenha tempo, poderia fazer tapetes e quadrinhos bordados para vender. Mas, deformação profissional oblige, mentalmente faço um business plan e concluo que não dá. Fazer um tapete leva tempo. E as lãs são caras. Teria que vender o meu trabalho a valor abaixo do de terceiro mundo para que alguém os quisesse comprar. E estar a trabalhar para aquecer não me parece que faça qualquer sentido. 

No entanto, vejo imagens como as do vídeo abaixo e fico encantada, as mãos a fervilhar de vontade de fazer coisas assim.

Trata-se de uma família ucraniana que, numa aldeia remota, continua o seu ofício de trabalhar a lã, de fazer tapetes e outras peças. E todos colaboram, a mulher, o homem, a filha. A filha, jovem adolescente, trabalha ao lado da mãe e é geralmente ela que aparece nas fotografias a usar os casacos. 

A lã, depois de tosquiada, tem que ser desfiada, fiada, tingida (quando é o caso), lavada, penteada, tecida, lavada de novo, escovada. Muito trabalho até que fique pronta e apta a durar anos. Uma maravilha. 

Estive a ver as peças que estão à venda e fico tentada. O conforto que um tapete ou um cobertor ou um poncho assim transmitem é palpável apesar da distância e apesar de não poder fazer o que apetece: passar a mão para lhes sentir a macieza.

As sapatinhas, por exemplo, devem ser tão boas de sentir, devem ser tão confortáveis... O pior nelas é que uma pessoa, com umas sapatinhas destas calçadas, nem deve ter vontade de sair de casa.

Mas o melhor é vermos o vídeo.


Ukrainian Mountain Weavers Refuse To Surrender Their Traditions In War Or Peace | Still Standing

Ukrainian’s Hutsul ethnic minority is keeping a century-old weaving tradition alive by using the same tools and techniques that their people have for generations. In war and in peace, they’re determined to keep their craft alive, and they sell their blankets on Etsy (www.etsy.com/ie/shop/WovenWoolArt). We visited their village in Western Ukraine to see how their tradition is still standing.


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Viver poderia ser sempre uma coisa simples, boa.

domingo, março 20, 2022

No meio das mil sombras de grey é bem visível uma linha muito vermelha, tingida de sangue

 


Aprendemos, quando estudámos História, que há sempre gente que se põe do lado do invasor. Desde tempos imemoriais. Enquanto uns querem manter a nacionalidade com que nasceram e defendem a sua terra como se defendessem a sua casa e o seu coração e querem a independência da sua terra e do seu espírito e a liberdade para escolher o que querem, há sempre os que se baldeiam para o lado de lá, defendendo os agressores. Sempre assim foi. Corre-lhes nas veias o sangue de Miguel de Vasconcelos. Vêem vantagens em alinhar com os invasores, criticam os que lhes fazem frente. 

Claro que lutar pela liberdade custa muito. Por vezes custa a liberdade. Por vezes custa a vida. Mas há os que antes livres, embora em risco, do que ajoelhados e servis.

Não vale a pena eu tentar imaginar o que faria se fosse ucraniana e quisesse continuar ucraniana e quisesse viver civilizadamente, livremente, junto dos outros europeus livres e, ao mesmo tempo, tivesse medo da ameaça do ditador assassino. Se calhar lutava com todas as minhas forças a favor da Ucrânia livre, quereria que a Ucrânia aderisse à UE e, provavelmente, com medo de que neutralidade significasse ficar indefesa, quereria que a Ucrânia pertencesse à Nato. Se calhar.

Há por aí muito fala-barato a pregar que a Ucrânia não apenas deveria estar caladinha para não afrontar o violador Putin como que nunca deveria ter dito que gostaria de estar dentro da Nato. 

Mas o que se vê é no que deu a neutralidade em que a Ucrânia está. Neutral e indefesa -- sem que a Nato se arrisque a defendê-la não vá o criminoso carregar em mais botões, nomeadamente os nucleares, e não apenas abrir uma cratera invernal onde andes havia um país como espalhar a guerra por todo o mundo. Se a Ucrânia pertencesse à Nato certamente o cão raivoso teria pensado duas vezes. Assim está à vontade: destrói, esventra, dizima, extermina. E nós, os civilizados, os livres, nada podemos fazer para travar o criminoso porque, como a Ucrânia não pertence à Nato, estamos de pés e mãos atados. Bela neutralidade a da Ucrânia... muito conveniente para a Rússia. 

E, perante estes crimes tenebrosos, ainda há quem venha criticar a Ucrânia ou lembrar guerras pretéritas. Não sei como funciona a cabeça desta gente que, num momento em que o que há a fazer é exigir o fim da guerra e o fim da invasão e afirmar o total repúdio pela actuação de Putin, aparecem a invocar outras guerras e nem todas com mão de Putin. Claro que nem todas as guerras à superfície da terra têm mão de Putin. E daí? 

Vamos continuar a matar-nos uns aos outros até que não sobre vivalma porque antes houve uma guerra e antes de essa uma outra e antes uma outra e antes uma outra e antes uma outra? Vamos ser burros a esse ponto?

O mundo não é linear nem a história é a preto e branco. Sei que há muitas sombras, muitos cinzentos, mil sombras de cinza. Mas no meio de tudo há uma linha vermelha, traçada a sangue. E aí a compreensão dos factos simplifica-se: há os que estão de um lado dessa linha e os que estão de outro.

Eu estou do lado da liberdade, da democracia, do direito à livre escolha dos cidadãos, eu estou do lado da paz. Nem tudo é perfeito neste lado. Mas, ainda assim, é o lado que prefiro. Do outro lado há os que defendem regimes autocratas, ditatoriais, intimidatórios, os que não querem saber de liberdades e direitos individuais, os que não respeitam a dignidade ou a vida humana.

E há ainda a corte dos agressores, violadores, assassinos: gente que os desculpabiliza, que acusa as vítimas, que invoca os 'mas' que sempre há para invocar. Do lado desses, bem como do lado dos cobardes, vendidos e influenciáveis claro que não espero mais do que aquilo de que são capazes: intriga, ameaças, manipulação, maledicência, conversa fiada.

Mas dos corajosos eu espero que não se calem. 

É importante que muitas vozes consigam chegar até à Rússia. É importante que comece a formar-se na opinião pública russa o sentimento de revolta e de consciência da insustentabilidade daquele regime corrupto, podre, diabólico, malévolo. É importante que rapidamente apeiem o criminoso. Putin tem que ser impedido de continuar a fazer mal, tem que ser impossibilitado, seja de que forma for, de continuar a espalhar o mal e a envenenar o ar que se respira.


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Fotografias, uma vez mais, do Guardian

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E a vida continua. Este sábado foi um dia muito feliz para nós, cá em casa. Estivemos todos juntos, em família, estivemos bem e em paz. Excepto eu e o meu marido, todos os outros, graúdos e miúdos jogaram ténis, brincaram. E comemos à volta da mesma mesa, conversámos. Um dia sereno.

Como eu desejo que todos, todos, possam estar bem, de boa saúde, apaziguados, tranquilos, sem inimigos, fazendo planos para o futuro... 

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Saúde. Paz.

sábado, março 19, 2022

Depois de um pôr-de-sol vivido em plena paz, alguns apontamentos:
uma condessa fala do maníaco, um homem é resgatado dos escombros, uma repórter de guerra fala do que viu e uma menina emocionada recebe flores do Presidente de quem as amigas tanto falam no TikTok

 




Hoje de tarde a reunião correu bem. Uma reunião tranquila com opiniões convergentes e sem atritos numa sexta-feira à tarde só pode resultar de um alinhamento astral virtuoso.

A seguir, troquei umas mensagens com um dos participantes, depois vi e enviei uns mails e ainda consegui sentar-me cá fora a apanhar um pouco de sol. Comigo, a pequena fera. 


Tentei penteá-lo e quase consegui. O pêlo está cada vez mais farto e comprido e ele cada vez maior e mais forte. Ele gosta de ser penteado mas não consegue estar sossegado: rebola-se, tenta morder a escova, torce-se, tenta apanhar a minha mão. Tudo a brincar, sem magoar... mas a obrigar a algum cuidado pois com aquela bestinha nunca se sabe.

A patinha da frente que foi rapada quando esteve internado (por causa da lagarta do pinheiro) já está outra vez a ficar peluda. 

Depois de escovadinho ficou ainda mais fofo.

A professora diz que ele é um mimado, que não deveríamos dar mimo gratuito: só deveríamos mimá-lo quando ele obedece a ordens, mesmo que tenhamos que dar-lhe ordens gratuitas, só mesmo para que ele obedeça. Mas esqueço-me. Dou por mim a dar-lhe mimo só por dar, só porque ele merece e merece só porque existe e é inocente.

Agora, enquanto escrevo aqui na sala, está deitado no chão, a cabeça encostada a uma almofada que tomou como sua. Um grande tufo de pêlo, respirando na maior paz. Cãozinho sortudo. Não sabe o que são maus tratos, sustos, maldades.


Entretanto reparei que a glicínia está florida. Não sei como, não dei pela evolução. Às vezes não reparamos nas coisas importantes e belas que estão mesmo ao pé de nós. Damo-las por adquiridas, já nem lhes prestamos atenção. E, no entanto, como as pessoas que estão debaixo de guerra deveriam gostar de ter disponibilidade para reparar nas flores que despontam pela primavera. Talvez até as flores por lá tenham sido arrasadas. Será que ainda há flores nas cidades bombardeadas e esventradas da Ucrânia?

Só hoje reparei como já está em flor, lilás, delicada, primaveril. Fotografei, encantada. Que bom.

Dali resolvemos ir passear para a praia. Nestas sextas-feiras assim sinto-me como se estivesse a entrar em férias. Não estou, é só um fim de semana. Mas, para mim, sabe-me a férias.


Estava uma temperatura amena, um ambiente agradável, umas cores fabulosas. Muita gente, muitos jovens, muitas crianças. A paz é isto. Podermos passear descontraidamente à beira da água, desfrutar a tranquilidade de uma tarde em que o sol se dilui no mar, em que as pessoas fazem ginástica, as crianças andam de skate ou de bicicleta, um homem toca trompete, outros passeiam o cão, conversam, correm -- fazem o que querem, em liberdade, sem medo, alheados de preocupações. Paz.

Fui fotografando, sentindo aquela felicidade que sabe melhor por se sentir que é frágil, que pode ser efémera. Fui captando momentos, tentando registar a beleza da luz, a ternura de um abraço, a cumplicidade de um amor.

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Entretanto, à noite, de regresso a casa, voltei às notícias. Voltei a procurar sinais, explicações, sinais de esperança, testemunhos na primeira pessoa, gestos imprevistos. Partilho-os.

Alexandra Tolstoy Shares How Life Is Inside Putin's Inner Circle | Lorraine

With the Ukraine war entering another week, and horrific images and reports continuing to dominate the news - we're turning our attention to the man who is behind the invasion - Vladimir Putin.

Alexandra Tolstoy is a former partner of Russian oligarch Sergei Pugachev, who was a one-time close ally of Vladimir Putin, even acting as his personal banker, and Alexandra has been in close quarters with Putin and his confidantes.

She tells us what he was like, what she thinks about the rumours about his health, and how she feared for her life when her ex-partner was cast out from Putin's inner sanctum

She also shares her fears for Russia, and whether she thinks the sanctions will have any impact - and revealing the truth about the rumours behind Putin's motives, and the many questions about his health.



Ukraine War: Rescue workers locate a survivor under rubble after phoned for help

Rescue workers were alerted of a survivor under the rubble of a destroyed building in Kharkiv by a phone call for help.

Using saw, shovels and their bare hand in the freezing cold - the emergency workers found and freed the man.


War Photographer Lynsey Addario: “They Were Killed Before Our Eyes” | Amanpour and Company

New York Times Pulitzer Prize-winning photojournalist Lynsey Addario has covered every major conflict and humanitarian crisis of her generation. In Ukraine, she captured an image that shocked the world and became one of the defining images of this war: a mother, her two children, and a friend, all killed by Russian mortar fire when fleeing Irpin, a village on the outskirts of Kyiv. In a week that saw four journalists killed while covering the war, she speaks with Hari Sreenivasan about what it means to witness history.


Hospitalised teen becomes emotional meeting Ukrainian president Volodymyr Zelenskiy

A teenager was overwhelmed when Ukrainian president Volodymyr Zelenskiy shook her hand and gave her flowers during a visit to people wounded by Russian attacks at a Kyiv hospital on Thursday. 
Sixteen year-old Katya Vlasenko, who was wounded when the car her family was travelling in came under fire, told the president he was a hero on social media platform TikTok, to which Zelenskiy responded: 'Oh yes? So we have occupied TikTok?' 

Katya's family was trying to escape fighting in the area north-west of the capital Kyiv when their car came under fire near Hostomel 

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Desejo-vos um bom fim de semana
Paz

terça-feira, março 08, 2022

Palavras de perplexidade e tristeza perante a ferocidade e as chacinas de Putin.
Mas talvez não demore muito:
Putin vai ter um fim pouco honroso, no meio de deserções e pedidos de desculpa aos ucranianos por parte dos seus militares.

Слова недоумения и печали перед лицом путинской жестокости и резни.
Но, возможно, это не займет много времени.
У Путина будет позорный конец на фоне дезертирства и извинений перед украинцами со стороны его военных.

 


É verdade, faltam palavras para falar do que se passa. Talvez o silêncio fosse mesmo preferível. 

Por diversas vezes, ao ver fotografias ou imagens na televisão ou em vídeos, sinto que as lágrimas assomam aos meus olhos e, nessas alturas, não consigo dizer nada. 

São imagens muito violentas: uma criança de 11 anos que foi sozinha para outro país, enviada pela mãe. Um menino que levava um saco de plástico e um número de telefone escrito na mão. A mãe, uma jovem viúva, chora, teve que ficar a tomar conta da sua própria mãe, doente e sem mobilidade. A voz embargada, o rosto mostrando grande infelicidade, fala dos filhos, explica que achou que era a melhor decisão. Imagino o coração estrangulado, a angústia, a vontade de proteger os filhos mas incapaz de abandonar a mãe. Como se sobrevive a uma decisão tão dilacerante?

Uma jovem grávida, desamparada, cujo namorado ficou para lutar, parece perdida. Uma outra espera casar quando a guerra acabar mas que diz que, quando se despediu do companheiro, sentiu que estava a separar-se para sempre. Desvia o rosto sem conseguir conter as lágrimas.

Estou a falar de momentos tocantes. Mas como escolher uns momentos e não referir outros?

Não é igualmente tocante ver tantos jovens que vão de todo o lado para lutar ao lado dos ucranianos? Como ficam as mães, as avós, as mulheres e filhos desses homens? Como podem sentir orgulho pela valentia dos seus homens quando certamente sentem a carne rasgada pela angústia, sem saberem se vão poder voltar a abraçá-los?

Não é também tão tocante ver mulheres idosas, cansadas, ofegantes, em desequilíbrio, com pequenos sacos nos quais transportam o que conseguiram salvar da sua vida de paz, tropeçando ao frio, a irem sem saber bem para onde? Que vida as espera nos anos que lhes restam?

Ou pessoas chorando, precariamente descendo de dentro de casas em ruínas, tentando equilibrar-se por entre pedras soltas, segurando uns papéis, documentos que pensam poder valer-lhes, deixando uma vida inteira de sonhos para trás?

Ou uma idosa, entre destroços, filmando a destruição com o seu telemóvel? A quem vai ela enviar aquele testemunho? Será para um dia mais tarde poder mostrar aos bisnetos? Não é isso igualmente comovente? Tão comovente...

Não sei se há quem fique indiferente perante a brutalidade do que está a passar-se. Se calhar, há.

Não quero saber se em todo o lado em que há guerra se pode assistir a situações igualmente infernais e dolorosas. Acredito que sim mas isso agora não me serve para nada. O que não quero é que haja guerra nem quero ver isto que nos é mostrado: cidades arrasadas, casas esventradas, ruas e pontes interrompidas, tudo transformado em montes de destroços, mulheres e crianças abatidas na rua, famílias separadas, tanta gente em lágrimas ou já sem conseguir chorar. Não venham falar-me de todos os outros casos tentando banalizar o mal. Recuso-me a aceitar que se banalize o mal. 

Quem já viu a morte de perto, quem já pegou em armas ou matou outra pessoa consegue olhar para esta chacina sem emoção? Os que já viram morrer e mataram em cenário de guerra relativizam esta agressão brutal por comparação com tantas outras? Ou não querem que se fale disto porque voltam a viver os momentos de medo e ferocidade que, em tempos, viveram? 

Não conseguindo ficar em silêncio, faço perguntas. Mas temo que sejam perguntas para as quais jamais obterei respostas.


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Como nos dias anteriores, tento informar-me -- sempre na esperança de descobrir indícios do fim desta chacina. Partilho-os. Podem não me trazer as respostas que procuro mas ficam para (minha) memória futura. Traçam o roteiro para um destino ainda impreciso mas que só pode acabar com a derrota de Putin.

Man who lost five family members when a Russian missile destroyed his home: "God, help this to end."

Twelve days since the war began, many Ukrainian civilians are stuck in cities under fire, unable to flee the conflict. A promised evacuation corridor to allow civilians to flee failed to open on Sunday.

Russia has proposed some humanitarian corridors that lead from Ukrainian cities to Russia and Russia’s ally Belarus.

Ukrainian officials called the proposal “completely immoral” and said that Ukrainians should be able to flee through their own country. 

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Lieutenant Colonel Astakhov Dmitry Mikhailovich, a captured Russian soldier, begs for forgiveness for Ukraine invasion

A Russian soldier who was captured by Ukrainian forces says he realised he was on the wrong side when his favourite boxers took up arms to defend their country from invaders.

Lieutenant Colonel Astakhov Dmitry Mikhailovich begged for forgiveness in a press conference after he was captured, saying he was under the impression Ukraine was under the grip of a fascist regime.


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Ao som do Hino da Ucrânia, fotografias de graffitis um pouco por todo o mundo apelando ao fim da invasão russa e da guerra e pedindo a paz na Ucrânia. Mais no Bored Panda

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Desejo-vos um dia bom
Saúde. Paz.

segunda-feira, março 07, 2022

Que faremos depois disto? O mundo vai ficar diferente. E nós vamos ficar iguais?
E o que dizem os que conhecem Putin bastante bem (Bill Browder, Garry Kasparov) e os que observam e pensam sobre ele e sobre o que se passa na Rússia e no mundo (Ekaterina Kotrikadze, Yuval Noah Harari?
O que o vai fazer vergar?

Что мы будем делать после этого? Мир будет другим. И будем ли мы такими же?
А что говорят те, кто достаточно хорошо знает Путина (Билл Браудер, Гарри Каспаров), и те, кто наблюдает и думает о нем и о том, что происходит в России и мире (Екатерина Котрикадзе, Юваль Ной Харари?
Что скажут? заставить тебя согнуться?

 


Há assuntos que eram inequivocamente prementes e que agora parece que passaram de moda. E, no entanto, nem é correcto eu colocar a frase no passado (porque continuam prementes) como é erradíssimo que tenham saído do nosso radar. Um dos temas tem a ver com a emergência climática e com todas as medidas necessárias para travarmos o fim do mundo que conhecemos, habitável por humanos.

Mas, na realidade, como poderemos preocupar-nos agora os gases com efeito de estufa, com o aquecimento global, com os fenómenos climáticos extremos quando assistimos, em tempo real, a bombardeamentos, a estradas cheias de tanques e os céus cheios de aviões, a uma destruição em larga escala (e sabe-se lá que mais virá por aí)?

Um amigo, até há algum tempo, quando queria definir alguém que, em vez de se preocupar com os assuntos concretos que tinha em mãos, se dispersava por futilidades, dizia: 'é daqueles que está sempre com a cabeça no buraco do ozono'. E, de certa forma, ocorre-me que se, no meio da chacina a que assistimos, fossemos falar nas emissões poluentes que degradam a atmosfera e retardam a recuperação pretendida, alguém também diria que deveríamos andar com a cabeça enfiada no buraco do ozono para nos esquecermos das cidades em ruínas, de mais de um milhão de expatriados e de um número incontável de mortos, e só nos preocuparmos com frioleiras.

Com as economias a sofrerem os efeitos da guerra (e vão sofrer) -- e tomara que não com uma crise financeira daquelas barbudas à perna -- quem vai ter cabeça para querer saber das medidas para que daqui por uns quantos anos estejamos menos em perigo na vertente climática? As pessoas devem é estar preocupadas com o emprego, com serem capazes de pagar as suas casas, com terem dinheiro para viverem como antes pensavam que iam viver. Certo. E... no entanto... há outro mundo onde viver para além do que estamos a destruir...?

Tento ver alguma coisa boa nesta tragédia: sempre há alguma coisa boa, penso. Mas a mim própria me coloco reservas. Não sei se é altura para optimismos.

  • A Europa percebeu que não pode estar tão dependente de regimes ditatoriais? É verdade... Mas e é bom estar tão dependente da China (que também não é uma estampa em termos de democracia)? 
  • A Europa percebeu que é um peão (e um alvo fácil) entre os Estados Unidos e a Rússia? Ah sim... e daí...? Fazer o quê, agora? Fugir para Marte...?
  • O mundo percebeu que não tem meios para travar um demente, um paranóico, um mitómano, um psicopata? Muito bem. E então? O mundo faz o quê? Em concreto faz o quê? Espera sentado que apareça o tal Brutus, é isso...?

Diria eu que algumas pessoas inteligentes e de espírito forte deveriam estar, a esta altura do campeonato, a reunir-se para, rapidamente, se preparar uma refundação de uma série de instituições, posicionando-as à luz do que se tem vindo a viver.

Dirão os timoratos que não é bom pensar em refundações enquanto as sirenes tocam e o sangue escorre do corpo dos inocentes. Não interessa. Em tempo de guerra não se limpam armas. E qualquer altura é boa para melhorar o que está mal. Têm é que ser pessoas com alguma elevação para que os assuntos não sejam tratados com cegueira e espírito de vingança.

  • Os mais virados para a acção devem procurar-se uns aos outros -- certamente em conjunto com os serviços secretos daqui e dali --e estudar formas correctivas de travar malucos, dementes e tarados que estejam armados e sedentos de poder
  • Os mais virados para a organização, para as leis e para a justiça, deverão juntar-se e ver o que hoje os trava ou põe em causa a segurança do mundo sem que possam fazer nada par areformular leis, estatutos, etc. 
  • Os mais virados para as contas devem preparar os dias que se seguem: injectar dinheiro em força na economia? Preparar o embate financeiro decorrente das consequências das sanções à Rússia? 
  • Os mais resilientes deverão encontrar planos para salvar o planeta apesar da guerra. E deve haver cenários. O worst-case scenario, com partes do planeta mergulhados num longo e penoso inverno nuclear, o cenário intermédio, em que não há crise letal mas há destruição brutal e crises de toda a espécie ou o best-case scenario em que alguém consegue travar Putin dentro de não muito tempo e acabar com a destruição da Ucrânia sem que outros países sejam atacados.

Acredito que tudo isto esteja a ser preparado.

Uma coisa é certa: de uma vez por todas deveriam ser criados mecanismos que previnam a guerra. Não me venham com conversas de coisas que remontam a gregos e troianos, ao berço da civilização, o instinto bélico sempre presente na cabeça dos homens e o diabo a sete. Não quero saber. Que se dane isso. O que todos devemos querer é uma vida simples, sem medos, sem que ninguém tenha que matar ninguém, em que possamos pensar no futuro sem medo, em que possamos alimentar sonhos, em que possamos estar uns com os outros, felizes, livres, em que possamos dizer o que pensamos, sem medo, em que qualquer maluco com instinto criminoso seja legalmente impedido de fazer mal aos outros.

Lirismo?

Talvez. Mas se, em vez de andar meio mundo a fazer selfies a torto e a direito -- reduzindo o mundo às selfies e aos pratos uns dos outros, consumindo tempo com smiles e emojis infantis que nada acrescentam a coisa alguma --, prestarmos atenção ao que interessa, se formos cuidadosos a votar, se votarmos em quem nos representa, se mostramos, no nosso dia a dia, que queremos um mundo melhor, se nos chegarmos à frente para defender as nossas ideias (mesmo que seja apenas um chegar à frente simbólico, com os meios que se tem ao alcance) talvez se consiga alguma coisa. Pelo menos assim o desejo.

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Percorro as notícias e os vídeos a ver se encontro alguma solução milagrosa para esta guerra estúpida e cruel, tenho esperança que apareça alguém a saber, de fonte segura, como se irá conseguir pôr cobro a isto. Tenho visto entrevistas interessantes e, de certa forma, convergentes na forma como vêem Putin. 
Pensa nele e só nele, pensa no dinheiro que tem a ocidente, é um facínora e um ditador. Todos acham que o seu regime tem o fim à vista. 
Mas mais do que isso ainda não se sabe. Como? Quando? Não se sabe. 
Mas eu, que sou uma optimista (embora agora muito timidamente o seja, confesso), acredito que talvez dentro de poucos dias, talvez até ao fim deste mês, esta guerra comece a esboroar-se e que o resto será tratado internamente (na Rússia, quero eu dizer).

Mas tenho-me enganado tanto ultimamente que já não sei. Acreditava que ele não ia invadir a Ucrânia, que isso era histeria da comunicação social a fazer o frete aos senhores do armamento... e veja-se como me enganei redondamente... Portanto, já não sei é nada.

Deixem, portanto, que partilhe alguns dos vídeos. Não há com legendas em português mas talvez a maioria de quem por aqui me acompanhe arranhe o suficiente a língua inglesa para perceber o que dizem.

Russian news anchor, Ekaterina Kotrikadze, says millions of Russians feel invasion is a catastrophe

Russian news director and anchor, Ekaterina Kotrikadze, speaks to CNN's Fareed Zakaria about the state of the country's news media after her station, TV Rain, shut down due to the Russian government's crackdown on local media over unfavorable coverage of the war in Ukraine.

Bill Browder on Putin: When You Believe Your Time Is Almost Up, You Start a War | Amanpour and Company

Unprecedented sanctions have sent the Russian ruble tumbling. The U.S. has now cut off Russia’s central bank from its $630 billion so-called sanctions-proof fund. Bill Browder is CEO of Hermitage Capital and the architect of the Magnitsky Act, used by President Biden to impose sanctions on Vladimir Putin and his oligarch cronies. Browder speaks with Walter Isaacson about the tactic of cutting Putin off from his wealth. 


What is Putin’s Endgame? Garry Kasparov on Russia’s Attack on Ukraine | Amanpour and Company

A vocal critic of the Russian leadership is Garry Kasparov, the chess grandmaster who repeatedly ranked world number one for 20 years before turning his attention to politics. He tells leaders to “help Ukraine fight against the monster you helped create.” Kasparov speaks with Walter Isaacson


The War in Ukraine Could Change Everything | Yuval Noah Harari | TED

Concerned about the war Ukraine? You're not alone. Historian Yuval Noah Harari provides important context on the Russian invasion, including Ukraine's long history of resistance, the specter of nuclear war and his view of why, even if Putin wins all the military battles, he's already lost the war. (This talk and conversation, hosted by TED global curator Bruno Giussani, was part of a TED Membership event on March 1, 2022.

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As fotografias mostram imagens de quem quer a paz e de quem foge à guerra. Todas no Guardian, essencialmente de Ukraine protests around the world – in pictures. A música é Moonlight night, interpretada pela  Gimnazija Kranj Symphony Orchestra and Choir'composta por Mykola Lysenko com letra de Mykhailo Starytsky. 
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Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira.
Saúde. Paz.

quinta-feira, março 03, 2022

A extraordinária resistência civil ucraniana. Trincheiras erguidas por voluntários. Soldados russos abandonam os veículos a largam equipamentos e uniformes. Tanques russos ficam sem combustível. E, finalmente, o que diz Colbert de tudo isto.

Чрезвычайное русское гражданское сопротивление. Окопы, сооруженные добровольцами. Российские солдаты бросают машины и сбрасывают снаряжение и обмундирование. В российских танках закончилось топливо. И, наконец, что обо всем этом говорит Кольбер.

 

Pode ser que sim, que o mundo viva assente, em equilíbrio instável, em dois pilares de interesses contrários que se merecem: os que já antes disputavam entre si os destinos do mundo. 

Tínhamos a União Soviética e temos os Estados Unidos. Quebrou-se a União Soviética e a Rússia, qual cabeça de casal da herança, assumiu o papel que antes tinha a União Soviética. 

No meio existem peões, palcos de guerra, locais em que os senhores da guerra dão vazão ao armamento para que as fábricas continuem a trabalhar, dinheiros muitas vezes 'protegidos' em offshores, existem refugiados, estropiados, existem possíveis alvos (como nós).

Do lado dos Estados Unidos foram mudando os presidentes, foram-se cometendo erros, crimes (Iraque, por exemplo). Outras vezes o clima distendeu-se, os ímpetos belicistas esmoreceram, quase pareceu que os tempos da guerra fria tinham ficado para trás.

Do lado da Rússia, Putin foi conseguindo ficar no poder e foi-se percebendo a sua nostalgia pelo domínio sobre territórios agora independentes mas antes soviéticos. O agente do KGB mostrou desde sempre que se vê como o macho alfa que vai levantar o orgulho soviético.

Há interesses do petróleo, do gás natural, do armamento em ambos os lados. Há actos censuráveis de ambos os lados. Mas a nível da política interna, há na Rússia de Putin uma apetência ditatorial que não existe, pelo menos de forma tão cruel e explícita, nos Estados Unidos.

Nem quando as tropas americanas estiveram presentes noutros países o fizeram de forma tão brutal, tão cega e prepotente como a Rússia está a fazer -- invadindo a Ucrânia, destruindo tudo, abatendo civis e destruindo edifícios residenciais e hospitalares, não respeitando nada à sua passagem, mostrando estar para matar até à capitulação da Ucrânia enquanto país. A barbaridade do que está a acontecer é impensável e imperdoável.

Até pode acontecer que neste mundo belicista em que vivemos -- a humanidade dependente de que um maluco carregue num botão e nos mande a todos desta para melhor -- seja prudente ter países buffer, neutros, almofadas entre os blocos, amortecedores. Pode acontecer que, entre os perigos fatais em que incorremos, seja prudente a Ucrânia não pender para um lado nem para outro. Mas, para isso, para obrigar a Ucrânia a não se proteger como pretende (acolhendo-se nos braços da Nato), a Rússia deveria obrigar-se a não beliscar as fronteiras da Ucrânia. Se a Ucrânia se quer manter una e indivisa, a Rússia (como qualquer outro país do mundo) deve respeitá-lo.

Seja como for, não se resolvem diferendos avançando sobre um país da forma grotescamente criminosa como Putin o faz. 

O mundo civilizado está contra a Rússia e isso é um consolo. Mas, na realidade, um fraco consolo. 

Os riscos são brutais, não nos enganemos. A resistência ucraniana é heróica, é comovente. Mas o poderio militar russo, sobretudo o aéreo, é suficiente para arrasar a Ucrânia. 

Pode, na Rússia, haver divergências internas, podem os oligarcas estar em recuo face à invasão, podem as sanções estar a ferir onde mais dói, pode isso tudo fazer Putin pensar duas vezes. Mas há caminhos sem recuo. Putin entrou nesse caminho. O macho alfa não vai recuar (a menos que alguém consiga obrigá-lo a isso). 

E há situações que podem desencadear uma escalada mais global. Entrar em espaço aéreo sem estarem autorizados a isso pode fazer com que exista uma retaliação que gere outra retaliação e, às tantas, as linhas vermelhas da guerra global estão a ser pisadas e um conflito de consequências ainda mais dramáticas pode alastrar a toda a Europa ou a todo o mundo .

Portanto, posso comover-me com a valentia ucraniana -- e comovo-me de cada vez que vejo a bravura desta gente e o sofrimento de outros tantos -- mas sou realista: os riscos para todos nós (todos -- ou seja, não apenas para o povo ucraniano) são muito grandes. E refiro-me a riscos de toda a ordem. Desde logo os económicos e os financeiros (que esses já são certos e temo que possam vir a ser pesados) mas também riscos de segurança. 

Já é lugar comum dizer que o mundo vai outra vez mudar depois deste crime que a Rússia tem em curso. Mas talvez não seja por ser um lugar comum que devamos desvalorizar esta perspectiva. 

A bem de todos, será bom que se encontre rapidamente uma solução para que possamos voltar a tempos de paz, pelo menos de paz aparente. Acredito que os serviços secretos de todos os países andem numa efervescência e que as diplomacias tentem encontrar pontes para o diálogo, isto enquanto os mais belicistas se babam com o excesso de testosterona que lhes corre nas veias. Não estou muito optimista, é o que posso dizer. Tocam as sirenes sobre nós.

[Fotografias genericamente daqui]

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Para melhor compreender a história da Ucrânia e as raízes da sua resistência, ler o texto de Guilherme d'Oliveira Martins: A resistência de um Povo

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Felizmente temos vídeos disponíveis para irmos vendo o que se passa. Aqui os vou partilhando para que fiquem pro memoria, pelo menos para mim, para a minha memória.




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The Met Chorus singing the Ukrainian national anthem before the opening of Don Carlo

(a day after the Opera announced it’s cutting ties with Pro-Putin artists)


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Paz na Ucrânia