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terça-feira, julho 18, 2023

Cuecas de reserva e cebolas no saco de mão, entre outros apetrechos extraordinários, só para se perceber a pinta de Miriam Margolyes, capa da Vogue Britânica.
Mas quando ela se senta a ler, por exemplo uma troca de cartas entre Henry Miller e Anaïs Nin, a gente faz silêncio para não perder pitada

 

Aos poucos, os conceitos de beleza vão-se abrindo à normalidade. É que o normal, nas pessoas, não é a perfeição. Mulheres extremamente belas, extremamente elegantes, eternamente jovens, é daquelas coisas que, já toda a gente sabe, só se consegue com muita artificialidade e sacrifício à mistura.

A Vogue, que desde sempre, promoveu a elegância, o requinte, a perfeição, a harmonia inequívoca, aos poucos vai abrindo as portas ao mundo. Há algum tempo não passava pela cabeça de ninguém ver um vídeo Vogue com uma mulher de 82 anos, gorda, lésbica, desbocada.

E, no entanto, hoje, ao abrir o youtube, cá estava Miriam Margolyes. 

Não apenas foi capa da Vogue Britânica como agora nos mostra o que tem dentro da sua carteira. Tudo um pouco inusitado mas, talvez por isso, bem divertido. Na sessão fotográfica mostrou-se como não passava pela cabeça de ninguém e, no vídeo da bolsa, saca de lá de tudo um pouco, desde umas cuecas de tipo gola alta, uma cebola crua para dar umas dentadas de vez em quando, e outras bizarrias.

E que não se pense que Miriam é apenas uma gorda excêntrica, sem papas na língua. Pode ser tudo isso mas é também uma maravilhosa diseur. Ou melhor, diseuse. A sua dicção, os seus compassos de silêncio, o ambiente que a voz traz às palavras que lê, tudo a torna especial. 

Lá mais abaixo um vídeo delicioso em que ela e Clarke Peters lêem uma troca de cartas entre Henry Miller e Anaïs Nin. Cartas de amor são cartas de amor, é certo. Mas quando ao amor se junta o desejo e quando ao amor e desejo se junta o descaramento e quando a tudo isso se junta o gosto pelas palavras aí a mistura fica maravilhosamente explosiva. E a malícia que transpira não apenas das palavras mas também das expressões de ambos tornam o vídeo um momento de rara suculência.

Longa vida a Miriam Margolyes e a todos os que têm prazer na vida.





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Um dia bom

Saúde. Boa disposição. Paz. 

segunda-feira, dezembro 11, 2017

Um monge budista que engoliu um canário


Em 1962, para a Paris Review,  em Londres, George Wickes entrevistou Henry Miller que tinha, então, setenta anos. (Viveria até 1980).


Sobre ele escreveu, na altura, o entrevistador:
Aos setenta anos, Henry Miller lembra um monge budista que engoliu um canário. Transmite imediatamente a sensação de ser uma pessoa calorosa e bem disposta. Apesar da cabeça careca, rodeada de um halo de cabelos brancos, não há nada de velho nele. O seu corpo, surpreendentemente ligeiro, é o de um jovem; todos os seus gestos e movimentos são jovens. 
A sua voz é magicamente cativante, um baixo sonoro mas calmo, com grande alcance evariedade de modulação; Miller não pode ser tão inconsciente como parece do seu fascínio musical. Para perceber todo o sabor e honestidade do homem é preciso ouvir as gravações da sua voz.
Numa daquelas minhas coisas que não se explicam mas que estão comigo desde que nasci, teria eu uns catorze ou quinze anos, resolvi oferecer um livro aos meus pais, presumo que pelo Natal. 

Promenando por entre as estantes, o Sexus chamou a minha atenção. Folheei como sempre o fiz (e faço) e devo ter achado que era mesmo aquilo que era adequado para uma jovem púbere oferecer aos seus pais. Imagino a perplexidade deles ao receberem um presentão daqueles. Mas nunca se deram por achados, nem com isso nem com nada. O que sei é que o esconderam. Lá o descobri e li às escondidas. 

E o que também sei é que tudo o que lia me parecia natural. Tanta coisa tão cedo li que nunca nada me pareceu impróprio. Hoje posso dizer que muito do que sou, resulta, sem dúvida, de toda a incrível mescla que papei em menina e moça.

Depois desse livro, ainda li mais um ou outro dele mas, de repente, aqueles livros já não me traziam nada de novo. Talvez fosse jovem demais para perceber algumas subtilezas. Um destes dias hei-de tentar retomar o pulso àquela escrita. 

Há pouco, preguiçando aqui no meu sofá e continuando a leitura das entrevistas da Paris Review -- e lendo, em particular, a que acima referi -- apeteceu-me ir ouvir a voz de Henry Miller. 
Sou muito sensível ao timbre e a tonalidade das vozes, em especial das masculinas. Acontece-me desiludir-me de um homem apenas pela sua voz. Não sei se há explicação racional mas é assim mesmo. Exemplifico com um caso muito recente: há uma pessoa de quem tenho ouvido incontáveis e encomiásticas referências -- que é um furacão, que é super inteligente, que é corajoso, mesmo fisicamente corajoso. Pois bem: ouvi-o no outro dia e a minha expectativa, de imediato, caíu por terra. Uma voz frágil, uma voz que quer agradar. Um desapontamento

Portanto, Youtube com ela, à procura da voz de Henry Miller. Estou aqui há que tempos a ouvi-lo, há numerosas entrevistas, algumas conversas entre ele e Anaïs Nin. 


O texto seguinte refere-se ao vídeo que escolhi para aqui partilhar convosco:

Filmed when Henry Miller was 81 years old, Henry Miller: Asleep & Awake is an intimate documentary in which the author speaks about writing, sex, spirituality, and New York. 

The film opens in Miller's bathroom, a shrine covered with photos and drawings, where Miller graciously points out the highlights of his "gallery." 
His voice is raspy as he talks about philosophers, writers, painters, and friends. The unique and prolific life of a singular American artist are beautifully captured in this film.

Henry Miller: "Asleep and Awake" (aka. Bathroom Monologue) 1975



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