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domingo, janeiro 30, 2011

Sophia, Afonso Duarte e Aquilino - natureza, vida e morte e as palavras de que nos alimentamos

Da Magnólia, leitora de Um Jeito Manso, e com a sua devida autorização - e porque me revejo nas suas palavras - permito-me transcrever o seu comentário sobre o meu post sobre Sophia de Mello Breyner Andresen e sobre a nobre e generosa doação à Biblioteca Nacional do seu espólio por parte dos filhos.

"Há pessoas que não deveriam morrer. E essas, mesmo morrendo, não desaparecem da nossa vida. Apenas muda a sua maneira de ‘aparecer’: deixamos de as ver fisicamente, e passam a estar connosco de uma forma ainda mais íntima. Acontece com aqueles que amamos e nos amaram. E, estranhamente, acontece com aqueles que apreciamos, e que, mesmo sem nos terem conhecido, ajudaram a formatar uma grande parte do nosso verdadeiro ‘eu’. Sinto isso com a Sophia. Através dos livros que li desde que me lembro de saber ler, posso dizer que cresci com ela. Às vezes dou comigo a ‘repeti-la’, já sem saber se, sem ela, eu seria capaz de me expressar assim ou, mais do que isso, sem saber se, sem a ter lido, eu pensaria daquela maneira…

Canteiro forrado de azulejos com poema de Sophia 

E a dita ‘formatação’ lançou em mim raízes ainda mais profundas - porque telúricas e que estão na origem da minha pequena mata de ‘pinheiros, tílias, abetos e carvalhos’, árvores que povoavam o meu imaginário desde que, em miúda, li o Cavaleiro da Dinamarca, e que ao longo da minha vida, tornei reais, palpáveis e… minhas.

Pinheiro grande, já independente


Pinheirinho pequenino, ainda de fralda

Porque ao plantá-las e acariciá-las (agora que vão sendo grandes e independentes), vou inevitavelmente reflectindo sobre a vida – a delas e a minha, acode-me ao pensamento muitas vezes, aquele soneto ‘Rosas e Cantigas’ de Afonso Duarte, que me permito lembrar aqui:

‘Eu hei-de despedir-me desta lida,
Rosa here in heaven
Rosas? - Árvores! hei-de abrir-vos covas
E deixar-vos ainda quando novas?
Eu posso lá morrer, terra florida!

A palavra de adeus é a mais sentida
Deste meu coração cheio de trovas...
Só bens me dê o céu! eu tenho provas
Que não há bem que pague o desta vida.

E os cravos, manjerico, e limonete,
Oh! que perfume dão às raparigas!
Que lindos são nos seios do corpete!

Como és, nuvem dos céus, água do mar,
Flores que eu trato, rosas e cantigas,
Cá, do outro mundo, me fareis voltar.’


E confesso que, nesses pensamentos, se mistura a dúvida do nosso Aquilino, que, em momentos de maior fragilidade, faço minha: 

‘A Primavera, tantas vezes rebelde ao calendário, rejuvenesce tudo menos o homem. As leis da ciclicidade fisíca assim o mandam. Para o ano, por esta altura, voltarão as aves a cantar. Que chova, que faça um sol radioso, com o mundo vegetal pletórico de seiva, ou mais aganado, à triste planta humana é que nada a afasta da sua carreira para a morte. Será ela a obra prima da Criação ou a pior de todas’?

Musgo dourado, viçoso, prenuncia a vinda da Primavera

São estes todos – Aquilinos e Sophias, etc, que nunca vão desaparecer do nosso mundo, porque estão aconchegadinhos dentro de nós...

Foi notável o gesto dos filhos da Sophia de Mello Breyner: dignificaram-se e honraram-na como escritora e como Mãe."

Escrito por: Magnólia
Fotografias minhas de hoje, here in heaven