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sábado, abril 24, 2021

Por vezes ela tinha a alma distraída e feliz de moça que passeia com o noivo
mas, quando se irritava com os entendidos,
ia para casa comer o frango assado que tinha sobrado do almoço

 

“O poeta e os olhos da moça”, escrita por Rubem Braga a partir do relato que Manuel Bandeira lhe fez dessa história.

Publicada pela primeira vez em 1952, a crônica de Rubem Braga conta a história de Maria, uma moça de olhos de piscina que encantou um poeta. Só muitos anos depois, após a morte de Clarice Lispector e Manuel Bandeira, é que Rubem Braga revelou que os personagens da crônica eram os dois grandes autores da literatura brasileira e reescreveu o final do texto, acrescentando-lhe: “Foi há muito tempo que escrevi essa história, há quase 30 anos. Na ocasião eu não quis dizer o nome dos personagens. Hoje ambos estão mortos. O poeta era Manuel Bandeira, a moça noiva (Maria) era Clarice Lispector”.
Através de Rubem Braga ficamos sabendo que, ao sair do Praia Bar, no Flamengo, Manuel Bandeira encontra Clarice Lispector passeando com seu noivo Maury Gurgel Valente. Diante dos olhos de Clarice, assim afirma o poeta: “eu só via aqueles olhos verdes – e me recebeu como se fosse uma piscina”. Mas a moça passou com “alma distraída e feliz de moça que passeia com o noivo”.
 

Essa história deu origem a uma bela crônica escrita por Rubem Braga, na qual ele narra esse encontro e o encantamento produzido pelo olhar de Clarice em Bandeira, despertando-lhe o desejo de escrever um poema capaz de retratar aquele momento. O olhar marcante de Clarice Lispector cruzou com Manuel Bandeira justamente em um momento em que ele era consumido por uma tristeza provocada por outra mulher e foi poeticamente registrado na crônica de Rubem Braga, o qual relatou mais tarde ter contado a história à Clarice, ela, porém, não se lembrava do encontro e ficou olhando admirada para o cronista “com seus olhos de piscina”.

Caio Fernando de Abreu também relata em uma carta a Hilda Hilst a força do olhar de Clarice, definindo seus olhos como “hipnóticos, quase diabólicos”. A própria autora afirma em um de seus textos: “O amor é vermelho. O ciúme é verde. Meus olhos são verdes. Mas são verdes tão escuros que na fotografia saem negros. Meu segredo é ter os olhos verdes e ninguém saber”.

[Retirado daqui]

Mas engraçado é também o que a sua grande amiga Nélida Piñon conta de um dia em que foi assistir a uma palestra com Clarice.


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quinta-feira, maio 05, 2016

E o que eu gosto de poemas que me divertem, meio loucos, meio quase não-poemas?
E fotografias malucas?


Bom. Depois de ter estado a trocar ideias para um negócio e já a alinhar um business case com uma possível sócia, a ver se agora penso noutra coisa senão amanhã, quando estiver numa reunião, em vez de estar focada como convém a uma executiva muito alinhada, estou é a pensar em casos práticos para leccionar no curso de Sedução para Desajeitados.

É que não consigo deixar de pensar: acho que poderíamos seguir o método da AESE que é o Método do Caso

Por exemplo, casos concretos: 
  • Como é que uma tímida pode conquistar um engatatão. 
  • Como é que uma medrosa pode conquistar um convencido. 
  • Como é que um homem que tende a ser destravado pode conquistar uma beata. 
  • Como é que um mulher insegura pode conquistar um homem ainda mais inseguro. 
  • ...
Bom... matéria não falta, acho que é curso para três anos. Licenciatura à moda de Bolonha. 

Pronto. Adiante.

Tenho que desligar do tema, senão acabo a noite já a vender inscrições. Sinto-me como se tivesse visto A Luz


Mudar para poesia, por exemplo. Poesia, resulta sempre. Mas hoje estou com vontade de coisa soft. Tem dias em que ainda suporto as profundidades, profundidades relativas, claro, profundidades disfarçadas de ligeireza. Mas hoje não, hoje tem que ser na base da leviandade, coisa que me leve para a farra, que me faça sentar em volta do poeta, eu e mais uns quantos desatinados como eu, e vá de rir a noite toda. Coisa que a gente olhe uns para os outros e pergunte: Mas isto é poema ou anedota? e logo alguém diga: 'Que é que isso interessa? Toca mas é a rir!'

Vamos lá.


Pneumotórax

Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
— Respire.

— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.


Porquinho-da-Índia

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas…

— O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.


Agora um poema sério. Vá lá. 


Difícil ser Funcionário

Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho.

Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas,
E outros não-fazeres.

É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.

Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tão pouco essas palavras —
Funcionárias, sem amor.

Carlos, há uma máquina
Que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.

E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu corpo.

Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança

Não encontro a palavra
Que diga a esses móveis.
Se os pudesse encarar…
Fazer seu nojo meu…

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O Pneumotórax e o Porquinho-da-Índia são de Manuel Bandeira
O Difícil ser Funcionário é de João Cabral de Melo Neto.

As fotografias são da autoria do espanhol Chema Madoz
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E, se estiverem para aí virados, desçam, por favor, que serão muito bem vindos em Cuba, com Karl & Tony, by Chanel

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E ainda queria alinhavar dois dedos de prosa a propósito da crítica do António Guerreiro a O Meças de J. Rentes de Carvalho. Ou isso ou qualquer coisa à volta disso. A ver se ainda dá ou se fica para amanhã.