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sexta-feira, outubro 20, 2023

Aline com folhas de outono, mar revolto, barcos em terra.
Cá em casa, depois da guerra, a paz.

 



A Aline deu-lhe com alguma força mas foi sobretudo perto da hora de almoço. Chuva, chuva a jorros.

O pior foi que a grande buganvília que cresceu para cima do telheiro sob o qual deixamos o carro, quase desabou. Deve ter sido da força da água ou do vento, não sei. O que sei é que, quando demos por ela, estava a nossa meia altura. Nem o carro passava nem nós. Felizmente o tronco não se partiu, apenas tudo vergou, pendeu. Tentámos, os dois, levantá-la para que uma parte se apoiasse no muro que separa dos vizinhos. Mas não conseguimos. Aliás, o peso daquilo, ainda por cima, ensopado, é brutal, Os dois a dar o máximo e aquilo nem se mexeu. A única hipótese foi ir buscar o podão e desbastar, desbastar. No fim, ficou um monte enorme de ramos cortados. 

Como para o fim da tarde a coisa tinha abrandado, fomos buscar um quadro que estava a emoldurar. 

O quadro é em tons azul, verde esmeralda, acinzentado, com uma mancha em branco. Abstracto, como quase tudo o que temos. 

Mas a tela veio da galeria esticada e presa a um passpartout. Quando na casa das molduras perguntaram se era para tirar o passpartout, resolvi deixar ficar e pôr, por cima, um vidro-museu que é invisível. 

A moldura que escolhemos (nestas coisas conto com a opinião do meu marido que chega lá, aponta e diz: 'Esta'. Fico sempre na dúvida se tem uma fantástica visão panorâmica e, num único olhar, vê tudo o que há para ver, aliada a extrema convicção, ou se é, apenas, vontade de não estar na loja mais do que quinze segundos). Como lhe reconheço bom gosto, apesar das dúvidas, gosto de contarcom  a sua opinião. Desta vez foi uma moldura larga, simples, num tom entre o prateado e o suavíssimo dourado, mais prateado do que dourado, mas pouco uniforme e quase sem brilho. Por dentro desta moldura, encaixado nela, escolhi uma outra fininha em azul claro alfazema, acinzentado, que puxa aos tons da tela. Fica como que um filet, entre a moldura propriamente dita e o passpartout branco. Acho que este apontamento valoriza a obra em si. Coisas minhas. 

Coloquei aqui a fotografia de pormenor para que percebam o que estou a dizer (a parte de fora que se vê em cima e à esquerda é a parede)

Fomos ainda comprar o livro 'Como mentem as sondagens' do Luís Paixão Martins, que o meu marido está desejando de ler. Estive a folheá-lo e parece-me que também eu vou gostar bastante de saber o que lá se diz.

Comprei também o 'O outro nome' do Jon Fosse. Também já o folheei. E, mais uma vez, torço o nariz. Não me parece que me convença. Não sei o que se passa comigo. Já no outro dia falei nisso. Estou de má boca, nada parece ser para o meu bico. Enjoadinha. Agora, ao escrever isto, para ver se me convenço a mim própria, fui ler o princípio do livro. Perdoem-me os puristas, os nobelistas, os entendidos mas a mim pareceu-me uma seca. 

Depois fomos ver o mar. Ficámos cá em cima. Mar bravo, bravo. Barcos em terra. 

Muito bonito. Andei a fotografar. Maravilha.

E, como dois pensionistas a preceito, preguiçosos e a apreciar a boa vida, a seguir fomos buscar um sushi bem apetitoso.

O pior, claro, foi, ao chegar a casa, conseguir que pendurasse o quadro até porque pensei que deveria fazer uma movimentação entre outros, obrigando a ajustar a altura do penduramento dos que mudaram de poiso. É sempre cegada das antigas quando tem que fazer um buraco na parede. E, se é mais do que um, aí é a guerra total. E eu que ando há anos a dizer que tenho que aprender a pegar no berbequim, a escolher buchas e parafusos, continuo na ignorância e, portanto, dependente dele.

Por fim, contrariado, quase furioso, lá o fez. Quando a obra foi dada por concluída, feita boa menina, agradeci. 

Depois pus-me de longe a contemplar. Fiquei contente.

A assinalar ainda que o nosso cão mais fofo hoje voltou a deitar-se na caminha dele que está aqui num cantinho da sala. Aninhou-se, enroscou-se. Há meses que dorme pelo chão, certamente onde se sentia mais à fresca. Hoje deve achar que o tempo mais frio já aconselha a algum aconchego. Cão mais lindo, mais querido.

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E agora estive aqui a ver uns vídeos e vou partilhar um, legendado, em que o dono de uma casa, um estilista bem simpático, mostra objectos bonitos que lá tem. 

Inside This Fashion Designer's Modern Belgian Home, Filled With Wonderful Objects | Vogue

Fashion designer Pieter Mulier, Maison Alaïa's creative director, takes us through his Belgian home and shares some of his most precious possessions. As the successor to the legendary Azzedine Alaïa at Maison Alaïa, Pieter's taste and passion for art come shining through as he tours his abode. 


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Lá em cima Eva Cassidy interpreta Autumn Leaves
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Desejo-vos um belo dia 
Saúde. Tranquilidade. Paz.
Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. Paz.

sexta-feira, outubro 14, 2022

Segredos profundos, uns que se podem partilhar, outros que não

 


Costumam contar-me coisas. Chegam-se ao pé de mim e começam a contar-me coisas, por vezes coisas muito pessoais. É um pouco desconcertante mas é a verdade. Não sei bem porque é que isso acontece. Não sou de sorrisinhos, não sou de simpatias a la minute para angariar amigos, não sou de palavrinhas fáceis ou consolos de efeito, sou mais de ouvir atentamente. No entanto, pelo menos a julgar pela minha experiência, o ser como sou faz com que as pessoas se sintam confiantes em partilhar comigo situações muito pessoais.

Eu, pelo contrário, não sou de falar de mim. Mesmo aqui, em que me farto de escrever e em que escrevo num registo por vezes quase diarístico, há muitos temas que nem afloro. Mesmo nos que falo, tento não dar pormenores muito objectivos pois penso que os assuntos são mais interessantes para quem os lê se houver, aqui ou ali, um certo véu. Mas se a escrever ainda vou falando de mim, ao vivo e a cores pouco falo. Não tenho muito para dizer. 

Se a Thoraya montasse a banca ali no jardim ao fim da rua e me pedisse um segredo, acho que não me ocorreria um único. Acho que não tenho segredos. Pelo menos dos que se podem contar.

Vejo os vídeos dela e fico espantada com a quantidade de pessoas que têm segredos escondidos e que, pelos vistos, são segredos que estão ali à bica para poderem sair. Eu teria que puxar muito pela cabeça e, no fim, penso que no máximo me ocorreria uma palermice qualquer de quando andava na escola primária.

Na verdade, acho que nunca fiz uma patifaria, nunca gamei nada, nunca sacaneei ninguém, nunca tive inveja de ninguém. E, no entanto, no outro dia, num daqueles exercícios de imaginação em que me ponho a imaginar o que hei-de fazer um dia que me reforme, ocorreu-me que talvez gostasse de escrever umas memórias e, ao pensar no que poderia escrever, lembrei-me de algumas coisas de que habitualmente não falo. Melhor: de que nunca falo. São coisas que não interessam, coisas que ficaram no passado. Ao contrário de muitas pessoas que ficam a remoer e atormentadas com isto ou com aquilo, eu ponho para trás das costas e nunca mais penso nisso. 

Não sei o que é que hoje em mim vem de situações mal resolvidas no passado. Diria que nada. Se me ponho a pensar na minha infância, adolescência ou vida adulta, o que me vem à cabeça são as situações boas, reconfortantes, divertidas. Só com um aturado esforço de reconstrução é que me recordo das coisas menos boas. Mas agora, tal como antes, relevo-as, relativizo-as, arranjo atenuantes para quem praticou algum acto ou proferiu alguma palavra que me incomodou.

Não guardo recordações desagradáveis em relação aos meus primos, aos meus amigos, aos meus colegas. Não me lembro de alguém que me tenha magoado. Se o fizeram, desculpei-os tão completamente que disso não sobrou qualquer ponta solta. Mais mais facilmente me lembro de situações em que estive um bocado ao lado ou em que, por erro ou omissão, induzi nos outros deficiente compreensão de situações, levando-os a ficar felizes com situações que não correspondiam exactamente ao que lhes tinha parecido ou, pelo contrário, levando-os a desgostos desnecessários. Mas não sei se isso encaixa no conceito de segredo.

Mas, sim, um dia que me ponha a escrever, sairão à cena algumas novidades. 

Penso também no seguinte: se um psicólogo me virasse de cabeça para baixo e chocalhasse, será que iria conseguir que saltassem algumas peças soltas que fossem reconhecidamente a chave para explicar a minha personalidade ou alguns dos meus comportamentos? Creio que não. Mas nunca se sabe. 

Seja como for, gosto de ver estes vídeos da Thoraya. Já aqui a tive algumas vezes. E a quantidade de pessoas que os comenta e que se solidariza com o que ouviu ou que se revê no tipo de segredos que ali são revelados é espantosa.

E vai escrever um livro sobre segredos, ela, e está a pedir que lhe enviem segredos para que possa usar alguns no seu livro. Pelo que expliquei, não vou enviar nada mas se algum de vocês, aí desse lado, tiver alguns para a troca, é enviar-lhe.

People share their deepest secret anonymously

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Fiz estas fotografias hoje ao fim do dia, na praia, quando fomos fazer a nossa caminhada

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Desejo-vos um dia bom
Saúde. Boas memórias. Paz.

segunda-feira, maio 30, 2022

Apanhá-los quase à mão

 

O domingo foi de descanso. Dormi até vir a mulher da fava-rica. Depois foram as coisas das quais não reza a história: lavar e estender roupa, descobrir uma coisa aqui e outra ali (coisa que, qual pós vendaval, sempre acontece quando a malta miúda por aqui passa -- e, desta vez, até a televisão da sala de cima mudou de sítio), fazer uma caminhada, falar com a minha mãe, fotografar as flores do jardim, ver qual a melhor maneira de pôr as grinaldas solares. Coisas assim.

O almoço foi o resto da caldeirada, agora ainda mais saborosa e apurada que na véspera. Depois, viemos para a sala. Ele ligou a televisão e eu a Netflix para ver a nova temporada da Grace & Frankie. Mas, ao fim de algum tempo, comecei a baquear. Como tudo, quando há um interregno, o que vem a seguir sabe a déjà-vu com a agravante de aqui não se aplicar aquilo de estar melhor porque 'mais apurado'. Talvez por isso, a tarefa de me manter acordada revelou-se de difícil consecução. Tentei resistir mas não fui bem sucedida. Acordei com a fera felpuda que ladrava. Acordei eu e acordou o meu marido. Moles que só visto. Não faço ideia de quanto tempo durou a sesta mas a verdade é que acordámos meio zombies. Fomos fazer outras coisas mas o tempo cinzento e abafado não ajudou. Fomos lá para fora e sentámo-nos nos dois cadeirões de onde se vê todo o jardim e que ficam num recanto bem acolhedor. Mas continuávamos moles. Presumo que tenha dormido meia hora ou mais para estar assim.

Resolvemos, então, ir andar para a praia. Levei um corta-vento pois o tempo estava incerto. 

Antes de chegarmos, o urso peludo começa sempre a dar sinais de impaciência. Com a nossa boxer acontecia o mesmo. Pressentem que estamos a chegar a lugar de seu agrado e, tal como as crianças que perguntam de minuto a minuto se estamos quase a chegar, assim os canitos. Cheira-lhes a praia e não vêem a hora de chegar.

Gosto do mar em dias assim. Estupidamente esqueci-me da máquina fotográfica. Estas fotografias foram feitas com o telemóvel.

Gaivotas a refrescarem-se à beira de água. Fomos até mesmo ao pé delas. A fera impassível. Olha, certamente tentando perceber que animal é aquele que anda com as patas na água e que, de vez em quando, levanta voo. Olha mas nada do que vê o tira do sério. Quem o viu feito parvo com uma menina no nosso jardim e quem o vê agora indiferente a tudo, apenas entregue à curtição do momento... Nem parece o mesmo.

Entretanto, vi uns pescadores num pontão e, ao fotografá-los, reparei num rapaz alto que, com a cana da pesca na mão, entrava na água. Calçado e tudo. Ficou com a água pela cintura.

Ao andarmos no areal vimos uns quantos robalos aos saltos. O meu marido disse: 'se calhar são peixes que aquele ali apanhou'. Pensei que seria pouco provável pois tinha-o visto entrar e sair da água mas há pouco tempo, enquanto fotografava.

No entanto, ao estarmos intrigados com aquilo, vimos que o rapaz estava, uma vez mais, a sair da água. E reparei que vinha mais um peixe a saltar na ponta da corda.

De facto, dirigiu-se ao lugar onde os outros robalos saltavam e deixou ficar mais um. 

E voltou a entrar na água. E nós continuámos. Mas intrigados com aquilo. Até sugeri que o meu marido passasse a dedicar-se à pesca. Ia um bocadinho até à praia e regressava carregado de robalos. O meu marido disse: 'Há anos que andas a querer isso.' Protestei. Não me lembro de alguma vez ter sugerido isso. Ele diz que sim. Depois condescendeu: 'Talvez nos últimos anos não tenhas dito. Mas já disseste.'. Nestas situações, não vale a pena a gente fazer braço de ferro. Observei apenas: 'Não sei. Mas tenho quase a  certeza que nos últimos cem anos não disse'. E ele também já não disse nada.

Mas eu estava deveras intrigada pois não vi o rapaz a pôr isco no anzol. Aliás, nem devia ir a pensar apanhar aquilo tudo pois, pelos vistos, nem tinha onde pôr o peixe.

Continuámos o nosso passeio. Na volta, voltámos a vê-lo. Vinha a sair da praia. Vinha uma rapariga com ele, com um saco de plástico na mão. Talvez levasse lá os peixes. O rapaz trazia um robalo grande na mão, bicho para uns dois ou três quilos. Parecia um daqueles caçadores que andam com os coelhos ou os patos à ilharga. Um casal que ia a passar abeirou-se e pareceu-me que logo ali estavam a mercadejar. 

Pensámos que também poderíamos ir transaccionar um daqueles peixes para levar para a janta. Mais fresco não poderia haver. Eu disse, quase me lambendo por antecipação: 'Grelhadinho...' Mas o meu marido disse: 'Sim, deveria ser bom. O problema é o trabalho que ia dar'. Concordei: 'Ia, não ia...?'. E seguimos viagem. A brisa fresca do mar tinha-nos feito bem, estávamos mais frescos mas não a ponto de nos irmos pôr a atear fogareiros.

E foi isto. Um dia tranquilo, portanto.

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E, façam-me o favor, queiram descer até ao post abaixo. 

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Desejo-vos uma boa semana, a começar já nesta segunda-feira

Saúde. Confiança. Força. Melhores dias. Paz.

segunda-feira, abril 25, 2022

25 de Abril.
Nome do meio: Liberdade

 


Estes meus dias, o sábado e o domingo, foram dias muito bons. Estive com a família, com os meus meninos. O meu coração abre-se num abraço quando estou com eles. 

Sinto-me feliz e agradecida e gosto de ver que eles também se sentem bem. 

Os primeiros que chegam perguntam sempre pelos outros. Neste domingo não estiveram ao mesmo tempo. Os que vieram na parte da manhã tinham, logo a seguir ao almoço, um programa de festas apertado e que começava cedo. Por isso, quando os segundos chegaram já os primeiros tinham saído. Ficaram com pena. Mas, apesar disso, quer os da manhã quer os da tarde estiveram felizes da vida. Gostam de cá estar. 

Agora, para além dos primos e tios e avós há também este ser felpudo, amalucado e meigo, que fica doido de alegria quando os vê.

Brinca, brinca, deita-se para receber mimo, anda no meio de nós recebendo carinho de uns e de outros. 

Este domingo, o menino mais crescido -- que vai ter teste de português esta semana --, para treinar a composição, escreveu um texto (por sinal muito bem escrito e imaginativo). Eu li o texto, elogiei embora tivesse ressalvado um erro ortográfico e umas vírgulas fora do sítio, e a mãe leu-o também e também fez os seus comentários. Às tantas, vimos a pequena fera de composição na boca. Com tantos comentários, deve ter querido saber se também aprovava. Então, o menino dizia: 'Senta' e ele parava de correr e sentava-se. O menino dizia: 'Fica' e a fera ficava. Então o menino aproximava-se e dizia: 'Larga'. E a fera desatava a correr como se não houvesse amanhã, a composição na boca.

O mano dizia que o seu amigo felpudo era terrível, se calhar saía ao padrasto. 'Ao padrasto...?!'. A mãe perguntou: 'Ao padrinho?'. Sim, era isso, confirmou ele, o padrinho da fera.

De manhã, ao abraçar e beijar o mais novo, disse-lhe: 'Meu menino mais lindo'. E ele disse: 'Os meus pais nem sempre estão de acordo'. Assim, de repente, não percebi. 'Não estão de acordo com quê?'. Ele encolheu os ombros e disse: 'Que eu seja um menino lindo. Eu às vezes sou maroto...'. Abracei-o ainda mais, 'Meu marotinho mais lindo'.

Enquanto isso, a menininha ajudava-me na cozinha e confessava que adora cozinhar mas coisas complicadas, dizia. O irmão do meio, também a ajudar, refutava: 'Mas, mana, se tivermos que fazer o jantar, temos que saber fazer o básico, arroz, mexer um ovo'. E ela, na base do dahhhh...: Ó mano, claro que sei fazer isso tudo...

Todos eles me surpreendem, encantam e divertem, cada um à sua maneira. 

Apontamentos de momentos de maravilhamento e boa disposição. Tomara que sempre os retenha na minha memória e eles na deles.

Mas não me sinto apenas feliz por vivê-los: sinto-me também agradecida. 

Vivo num país lindíssimo, acolhedor. O clima é aprazível. O ambiente é luminoso e descontraído, as pessoas são afáveis e bem dispostas.

Antes espantava-me quando, nos outros países, via as pessoas deitadas ao sol, na relva, em jardins públicos, algumas em fato de banho. Ou pessoas cantando na rua, outras fazendo acrobacias. Pessoas andando de barquinho a pedais em lagos, as esplanadas cheias, gente cantando ou rindo em voz alta. Em contrapartida, por cá, as praças estavam vazias, ninguém se deitava na relva em parques públicos, quase não havia esplanadas e, nos restaurantes, falava-se sempre à boca pequena. Talvez fosse ainda o lastro do regime anterior, soturno, ensimesmado. As pessoas viviam viradas para dentro de casa e para dentro de si próprias. Havia ainda a psicose do que os outros pensavam ou deixavam de pensar. As pessoas tinham medo de se expor pois temiam a censura alheia.

Felizmente a nossa democracia foi amadurecendo. Desinibimo-nos, aprendemos a divertir-nos. E ninguém leva a mal.

Agora somos um país aberto aos outros e à diferença, as ruas estão cheias de vida e de diversidade, há alegria e vontade de partilhar e de conviver com a natureza e com os outros.

Vivermos num lugar assim -- um lugar tranquilo, luminoso, pacífico, cheio de sol e de mar e de jardins e serras e em que se vêem pessoas de todas as cores falando todas as línguas, vestidas das maneiras mais inesperadas, fazendo as coisas mais bizarras -- é uma felicidade.

E, se me sinto feliz por poder viver e testemunhar esta sorte, a verdade é que sei bem o quanto tudo isto é frágil.

Desejo que seja perene e que deixe boas memórias em quem vive estes momentos bons mas não me iludo: de um momento para o outro tudo pode mudar, tudo se pode perder.

Há cerca de dois anos fomos todos mandados para casa porque um vírus ameaçava a nossa vida normal, obrigando-nos a uma adaptação repentina a outros hábitos, longe uns dos outros, sem contacto físico, receando contagiar-nos uns aos outros.

Pelo meio o meu pai morreu e não apenas não pudemos velar o seu corpo (o que não me custou muito pois penso que me teria custado mais estar numa capela rodeada de gente sabendo que o seu corpo frio estava ali, ausente, destituído daquilo que ele tinha sido) como foi muito triste ver chegar a carrinha com o caixão envolto em película aderente e estarmos cá fora, poucos, todos meio abandonados. Pensar que o meu pai estava ali e nós a despedirmo-nos dele tão pouco condignamente causou-me muita tristeza. Mas tudo é relativo. Na morte e nas despedidas há sempre tristeza, de uma forma ou de outra.

Ao fim de dois anos, agora que a pandemia está a dar mostras de acalmia, acontece a invasão de um país por outro que o quer anexar e que, para o conseguir, o bombardeia, assassina pessoas, destrói cidades e obriga a expatriar milhões de pessoas. Famílias inteiras destroçadas. Uma tragédia infinita e imperdoável.

Estou feliz, a minha casa íntegra, a minha família unida. E a primavera aí está, florida, renascida, cheia de flores e canto de passarinhos. 

E eu ando deleitada, fotografando tudo e todos, olhando cada coisa como se fosse a primeira ou a última vez.

Mas sei que tenho sorte e que nada é garantido. 

Mas é bom enquanto dura e sempre farei o que está ao meu alcance para que sejamos felizes, livres, donos do nosso destino. 

E Macron venceu em França e a Ucrânia há-de manter-se um país livre e independente e tenho esperança que conseguiremos voltar a acreditar num mundo sem muros, sem guerras, sem mal.

(E não quero saber se isto soa a ilusão sem sentido. Quero acreditar que será possível sonhar com isso e isso chega-me)

Não tenho cravos para aqui festejar Abril. Mas Abril é um mês que não apenas acolhe todas as vozes como todas as flores e, por isso, termino o texto com uma flor de que gosto muito. Para todos os que por aqui passam.


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25 de Abril sempre

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Um dia bom
Generosidade e afecto. Liberdade. Paz. 

segunda-feira, fevereiro 21, 2022

20 coisas que eu sempre

 



1 - Eu sempre gostei de canja, de iscas, de peixe cozido, de sopa de tomate, de peixe frito com arroz de tomate, de ovos mexidos de tomatada, de choco cozido com tinta, de cozido à portuguesa, de arroz doce, de tortas de azeitão e de mil outras coisas. Ou seja, reformulando, eu sempre fui um bom garfo.

2 - Eu sempre gostei de praia embora cada vez mais só goste de praia para lá caminhar e para olhar o mar, não para ficar deitada numa toalha.

3 - Eu sempre gostei de ler e sempre gostei de escrever

4 - Eu sempre acreditei mais na minha intuição do que na minha capacidade de racionalização (por isso acho um certo desperdício de tempo planear com muito detalhe algumas das minhas coisas -- prefiro esperar que no momento, consoante as circunstâncias, me ocorra espontaneamente como melhor agir)

5 - Eu sempre gostei de fazer trabalhos manuais (tricot, crochet, tapetes de arraiolos, varrer, lavar a louça, passar a ferro, cozinhar, etc)

6 - Eu sempre fui mais de descobrir e experimentar coisas novas do que de me ater a rotinas. E sempre gostei mais de produzir do que de manter.

7 - Eu sempre gostei de conviver com pessoas inteligentes mesmo que não concorde com elas

8 - Eu sempre gostei de rir e de estar com pessoas com sentido de humor

9 - Eu sempre gostei de namorar

10 - Eu sempre gostei de homens interessantes, em especial se forem bonitos

11 - Eu sempre gostei de passear, em especial de carro

12 - Eu sempre gostei de casas e de as decorar. E de estar em casa.

13 - Eu sempre apreciei os momentos só meus de sossego, silêncio e total liberdade de movimentos

14 - Eu sempre tive aversão a gente chata, maledicente, egocêntrica, engraxadora, muito faladora, parva, burra, beata, apertadinha ou que não se enxerga

15 - Eu sempre me interessei por política e sempre achei que acima de tudo tem que estar a liberdade, a democracia, o conhecimento, o desenvolvimento e a perspectiva humanista.

16 - Eu sempre fui destemida (embora seja uma maricas do pior que há em questões de saúde ou de risco, seja de que natureza for, com a família mais chegada)

17 - Eu sempre gostei de mandar embora aquilo de que mais goste seja de formar equipas, lançar-lhes desafios, delegar responsabilidades para as quais não estejam habituados, ajudá-los a superarem-se

18 - Eu sempre tive muita dificuldade em acatar ordens de quem não sabe o que faz ou tem vistas curtas ou pensa mais nos seus próprios interesses do que nos interesses da organização

19 - Eu sempre me esqueci dos aniversários de toda a gente (excepto da família mais próxima - marido, filhos, nora e genro, netos, pais)

20 - Eu sempre acho que vamos sair desta (seja qual for 'esta' -- excepto se for a morte mas, até aqui, por vezes acho que é o descanso que a pessoa merecia ou a melhor maneira de se evitar sofrimentos maiores) tal como sempre acho que não há mal que sempre dure.


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Estes 20 sempres vêm na sequência dos 20 nuncas de ontem. De notar que foi o que ia vindo à cabeça à medida que ia escrevendo. Se puxasse mais pela cabeça talvez aparecessem mais 20 de cada e, se calhar, com mais propriedade do que estes. Mas, não faz mal, fica para a próxima. 
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As fotografias foram feitas este domingo na praia e fazem-se acompanhar de Sofiane Pamart que interpreta Medellín 

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Desejo-vos uma boa semana a começar por esta segunda-feira
Saúde. Boa sorte. Boa disposição. 

sábado, fevereiro 12, 2022

Podemos defender-nos dos piratas?

 


As empresas e organismos portugueses estão desprotegidos em relação aos ciberataques?

- Estão

Uma empresa ou um organismo pode garantir que, depois de ter investido muito dinheiro em segurança, está seguro contra ciberataques?

- Não

Um pirata informático consegue sempre entrar nos sistemas de uma qualquer empresa ou de um qualquer organismo, por melhor protegidos que estejam?

- Consegue. É uma questão de tempo.

Quais são as principais vulnerabilidades das redes e dos sistemas informáticos?

- Muitas. Essencialmente as humanas.

O que deve uma empresa ou organismo fazer para melhor se defender de um ataque informático?

- Para além de investir em segurança (equipamentos, aplicações, etc), em formação a todas as pessoas da empresa e num seguro adequado, deve, acima de tudo, ter um bom plano de contingência que contemple bons sistemas de backup. Mais tarde ou mais cedo, todos serão atacados. A diferença estará na capacidade de rápida recuperação.

Pode dar um exemplo de como pode ser fácil a um hacker entrar em sistemas alheios, danificando ficheiros, capturando acessos, copiando informação, impedindo os serviços, etc?

- Um exemplo muito simples. Imagine-se um estagiário que vá trabalhar na área de IT. E, quem diz estagiário, pode dizer um trabalhador temporário. Ou mesmo efectivo. Tanto faz. Enquanto lá está, para poder trabalhar, atribuem-lhe permissões adequadas a pessoas que trabalham nesta área (permissões alargadas). Enquanto lá está, sabe como é a arquitectura das redes, dos sistemas, como é a segurança, quais as rotinas dos administradores de sistemas, etc. Quando sai, suponha-se que, por lapso, não lhe são retirados de imediato os acessos. Ou nem isso. Suponha-se que, quando lá estava, criou um utilizador com permissões alargadas. Suponha-se que, já lá fora, resolve fazer uso dos acessos e dos conhecimentos. Entra legitimamente, não é detectado pelos sistemas de segurança. Faz o que quer. Ou suponha-se que nem é ninguém de fora mas alguém que, lá dentro, resolve vingar-se. Ou que está a ser pago por alguém para fazer isso. Mil hipóteses. Mil hipóteses quase impossíveis de detectar. Ou, numa organização ainda pouco apetrechada para detectar brechas, suponha-se que alguém instalou algum equipamento ligado à rede e que se esqueceram de mudar a palavra-passe que o equipamento traz por defeito, palavra-passe essa disponível na net. Mil hipóteses. Mil. Impossível a blindagem absoluta. Impossível. Uma vez lá dentro, é só o tempo para ir entrando, conhecendo, agindo. Pode até nunca dar a conhecer que lá está ou lá esteve. E estar, silenciosamente, fazendo o que quer. Ou pode, um dia, deitar tudo abaixo. Apesar de não estar ao alcance de qualquer um, é fácil.

O que leva um pirata informático a entrar nos sistemas e nas redes de empresas ou organismos?

- Motivações políticas (em especial quando os hackers actuam a mando de Estados), motivações comerciais (para prejudicar as empresas atacadas), motivações económicas (pedindo resgates), por gozo (entrar em sistemas alheios é um desafio, é como vencer etapas de um jogo).

Os únicos riscos que se correm quando uma empresa ou organismo são atacados são apenas os de se perder informação ou de se ficar sem acesso durante uns dias?

- Não. Pode ser muito pior que isso. Se pensarmos nos equipamentos de controlo de instalações críticas tais como redes eléctricas ou de abastecimento de água ou gás, salas de controlo na aviação ou na rede ferroviária ou de metropolitano, salas de controlo em fábricas químicas ou petroquímicas, ou redes de operadores de comunicação, em especial se forem de mais que um em simultâneo. Em qualquer destes casos pode estar a falar-se em risco de vida, potencialmente em risco para muitas vidas. Ou seja, há casos que dizem respeito à segurança nacional. E espero bem que, a esta altura do campeonato, os nossos SIS estejam a validar com as empresas críticas como estão os seus planos de contingência.

De novo, o que devem as empresas e organismos fazer para prevenir situações graves?

- Levar o risco muito a sério. Em primeiro lugar devem ter um responsável de Segurança. Não deve ser uma pessoa qualquer. Deve ser alguém muito competente, muito pragmático, muito assertivo, muito bem conhecedor do funcionamento e da cultura da organização, deve ter um grande ascendente junto de todas as pessoas, deve reportar à Administração. Em segundo lugar deve haver um orçamento generoso para o tema da Segurança. 

Numa empresa ou organismo críticos, em caso de suspeita de que algum deslize pode ter acontecido, de que algo de suspeito pode estar a acontecer, o que se deve fazer?

- Ao contrário do que é costume (desvalorizar, recear 'dramatizar', ter medo de que acusem de ser paranóíco, etc), deve agir-se prudencialmente: devem avisar-se de imediato as autoridades (SIS e/ou Centro Nacional de Cibersegurança, consoante a natureza da suspeita), chamar peritos em segurança, começar de imediato a monitorizar de perto todos os comportamentos na rede e nos sistemas, em especial os que pareçam anómalos e, de imediato, verificar se todos os sistemas de contingência estão operacionais e se há quem saiba conduzi-los.

A comunicação social tem estado a dramatizar ou a empolar a gravidade dos ataques sofridos este ano (e ainda estamos no início de Fevereiro) pelo grupo Impresa, pelo grupo Cofina, pela Assembleia da República, pela Vodafone, pelos laboratórios Germano de Sousa...?

- Não. Pelo contrário. Neste caso, maior divulgação dos riscos e maior divulgação de quais as melhores práticas seriam necessárias. 
Este tema é sexy?

- Não.

Então porque temos que lhe dar atenção?

- Porque disso pode depender a nossa liberdade. Ou a nossa vida.  

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Fotografias feitas na praia ao fim de uma tarde de névoa na companhia de Sofiane Pamart que interpreta Love
A última fotografia, como é bom de ver, não fui eu que a fiz. 
Nada disto tem a ver com o texto mas de alguma forma eu haveria de tentar compensar a aridez do tema, certo?
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Desejo-vos um sábado feliz
Afecto. Encontros. Abraços. Alegria. 

quarta-feira, fevereiro 02, 2022

Do mais fashion que há: usar meias a condizer com a cor do céu

 



No fim da jornada, fomos passear para a beira mar. Apetecia-me algo -- e perdoem-me mas não vou explicar porquê. Aliás, teria desejado estar despachada mais cedo mas a reunião da tarde alongou-se. Por isso, quando ambos pudemos (porque não fui só eu a não me despachar mais cedo), fomos.  

Entardecia. 

Pessoas correndo no paredão, pessoas andando de skate, pessoas de bicicleta, pessoas passeando devagar, pessoas simplesmente olhando o mar ou olhando o céu a enlouquecer, tanta a cor.

Com o animal peludo a puxar desvairadamente, a ir de pedra em pedra, a cheirar tudo, um entusiasmo, todo um mundo por descobrir, era-me quase impossível fotografar.

Pelo caminho tinha falado com a minha mãe e com a minha filha. Já a chegar, ligou o meu filho. Por isso, ia falando com ele enquanto aproveitava as delirantes cores do sol já posto para fotografar. 

O pequeno urso ia pela mão do dono, de vez em quando abeirando-se de mim, pelo meio olhando para um lado, para outro, para trás, correndo em frente, parando, cheirando, saltando, verificando se estava tudo sob controlo enquanto tentava assimilar tantos novos estímulos.

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E, ao começar a escrever isto, passei pela 2 e estava a dar um documentário sobre Robert Mapplethorpe -- um grande documentário. 

Tenho um grande livro de fotografia dele, daqueles que sempre tentei que os meus filhos não vissem. Há imagens que tenho que confessar que me chocam pelo que ali se vê. Receava a reacção deles, receava que pensassem que algumas daquelas coisas eram normais -- ou que me colocassem perguntas às quais teria dificuldade em responder. Tenho um outro sobre ele e a sua fotografia, menos provocador. Mas sempre de uma grande beleza. O seu próprio percurso é fascinante. Focado, ambicioso, excessivo. Sou sua grande admiradora.  A estética, a pureza, a perfeição da composição, a depuração superam a estranheza que eu, por vezes, sinto. Muitas vezes, neste meu canto, aqui o tenho tido e certamente muitas mais terei. 

Deixei-me ficar a ver e, por isso, agora já são duas da manhã, continuo com o sono ainda não recuperado, esta quarta feira tenho que madrugar... e ainda não comecei a falar do que tinha em mente. Já nem vou conseguir falar.

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E estive a falar de um grande fotógrafo e, em vez de aqui ter a sua obra, estou a plantar fotografias feitas por mim. É o que tenho à mão. 

Não consegui fazer muitas, rapidamente caiu a noite e, sem concentração e com um urso peludo que, no meio da alegria, ainda se lembrou de fazer cocó ao pé de um casal de namorados e de fazer chichi ao pé dos bancos por onde passava (agora está a querer ficar um cão-machão: sempre que vê um poste, um candeeiro e, hoje, um banco, encosta-se e começa a querer levantar a perna), poucas mais fiz do que estas que aqui estou a pôr.

Como já era de noite e vi que, por não conseguir estar sossegada e porque as pessoas também não paravam quietas, as fotografias estavam a ficar desfocadas e como se as pessoas estivessem a ser agraciadas por uma chuva de estrelas, decidi parar e dedicar-me apenas à caminhada.

Fomos andando, conversando, aspirando a maresia. Há muito tempo que não íamos para ali. Fomos também buscar comida ao restaurantezinho onde, durante anos, íamos frequentemente à sexta à noite. 

Soube-nos muito bem. Logicamente chegámos tarde a casa. Depois o meu marido ainda teve que acabar um trabalho e sei lá mais o quê. Só aterrei aqui já bem tarde e, se não fosse o Robert Mapplethorpe, certamente teria adormecido.

Sei que é aborrecido fazer um post e pôr-me a falar de meu sono mas é o meu ponto fraco. Tanto que preciso de dormir bem e, no entanto, tanta necessidade que tenho de fazer esticar os dias.

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Vou-me e vai ser mais um dia em que não consigo responder a comentários nem a um mail interessantíssimo sobre casas (e sobre o lado humano das casas). Já não consigo.

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Desejo-vos uma quarta-feira feliz

Boas notícias. Boa sorte. Tudo a correr bem.

terça-feira, fevereiro 01, 2022

O passeio de domingo, a reconstituição da vida do Pina.
E os homens que vivem em barcos.

 



De domingo para segunda deitei-me tardíssimo para acompanhar os resultados, as reacções e os exercícios acrobáticos dos jornalistas de stand up e dos avençados a metro. Ainda por cima acordei muito mais cedo do que tinha previsto com o urso a atirar-se à maluca contra a porta do quarto. 

De manhã -- ou melhor, praticamente de madrugada -- o meu marido vai dar uma volta com ele. Mal entra em casa, o meu marido diz que ele corre e tenta abrir a porta do quarto. Deve querer saber se lá estou dentro. A porta fica encostada e, como o chão, que é de madeira, faz atrito, só com força se consegue empurrar. A porta não pode ficar aberta senão ele entra e, num salto, vai para cima da cama. Vindo da rua, não se pode dizer que venha com as patas muito limpas. Portanto, fica a porta encostada. Não fica fechada pois faz-me impressão, receio não ouvir alguma coisa que deva ser ouvida. Mas a verdade é que acordo sobressaltada com os encontrões que dá na porta. 

De manhã pensei que, com sorte, talvez pudesse passar pelas brasas logo a seguir ao almoço. Estava mesmo a precisar. Afinal apeteceu-me tentar recompor o livro que, no outro dia, a fera tentou devorar. Dezenas de bocadinhos de folhas. Com uma paciência chinesa pus-me a tentar encontrar, nas folhas esburacadas, o espaço para cada bocadinho. Por bizarro que possa parecer, gosto de fazer coisas assim. É tal e qual como fazer um puzzle. E eu não tenho paciência para fazer puzzles pois não tenho paciência para fazer coisas que não servem para nada. Neste caso, como o objectivo não era lúdico mas muito objectivo, tentar conseguir ler as folhas despedaçadas, tive paciência. 

Tenho esta coisa muito arreigada em mim: não desperdiçar tempo com coisas que não servem para nada. Claro que escrever aqui, a bem dizer, também não serve para nada. Mas, enfim, tenho esperança que sirva para fazer companhia a quem me lê, enquanto me lê. Enfim, não interessa. Gosto de escrever, seja ou não útil. Acho que é a única excepção. Isso ou fotografar. 

Bem, mas pus-me a tentar reconstituir as folhas. E quase consegui. Subsistiram alguns buracos em algumas páginas. Concluí que não apenas o pequeno monstro felpudo rasgou várias folhas como deve ter comido parte delas. É que apanhei cada bocadinho que encontrei na relva, não sobrou nada. Portanto, deve ter devorado, literalmente, parte da biografia do Pina.

O que é curioso é que, enquanto estive nesta actividade, ele esteve deitado ao meu lado, com o queixo em terra, como quando está expectante ou a fazer-se de morto a ver se passa despercebido. Ora costuma andar de roda de mim, pôr as patas em cima da mesa para ver o que estou a fazer, a tentar mexer naquilo em que estou a mexer. Desta vez nem pó. Cá para mim, lembrou-se que aquele livro já foi motivo de desentendimento sério entre nós e nem se arriscou a puxar assunto...

Portanto, como de seguida tive que me ir aprimorar para uma reunião, não consegui descansar. Resultado: agora estou que não posso. Daqui a nada tenho que ir dormir.

Ontem não contei como foi o dia mas posso contar agora. Em casa do meu filho, um após outro, foram todos ficando com covid. Os cinco. Sintomas variáveis mas, felizmente, pouco graves. Estão confinados há para aí umas duas semanas. Por isso, no domingo, depois de termos ido votar, só estivemos com o bando da minha filha. Almoçámos no jardim e depois fomos passear. Ela andava há algum tempo a querer ir passear para ali -- o que teve que ser muito regateado com os filhos, em especial com o mais velho que queria treinar defesas na praia.

A tarde estava boa, amena, uma luz suave, um ambiente muito agradável. É muito bom passear com o tempo assim, o mar tão bonito, a vista tão longa e delicada, todos tranquilos. O ursinho felpudo fica feliz com a família, salta e brinca e corre e derrete-se com eles. 

Faz tanta falta a chuva. Assustam-me as secas. Nem quero pensar que vamos ter falta de água antes de se ter descoberto como dessalinizar as águas do mar em larga escala e a baixo custo ou como forçar a formação de nuvens. Mas, se me abstrair dessa preocupação, é tão bom o tempo assim...

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E, nesta dança de dia após dia, o primeiro mês do ano já se foi. Anda rápido, o tempo. De manhã, quando estava a tomar o pequeno almoço, abri a porta e abeirei-me do jardim. Estava uma rola a passear na relva. Tentei manter o silêncio mas não devo ter conseguido pois ela deu uma corridinha, depois bateu as asas com força e voou. São bonitas, um platinado quase branco. Mas ariscas. Nunca me deixam chegar perto, muito menos tocar-lhes.

Quando estava a ter a reunião da tarde, tentando resolver uns problemas recorrentes e tentando anular a hostilidade de alguns contra uns outros, reparei que, lá fora, de entre a ramagem da trepadeira ao pé da janela, estava a soltar-se uma outra rola. Fiquei com pena de não a ter visto senão quando voou. 

Há um lado transitório e efémero em tudo isto, na passagem do tempo, no voo de um pássaro, nas brincadeiras de um cachorro que, não tarde, será adulto, na ternura dos meninos que, não tarda, estão grandes e independentes, em mim que talvez perca a vontade de aqui escrever fora de horas. Ainda se ao menos estivesse a escrever num caderno, em papel, se estivesse a compor um livro. Um livro sempre tenta contrariar a efemeridade disto tudo. Agora assim, a soltar palavras ao vento, palavras mais ariscas que as rolas do jardim, fico com o quê? 

Vou mas é dormir que esta conversa já não está com nada.


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Mas, antes de me mandarem bugiar, não querem ver este vídeo que aqui tenho?

É interessante e, de certa forma, tocante. Fala de quem prefere viver à margem da sociedade, abdicando de conforto e segurança, para poder sentir todos os dias o gosto da liberdade. São pessoas que vivem em barquinhos mas sabem que um dia alguém não tolerará a perturbação na harmonia do status quo e acabará com a sua forma de viver.

Living Rent-Free Next to Millionaires

For decades, the “anchor-outs” have enjoyed living in rent-free boat homes in the Bay Area. Their boats, anchored just north of the Golden Gate Bridge, float illegally in the sightline of one of the country’s wealthiest zip codes. But now, as enforcement ramps up, their way of life could be coming to an end.


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Peço muita desculpa mas não vou conseguir responder aos vossos comentários. 
Estou já mais para lá do que para cá.
Sorry.

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As fotografias foram feitas neste domingo e estão aqui na companhia de Yo-Yo Ma - Bach: Cello Suite No. 3 in C Major, Bourrée I and II

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Desejo-vos um dia feliz e luminoso.
Boa sorte. Bola para a frente. Para a frente é que é caminho.

segunda-feira, janeiro 10, 2022

Numa tarde fria, avistei duas sereias mergulhando nas revoltas águas.
De se lhes tirar o chapéu

 


De manhã fomos passear à beira-mar com a minha mãe. Depois, porque a maré vazia nos convidava, descemos mesmo à praia, caminhámos na areia, mesmo, mesmo ao lado da água. Estava sol, um leve calorzinho, cheirava a maresia. Da água e das rochas forradas a limos subia aquele perfume que me é tão familiar. A minha mãe gostou e nós também. O urso felpudo também todo contente, correndo, saltitando, uma felicidade para ele. 

A minha mãe relembrou a sua juventude quando corriam por uma estrada estreita e inclinada, atravessavam a estrada, desciam uma escada de pedra e estavam na praia. Relembrou também quando andava a estudar e quando, para atalharem caminho, iam pelas praias. 

Pensei que dantes os jovens andavam bastante a pé enquanto hoje, em grande maioria, ou vão de carro levados pelos pais ou, mal têm a carta, vão no seu próprio carro. Se calhar, eram antes mais felizes, palmilhando e construindo os seus caminhos, sendo muito mais livres.

Quando estávamos a chegar a casa, o little teddy bear pôs-se logo de pé, a espreitar pela janela do carro. E aí... tamanha foi a surpresa, ia-se passando. Ladrava, saltava, queria atirar-se, uma loucura. É que aqueles que costumam chegar quando nós estamos em casa hoje estavam à nossa espera, dentro do jardim. 

O tempo, entretanto, tinha virado. O sol tinha desaparecido e tinha-se posto um frio muito desagradável. Cinzento, húmido, desagradável.

Mas o mau tempo não inquieta os lutadores. Por isso, depois de almoço (apesar do frio, na rua), uma vez mais para a praia. Os rapazes, de todas as idades, adoram jogar à bola na praia. 

Lá chegados, um gelo quase cortante. O mar revolto e bonito. Uma vez mais sem surfistas. 

Em terra, formaram-se as equipas. O avô ficou numa das balizas. A menina também quis participar. Ficou na outra baliza. E, como é costume, aproveita a guerra no meio campo ou os ataques à outra baliza para dançar. Ensaia coreografias enquanto trauteia em voz baixa.

Claro que os intrépidos futebolistas nem reparam na beleza do mar nem sentem frio. Estavam encalorados, transpirados. São aguerridos, ali não há tréguas.

A bola é de futebol normal, pesada e rijíssima. Não sei como aguentam jogar com ela descalços.

No fim, parte deles já estava apenas em tshirt,  corados como maças saloias.

Enquanto isso, as ladies fizeram uma pequena caminhada, levando o patudo felpudo que começa a apreciar a beira da água, as escavações na areia e a proximidade de outros cães. 

Não sei como será quando o calor apertar, não sei se ficará afogueado. Mas, agora, bem coberto de pelo, mantem-se fofésimo e bem quentinho.

Nós não. Enregeladas, quase tiritávamos.

Enquanto isso, para nosso espanto, aproximou-se um grupo de três jovens mulheres. Uma estava apenas envolta numa grande toalha, outra tinha um casaco comprido mas as pernas a descoberto. Apenas a terceira estava toda vestida. 

Chegadas à beira de água, a que tinha a toalha, destapou-se, depois a que tinha o casaco despiu-o. A terceira manteve-se vestida. 

Nós, vestidas da cabeça aos pés e bem agasalhadas, nem queríamos acreditar. O frio, o vento e a humidade tornavam difícil acreditar que alguém conseguisse entrar na água.

Mas as duas jovens avançaram. Ao princípio, hesitaram. Depois uma, a morena, avançou resolutamente e mergulhou. Aproximou-se depois da loura, certamente tentando convencê-la. Até que a loura também mergulhou.









Curiosamente, depois de terem mergulhado, não mostraram frio. Pelo menos, vistas de fora, pareciam bem.

Mesmo quando saíram da água mantiveram-se à vontade, sem se embrulharem, sem bater o dente. Pareciam estar bem.

Ao sentir o frio que sentia e ao vê-las tão descontraidamente molhadas e despidas pensei que das duas uma: ou tinham o termostato avariado ou o frio é uma coisa psicológica.

Uma coisa é certa. Pela coragem, pela graça e pela beleza só se pode dizer que é de se lhes tirar o chapéu.

Quando saímos da praia já o pôr-do-sol tingia os céus e escurecia mar. Não me canso de o fotografar pois a sua beleza é irrepetível a cada segundo que passa.




Depois, cá em casa fiz sopa de legumes e jardineira de novilho. Não que fizesse falta para o jantar pois, para a janta, tínhamos restos e eu, ao domingo à noite, gosto de ser minimalista. Mas, durante a semana, apesar de estar a trabalhar em casa, não costuma sobrar-me tempo para grandes cozinhados durante o dia. 

À noite, ao falar ao telefone com a minha mãe ela disse-me: e mais um fim de semana passado, daqui a nada estamos no fim do mês. E é. Não sei se há maneira de agarrar o tempo, impedi-lo de passar a correr. Se há, desconheço. 

Mas, enfim, não me queixo. Enquanto eu puder estar onde gosto, como gosto e com quem gosto estou bem. Aliás, muito bem. E, por isso, sinto-me permanentemente agradecida.

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Nota: Tentei que não se conseguisse identificar as pessoas que fotografei. Contudo, se os próprios não gostarem de aqui se ver, peço que me contactem e me peçam que retire as fotografias que logo o farei.

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Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira.

Saúde. Coragem. Vontade de ir em frente. Boa disposição.