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sábado, março 30, 2024

No fim de contas, bem vistas as coisas, até se consegue descobrir, aqui e ali, boas notícias, maravilhas, motivos para encantamentos

 

Chateia-me à brava quando vejo dar cabo de dezenas, centenas de árvores, para fazer novas urbanizações. E ultimamente tenho visto umas quantas. Fico passada. Com a falta que elas fazem, como é possível tamanha chacina? Não seria possível compatibilizar o crescimento urbanístico com a preservação de manchas verdes?

Mesmo a um nível mais reduzido, tenho visto decepar, degolar árvores lindas e enormes que estão perto de estradas em locais em que não vejo que possam fazer mal. Mesmo pelo respeito que deveriam merecer-nos pelo número de anos que têm, acho que deveriam ser poupadas. Soube recentemente de uma petição para acabar com esta estupidez e fiquei satisfeita por haver ainda pessoas atentas e preocupadas.

Gosto cada vez mais de ver ou ler notícias de locais antes ermos, desertificados, que foram recuperados e se tornaram verdejantes, férteis, por acção humana, por plantação de árvores, por criar zonas de sombra e de escoamento e retenção de águas. Não haverá outro caminho para que o nosso pequeno planeta continue a ser um local habitável pelos seres que hoje ainda existem.

E vi este vídeo abaixo e achei-o também maravilhoso.

The Fascinating Plant That Lives For 300+ Years | Seasonal Wonderlands | BBC Earth

Svalbard in the Arctic spends many months of the year in complete darkness, an unrelenting frozen winter with temperatures down to minus 40 Celsius. Some organisms – such as the compass plant – have adapted an ingenious method to survive in these extremes, ready for when the sun finally reappears.


Back to the future: Reforesting Scotland's iconic hills | Focus on Europe

After being deforested centuries ago, southern Scotland is now dry and barren. Now, to preserve nature and protect the climate, weekly volunteers are replanting pastureland to be forests in the future.


... e depois coisas inesperadas mas em que igualmente se revela o amor e respeito pela natureza. 

Man builds an entire village for mouse he saw in his garden


... e depois um daqueles lugares em que parece que a natureza é simplesmente um lugar feliz já que tem sido respeitada, amada.

Giverny Monet's Home and Garden

Monet's house and garden in Giverny is a picturesque oasis of beauty and tranquility, where the famous impressionist artist found inspiration. The vibrant colors of  the flowers, serene pond with his iconic water lilies, and the charming French country house creates a truly enchanting experience. Explore Normandy's town of Giverny! 
 

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Que a ressurreição seja também a da natureza nos locais em que se encontra definhada, a do respeito e amor às árvores, às flores, aos pássaros, ao ar puro, à beleza.

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Um sábado feliz

Saúde. Harmonia. Paz.

quarta-feira, abril 12, 2023

Manuel Beja, o pobre chairman, versus Mariana Mortágua, a inquisidora, e mais uns quantos -- para quê estas secas que não se aguentam?
Passo

 




Dia tranquilo e produtivo. Começo a pôr em marcha o que espero que venha a ser, em parte, a minha segunda vida. Estas fases em que começo a pôr-me em campo, a aquecer os motores e a estudar as pistas são muito motivantes para ti. Vibro agora como vibrava aos dez, aos vinte, aos trinta anos. Ainda sou aquela que gosta de avançar destemidamente em territórios desconhecidos.

Outro momento especial aconteceu quando, a meio do dia, calhou estar com uma pessoa que esteve a contar-me a sua vida. Aquele fenómeno que tanto me acontece, de uma pessoa que não me conhece e que chega ao pé de mim e começa a contar-me a sua vida -- os momentos mais marcantes, a descida aos labirintos mais profundos do desgosto e do medo --, voltou a acontecer. Fico sempre muito impressionada. E fiquei também muito impressionada com a capacidade de superação e com a forma inteligente e positiva como encara a vida.

Do que se tem passado por cá, no burgo, na política nacional, lamento dizer: nada me inspira. 

Vi há pouco um pobre homem a ser interrogado há mais de cinco ou seis horas numa comissão de inquérito. E parece que ainda dura. Uma aberração. 

O meu marido contou que viu a Mortágua a inquirir o senhor em moldes que lhe pareceram pidescos (com quem ele falou, o que disseram, etc), irrelevâncias que não se percebe em que contribuem para alguma coisa. 

Eu já não consigo. 

Aliás já nem percebo o que é que andam para ali a fazer, a fazer perder tempo a uns e outros. Alguma vez são precisos estes show-offs para se perceber que o Pedro Nuno Santos levava aquilo tudo pela rama, whatsapp e o escambau, delegando coisas importantes num esdrúxulo como o Huguinho? Precisa-se disto para se saber que na TAP sempre se viveu à tripa-forra, à grande e à francesa? Acho que não. Mesmo com a malta a ter que lá meter carcanhol para a empresa se aguentar, continuaram a tratar-se como nababos (grandes ordenados, grandes prémios, grandes indemnizações, grandes compras). Qual a novidade disto? Com verdinhos que têm como experiência profissional serem gente aparelhística ou académicos ingénuos, como querem que os que têm rabo pelado mudem um milímetro nas suas práticas? Como querem que estes verdinhos tenham competência para enquadrar gente experiente ou sabida ou para tratarem de assuntos complexos?

Impossível.

Por isso, que carnaval é este destas comissões de inquérito? Serve para quê? Só se for para épater les bourgeois ou, mais portuguesmente falando, para entreter o pagode.

Não tenho pachorra. 


Só me apetece é deslocar-me para a minha nova actividade que tanto anda a absorver-me e que tanto prazer me dá. 

Isso e, ao fim da tarde, ir regar. O urso cabeludo arrancou (e escavou em volta) vários aspersores da rega automática. Por isso, pego na mangueira e rego eu as zonas que não levam água da rega. Adoro andar ali, quase ao pôr do sol, a regar, a ouvir e a ver os pássaros. 

A pessoa de quem acima falei esteve a contar-me sobre as suas múltiplas actividades e sobre os seus passeios. Um dia destes vai para Barcelona para assistir a um evento e, quando se aproximar o verão, larga amarras e vai fazer praia para a beira do Mediterrâneo ao longo de um ou dois meses. Sente que está na hora de gozar a vida, livre de peias e obrigações. Contei-lhe que, desde que deixei de trabalhar, tive um joelho inflamado, covid, a minha mãe internada, e que, agora, tenho que acompanhá-la em médicos e exames. Por isso, a única coisa que me apetece é estar sossegada, desfrutar a casa, os momentos de quietude, de tranquilidade, coisas simples. Lá virá o tempo em que voltarei a ter vontade de sair por aí, de viagem. Agora fico feliz com o que houver de mais simples.
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Lá em cima, Maxwell Thorpes tem uma incrível actuação no Britain's Got Talent

As pinturas são, respectivamente, de Anna Ancher, Sunlight in the blue room, Summer evening at Skagen de Peder Severin Krøyer Waterlilies Morning with Weeping Willows de Claude Monet
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Um dia bom
Saúde. Serenidade. Paz.

terça-feira, junho 14, 2022

A arte da vida

 



Nunca sabemos quanto mais tempo vamos viver. Não conseguimos saber até onde o nosso corpo e a nossa mente aguentarão nem sabemos determinar até onde os acasos nos levarão. Nem sabemos se gostaremos de viver se vivermos para além do que seria necessário. 

As múmias que reescrevem a sua própria história e abrem caminho por entre o esquecimento para imporem os seus próprios memoriais e flausinices, querendo ficar para a posteridade ungidos em patine dourada, apenas mostram como são fúteis e vãs. 

Ou aqueles outros, pobres coitados, que inventaram ilusões para se desenharem aos olhos dos outros como inteligentes e hábeis executivos, tentando construir um património a partir do nada e depois escondendo-o, urdindo falsificações, e depois fugindo para a outra ponta do mundo para tentar comprar a imortalidade que lhe fugia por entre os dedos, acabam regressando a casa dentro de um caixão e sem amigos que amparem a queda num buraco de terra.

Ou aqueles e aquelas que se injectam e se cortam para repuxar a pele e eliminar os sinais do tempo querendo simular uma juventude eterna, em que eternidade acreditam? Com quantos anos se sentem quando se vêem no espelho? Tudo porque querem entrar gentilmente e de rosto liso e infantil na boa noite escura? Quantas inúteis quimeras.

Correr atrás de absurdos objectivos, acumular luxos, contabilizar likes, emojis, visualizações, seguidores, querer ter muitos amigos mesmo sabendo que são amigos virtuais, ostentar dias fantásticos esquecendo que isso é o mesmo que exibir medalhas de pechisbeque -- tudo coisas que, aos meus olhos, não fazem qualquer sentido.

Para mim, a vida é ir por um caminho e, a cada bifurcação, ir escolhendo por onde continuar, um passo depois do outro, um dia depois do outro, e, a cada dia, a cada passo, ir gostando do que se vê, do que se sente, do que se cheira e ouve, e ter sempre a motivação, a curiosidade, o encantamento de ir em frente. 


Há por aqui casas fabulosas, de uma arquitectura extraordinária. De vez em quando, quando vamos a passar, abrem-se os portões e saem grandes carros. Começo a conhecer as casas mas não conheço quem lá vive. 

Há uma casa que tem sempre as grandes portas de vidro abertas para o jardim. Nós passamos e conseguimos ver alguém reclinado num sofá, a ler, enquanto cá fora os cães brincam. Nunca consegui ver a cara das pessoas pois olho furtivamente.

Há uma outra casa que destoa um pouco: é muito grande, por fora é quase toda revestida a madeira, quase parece um conjunto de cabanas. As portadas estão quase todas fechadas. Mas, cá fora, numa mesa num recanto que mal se vê da rua, está às vezes um homem a trabalhar num computador. Acho estranho. Não sei se vive sozinho naquela casa tão grande e quase sempre toda fechada. O meu marido diz-me que sei lá eu se ele está a trabalhar. Penso, mas não digo, que pode estar a escrever um livro.

Numa outra casa que se percebe que é das mais antigas, vive um casal já de alguma idade. O jardim é mimoso e costumo vê-los, ambos de chapéu, debruçados sobre os canteiros, por vezes de joelhos, plantando amores-perfeitos, colocando pedrinhas em volta, com umas tesourinhas aparando indesejados rebentos, tratando dos vasinhos. Se os visse na rua não os reconheceria pois creio que nunca lhes vi o rosto.


Costumamos cruzar-nos com um senhor que agora anda de calções e com um chapéu. Anda a passear o seu pastor alemão. Cumprimenta-nos, o cão puxa e rosna, quer atirar-se ao nosso mas o senhor diz que é só aparência de mau. Consigo identificar o binómio cinotécnico mas, se o visse sozinho, acho que não conseguiria identificá-lo de per se

Há também uma senhora que anda a passear a sua cadela. Não a leva pela trela. Diz-nos que ela não faz mal. Mas ela não lhe obedece e, em vão, a senhora farta-se de chamar e dar-lhe ordens. Há aquela dinâmica entre elas, ficando a ideia de que a cadela é que manda na senhora. Quando passamos por ela, a senhora ri-se, desculpa a cadela, 'É assim mas é só para brincar, não faz mal a ninguém'. A cadela permanece indiferente, a fazer das dela, não perde tempo a justificar a senhora.

E há um homem bonito que anda de bicicleta pelo caminho de fora e que leva um cão bonito pela trela, agarrada à bicicleta. O senhor sorri, cumprimenta-nos e diz bom dia mas, quando fala com o cão, não percebemos o que diz, ainda não conseguimos identificar aquela língua. Se o vir fora da bicicleta e sem o cão estou certa de que não o reconhecerei.


E eu, que sempre participei na elaboração de planos estratégicos e na definição de visões e outras coisas supostamente rigorosas e relevantes e que sempre tanto gostei de conhecer outras terras, museus, galerias, lojas e tudo o mais, agora sinto-me feliz com as coisas mais simples, viver um dia de cada vez, estar no meu jardim a ouvir os pássaros, estar com os meus, tratar da casa, caminhar por aqui, ver os jardins das outras casas, entrever o corpo de alguém que lê na sua sala, cruzar-me com pessoas que passeiam o cão e nos cumprimentam com um sorridente bom dia. 


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A propósito, deixem que partilhe um vídeo muito tranquilo, onde as palavras e os gestos são vagarosos, serenos e simples. Felizmente está legendado em português (do Brasil...). Traduzo (às três pancadas) o texto de apresentação no youtube.

A arte da vida
Como uma estrela em ascensão no campo da matemática abstrata, Michael  Behrens descobriu que podia ver beleza e padrões onde outros não conseguiam. Mas o seu caminho não era estar dentro da academia, nem mesmo dentro da sociedade. Ele partiu numa grande aventura para unificar o seu budismo com sua capacidade de ter uma visão expandida da realidade. Ele criou beleza num lugar onde ninguém mais o faria, e fez amigos entre os golfinhos.

Zaya e Maurizio foram ao Havaí há alguns anos e, numa praia remota, conheceram Michael. Depois de um tempo, ficou claro que Michael não era um homem comum… Nós conversamos sobre física quântica, budismo, espiritualidade, arte e ele convidou-nos para a sua casa depois de se certificar de que tínhamos “sapatos suficientemente bons”

Logo depois de estacionarmos o carro numa estrada remota, entendemos o porquê…Michael mora no meio de uma selva densa, a 20 minutos da estrada num terreno que ele mesmo limpou. …à mão!!!

Ele levou todo o material aos ombros e construiu um jardim incrível baseado na geometria sagrada. Um lugar incrível dedicado à beleza e impraticabilidade...

A casa não tem água corrente no interior, apenas um chuveiro do lado de fora e sem eletricidade. Michael comprou recentemente um pequeno painel solar para poder continuar a sua pesquisa e comunicar através de seu computador com outros matemáticos e com o mundo. (...)


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Pinturas de Claude Monet ao som de Jacob Collier - Never Gonna Be Alone (com Lizzy McAlpine & John Mayer) 

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Desejo-vos um dia bom
Saúde. Boa sorte. Confiança. Paz

quinta-feira, janeiro 06, 2022

Vontade de coisas diferentes. Nada de extraordinário. Mas diferente.

 


Fomos caminhar às seis e tal da tarde. Já era de noite. Chovia, estava frio e vento. O pobre animal pingando. Mas feliz. Nem vivalma na rua. Faz um bocado de impressão andarmos por ruas sem ninguém, de noite, com mau tempo. Disse isso ao meu marido. Ele disse: 'Devíamos ter um pau ou coisa assim'. Em especial, temos sempre algum receio que algum cão se solte de alguma casa. Eu disse: 'temos aqui a fera para nos defender'.

Passou por nós um autocarro e tinha as luzes acesas lá dentro. Poucas pessoas lá dentro. Não sei de onde vinha nem para onde ia. 

É a primeira vez que aqui vejo um autocarro à noite. De dia já tinha visto. Há uma paragem lá mais à frente. De vez em quando vejo alguém à espera. Geralmente são mulheres. Acredito que sejam empregadas da limpeza. Na maioria das casas, aqui, as empregadas chegam no seu próprio carro. 

Mas hoje, ao ver o autocarro com as luzes acesas lá dentro, fiquei a pensar que hei-de ver qual o percurso e hei-de ver se nos daria jeito. Poder ir a um sítio sem ter a maçada de conduzir ou estacionar deve ser bom. Acredito que, para quem me lê, isto possa soar pretensioso. Mas não é, é pura franqueza. Passam-se anos sem pôr o pé em transportes públicos. Sempre estive distante do local de trabalho. Se quisesse ir de transportes, teria que apanhar uns três, com perda de tempo entre eles. 

Mas agora, com parte das vezes em teletrabalho, quem sabe se para ir ao supermercado ou a outros lugares não faria melhor em ir de autocarro.

Também perguntei hoje ao meu marido se poderíamos ir a pé ao supermercado. Ele diz que se calhar seria meia hora para cá, meia hora para lá mas que o pior era virmos carregados com as compras. Também me ocorreu irmos de bicicleta e termos uma cestinha para as compras. Mas acho que não há via própria para as bicicletas, não sei se não teria medo que algum carro me desse um toque e atirasse ao chão.

Também me lembrei que não ando de metro há mais de mil anos. É uma vergonha mas nem conheço a azulejaria que embeleza as estações. Sempre de carro para todo o lado. São hábitos que se enraízam. Se calhar até seria interessante fazer um passeio especificamente para visitar as estações. Só que agora nem pensar em meter-me durante muito tempo num lugar fechado... contagiosa como é esta Ómicron... Nem pensar...

Para passearmos pelo país, até agora só de carro. A Barragem da Aguieira, tão linda que é e tão lindos todos esses locais. Fomos já se falava no corona, no início de Março de 2020. Lembro-me tão bem. 

E agora ocorre-me que, de futuro, se calhar às vezes também poderíamos ir de comboio ou de autocarro. Com as coisas, poucas coisas, numa mochila.

Ando nesta. Imagino-me assim. A palmilhar o país, de mochila às costas. Nunca viajei assim. Acho que já vai sendo tempo.

No outro dia, ao falar nisto, o meu marido recordou-me: 'Não te esqueças que agora temos o nosso amigo'. E aí, como dizem os brasucas, caiu-me a ficha. Pois é... Mas alguma maneira a gente há-de arranjar. Ele disse: Só podemos ir para lugares em que aceitem cães. Só que assim não poderemos ir de transportes públicos. Mas há solução para tudo. Quase tudo.

... E, ao escrever isto, penso que esta conversa só revela uma coisa: que anda a apetecer-me laurear. 

Estou esperançada que, lá para o verão, o próximo, já com meio mundo praticamente imunizado (ou pela vacina e/ou pela infecção), já estaremos mais descansados, o bicho mais mole, já enfraquecido, e nós mais tranquilos para nos pormos a circular por aí. E, aí, talvez eu me ponha a caminho. 

Uma amiga da minha mãe com mais de noventa anos, já tendo tido cancro por duas vezes, leva uma vida descontraída, sai de casa umas duas vezes por dia e, sempre que pode, vai em excursões. Mesmo agora, na passagem de ano, lá foi. Espantada, acho um risco. Pergunto à minha mãe: Mas como? Com a covid como anda? Que disparate! Mas a minha mãe diz que ela não quer saber. Diz que não tem medo nenhum de nada. A minha mãe, aliás, diz que é a ausência de medo que a mantem viva e em bom estado, sempre para as curvas. Diz que é assim: Uma amiga liga-lhe e diz: 'olha lá, não queres ir até à Serra da Estrela?' E quem diz Serra da Estrela diz ir ver um espectáculo ao Casino ou ir passar um fim de semana alargado ao Algarve. E ela diz: 'Está bem, eu vou'. E lá vai ela, diz a minha mãe.

Também acho que uma pessoa ter vontade de fazer coisas, mexer-se, ir atrás do que quer e estar disponível para aproveitar oportunidades a mantém bem disposta e com o motor em movimento. Quando eu for crescida quero ser como essa amiga da minha mãe.


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Pinturas de Monet na companhia de Y La Bamba a interpretar Entre Los Dos

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Um dia feliz

segunda-feira, junho 01, 2020

A decoração da casa dos pobrezinhos que é capaz de ser o menor dos males nisto do corona.
E a bela casa de Nina Campbell (que nada tem a ver com o assunto).





Isto dos signos é coisa estúpida, sem qualquer explicação científica que lhe valha. Vai contra tudo aquilo em que acredito: não assenta em nada que consiga explicar-se, não faz sentido sob qualquer perspectiva. E, no entanto, ao que parece, estatisticamente as pessoas revêem-se nas descrições e nas previsões. Pelo menos foi o que li num livro escrito por matemáticos que se dedicaram ao estudo do fenómeno. 

No meu signo diz que sou dada a tudo o que na realidade sou. E uma dessas coisas é a casa. Sou muito dada à minha casa. Sou muito sensível a casas.

Se há coisa que me faz muita impressão é estar numa casa que me parece escura, triste, sem alma, imprópria para acolher pessoas. Se entro numa casa assim, não consigo abstrair-me do que eu faria se pudesse. As pessoas falam comigo e eu com elas e, em background, estou a pensar: este conjunto de móveis escuros, sofás escuros e quadros pendurados junto ao tecto é mais do que suficiente para quem aqui vive sofra de depressão profunda. Ou olho para uma casa toda neutra, incolor, desprovida de graça e penso: eu punha aqui umas almofadas em turquesa e, naquela mesa de apoio, uma jarra em azul profundo com uma flor única, alta, em bordeaux indecente. E um espelho naquela parede a reflectir a luz da rua. Mas não digo nada, não quero perturbar a inércia e a propriedade de quem lá vive.

Mas porque sou assim, dada a decorações e a intuições, ainda mais me custa saber as condições dos que vivem quase sem dinheiro para comer quanto mais para frescuras. Casas pobres, precárias, quartos tristes e alugados, camaratas em que apenas interessa que o corpo possa descansar, ou a pobreza humilde que disfarça as dificuldades ou a pobreza remediada que vê o facebook e o instagram e gostava de ser e ter igual mas o que sobra mal dá para um verniz, uma blusinha. 

Dizer isto é mera conversa e mesmo que, por dentro eu sinta que não é mera conversa a verdade é que, de facto, é mera conversa. Conversa que não produz efeito é conversa deitada fora, ociosa, fútil.

Falo de barriga cheia.

E não vale a pena armar-me em irmãzinha da caridade que, em vez de orações, distribui bibelots e conselhos de decoração. Mas o facto de nada disto, na verdade, não fazer sentido não anula o facto de que  a verdade é que, quando ouço nos novos focos de contágio, penso nas condições em que vivem aquelas pobres pessoas. Muitos são imigrantes, muitos são simplesmente pobres. E ser pobre deve ser tudo menos simples. Portanto, dizer que alguém é simplesmente pobre é uma coisa que é simplesmente estúpida.

E eu só espero -- e nada mais posso fazer do que esperar -- é que os muitos milhões que virão dos apoios para recuperar a economia sirvam para trazer um pouco mais de dignidade às pessoas mais pobres, às que vivem amontosadas, às invisíveis que mantêm o mundo a funcionar quando os outros se recolhem para se proteger de contágios, às que não conseguem constituir família ou, se o conseguem, mal conseguem acompanhar o seu desenvolvimento, quanto mais pensar na decoração da sua casa.

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O meu domingo foi descansado, tirando a parte de ir ao supermercado e à loja das ferramentas. O dia esteve cinzento mas bom. Há bocado, estava a ver umas coisas do trabalho, depois a ler blogs, e, por fim, fui ver o Youtube. Apareceu-me um vídeo e gostei muito de vê-lo. Gosto muito da casa que aqui se mostra. Podia ser a minha casa. Gosto da Nina Campbell. Se a conhecesse o mais certo era dar-me bem com ela.


E, no entanto, é nas pessoas dos bairros da periferia que agora merecem a preocupação de quem se ocupa das coisas da saúde pública que eu penso enquanto vejo o vídeo. No sábado, quando estava a vir de casa da minha mãe, passámos por uma carrinha, daquelas de muitos lugares (oito? nove? mais?). Era branca e ia cheia de homens jovens, quase todos negros. Iam apertados nos seus lugares. Todos sem máscara. Era sábado à tarde, deviam vir do trabalho. O mundo é um lugar perigoso para o ser humano, em especial para alguns seres humanos.



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As cores e as fleurs que aqui apareceram não são du mal, são do bem. Pretendem trazer alguma luz a um tema que me ensombra o coração. Pintou-as Monet.

Chet Baker canta Almost Blue.

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Uma boa semana para todos

domingo, maio 26, 2019

Matemática, poesia, pintura, justiça


Para mim, é muito claro que a criatividade é o ingrediente mais importante da matemática. Essa criatividade tem de ser acompanhada pelo rigor. É como para um acrobata: a performance tem de ser perfeita. Na matemática queremos fazer coisas interessantes, chegar a novas ideias e ao desafio de produzir asserções completamente novas. Todos os passos do nosso trabalho têm de ser provados, mas precisamos de imaginação e criatividade.
       É por essa atenção ao pormenor que lhe chamam “artista da matemática”?
É talvez por ser bastante sensível à conexão entre a matemática e a poesia. Gosto de fazer conexões entre a matemática e a arte.
(...) 
Se quiser pintar, precisa de inspiração e, para isso, tem de deixar o cérebro livre e abrir espaço nele. Esse espaço não pode ser usado para duas coisas ao mesmo tempo. Claro que há comparações possíveis: eu adoro pintura abstrata. Acho-a absolutamente maravilhosa, porque é muito semelhante ao que fazemos na matemática: os objetos abstratos que introduzimos e selecionamos são mais reais para nós do que os objetos do real, da vida concreta. Para mim um dos mestres da evolução da arte figurativa para a arte abstrata é o [Claude] Monet, que fez desaparecer progressivamente a forma concreta, como ela é dada pelo real, a fim de a tornar um objeto da mais pura pintura. E isto está tão perto do que eu sinto na matemática… É o que é maravilhoso no Monet. Em certas pinturas dos nenúfares [série de pinturas a óleo do artista], ele fez desaparecer as flores e chegou a algo que é muito mais real, feito de cor e movimento.

Porque é que precisamos da matemática?
[Por um aspecto] civilizacional. Como pensar de forma correta. O que é uma prova, o que é uma asserção, o que é uma hipótese, o que é uma conclusão. Quando fazemos matemática, temos de provar que algo é verdadeiro, não fazemos política. Um matemático que prova alguma coisa é uma pessoa que tem de ouvir os outros. Neste mundo de fake news, toda a gente grita. Na matemática nós ouvimos quem provou alguma coisa.

[Excertos de “A matemática que se dá na escola não tem grande significado” no Expresso de 2019.05.27, entrevista de de João Diogo Correia a Claire Voisin.

Claire Voisin foi a vencedora europeia do For Women in Science, prémio atribuído pela unesco a cinco cientistas, de cinco regiões do globo, para suprir a ausência de mulheres nos principais galardões científicos. Esta francesa é uma das grandes matemáticas do nosso tempo]

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quarta-feira, maio 01, 2019

Entre os azuis de Monet, nos bosques com Liziqi





Uma pessoa que conheço há anos contou-me a sua história e eu ouvi sem perceber como pode uma coisa assim acontecer. Há pessoas que se acham especiais e com uma vida que deveriaa dar direito a um livro. Há outras que se acham normais, sem nada que as distinga. Eu incluo-me neste segundo grupo. Contudo, isso de uma pessoa ser normal é coisa que não existe. Acabei de ler nos onlines a história do assassino do Tagus Park, uma coisa assustadora e tremedamente triste -- e os colegas dizem que ele era uma pessoa normal. Sempre que há crimes, roubos ou desmandos, os vizinhos e familiares aparecem a atestar que os fora de lei são pessoas normais, pacíficas, tranquilas e, se necessário for, até acrescentam a pérola do costume: amigo do seu amigo.


Mas, enfim, ressalvas à parte, pelo menos da roupa para fora eu acho que sou normal; e a pessoa de quem falo também. E, no entanto, a sua vida, pelo menos até certa altura, foi singular, estranha, difícil. E eu, agora que sei disso, espanto-me que ele seja normal. E fico a pensar: quando se conhece uma pessoa, como podemos garantir que a conhecemos? E quando é que a pessoa é mais ela: quando se desliga da sua história ou quando a recorda? E a verdade é que não tenho respostas. 

E, logo a seguir a ter ouvido aquelas revelações surpreendentes, desliguei e continuei o meu dia como se não tivesse sabido nada e como se nada daquilo tivesse importância. E só voltei a lembrar-me disso ao jantar, quando contei ao meu marido. E fiquei também surpreendida comigo porque a minha cabeça parece que tem alçapões por onde desaparecem as coisas, por mais extraordinárias que sejam, fazendo com que os meus dias sejam 'normais', sem nada que os marque. E agora estou a pensar no tema enquanto escrevo e a pensar que não devo contar aqui nada já que é a vida mais do que privada de uma pessoa e não tenho direito de a expor mas sei que um dia, daqui por algum tempo, falarei nisso -- mas que, até lá, o assunto eclipsar-se-á no meio de todas as outras coisas que vou descobrindo e vivendo no meu dia a dia. E a importância relativa de cada coisa dilui-se na amálgama em que tudo parece transformar-se.


No entanto, e podem crer, preocupações não me faltam. Mas sobre umas nada posso fazer e sobre outras também não e as outras, sobre as quais posso fazer alguma coisa, em boa verdade não me preocupam, apenas me incomodam ligeiramente.

E, portanto, com tudo isto (que assim descrito dá ideia que espremido é nada -- e, quando visto em perspectiva, é), a verdade é que chego aqui à noite e, antes de ir dormir (e como já no outro disse), apetece-me adentrar-me no meio de bosques verdejantes, longínquos, inacessíveis, apetece-me ver formas de vida que desconheço e me atraem, apetece-me seguir os gestos tranquilos desta jovem aqui abaixo que faz gestos seguros e sábios, manuseando ervas, ingredientes, bagas ou fazendo misturas que me deixam intrigada, sem conhecer nada, sem perceber nada. E sou capaz de me deixar ficar assim durante imenso tempo.


Gostava de perceber quais as ervas que ela apanha, quais as técnicas de cozedura, quais os temperos, para tentar reproduzir. Mas, na volta. se soubesse, talvez deixasse de achar tanta graça. Acho que há ali tanta serenidade, tanta segurança, tanta elegância nos gestos que olhar para isto me descansa a alma. E que é bom não quebrar o mistério.


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[A quem apeteça uma escapadinha ao Algarve ou ao Porto recomendo que faça o favor de descer até onde a Vogue ou o Guardian nos recomendam]

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sexta-feira, março 24, 2017

De olhos completamente fechados





Terei, então, que fechar os olhos? Terei? 

Terei, então, que deixar que o azul e o verde e os pássaros venham pousar nas pálpebras que deixo correr sobre os meus olhos cansados para que o dia não venha mostrar-me a realidade cinzenta e triste?

Peço segredos e cânticos e nada recebo, peço um pássaro amarelo e macio cantando na janela ou um bicho arrogante exibinto os seus aparatos sobre o meu corpo, e nada recebo. Nada.

Peço silêncios e palavras leves como sonhos -- e nada.

Continuo rodeada por ruído e penares.

Mas não faz mal. Fecho os olhos. Sacrifico-me. 

Fecho os olhos e vejo lagos, sombras floridas, borboletas, pássaros, nenúfares. Verdes, azuis, encantos.

(Mas vem na mesma.) 

Traz-me poemas, céus estrelados, campos de trigo, aldeias maravilhando ao sol, bichos dourados, ciprestes eternos, sempervirens, céus ondulando, nuvens azuis como marés, ventos quentes, doces memórias.


Vem.

Traz nas mãos as tuas palavras mais puras, vem dizendo coisas como jardins de jasmins, rochas cobertas de limos e conchas, conta-me de abismos e paraísos.
Esconde lamentos e saudades, não me fales de lágrimas nem de mãos vazias, nunca me digas palavras duras nem da dureza que, por vezes, habita o teu coração. Não me digas porque não posso acreditar. Nem quero.
Por isso, fala-me apenas de videiras, de roseiras luzindo à luz do sul, fala-me de muros de alvenaria, de bichos dormindo ao sol, fala-me de anémonas, de mares sem fim, fala-me de pombas desenhadas em quadros que cantam a paz, fala-me de gatos e de deuses. Conta-me de ti. Conta-me mentiras.


Ou não digas nada. Deixa apenas que ouça a tua respiração.

Fecho os olhos. Fecho os olhos em silêncio, penso em poemas longínquos, palavras brancas, alvores, rios que me enleiam. Vejo montes, vulcões, ondas e nevões, planícies e pássaros, lonjuras e flores de gelo, azuis, muitos azuis, e o branco de onde tudo nasce. Ouço a tua voz que nunca ouvi, vejo o teu olhar cego que me olha sem me ver, sinto o teu corpo que me cheira como um animal vadio.

Não quero saber de nada. Quero imaginar brincadeiras, risos, patos no lago e crianças a atirarem pão, quero imaginar flores no meu cabelo, palavras brandas como carícias incertas, quero jogar às escondidas, quero ser aquela que não existe, invisível, sem nome.

Quero ser aquela que, de eyes wide shut, inventa um  olhar sonhador, um olhar louco e que, de tanto querer o silêncio, escreve palavras sem dono e logo as solta na noite.

Agarra-as, são tuas.

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Maquilhagem inspirada respectivamente em Claude Monet, Van Gogh e Katsushika Hokusai.

A música é The Sacrifice, do filme, 'O piano', da autoria de Michael Nyman

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E queiram, por favor, descer caso queiram ver o que se esconde num silêncio limpo, sem palavras

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segunda-feira, setembro 19, 2016

O que viam os que não viam. Maria Theresia von Paradis e Jorge Luis Borges.
O que viam os que viam todas as cores. Monet e Bukowski.
E um improvável encontro. Polina Semionova, Vladimir Malakhov, Bjork e Caravaggio





Finalmente a aceitar que estou de volta aos dias normais, a mala desfeita, a roupa arrumada, outra a lavar, a sopa feita, escolhida a toilette para a rentrée, as coisas no sítio e os livros amontoados ali a olharem para mim, fazendo-me sentir em porto seguro, em paz comigo e com o mundo, sento-me aqui e de tal forma estou em estado zen que não faço ideia do que hei-de escrever.

Na cozinha, um mistério. Ouve-se um grilo. Se estivessemos no campo seria natural. Aqui é inédito. Já o procurámos e não o descobrimos. Como chegou ele até cá, não sabemos. Terá vindo com os figos?

Parece que estou num hiato, suspensa entre dois mundos. 

Acabei de receber um mail de trabalho. Alguém diz que sabe que estou a regressar de férias e quer lembrar-me um assunto. A minha primeira reacção foi enviar-lhe uma resposta torta. Mas depois deu-me vontade de rir. A isto chama-se não brincar em serviço e já me apetece é enviar um mail irónico. Mas nem para isso agora tenho disposição. Amanhã logo vejo o que lhe digo até porque o interesse em falar com ele também é meu. Mas é quando estiver a trabalhar, não na véspera em que ainda estou aqui a ambientar-me à ideia.

Entretanto, a minha mente vagueia por um mundo suave, habitado por música, cores, flores, águas refletindo imagens gentis, palavras inteligentes e irónicas, vozes que me dizem poemas, corpos que se envolvem entre cores, evocações, acordes e uma voz que canta -- e não consigo preocupar-me em encontrar coerência entre o que me ocorre. Tomara que não haja. Ou que seja tão secreta que ninguém a descubra.

E penso, mas com leveza. Quase como num sonho bom penso, sobretudo, naqueles a quem quero bem. Quero que estejam bem. Gosto de os saber bem. Gostava que estivessem sempre bem. 

Não consigo pensar em frases muito elaboradas ou em raciocínios bem desenhados para agora aqui escrever.

De propósito, nem espreito as notícias não vá alguma despertar-me deste estado de doce encantamento em que me encontro, ouvindo melódicos acordes ou a voz rouca e pesada que diz poesia. Gostava que todos os dias fossem dias bons para todos.


Frases de Borges 
(algumas de entre algumas desconcertantes)


A gente publica para não passar a vida corrigindo o que escreve. A verdade é que se publica para se libertar do livro e pensar em outro. Quanto a mim, reli muito pouco do que escrevi. Ainda que de vez em quando me releiam passagens do que escrevi e às vezes elas me agradam. E digo: de onde tirei tudo isto? Na certa deve ser plágio, porque é bom.

Não releio, esqueço facilmente, mas tudo o que publico supõe dez ou doze versões, sendo que a última acrescendo um descuido evidente para que pareça espontâneo.

Não sou modesto, apenas fico assombrado por ser conhecido. Deixei de ser um homem invisível aos cinquenta anos, e pode-se descobrir a qualquer momento que sou um impostor.

Ulisses: não foi escrito para ser lido, foi escrito para alguma coisa muito superior, foi escrito para que o autor ficasse famoso, fosse analisado, figurasse na história da literatura.

O aborrecimento é mais terrível do que a violência.

Todos falam dos supostos benefícios que a saúde traz ao indivíduo, mas eu acho que a saúde é um estado precário que não pressagia nada de bom.

Ironia: uma coisa que aprecio e reconheço, e de que sou totalmente incapaz.






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Lá em cima, no violoncelo, Lynn Harrell interpreta de Maria Theresia von Paradis a Sicilienne

As imagens mostram pinturas de Claude Monet.

Encontrei as frases de Borges na Revista Bula

Tom O'Bedlam diz Roll the Dice de Charles Bukowski

Polina Semionova e Vladimir Malakhov dançam Caravaggio coreografado por Mauro Bigonzetti, aqui ao som de Prayer Of The Heart numa interpretação de Bjork

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sexta-feira, agosto 26, 2016

Paris, mon amour



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Digo que não gosto de Paris no verão mas estou aqui e só me dá para me lembrar dos seus lugares. Não dos lugares turísticos mas dos jardins, ruas e pracinhas, das esplanadas, das pessoas diferentes com que nos cruzamos, da vista da belíssima cidade a partir de alguns telhados, dos passeios pelos boulevards, das bancas de livros e estampas na beira do rio, das livrarias.

E agora estou a lembrar-me de uma coisa que não sei se já aqui contei. Éramos dois casais e andávamos quase sempre juntos mas um dia fomos cada casal para seu lado, acho que eles iam visitar algum amigo num arredor qualquer. Encontrámo-nos à noite e ele vinha com um blusão de pele novo, giríssimo. Nós admirados, não eram o género de pessoas que fossem às compras de roupa, muito menos ele. Mas estavam pouco convencidos. Então o que tinha sido? Não me lembro já bem de todos os pormenores, tenho ideia que, no comboio, tinha entrado um fulano com um malão. Então o fulano, que tenho ideia que era italiano, tinha dito que tinha estado a expor artigos de pele numa passagem de modelos ou exposição, não me lembro bem, e que tinham sobrado umas peças e que não lhe dava jeito ter que expedir aquilo por avião e que se conseguisse vender tudo, melhor. E que, então, tinha proposto vender um blusão por tuta e meia, não me lembro se uns 20 ou 25 euros. E que eles acharam aquilo muito suspeito e que o fulano ainda tinha feito um desconto. E, a modos que contrariados e desconfiados, ficaram com o blusão.

Ora o blusão era um espanto, bom mesmo, uma boa pele, um bom forro, um bom design. Chegaram ao hotel, reviraram o blusão, apalparam, sacudiram, pensando que tinha droga escondida, qualquer treta. Nada. Nem sabiam se o ele o havia de vestir, pois mais do que certo era material roubado e ainda eram apanhados

Mas então ele lá se afoitou e lá o vestiu. Um espectáculo de blusão. Ainda me zanguei por ele não ter trazido também para nós. Eu, que acho que desencanto pechinchas por onde passo, nunca consegui coisa assim.

Mas, pronto, isto foi uma derivação.

Estou aqui na sala, a escrever deitada no sofá, e a olhar para a estante baixa, funda e comprida, onde tenho livros e tralha e, por cima, a televisão e mil molduras.

Uma vez, o mais pequeno abriu a estante e começou de lá a tirar as figurinhas do presépio, os anjinhos, as caixinhas de porcelana, a caixinha com a bússula, a caixinha de música e outras coisas do género. E então, apressadamente, o mais crescido puxou-o por um braço e disse: 'Não mexas no museu da Tá!' e eu achei um piadão porque vi que eles olham essas minhas pequenas preciosidades como objectos de museu. Mas uma das peças trouxe-a eu de lá, há muitos anos, eram os meus filhos muito pequenos, ainda me lembro do meu marido andar com o meu filho às cavalitas: é um bule muito bonito, estou a olhar para ele, tem umas cores suavíssimas, e tem forma de elefante (se não estivesse cheia de preguiça, ia fotografá-lo para o mostrar). Nessa vez trouxe também uns copinhos pequeninos de vidro pintado à mão, com flores douradas e cor-de-rosa velho. Tinha muito medo que se partisse aquilo no avião, tive mil cuidados, e o meu marido sem querer saber, achava absurdo que eu trouxesse aquilo, se se partisse acho que ele até acharia que era bem feito para eu não ter ideias daquelas. Mas chegou tudo intacto. E não sei como, com mudança de casa pelo meio, com tanta miudagem sempre cá em casa, ainda resiste tudo. Nunca os usei, sempre os mantive a bom recato, porque são umas peças mesmo bonitas. Olho para elas e lembro-me de Paris.


E nessa vez, em Montmartre, os miúdos posaram para serem retratados a carvão. Mesmo bonitos. Quando lá voltámos, já mais crescidinhos, no mesmo sítio, posaram para uma caricatura. As mesmas feições, engraçados. Mas cansavam-se, muito museu, muita caminhada. No entanto, divertiam-se. 

Também acho que já contei. Uma vez fomos jantar para a zona Des Halles, íamos à procura de um certo restaurante. Mas os miúdos estavam estafados e o meu marido impaciente, quando chega a uma rua com restaurantes, por vontade dele entra no primeiro - e, então, vimos um com uma decoração muito bonita, em tons de violeta e preto, com uns castiçais entre o design e o romântico, com umas flores altas muito bonitas. Pronto, ficamos é já aqui.


Pedimos - sempre aquela festa, os miúdos a quererem experimentar tudo - e nem reparámos em nada. Até que, instalados, os amouse-bouche já a sossegar a impaciência, começámos a ver o que se passava à nossa volta. Só homens, alguns muito in love, de mão dada ou aos beijos na boca, outros a darem palmadas no rabo dos empregados, um a beijar na boca um empregado. Nós ali os quatro completamente deslocados. Os miúdos parvos com aquilo, nunca tinham visto por cá nada assim. Depois chegou um todo maquilhado, grandes pestanas, umas calças completamente justas e todo provocante e os outros todos a meterem-se com ele. Os miúdos faziam sinais um para o outro. O meu marido furioso connosco, a não querer que olhássemos ou ríssemos, a dizer que ainda arranjavamos chatice. 

Quando cheguei ao hotel, ao ver os folhetos turísticos, vi que aquele restaurante era um dos mais carismáticos do roteiro gay. Estava explicado.

E a bailarina enorme, completamente gorda, toda Toulouse-Lautrec? De tutu, tules cor de rosa, em pontas, a circular dançando nos Champs Elysées? Ainda hoje a minha filha fala nela.

E quando fomos os dois, romanticamente, em Wagon-Lit? Que viagem tão linda. Gostei tanto.

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E não vos maço mais com estas recordações, ainda por cima em modo repetex. Isto é falta de férias. Tenho é que lá ir um dia destes.

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E, para quem não conheça, um vídeo divulgado esta quinta-feira, muito bonito, com Paris num pas de deux com Victoria Dauberville, uma bailarina dos Dot Move.

Transcrevo parte da apresentação:

C’est l’histoire d’une danseuse seule face à son destin, en proie au doute mais déterminée à réaliser son rêve coûte que coûte : danser à l’Opéra de Paris. 

Pour illustrer ce conte moderne, DOT MOVE a relevé le pari de rendre Paris complètement désert pour en faire un terrain de jeu idéal d'une danseuse classique.

Le film est illustré par « Rêve d'Opéra », extrait du conte musical les « Souliers Rouges » écrit par Fabrice Aboulker et Marc Lavoine

RÊVE D'OPÉRA




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Lá em cima era Jacques Brel interpretando Les prénoms de Paris

As imagens mostram pinturas no museu de que mais gosto e que visito de cada vez que estou em Paris: o Musée d'Orsay.

Os autores são, respectivamente: Jean-Auguste Dominique Ingres, Paul Gauguin, Claude Monet, Auguste Renoir, Toulouse-Lautrec, Gustave Courbet e, finalmente, os jovens gregos são de Jean-Léon Gérôme, 
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