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quarta-feira, novembro 30, 2016

As garotas de rosto nu do Calendário Pirelli 2017
- um grito contra o terror da perfeição e da juventude


O meu prazer em fotografar é inversamente proporcional ao de ser fotografada. 


Nunca me apanham em grupinhos a dizer cheeeeese ou ba-ta-ta. Impossível. E se tenho que ser fotografada por obrigação sou incapaz de me produzir para o momento.

Acho que já o contei. Quando o ano passado foi um fotógrafo à empresa para tirar fotografias a cada um de nós, cheguei lá e fiquei espantada com a produção de cada uma das outras mulheres. Muitas tinham ido ao cabeleireiro, vinham aperaltadas, todas de ponto em fino. Eu fui normal. Aliás, ao arranjar-me em casa, foi coisa que nem me ocorreu. Depois, estava numa reunião quando me foram chamar. Fui num ápice dar uma espreitadela à casa de banho. Achei que menos mal. Quando ia a entrar para a sala, pensei que devia ter passado uma corzinha nos lábios. Tarde demais. Pus-me lá no sítio que o fotógrafo disse e começou a dar-me vontade de rir. Ele, profissional, não ligou. Aproximou-se e pôs-me ligeiramente de lado. E eu com vontade de rir. Fiz um esforço para manter uma pose adequada ao status. E, nisto, pergunta-me ele enquanto me fixava com olho clínico: 'Sô-Tôra, não quer afastar o cabelo?' e fez um gesto com a mão, como que para afastar a franja. Fiquei preocupada: 'Mas está mal?' e ele. meio atrapalhado: 'Não... Mas podia querer afastá-lo mais da cara...' Fiquei apreensiva. Tive vontade de lhe dizer: 'Alto e pára o baile. Tenho que ir ver com os meus próprios olhos!'. Mas não, achei que, se afastasse o cabelo, poderia ficar com ar demasiado despido e e não me dispo perante qualquer um. Ficou assim. Agora olho a fotografia e não consigo formar opinião. Algumas colegas odiaram ver-se, exigiram um remake. Eu fiquei depois a pensar que, se calhar, devia ter aproveitado a oportunidade de tentar segunda chance, talvez ficasse melhor. Mas não. Só passar outra vez por aquilo... Não gosto.

Apenas de vez em quando, quando não estou nem aí, é que não me importo que o meu marido ande à minha volta a apanhar-me tal como estou, sem poses ou sorrisos pasmados. 


Acontece-me também, quando me vejo nas fotografias, achar-me diferente do que era tempos atrás. Como já o contei, tendo, então, a protestar com o fotógrafo: não devia pôr-me com o sol a bater-me na cara, não tem cuidado, não me adoça a pele, mostra-me as rugas junto aos olhos, mostra que o meu rosto já não tem a frescura de quando eu tinha a vida inteira pela frente, bem podia apanhar-me em melhores ângulos, com luz mais esbatida. Etc. Ele não liga, acha que fiquei bem. E está dito. Não lhe arranco nem mais uma palavra.

Depois, se calha eu ver essas fotografias anos depois, olho e já acho que ali ainda era uma jovem, cinquenta mil vezes com mais piada do que na actualidade.

E isto contado assim até parece que dou muita importância a isto. Não dou. São pensamentos ou reacções momentâneas que desaparecem na hora.

O que entretanto aprendi é que somos sempre jovens e bonitos aos olhos de quem é mais velho e acabado que nós.

E aprendi, sobretudo, outra coisa: é que a beleza de uma pessoa é francamente subjectiva. 

Gosto de me maquilhar ao de leve pois acho que sem um toque de cor, fico um bocado descorada, as sobrancelhas claras, a pele clara, parece que está mesmo a pedir uma sombra leve na pálpebra superior, um pouco de blush, coisa leve em tom de pêssego e só mesmo nas maçãs do rosto, e, nos lábios, uma passagem de gloss, cor de romã suave. Mas, ao fim de semana, nada, quanto muito um esfumado ligeiro  na pálpebra superior. E, no entanto, a minha filha diz que fico melhor assim, rosto nu. 


Mas não sei se ela tem razão. O meu marido, por seu lado, não se pronuncia. Não tem paciência para os meus inquéritos. E diz que receia responder o que quer que seja pois acha, que diga o que disser, ficará sempre sujeito a mais perguntas, e, se há coisa que o impacienta, é ter que dar justificações das opiniões que exprime. Por isso, tenho que me fiar na minha opinião. Contudo, nunca me deu para carregar na maquilhagem, usar base para disfarçar imperfeições, carregar no rimel, pintar os lábios de cor compacta e desenhando o contorno. Acho que não suportaria o contraste quando, à noite, retirasse a maquilhagem. Penso que deveria parecer-me com um palhaço no fim do circo, no camarim, a desfazer-me do personagem.

Mas a verdade é que tanto faz. Se nos sentimos bem e confiantes, está sempre tudo bem. E haverá sempre quem goste de nós, quem nos olhe com olhos doces de afecto ou apreço. Nem que seja um velhinho, cinquenta anos mais velho que nós (pitosga, taraulhoco, meio deslembrado).

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Vem isto a propósito do Calendário Pirelli 2017. Transcrevo:


This year, Peter Lindbergh became the first photographer to shoot three Pirelli calendars. His 2017 also marks another first for "The Cal", as the images have not been retouched. Lindbergh tapped 14 of his favorite women in Hollywood: Nicole Kidman, Lupita Nyong'o, Uma Thurman, Lea Seydoux, Rooney Mara, Kate Winslet, Robin Wright, Julianne Moore, Alicia Vikander, Charlotte Rampling, Zhang Ziyi, Penelope Cruz, Jessica Chastain and Helen Mirren. Lindbergh also included Anastasia Ignatova, a political theory professor in Moscow, that he met a dinner last year. All the women featured were tasked with sharing their natural beauty for the black and white calendar which he has titled "Emotional".


"Beauty is just commercial interest, as you see in magazines, women are washed out from every experience. That's just the opposite of what I wanted. These are the most talented women that I admire in the entire world. They are emotional and I wanted to show that," Lindbergh said during the official press conference in Paris today.

All the women in this calendar, we're women of all different facets. The calendar is physical, so what are you building inside? It's about the journey." Lindbergh and his subjects all hope to spark the cultural conversation on what real beauty looks like. "Look at this Pirelli calendar," Mirren said, "the reality is we live, we love, we continue, that's the role of women. It is very difficult, for young girls nowadays, incredibly challenging. The only way we can help them along the way is to say, life goes on a long time. You will be many things in your lifetime."

Pirelli Calendar 2017 by photographer Peter Lindbergh


Captured by legendary photographer Peter Lindbergh and featuring equally as iconic women as Nicole Kidman, Julianne Moore, Lupita Nyong'o, Kate Winslet and more.


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E tenham, meus Caros Leitores, um dia muito feliz. Vocês merecem.

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domingo, março 30, 2014

'Duas mães' (ou 'mães perfeitas'). Ou 'adoração'. Ou 'paixões proibidas'.


No post mais abaixo mostro-vos um homem muito belo filmado com mestria por Scorsese a propósito de Bleu.

Aqui, agora, continuo numa onda de filmes.


Mas este de que aqui vos mostro um pouco não é um filme qualquer. Este é um filme baseado numa novela de Doris Lessing e só por isso já ficamos en garde. Não é de banalidades que aqui se vai tratar. E não trata mesmo. O que temos são duas amigas, vizinhas muito amigas, que, por vicissitudes da respectiva vida, criam os filhos sozinhos e, dada a proximidade, quase tratam o filho uma da outra como se seu próprio filho fosse. 

Mas os rapazes crescem. E um dia há um olhar que se crava no olhar indevido.

Pelo olhar se começa a sedução. Pelo olhar começam os romances mais perigosos. Devem evitar os olhares interditos, aqueles que não queiram tombar em perigosos abismos.

E o que não podia acontecer, aconteceu.

Por zanga, vingança ou porque, quando se ultrapassa uma certa linha, todos os perigos se desmandam, o filho ultrajado paga da mesma moeda. 

Demónios à solta. Mas, vendo bem as coisas, não são demónios: são anjos. Anjos belos à solta no paraíso.

E, para além de amores interditos e intensos, há a amizade entre duas mulheres. Os afectos podem tomar formas não convencionais e, nem por isso, menos belas.

Anne Fontaine é a realizadora e as duas mães são Robin Wright (de quem sou franca admiradora) e Naomi Watts. Um pouco do ambiente, no trailer aqui abaixo, para que percebam aquilo de que vos estou a falar.

Na ausência do filme ('Paixões proibidas', Two mothers', 'Perfect mothers', 'Adore' ou 'Adoration') sugiro a leitura da novela 'As avós' de Doris Lessing ('avós' já que a relação vai durar até ambas serem avós).








Roz e Lil são amigas inseparáveis desde a infância. Cresceram, casaram, tiveram filhos, e vivem na paradisíaca bacia de Baxter, um lugar cercado de rochas por todos os lados. O ambiente protegido, "bocejante", além do qual o "verdadeiro oceano rugia e roncava", é o cenário ideal para uma relação cada vez mais simbiótica. Morando em casas vizinhas, elas criam os filhos por conta própria - e eles se tornam adolescentes encantadores. Tão encantadores e próximos, que Roz e Lil não tardam a se envolver uma com o filho da outra. 

Num efeito ambíguo e desconcertante, típico da grande literatura, o que poderia parecer repulsivo é tratado com naturalidade e bom-humor, fazendo a quebra de tabus soar como regra, e não como dramática exceção. Temas como amizade, maternidade e sexualidade ganham novos contornos enquanto Doris Lessing esmiúça as complexidades e armadilhas da forte ligação entre essas duas mulheres, e retrata a força com que elas confrontam as convenções familiares e sociais de sua época.


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E, por favor, desçam até ao post seguinte para agora mergulharem no Bleu de Chanel.

sexta-feira, maio 18, 2012

Ana e Tomás vão de férias, juntos - e, excepcionalmente, a ficção e a realidade misturam-se. (É da magia do lugar, meus amigos...)


Música, por favor

Banda sonora de Braveheart





Ana estava de novo numa encruzilhada. A imprevista visita do seu amigo veio agitar as suas calmas águas. Além disso, do lado de lá do telefone, todos os dias lhe pediam que voltasse ou, pelo menos, que desse autorização para ser visitada. A curiosidade do lado de lá estava a dar lugar à impaciência, à incompreensão. 

Não é de um momento para o outro que se vira costas a uma vida preenchida e feliz. Tinha querido afastar-se para pensar em paz, sem pressões, sem chantagens emocionais, tinha também resolvido dedicar-se a coisas simples, a coisas terrenas e palpáveis farta que andava de coisas complexas e, tantas vezes, aparentemente intangíveis.

E, no entanto, aquilo que deveria ser não mais que um hiato, vinha progressivamente a conquistar espaço na vida de Ana.

Era a expansão das vendas, o aumento do emprego na vila que atraía gente de fora para arranjar trabalho, era o aumento de investimento (inclusivamente, tinham pedido a Ana para dar opinião sobre a construção de um hotel e Ana estava tentada a propor sociedade pois sentia que havia, do outro lado, também vontade disso), era o sucesso escolar e o envolvimento empenhado da escola, era o ambiente receptivo das pessoas com quem lidava, e era a amizade com Tomás, o carpinteiro - tudo a motivava e prendia a esta vila, a esta nova vida.

A carpintaria tinha-se expandido desde que tinham formado a empresa de arranjo de interiores. Tomás tinha agora alguns aprendizes e até tinha convidado um velho marceneiro para ajudar a enquadrar os jovens inexperientes. Trabalhava bastante e como vivia sozinho e amava o seu trabalho, ficava sempre até tarde na carpintaria. A forma como ele passava a mão pela madeira até a sentir macia, a forma como desbastava, afagava, polia a madeira deixava Ana maravilhada. Não se cansava de o observar, com encantamento e respeito. Nas suas mãos a madeira era um corpo moldável, um corpo que não oferecia resistência.




Habituado durante anos ao silêncio, o carpinteiro ao princípio tinha estranhado as invasões de Ana mas, vendo que ela respeitava os seus silêncios e gostava de ouvir as suas deambulações pelos caminhos secretos das palavras, começou a habituar-se e já se inquietava se ela se atrasasse. 

Ana sabia que essa amizade era comentada na vila mas isso não a incomodava nem um pouco. Tomás era livre e ela sempre se tinha sentido, também, uma mulher livre. E, se o não era oficialmente, isso não coarctava os seus movimentos. Claro que numa cidade grande os movimentos de uma mulher quase passam despercebidos, enquanto num meio pequeno tudo se sabe. Mas o facto de se saber o que quer que fosse, não incomodava Ana. Era a dona exclusiva do seu destino e fazia questão de o demonstrar. Além disso, sempre tinha achado que só é atacado quem mostra medo.

Desde que estava na vila ainda não tinha tido férias. E, assim, um dia pediu ao dono da oficina se poderia ter três dias, precisava de descansar. O dono riu-se, 'claro que sim, ora essa, nem precisava de pedir'.

E, portanto, ao fim do dia, Ana perguntou a Tomás se queria ir mostrar-lhe a sua terra natal. Tomás riu, 'que ideia...', irem os dois? Ana disse que, 'claro, os dois, a menos que queira levar mais alguém....' Tomás sorriu. Depois lembrou que não tinha carro e que há anos que não conduzia. Ana disse que isso, obviamente, que não era problema.



E assim, numa manhã quente, lá foram. Ana ia toda animada, parecia uma adolescente. Tomás, sempre mais sério, ia inquieto. Será que aquela mulher percebia que o efeito que produzia nele? Será que percebia que cada vez lhe custava mais passar sem a sua presença?

Parecia que não. 

Ana conduzia e, a seu lado, Tomás ia calado. Ana colocou o rádio na Antena 2. Depois perguntou-lhe se ele se tinha lembrado de trazer um livro para lhe ler durante a viagem. Tomás tirou um livro da mochila. Disse: 'Para o sítio que a vou levar a ver, tem que ter os olhos em bom estado, tem que conseguir ver tudo muito bem. E, ao ver, talvez o coração se lhe agite. Por isso o coração também tem que estar muito bom. Por isso, vou ler-lhe conselhos médicos - mas não uns quaisquer. Escute com atenção.'

E leu:

Os olhos são órgãos brilhantes, redondos e radiosos, cobertos por sete túnicas e três humores. Os olhos são as janelas da alma, para se verem através deles, como por uma varanda, as cores e as figuras. Faz-lhes bem (...) olhar para as montanhas e a verdura.

O seguinte faz mal aos olhos. Choro, fome, jejum, (...), toda a embriaguez e excesso. Sono demasiado depois das refeições e vigílias imoderadas. Canto em demasia e coito frequente.

O coração é um órgão côncavo, cavernoso em baixo, amplo em cima, e é o termo de todas as operações da alma racional (...). As operações do espírito começam no cérebro e recebem o seu complemento no coração.

Eis o que faz bem ao coração. Canto aprazível e alegria moderada. (...) E todo o cheiro aprazível que há nos pomares e prados, na estação da primavera, faz bem aos melancólicos e cardíacos.

Coisas que fazem mal ao coração. A inchação, tristeza, preocupações e qualquer causa que provoca a síncope. Excesso de estudo e muita meditação, coito frequente e tudo o que fizer mal ao baço faz mal ao coração. (...) E o que quer que faça a alma entristecer-se, porque o coração é o princípio da vida e o termo da morte.

Ana ria-se. E depois brincou: 'Há uma coisa que faz mal quer aos olhos, quer ao coração...'. Tomás riu-se também: 'Não acredite em tudo o que ouve e, de qualquer maneira, a ciência evoluíu muito desde que este tipo escreveu isto'. Ana concluíu: 'Seja como for, como vamos ficar em quartos separados, não corremos riscos...'. Tomás não se ficou: 'Não vejo o que é que uma coisa tem a ver com outra e, além disso, dois quartos com esta crise...?'. Ana virou a cara, espantada: 'Não lhe conhecia essa veia malandreca, Tomás...'.

Depois Ana pediu-lhe de novo que ele lhe falasse de si, que contasse a sua história. Tomás disse que o faria no dia seguinte e apenas se Ana fizesse o mesmo. Mas, entretanto, animados com a conversa, nem tinham dado pelos quilómetros a passar e estavam a chegar ao destino. Pararam e saíram do carro.

Ana, então, ficou sem palavras. Era uma beleza quase excessiva.


S. Leonardo da Galafura

Tomás passou o braço sobre os ombros de Ana e leu as palavras de Miguel Torga: 

'O Doiro sublimado. O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso de natureza. Socalcos que são passadas de homens titânicos a subir as encostas, volumes, cores e modulações que nenhum escultor, pintor ou músico podem traduzir, horizontes dilatados para além dos limiares plausíveis da visão. Um universo virginal, como se tivesse acabado de nascer e já eterno pela harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a quebrar, ora a sumir-se furtivo por detrás dos montes, ora pasmado lá no fundo a reflectir o seu próprio assombro. Um poema geológico. A beleza absoluta.'

E era assombro o que Ana sentia, as lágrimas quase a saírem do coração para lhe toldarem o olhar.


S. Leonardo da Galafura por Miguel Torga

Ana tinha chegado, pois, às terras detrás dos montes, às terras mágicas, imaginadas pelos poetas, desenhadas linha a linha pela inocência mais genuína dos homens de coração puro como Tomás.

Ana estava deslumbrada. Ao ver esta terra pelos olhos de Tomás descobria o mundo virginal de Miguel Torga. Uma beleza imaterial, longínqua e, no entanto, ali, envolvendo-a, uma beleza absoluta, uma imensidão de verde e azul. Um espaço limpo, de imensa pureza.


O Douro Vinhateiro, Trás os Montes, espaço de paz, de imensidão, de beleza e silêncio

Tomás tinha os olhos brilhantes e, através deles, via Ana também emocionada. Que força misteriosa vinha daquela terra que se desdobrava ali, a seus pés, em montes e montes e outros montes...! 


Quando o sol já se punha e os montes quase se douravam, um grande pássaro
saíu dos montes para voar, para reinar, silencioso e  sublime, sobre o Douro que se tinha posto prateado


Tomás puxou a mão de Ana, 'Olhe. Não são só as gaivotas que voam sobre os rios... Olhe este grande pássaro, repare nas grandes e fortes asas'. 'Que beleza, que beleza, meus Deus...', disse Ana num fio de voz. 'Que lindo que tudo isto é, Tomás, que lindo... '

Depois foram para o hotel, cada um para o seu quarto. Mas, passado um bocado, Ana foi bater-lhe à porta: 'Empresta-me aquele livro que vinha a ler, o dos cuidados médicos?'. Tomás apontou para a varanda, 'está ali, estava a lê-lo'.


'A caneta que escreve e a que prescreve - doença e medicina na Literatura Portuguesa',
organização de Clara Crabbé Rocha --- na varanda do quarto do hotel

Ana foi buscá-lo e disse, sorrindo com ar malicioso: 'Então, sendo assim, vou ler que é para ver se amanhã tenho os olhos e o coração em bom estado...'.


***

O trecho em itálico pertence ao livro acima referido e é da autoria de Pedro Hispano, c. 1210-1277.

***

E, por hoje, é isto. Tal como refiro na resposta aos comentários de ontem, li-os, claro que li!, com atenção e carinho mas, porque estou de férias e com um programa apertado e porque, como de costume passa das 2 da manhã e tenho que apagar a luz (... não, eu não estou num quarto sozinha...), não poderei responder individualmente, como gosto, a cada um dos comentários. As minhas desculpas.

E tenham, meus Caros, uma esplêndida sexta feira... porque eu, bem, eu não me posso queixar, não é? ... Por aqui ando, atrás da Ana e do Tomás, a segurar a vela e a servir de narradora o que, dado o local que eles escolheram, me deixa encantada.

Finalmente, aos meus Leitores que me fizeram ter esta enorme vontade de vir (re)descobrir esta terra de uma beleza indescritível, o meu muito, muito, sincero agradecimento.

quinta-feira, maio 17, 2012

Ana e o carpinteiro na noite de todas as palavras


Música, por favor
Johann Strauss - Valsa de Viena





Na noite do baile, Ana dançou com o altivo carpinteiro (que surpreendeu toda a gente, de tal forma estava outro), dançou com o dono da oficina, com o presidente do município, com o rapaz das tintas e com vários outros pares. Se as mulheres a olhavam de soslaio, enciumadas pelo interesse que ela despertava nos homens, era coisa que não a afectava. Se falavam veladamente sobre algum possível romance com o carpinteiro, era coisa que também não lhe despertava qualquer interesse. Sempre fez o que quis, tendo como únicas preocupações o não magoar ninguém e o agir de acordo com a sua consciência. Se queriam comentar, censurar, especular, era coisa que não a preocupava minimamente. Sempre assim fora, não era agora que ia mudar. Se tivessem alguma coisa de relevante a dizer, que lhe dissessem a ela; se consideravam que era irrelevante e preferiam falar pelas costas, melhor, era da maneira que não a maçavam.

Naquele ambiente de baile e festa, Ana sentia que o carpinteiro estava talvez pouco à vontade mas era um homem orgulhoso, que respirava dignidade e, portanto, disfarçava muito bem a insegurança, ostentando altivez  e indiferença. Ana apreciava muito a atitude, e, por vezes, atravessava o salão de braço dado com ele, mas com naturalidade, deliberadamente mostrando que não tinha nada a esconder.

Mas, sem saber porquê, estava um bocado inquieta. Talvez sentisse que aquela fase da sua vida estava a chegar ao fim, talvez sentisse saudades do que tinha deixado para trás, talvez a visita do outro dia a perturbasse, talvez não quisesse pensar na ideia de deixar a vila, estas pessoas tão afáveis, talvez lamentasse afastar-se do altivo carpinteiro - não sabia, era uma inquietação difusa.

No final do baile, o carpinteiro foi levá-la a casa. Ana convidou-o a entrar. Tenso, sem perceber bem qual o intuito e pensando também que no dia seguinte não se falaria noutra coisa, lá entrou.


Música, de novo, por favor

 Bach, Misha Quint interpreta Air in the G String





Foram para o quintal, Ana escolheu uma música, depois foi pôr-se mais à vontade, arranjou um sumo fresco para cada um. 'Conte-me alguma coisa de si', pediu-lhe.

'Não sou disso, de conversas. Nem tenho nada a contar; mesmo que quisesse, não tenho nada, é tudo muito normal, sem interesse', disse em voz baixa o carpinteiro. Estas intimidades deixavam-no muito pouco à vontade.

'Tem, com certeza que tem, conte-me algumas coisas da sua vida, gosto de ouvir... conte-me...', Ana insistiu, queria mesmo escutar uma conversa mansa, lenta. Conversar sem pressa tranquilizava-a. Apetecia-lhe imenso ouvir a voz do carpinteiro, apetecia-lhe imenso ouvir uma conversa vinda da alma. 'Pode ser uma recordação marcante, memórias de outros tempos, ou então, fale de coisa nenhuma, ou do que pensa quanto está na carpintaria a afagar a madeira, qualquer coisa'.

Então ele começou na sua bela voz profunda, e a fala fluía, densa mas intangível: Aquilo de que me lembro (num presente que me parece também já passado) está cheio não só de estranhezas e improbabilidades mas igualmente de vazios, de hesitações e imprecisões, pois se calhar não me recordo de factos mas da minha recordação deles. Pode por isso suceder que o que recordo não seja o que ouvi; ou que o tenha ouvido a outra pessoa, noutro lugar, noutras circunstâncias; ou mesmo que o tenha eu próprio sonhado ou imaginado. Ouvi e li muitas coisas desde a minha distante primeira viagem ao estrangeiro, onde tudo (pelo menos aquilo de que me lembro) começa. Talvez, quem sabe?, nem essa viagem tenha acontecido, ou eu a tenha lido, ou ouvido contar a alguém. A matéria da memória é indefinida e insegura e nela, como na matéria da vida (e a vida é provavelmente apenas memória), se confundem acontecimentos e emoções, imagens e conjecturas, cuja origem nem sempre nos é dado com clareza reconhecer e cuja finalidade a maior parte das vezes nos escapa. E, no entanto, é tudo o que temos, memória. Lembro-me, pois, como quem procura alguma coisa ou alguém, e amparo-me por isso cuidadosamente às minúcias como se caminhasse sobre um chão incerto ou como se receasse perder-me. Porque é talvez a mim mesmo (isto é, à minha memória) a quem, tantos anos depois, falo daquilo que me lembro.

Ana ouvia-o abismada, imóvel e em silêncio, não fosse a magia do momento perder-se. Ele falava baixo, era uma toada, e as palavras soavam a Ana como uma estranha música em que finalmente tudo parecia fazer sentido. A memória, o sonho, a interiorização, a matéria das emoções, a beleza das palavras puras, o assombro.

Ana sentia que as lágrimas estavam prestes a saltar-lhe tal a emoção que sentia. Não conseguia falar.

E o carpinteiro continuou falando assim e Ana sentia-se embalada, num colo, num berço macio.

Depois, já muito tarde, já toda a inquietação tinha saído do seu corpo, estava já ela tapada com uma manta e o carpinteiro ainda dizia, falando, então, da solidão na sua carpintaria:

                                O dia sobe sobre os surdos ruídos da casa
                                sobre os calendários que ninguém teve tempo de
                                tirar das paredes e agora prolongam nos nossos olhos
                                paisagens de rios e açudes que nunca
                                existiram em lado nenhum a não ser
                                na saudade que alguém há-de ter deles
                                pelo meio de uma infância de aldeias
                                morrendo ao sol


                                e abrimos os livros que tínhamos deixado
                                nas estantes cobertas de silêncio


                                e agora escorre a noite pelas paredes
                                desta casa que a tua ausência torna
                                subitamente    enorme

mas, então, já Ana tinha adormecido, já não ouviu a última parte. E vendo-a assim, aninhada e adormecida, o carpinteiro pegou nela com muito cuidado e levou-a ao colo para o quarto. Depois tapou-a com carinho. Quando ia a sair, voltou atrás e deu-lhe um beijo na testa, chegando-lhe o cabelo para o lado.

****

O texto em prosa em itálico é um excerto do livro 'Os papéis de K.' de Manuel António Pina e o texto em itálico mas em poesia é um excerto de um poema de Alice Vieira pertencente ao livro 'O que dói às aves'.

E, já agora: hoje, lá no meu Ginjal e Lisboa as minhas palavras são confessionais e voam em volta do meu amor e de um poema de Maria do Rosário Pedreira. A música é de Donizetti.

Desculpem que me repita: caso tenham aterrado agora aqui e queiram ler a história de Ana desde o princípio, poderão procurar 'Ana muda de vida' nas etiquetas aí ao lado, mais para baixo.

****

E, já sabem, desejo-vos, meus Caros Leitores, uma belíssima quinta feira. 

Aproveitem bem cada pequeno instante da vossa vida. E, claro, divirtam-se, está bem?
                            

quarta-feira, maio 16, 2012

Ana e os homens


Música, por favor

Katie Melua - Lucy in the sky with diamonds
(As versões dos Beatles que encontrei estão interditas para incorporação nos blogues)


Ana, chegou, portanto, bastante atrasada à oficina. Fosse porque estivesse com um brilho especial nos olhos, um resto de rubor no rosto, talvez um vestígio de malícia na forma como, sem querer mordia um pouco o lábio ao recordar-se do que se tinha passado ou, mais simplesmente, porque as vizinhas já tivessem feito correr a notícia, a verdade é que mal entrou, todas as outras mulheres a olharam pelo canto do olho tentando perceber o que se teria passado, querendo adivinhar se Ana estava feliz, assustada, se estaria prestes a ir-se embora, enfim, tentando descobrir qualquer coisa; talvez o mistério de Ana estivesse prestes a ser desvendado.




Ana percebia o que se passava, compreendia a curiosidade e imaginava o que pensariam aquelas mulheres tão habituadas a uma vida regular, tranquila, boa. Quase adivinhava as conversas à volta do homem do carrão, talvez o tivessem reconhecido, deveriam referir  e trouxe-lhe um ramo de rosas e tudo... e meteram-se em casa... E deveriam interrogar-se quem será? o ex-marido, algum antigo namorado? quem?

Ana ria-se interiormente mas o sorriso transparecia. Lançou então: 'Já vos falei do meu irmão?' e reparou como elas se viraram num ápice e Ana pensou que elas sentiam que estava desvendado o segredo, ah afinal era o irmão... E Ana continuou: 'É professor universitário, está nos Estados Unidos, só cá vem nas férias' e elas arregalavam os olhos mas...afinal...? é ou não é...?  e ela continuava 'e eu vou lá uma ou duas vezes por ano, estou a pensar ir lá para o mês que vem'. E não conseguiu esconder a vontade de rir, com a curiosidade baralhada que se espelhava, agora, no rosto das colegas ah, não é o irmão... mas então quem é...? o amante, mais que certo...

Mas onde a coragem para perguntar...? 

Uma ainda arriscou: 'Veio mais tarde... Aconteceu-lhe alguma coisa?'. 

Ana olhou-a nos olhos, depois olhou as outras e disse: 'Um grande amigo conseguiu descobrir a minha morada e apareceu para me fazer uma surpresa. Bem, descobriu é uma maneira de dizer. Parece que um ex-espião não só lhe enviava um resumo das notícias como pôs os ex-colegas a espiar-me.'

As mulheres olhavam de olhos arregalados. Não sabiam se haviam de acreditar pois Ana parecia falar a sério. Ana continuou: 'Não sei que raio de espiões são aqueles que, pagos por nós, andam para aí a coscuvilhar a vida dos outros, armados em detectives de meia tigela. Uma anedota estes serviços secretos.'

Mas depois achou que as colegas mereciam mais do que meias-palavras, do que brincadeirinhas, e acrescentou: 'Estou a brincar, enfim... acho eu. Não sei como é que ele me descobriu. Mas descobriu-me. Vim para cá, entre outras razões, também para me afastar dele e das confusões na minha vida das quais ele fez parte. Mas, tenho que vos confessar: gostei de o rever. Gostei que ele não tivesse obedecido à ordem que lhe dei por carta, quando para cá vim. Gosto de homens que não me obedecem.' E não disse mais nada, baixou os olhos, entregou-se ao bordado.

As mulheres perceberam que o assunto estava encerrado, não perguntaram mais nada. De resto, não estavam habituadas a histórias assim, nem sabiam como continuar a conversa com Ana. Haveriam depois, entre elas, de tentar perceber o que queria tudo aquilo dizer.

Nesse dia, depois de ter saído da oficina, de ter mudado de roupa, de ter feito os seus telefonemas, Ana fez a refeição do dia a contar com o almoço do dia seguinte mas, antes de jantar, saíu.

Foi com a roupa confortável com que estava em casa. Atravessou a vila e dirigiu-se à carpintaria. Se o carpinteiro não estivesse lá, bateria na porta ao lado, onde ele dormia.

Mas ele ainda lá estava, trabalhava sempre até tarde. Como de costume ouvia música e fumava.


Música, de novo, por favor
Ryuichi Sakamoto - Solitude 


Ana entrou, ele continuou a trabalhar.




Ana começou então a falar: 'Daqui por duas semanas é o baile que estamos a organizar para recolher fundos para os miúdos com dificuldades em prosseguir os estudos. Preciso de um par e lembrei-me de si. Aceita?' e sorriu com vontade que ele aceitasse.

O carpinteiro olhou-a nos olhos: 'Não brinque comigo. Sou solteiro porque nunca me quis casar mas sou um homem igual aos outros. Não brinque comigo'

Ana não se admirou da reacção. 

E continuou: 'A minha vida tem sido muito boa. Não me queixo de nada. Mas não suporto ter que dar explicações, não suporto fazer o que quer que seja apenas para estar de acordo com as convenções porque não quero saber de convenções. Fui tendo tudo aquilo a que me propunha até que cheguei a um ponto em que apenas me apetecia recomeçar, partir, de novo, do nada. Tive amores, tenho amores. Mas cansei-me, não quero dar explicações porque também não as peço.'

O carpinteiro tinha parado de trabalhar e ouvia-a. Ana continuou: 'Tenho saudades, claro que tenho. Mas não quero voltar à vida que tinha. Vim para aqui para espairecer, para arejar a cabeça, para fazer umas férias mas até sair de casa não sabia ao certo para onde iria. Como não me imagino estar sem nada que fazer, à última hora resolvi fazer umas férias diferentes, lembrei-me de vir até aqui, estar tranquila, bordar, trabalhar no meio de outras mulheres e estar numa casita alugada, simples. Mas comecei a gostar. Comecei aqui quase do zero, sozinha. E só não digo que comecei do zero porque tinha dinheiro para gastar. Mas gostei de arranjar uma casa e pô-la a meu gosto, gostei das pessoas. Sem querer, sem quase me dar conta,  comecei a fazer aquilo a que estou habituada: a trabalhar, a dar ideias, a mover-me em equipa, a empreender. E a vila cativou-me, os miúdos, os professores, as mulheres da oficina, a modista, o rapaz das pinturas, o jardineiro. Você também. Gente tão boa, tão boa. Gosto de vocês. São gente aberta, gente franca. Tive que tomar uma série de providências lá, de onde vim, para poder estar aqui afastada. Mas resolvo muita coisa por mail e há os fins de semana e há a paciência das pessoas. Agora já não sei se quero voltar. Não sei mesmo. Mas hoje aconteceu uma coisa de manhã. E agora não sei mesmo o que fazer, nada é simples, nada, nada'.

E a voz era fraca, era uma Ana sem certezas, sozinha, insegura. O carpinteiro olhava-a com alguma surpresa. Depois quase com carinho.

E, então, disse: 'Está bem, pronto, vou'. Ana sorriu-lhe. Depois, quando ia a sair, o carpinteiro perguntou-lhe: 'E o que é que eu levo vestido? Não tenho roupa para coisas dessas'.

Ana riu: 'Nada que não se resolva, não é?'.

Ele abanou a cabeça, com um quase sorriso, esta mulher.... Depois ficou sério, já preocupado com a inesperada carga de trabalhos. E sério com o que lhe ia na alma.

No dia do baile estava irreconhecível. Elegante. Nervoso mas elegante. Toda a gente estava perplexa com o elegante par de Ana. O carpinteiro e Ana faziam um belo par. Ela bela, quase simples na sua elegância natural, ele alto, magro, altivo, sóbrio, muito bonito.




Mas, nessa noite, Ana sentia uma leve inquietação. Estava satisfeita com o sucesso que estava a ser o baile, mas parecia pressentir alguma coisa.


***

Relembro que, caso vos dê para ler esta história de carreirinha, poderão fazê-lo procurando 'Ana muda de vida' nas etiquetas ai ao lado, lá mais para baixo.

E caso também estejam para isso, gostaria de vos ver na praia, lá para as bandas do meu Ginjal e Lisboa. Hoje as minhas palavras mergulham num poema azul de Pedro Tamen e a música de Donizetti, imaginem, está a cargo de duas portuguesas.

****

E é isto, meus Caros. Como de costume já é tarde, já passa das 2 da manhã. Ponho-me a escrever e dá nisto, credo.

Desejo-vos uma quarta feira com surpresas boas, com alegrias inesperadas, se possível com abraços e beijos. E, se não for possível, procurem a beleza e a magia nos livros, nos filmes, na música, na natureza, onde calhar. Divirtam-se, sejam felizes.

terça-feira, maio 15, 2012

A paz interrompida de Ana


Música, por favor

Maria Bethânia - Casinha Branca


Aos poucos, a transformação que se vinha operando na vila começou a ser notada. O progresso crescia, novas lojas abriam, o dono da residencial expandiu o edifício, o número de restaurantes duplicou, as pastelarias aumentaram e vinham já pessoas de fora para passear, ver as bordadeiras e comprar os doces regionais

O presidente do município organizou uma série de conferências, tendo convidado Ana para explicar qual tinha sido o seu papel, dado que era unanimemente reconhecido como determinante.




Ana, com simplicidade, explicou que se limitou a aplicar um dos princípios empíricos da economia e que consiste em que o que é necessário é pôr a máquina em movimento, restituindo a confiança aos consumidores e investidores. Uma vez isso acontecendo, as coisas correm por si. O dinheiro em circulação até pode ser o mesmo mas muda de mãos, gerando sustentabilidade. Explicou ainda que se o dinheiro em circulação for o mesmo mas mudar de mãos já não é mau, pois mau mesmo é haver retracção, uma vez que isso conduz à paralisia da actividade, à saída de cena dos agentes mais fracos, ao desemprego e, logo, ao empobrecimento. Mas que bom mesmo é entrar dinheiro de fora pois havendo mais dinheiro em circulação, isso significará crescimento. Explicou que foi isso que aconteceu na vila pois, ao passar a haver produtos inovadores e amplamente divulgados, começaram a acontecer vendas superiores a clientes de fora, o que acrescido da vinda de pessoas em turismo - mesmo que apenas para gastar em restaurantes - significava mais dinheiro livre entre as pessoas da vila, que o aplicavam em poupanças, em consumo ou em investimento.

Alguns ainda se interrogavam como é que uma bordadeira falava assim mas a maioria já se tinha habituado a conviver com a estranheza da situação.

E Ana sorria, agradecida por ver o fruto da sua iniciativa. Ana sorria porque sentia que as pessoas se queriam unir, queriam progredir, apostavam na juventude, apostavam na troca de experiências e saber entre novos e velhos.

A melhoria de rendimento escolar e a empregabilidade dos estudantes da vila começou a aumentar e essa era a maior alegria e a maior recompensa que Ana poderia desejar.



Ana andava feliz.

Na sua casa, no rés-do-chão forrado a estantes, com sofás, mesas, com as paredes decoradas com fotografias, pinturas, havia sempre jovens a ler, mulheres das oficinas que vinham praticar informática com os jovens, havia gente que tirava dúvidas aos miúdos, lia-se poesia, ouvia-se música. Era um local de tertúlia, de aprendizagem, de partilha.

A sua pequena casa com um pinheiro e uma pequena horta, as suas pequenas divisões muito claras, cheias de luz, muito simples, a alegria que ali reinava, enchiam-na de orgulho. 

Mas não há paz que sempre dure.

*

Música, de novo, por favor

Nat & Natalie Cole - Unforgettable



Um dia, quando Ana se levantou e, como sempre fazia, abriu as janelas do piso de cima, apercebeu-se de algumas vizinhas espreitando a rua, por detrás das cortinas. Estranhou e, então, espreitou ela também.

Ia-lhe dando uma coisa. O primeiro impulso foi fechar a janela e esconder-se. Com o coração descompassado, sentou-se. Ficou assim sentada, como se tivesse levado uma pancada na cabeça, por largos instantes, sem saber o que fazer.

Aos poucos foi vindo a si. ‘Estupor!’, ‘raios o partam!’, ‘estou feita!’, ‘o que é que eu faço agora à minha vida?’, ‘mas como e que o estúpido me descobriu, senhores!?’, ia ela dizendo num desespero, num lamento ,enquanto girava pela casa, sem saber o que fazer.

Voltou a espreitar mas agora com muito cuidado, não fosse o estupor vê-la. Devia estar metido dentro do carro porque não se via. Mas o carro, o carrão, estava mesmo encostado à porta, seria impossível sair sem ser vista.

Então foi tomar banho e, aos poucos, foi serenando. As feras encaram-se de frente e assim o faria.

Arranjou-se com cuidado como há algum tempo não o fazia, cuidou dos pormenores, perfumou-se, e foi à luta.

Ele devia estar atento pois, mal sentiu a porta a abrir-se, saltou do carro e colocou-se em frente dela com um ramo de rosas na mão. Sorria a medo mas o ar de galã tímido era o mesmo de sempre.

Ana reparou que as rosas estavam quase murchas, estava mesmo a ver-se que devia ter comprado as flores na véspera e deixado ficar no carro. Mas fez de conta que não tinha notado.

Ana aguentou firme : 'O que é isto?! Não deixei bem claro na carta que enviei há tempos atrás?!’

Ele não disse nada, Ana sabia que devia estar um pouco nervoso. Continuou a barafustar, ar de zangada: 'E vires para aqui neste espalhafato, pores-te aqui assim à minha porta com esse carro... e não percebes que as pessoas te conhecem? E olha essa figura de flores na mão...! Estás habituado a dar espectáculo, não é? Não perdes uma oportunidade... Ridículo.'

Ele nada, nem uma palavra. Com a habitual falta de perspicácia masculina, ainda não tinha percebido no que aquilo ia dar.

Ana continuou, mas quem a conhecesse pressentiria que, na escolha das palavras, estava já um indício e cedência: ‘Posso saber o porquê deste acto de desobediência civil?!

Ele arriscou: ‘Admiti que o castigo para a desobediência valesse o risco… Admiti mal...?’ e, olhando-a nos olhos, pressentiu que a coisa estava a ficar bem encaminhada. E, então, sorriu, sorria, com o sorriso de quem pede indulgência intuindo, à partida, que já a tem.

Ana, ainda simulando ar de má: ‘E as flores são para ficares aí, nessa figura triste, plantado no meio da rua com elas na mão, para as vizinhas todas te poderem tirar uma fotografia com o telemóvel, ou serão para eu as ir colocar numa jarra?’ mas já se ria, e ele conhecia bem esse sorriso.




Riu-se também: ‘Não te quero dar trabalho. Diz-me onde está a jarra que eu trato disso’ e entrou dentro de casa, atrás dela.

Mal a porta se fechou, agarrou-a pela cintura e dobrou-a, um verdadeiro beijo à Hollywood. Depois ela deu-lhe uma palmada no peito, como se estivesse zangada: “Mas isso faz-se? És mesmo um estupor!”.

A seguir, levou-o pela mão a ver a casa. E, pela primeira vez, chegou atrasada à oficina.




Cinema, por favor: it's Hollywood time

Richard Gere e Julia Roberts, o beijo do reencontro - Pretty Woman
*

Recordo, de novo, que, se quiserem ler a história de Ana desde o início, poderão procurar nas etiquetas aí ao lado, em baixo, 'Ana muda de vida'.

E, de resto, hoje no meu Ginjal e Lisboa as minhas palavras voam em volta de um belíssimo poema de  Manuel António Pina. A música é maravilhosa, Donizetti claro. Se estiverem para isso, eu gostaria de vos receber lá.

***

E tenham, meus Caros, uma terça feira cheia de beijos (reais, imaginados, consentidos, roubados... como queiram). E divirtam-se à grande, está bem?

segunda-feira, maio 14, 2012

'Todos os homens que me amaram, amaram-me sempre demais' transcreveu Ana a partir de um poema de Alice Vieira


Música, por favor

I'm the captain of my soul - Rita Redshoes


Ana, continuava, pois, na sua incansável actividade diária. Um dia perguntou onde é que havia um carpinteiro competente. Lá foi.




Era uma pequena carpintaria, um homem alto e magro, altivo, uma bela voz grave, dedos amarelos de tabaco. Ana mostrou-lhe os desenhos de estantes, de mesas, de bancos. O homem olhava com atenção. Não estava à espera duma encomenda assim, duma mulher assim, faltavam-lhe as palavras. Mas depois fez perguntas, deu sugestões, animou-se, ficou à vontade. Ana gostou. Então, pediu-lhe para ver a carpintaria. O homem levou-a, desculpando-se, isto está assim porque não tenho muito espaço para arrumar as coisas, estou aqui com um trabalho que me obriga a ter aqui tudo, mas Ana olhava com encantamento a bancada de trabalho, a estante com as ferramentas, alguns móveis antigos que estavam a ser reparados. Perguntou-lhe quando é que os móveis começariam a estar prontos. O carpinteiro disse que logo que acabasse o que tinha em mãos pegava no trabalho, talvez dentro de um mês e tal pudesse começar a entregar algumas coisas. Ana disse que estava muito bem. Quando ia a despedir-se, o homem perguntou: 'Não quer que lhe faça um orçamento?'. Ana respondeu: 'Não é preciso, pago o material e o seu trabalho, acredito que não me vai enganar' e sorriu. O homem altivo sorriu também.

Ana ia, portanto, começar a arranjar o rés-do-chão.

Uma vez, quando Ana ia sair, apareceu-lhe o dono da residencial onde tinha ficado nas primeiras semanas acompanhado da mulher, queriam falar com ela. Ana ficou admirada. Atrapalhados, a senhora desculpe mas ouvimos dizer que pintou os móveis velhos da casa e mandou fazer umas colchas e almofadas e que a casa ficou muito bonita e andamos a pensar que devíamos também arranjar lá a residencial mas não temos ideia do que fazer, se a senhora quisesse ajudar, se desse umas ideias...

Ana riu-se, pensando: agora até decoradora...!  Mas respondeu com muita afabilidade: 'Com certeza, terei todo o gosto. Venham até minha casa para verem como ficou, para verem se gostariam assim, e depois logo se pensa o que se poderá fazer lá na residencial'. Eles gostaram muito. Dali foram então até à residencial e Ana teve logo mil ideias.

No dia seguinte apareceu-lhes com esboços, com sugestões. Eles estavam entusiasmados. Combinaram encontrar-se ao fim da tarde para irem até à loja de tecidos, à loja das tintas, à modista.

Algum tempo depois, Ana sugeriu à modista, ao dono da loja de tecidos, ao dono da loja de tintas e ao carpinteiro que formassem uma empresa de remodelações de interiores. Habituados a pensarem individualmente, hesitaram mas, algum tempo depois, já todos tinham concordado que podia ser uma boa ideia. Ana ajudou-os nos aspectos burocráticos, ajudou-os na organização da nova empresa e ajudou-os na divulgação da empresa, fazendo ela própria cartazes a partir de fotografias das coisas da sua casa.




No final do ano lectivo realizou-se o apuramento das melhores ideias do concurso e Ana e os restantes jurados tiveram alguma dificuldade tal a variedade que tinha surgido. Apareceram ideias de fazer móveis com pinturas que faziam lembrar os desenhos dos bordados, de fazer estofos de cadeiras, de fazer malas de senhora, de fazer uma capa bordada para o inverno em versão feminina e em versão masculina, uma recriação arrojada dos desenhos. A festa de entrega dos prémios animou toda a vila, houve cantoria, comes e bebes e, até, no fim, bailarico. Os miúdos estavam animadíssimos e Ana tão animada quanto eles.

Os desenhos e e maquetes foram fotografados e colocados no blogue e as encomendas começaram a surgir. Toda a indústria e comércio locais estavam em efervescência e as visitas à vila a aumentar.

Em reunião na associação Ana propôs, então, que o próximo desafio a lançar à escola fosse dinamizar a exígua e anémica oferta gastronómica, nomeadamente criando também um doce regional que deveria ter qualquer coisa a ver com os bordados, nem que fosse apenas na embalagem. Propôs ainda envolver neste desafio  os poucos restaurantes e pastelarias existentes. A proposta foi muito bem aceite, até porque nisto umas coisas puxam as outras.

À noite Ana não descansava. Era a limpeza e arrumação da sua casa, era a confecção das refeições (almoçava e jantava em casa, claro), era o blogue da oficina, era a revisão dos posts dos alunos para o blogue da associação, era a análise aos pedidos de informação recebidos através dos blogues, era o pôr em marcha as encomendas recebidas através da internet. No meio daquilo tudo, ainda andava a bordar uma grande tela.

Um dia esse bordado ficou pronto. Esticou o tecido, gostou, era mesmo aquilo. Resolveu levá-lo ao carpinteiro. Queria uma moldura larga que valorizasse o bordado. Desdobrou o tecido. O carpinteiro ficou muito admirado, era um bordado com palavras, disse que era bonito. Ana ficou contente. Então, inesperadamente, pediu-lhe que lesse em voz alta. O homem, atrapalhado, tentou furtar-se ao pedido, não sei ler bem essas coisas, não leve a mal, mas não fico à vontade a ler em voz alta e logo isto. Ana insistiu, gosto de ouvir ler poesia e a sua voz é muito bonita. O homem engoliu em seco, tímido. 




Ana então encostou-se a umas madeiras que ele lá tinha e, encantada, levemente emocionada, ouviu:


                                  Todos os homens que me amaram
                                  amaram-me sempre demais

                                  Todos os homens que me amaram
                                  escolheram sempre as palavras erradas para 
                                  a hora da partida
                                  embora soubessem
                                  que seria por minhas mãos que havia de chegar a hora
                                  das escolhas definitivas        que eram
                                  como sempre são       impossíveis

                                  e na manhã seguinte eu apanhava
                                  o comboio mais rápido para onde
                                  ninguém me esperasse       e depois
                                  escrevia cartas a explicar o que não tinha explicação
                                  e a pedir que rasgassem
                                  fotografias    bilhetes     velhos programas de teatro
                                  e que deitassem fora as flores        e abrissem
                                  todas as portas e janelas da casa para que
                                  o perfume passasse      e com ele
                                  o nome que era meu

                                  - coisa que eu espero que eles não façam porque       como já disse
                                  todos me amaram sempre demais


Enquanto o carpinteiro lia, por vezes tropeçando nas palavras, Ana ouvia-o com alguma ternura, sorrindo. No fim, ele esfregou as mãos nas calças, não tenho jeito para isto... 

Ana sorriu, não, foi muito bem, gostei, mas agora vai cá ficar com a tela, vai ter tempo para treinar. Quando estiver pronto, já o deve saber de cor.

O carpinteiro olhava-a, intrigado, que quereria aquilo dizer?

Mas já Ana saía a rir, muito bem disposta.


*******

O poema que o carpinteiro leu é parte de um poema de Alice Vieira que pertence ao livro 'O que dói às aves'. 

No original o penúltimo verso não é tal e qual Ana o escreveu mas sim: ' - coisa que eles nunca fizeram porque       como já disse'. 


(Se quiserem ler a história de Ana desde o princípio, poderão ir aí ao lado direito, mais para baixo, e nas etiquetas procurar 'Ana muda de vida'.)
E, por falar em poesia: hoje no meu Ginjal e Lisboa as minhas palavras voam em volta de um poema de Inês Fonseca Santos e ao som de Pavarotti que abre a semana que vou dedicar a Donizetti. Se vos apetecer, gostaria de vos ter por lá.

********

E tenham, meus Caros, uma grande semana a começar já por esta segunda feira. Divirtam-se, está bem?          





quarta-feira, maio 09, 2012

Vida nova, casa nova


Música, por favor

Katie Melua - The closest ting to crazy



No dia em que chegou, depois de ter recebido a informação de que o dono tinha aceitado a contraproposta e de, nesse mesmo dia, ter obtido a chave, Ana tratou do abastecimento de gás, água, electricidade, comprou alguns electrodomésticos. No dia seguinte comprou também lençóis, um édredon, toalhas turcas, alguma louça e talheres, produtos de higiene e limpeza. A cidade era pequena, tudo muito perto umas coisas das outras e Ana também não perdeu tempo com escolhas. Chegava, pedia para ver e, em poucos minutos, estava decidido. Durante uns dias, até que tudo estivesse operacionalizado, ficou hospedada numa residencial. E todos os dias, quando saía da oficina, ia para casa limpar, esfregar, lavar, arrumar. Estava sozinha, e aparentemente sem grande esforço, a tratar da sua nova casa.

Pediu autorização para restaurar a seu gosto os móveis e o dono, alguém de idade que vivia noutra cidade, disse que fizesse o que quisesse. Então Ana comprou lixas, tintas, pincéis. Ao interrogar o empregado sobre as técnicas de pintura, ele estranhou: ‘Mas é a senhora que vai fazer o trabalho…?’. Ana disse que sim, a menos que ele a quisesse ajudar. O rapaz não estava à espera, ficou sem palavras, até corou. Ela disse-lhe que, se ele quisesse, o contrataria e pagaria um tanto por hora. O rapaz, atrapalhado, disse que nunca tinha feito isso mas, envergonhado para negar ajuda a uma senhora e também na perspectiva de ir ganhar um extra, aceitou. E, então, depois da 7 da tarde, lá estavam os dois a lixar, a pintar, no maior espírito de equipa. Pintaram as mobílias de casca de ovo ou verde água ou, até, umas pequenas cómodas que serviam de mesa de cabeceira, em alfazema muito claro, decapado. O louceiro da sala que tinha portas de vidro foi pintado de casca branco casca de ovo por fora e de verde água por dentro. Apesar da ajuda, esse foi o trabalho mais pesado para Ana. Nesses dias chegava à noite cansada.




Comprou também tecido largo, de lençol: branco, verde claro, azul muito claro, rosa claríssimo, lilás, amarelo muito claro e, também, tecido de renda (do que se usa para cortinados), perguntou onde é que havia uma modista e, falando com a senhora, deu indicações precisas, deixando desenhos, para fazer colchas, cobertas para os sofás, almofadas, com tecidos recortados, com rendas forradas, tudo muito claro, luminoso. A modista estava perplexa com os pedidos, mas no fim, já dava ideias, a criatividade à solta, e ria, nunca tinha feito nada assim.

Também tratou do pequeno quintal. Um dia viu um funcionário do município, homem já de alguma idade, a ocupar-se do jardim perto da praça central. Chegou ao pé dele e disse que tinha um pequeno quintal cheio de mato, a precisar de limpeza, se poderia ajudá-la ao fim do dia, que lhe pagaria um tanto à hora. O homem disse logo que sim. Ana explicou-lhe que queria um pequeno espaço à volta do pinheiro com relva e, no resto, queria ter uma horta: tomate, feijão verde, alfaces, cenouras, salsa, coentros, hortelã. Tudo em pequena escala que o quintal era pequeno. E ali andaram os dois, Ana de mãos na terra e perguntando, aprendendo e o jardineiro, satisfeito, ensinando, ajudando-a.

A vizinhança interrogava-se sobre a nova habitante daquela casa. Viam-na chegar com sacos, viam entregar frigorífico, televisão, coisas assim. Viam-na de janelas abertas a sacudir panos, tapetes, a despejar baldes de água, a varrer, ouviam o barulho de móveis a serem arrastados, viam o rapaz da loja de tintas, viam a modista, viam o jardineiro.




E viam Ana, à noite, sair e ir-se embora.


À noite, por aí sozinha? Parece que está habituada a andar à noite na rua... e a maledicência aflorava aos lábios das vizinhas, reticências na voz, um grãozinho de suspeição...


E todos: Quem é? De onde veio? O que lhe terá acontecido para aparecer aí, assim? É viúva, solteira, divorciada? Estará a fugir a uma marido ciumento? Terá tido problema de dívidas? Terá perdido a casa para o banco? Uma mulher destas a trabalhar em bordados...? Ná...

A vizinhança especulava entre si, cada um tinha a sua teoria. Espiavam-na por detrás das cortinas, tentavam ver algum vulto suspeito, alguma coisa que pudesse desvendar o mistério e a notícia já tinha corrido, já se falava. Mas a verdade é que, de facto, ninguém sabia. Ela entrava e saía em casa, entrava e saía da oficina e ninguém conseguia perceber quem era semelhante personagem.

Até que um dia, pouco tempo depois, não mais que duas semanas, deu a casa por habitável, a seu gosto.

Convidou, para lá irem jantar, a modista e o marido, o jardineiro e a mulher, o rapaz da loja de tintas e a namorada.

Quando saíu da oficina, foi para casa preparar a refeição. De avental, numa azáfama, com mil cuidados, esmerou-se nas entradas, no assado, na salada. Pôs a mesa no quintal. Depois arranjou-se com simplicidade mas, ainda assim, com o cuidado de quem vai receber convidados importantes; e esperou por eles com alguma ansiedade, tomara que o tempero do assado esteja bom, tomara que gostem.





Deviam ter combinado para virem juntos, chegaram ao mesmo tempo, muito aperaltados, tímidos, não estavam habituados a coisas assim. Ana recebeu-os sem grande efusividades mas com muita naturalidade, com afabilidade. Andou a mostrar a casa a todos, elogiou-os com sinceridade, agradeceu-lhes e viu, feliz, como eles estavam orgulhosos e reconhecidos pelo reconhecimento dela.


Música, de novo, por favor
Respighi - Pini di Roma


Depois foram lá para fora. Pôs uma música de que um amigo, em boa hora, lhe tinha falado, uma música muito apropriada para um jantar junto ao pinheiro que já lhe parecia ser seu e serviu o jantar. Já estavam todos à vontade, a conversarem uns com os outros, a contarem histórias da terra, contentes por Ana os ouvir com tanta atenção e Ana ouvia-os mesmo com muita atenção, muito gosto. Quanta genuinidade, quanta simplicidade.

No final, os homens levantaram a mesa e levaram algumas cadeiras que eram de dentro e as mulheres ajudaram na lavagem da louça e na arrumação da cozinha. Ana estava contente.

Depois os convidados saíram, bem dispostos, que noite bem passada, que senhora tão simpática. Mas ninguém ficou a saber nada dela e, se saíram de lá contentes, orgulhosos, saíram não menos intrigados. Quem será esta mulher? Tão fina, tão simples. Mas que veio ela fazer para cá? Alguma coisa se passa com ela... Será que está doente? Coitada...

Essa foi a primeira noite que Ana lá dormiu. Feliz, tranquila, indiferente às dúvidas que pairavam em torno de si.


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Por hoje é isto, meus Amigos. Hoje cheguei a casa já passava das 11 da noite. Apenas tive tempo para responder aos vossos comentários e para escrever isto que acabaram de ler. Não tive tempo para escolher uma música nem um poema nem de escrever nada lá para o meu Ginjal. Estou aqui a sentir-me em falta até porque gosto imenso das minhas andanças por aquelas bandas. Mas hoje não deu mesmo, é tardíssimo, estou cansada.

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E, tenham, meus Caros, uma bela quarta feira, está bem?