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quinta-feira, março 21, 2013

O que é a felicidade? (perguntas sem resposta sobre 'o meu caso' no dia a seguir ao Dia da Felicidade e um poema a propósito de Maria Teresa Horta no Dia da Poesia)





Ontem começou a Primavera e eu estava distraída. Tinha para mim que a Primavera começava a 21. Ou andava distraída ou isto mudou. Não interessa, o que interessa é que já estamos na Primavera e que o sol vem aí.  Tempo, pois, de desentristecer.

Foi também o primeiro Dia da Felicidade. Já disse aqui muitas vezes: não vou nessa dos dias de. Parece coisa artificial, motivo para estimular o comércio quando passa a época dos saldos: dia da Mulher, dia do Pai, dia dos Namorados. 

No entanto, de quando em vez lá abro uma excepção para deixar uma referência, quase que desculpando-me por ceder à agenda e alinhar com a maioria que tece loas ao dia de.

Mas hoje é diferente. Tantas vezes já aqui falei de felicidade e tantas vezes já vos desejei dias felizes que pareceria acto de serôdia rebeldia não falar aqui hoje disso.



Quando for grande quero ser feliz - Pintura numa rua da Covilhã

Eu também: quero ser feliz amanhã, depois de amanhã e todos os dias que vierem 


Poderia falar em abstracto, teorizar sobre o conceito, mas estou a escrever à pressa, não tenho tempo para abstracções. Por isso, se me permitem, falarei de mim. Não o faço por narcisismo mas porque é o caso que conheço de mais perto. Na escola de gestão AESE usa-se o chamado 'método do caso', ou seja, parte-se de um caso para se perceber o que está bem, o que está mal. Por isso, façam de conta que vou usar o método do caso, sendo que o case study aqui sou eu.

Quem aqui me costuma acompanhar sabe que não sou do género de felicidade instantânaea. Nunca envio power points com fotografias inspiradoras e frases irrefutáveis, céuzinhos muito azulinhos, florzinhas aos cachos, estrelinhas quando a noite cai, pensamentos a fazer de conta que são profundos, anjinhos pendurados ou esvoaçantes (e não é que não goste de cada uma das coisas de per se mas, tudo junto, fica uma coisa que me parece infantil, naïf, se não mesmo pirosa – e que não me levem a mal os que apreciam o estilo (gostos não se discutem, não é?)).  Nem sou de livros de auto-ajuda, não tenho nenhum, se vejo uma senhora radiosa sobre fundo azulinho a dizer coisas como Como ser feliz em três tempos, passo à frente a grande velocidade. Nada disso faz o meu género.

Também não sou o oposto disto - pensamentos profundos, alta erudição, decomposição do conceito em parcelas de modo a que nenhuma faça já sentido, ou amargura, desconfiança acerca de quem quer que seja que tenha um ar bem disposto, achando que todo o riso é postiço ou pouco inteligente ou pouco exigente. Não sou nada disso.

Para mim, deve agir-se perante a felicidade como se age em relação a alguma coisa de que se gosta mesmo que, na altura, pensemos que não precisamos dela. Pensemos assim, não preciso agora mas um dia vou precisar. Eu, portanto, o que faço é que, se gosto, mesmo que não ande à procura naquele momento, tento agarrá-la. Consumismo? Não. Pragmatismo. Sei que me vai ser útil, sei que gosto e que, um dia, vou dar graças por não ter deixado passar a ocasião.

É que o oposto disso é o que acontece com mais frequência. Uma coisa assim como quando queremos uma coisa supostamente normal mas que, quando se precisa, nunca há. Acontece isso quando o meu marido quer comprar umas calças cinzentas escuras do mais comum possível, daquelas que, por exemplo, se usam com blaser azul escuro. Ou não há no número dele, ou o tecido faz risquinhas ou tem brilho ou tem uma textura esquisita, ou têm pinças, ou têm uns pespontos estranhos. Normais, nada. Corremos tudo e não há.



Casa de pedra na encosta da Serra da Estrela, na descida para Manteigas

Uma beleza muito pura, uma paz absoluta


Quer-se uma coisa, parece uma coisa normal, e não a encontramos. 

Por isso, eu jogo por antecipação. Por exemplo, pelo natal ou pelos anos da minha filha, muitas vezes ofereço-lhe coisas para as quais ela fica a olhar de lado. Um casaquinho com brilhantes, uma blusinha extravagante, um cinto imprevisto, coisas assim. Mas eu sei que em algum momento ela vai gostar de se ver com aquilo. E assim é. Por vezes precisa de toilettes e lá está tudo à espera dela, mesmo a propósito, mesmo a calhar, faz um vistão.

Conversa fútil? Talvez. Mas é um modo de estar na vida. É que sou assim com tudo na vida.

Sem carga do passado, sem preconceitos, toda eu disponível  para o que aparecer. Claro que, nisto, nunca há ‘nada’ ou ‘tudo’. Claro que há sempre um pouco de passado ou de preconceito – mas, em mim, são mínimos. Não me interessa o passado, não me agarro a ele. Nem me interessam as restrições, os medos, as vergonhas. Sou quase como uma criança, sempre disponível para aceitar o que o acaso me vai colocando pela frente. Por isso, me encanto com tudo como se fosse a primeira vez, por isso agarro as inesperadas oportunidades.



A beleza da Serra da Estrela, a pureza da neve, a pureza do ar, a leveza da neve sobre a robustez do granito,
 um lago muito suave



Também não tento controlar as reacções dos outros, não me prendo com a maneira de ser dos que me rodeiam, que sejam como são (desde que não chateiem), não ando a controlar os actos alheios, não gosto de me maçar com aquilo que não controlo.

Tenho colegas que vivem obcecados com o ‘que se passa’, com o que os outros dizem ou fazem ou com o que vai acontecer ou com o que acontece aos outros. Eu não. Nada.

No grupo onde trabalho somos avaliados uma vez por ano. Pois até hoje nunca soube, nem nunca quis saber, quanto é que os outros tiveram na sua avaliação. Estou-me nas tintas. Procurar arrelias? Nem pensar! Em contrapartida, vejo colegas atormentados, sentindo-se injustiçados por saberem que fulano ou sicrano, que acham que não merece, teve uma pontuação superior à deles. Detesto essas conversas por mil razões (e até porque, assim, sem querer, sempre vou ficando a saber uma ou outra pontuação, coisa que prefiro nunca saber). Uma vez um colega meu desfez-se em lágrimas por ter sabido que tinha tido a avaliação mais baixa de todo o grupo de gestão. Um homem do mais bem disposto que há, folgazão, namoradeiro, bon vivant e em lágrimas por não perceber como o tinham avaliado pior que a um outro colega nosso que ele achava um zero à esquerda. Não estou a inventar, juro. Isto aconteceu mesmo no silêncio do gabinete dele, comigo especada à sua frente sem saber o que lhe dizer. Achava aquela conversa e aquela reacção disparatadas, escusadas, ridículas.



Numa Igreja em Manteigas, vitral com varanda de madeira à frente

A paz do recolhimento, a luz, a cor, a imagem sacra, o silêncio


Eu não me comparo com os outros, fico contente com o que tenho. Já sou avaliada há anos e garanto-vos que é coisa que não me aquece nem arrefece. Ou seja, fico na boa. Sem ter termo de comparação, admito que tive a avaliação justa.

Também aqui na blogosfera dou por vezes com situações que me parecem completamente descabeladas: há pessoas que escrevem comentários desagradabilíssimos ou posts agressivos ou de censura para com outras pessoas. Eu própria já fui vítima disso. Não compreendo. O que leva uma pessoa a armar-se em censora e resolver incomodar os outros que estão quietos no seu canto? Ou o que leva alguns bloggers a armarem-se em arautos da moral e dos bons costumes? Dou um exemplo: o que leva alguns a desencadearem verdadeiras ofensivas, invectivando quem resolve escrever de forma anónima ou sob pseudónimo?  Que diferença lhes faz? Certamente, a seu tempo, teriam sido censores de Fernando Pessoa ou de Rómulo de Carvalho ou de Adolfo Rocha.

Pessoas assim, que implicam com os outros, que embirram por dá cá aquela palha, que transformam os outros em adversários, são pessoas que causam mau ambiente à sua volta, pessoas quezilentas que desperdiçam o seu tempo com irrelevâncias, geralmente pessoas mesquinhas, incapazes de ser felizes. 



Árvores ao longe, ao entardecer, a serra ao fundo - na Covilhã

Uma beleza suave, etérea, quase a invenção de um pintor


Claro que o que estou a dizer não é extrapolável para os domínios da indignação ou do exercício da cidadania responsável. Se acho que o meu país está a ser governado por gente incapaz, por gente que nos anda a dar cabo da vida, aí protesto e protesto veementemente. Mas faço-o justamente porque acho que eu e todos os meus concidadãos temos direito a uma vida feliz e digna e, para defender isso, lutarei como souber e puder sem que nada me detenha.

Mas, de resto, deixo encantar-me por coisas simples. Uma palavra simpática, um sorriso, um gesto. A beleza do sorriso das crianças. A beleza das flores, dos livros, da música, de uma boa comida, de um bom vinho, de uma bela paisagem. Agarro as pequenas coisas que me aparecem mesmo quando as não espero. Não complico. Gosto de ver os outros felizes. Sinto-me bem junto de quem está bem.

E não me preocupo antes de tempo. Não faço dramas. E, se à minha volta tenho gente cheia de medo do que vai acontecer, pergunto: 'o que é o pior que pode acontecer?'. Depois de pensar, geralmente chega-se à conclusão que o pior que pode acontecer é uma coisa de nada. Rimo-nos e descontraímos.

Não sei definir o que é a felicidade mas sei o que é sentir-me feliz. Se a cada momento que estou feliz tivesse que dizer a razão de ser desse meu estado, sentir-me-ia talvez ridícula porque os motivos são, a maior parte das vezes, insignificantes. Mas é na ausência de significado que tantas vezes reside a poesia da vida, não é?



........

As fotografias que escolhi mostram instantes que achei belos e durante os quais me senti feliz.

........

E, porque hoje é Dia da Poesia (...mais um dia de...), eis a Felicidade segundo Maria Teresa Horta:



Retomo estes anos
nos teus braços
diariamente calma e segura

os dias caminhando passo a passo
prendem-me aos teus braços
com ternura

E o prazer mais louco
de te ter
aquele mais sedento de ser tua

Dos beijos que me deixas
num doer
e devagar no corpo se insinuam


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FELICIDADE! Tudo aquilo que espalhámos
que vemos, que sentimos à nossa volta.
Coisas, objectos, sinais do que somos,
do que fomos, do que vivemos
do que queremos ter perante nós.
Testemunhos inertes de nós mesmos,
dos lugares que visitámos no tempo.
Rostos, rastos, restos, rumores
que queremos guardar
nossa memória visível,
no espaço que, dia a dia,
peça a peça, vamos construindo.
O nosso canto, o nosso muro,
a elaboração paciente de nós mesmos,
onde diariamente nos revemos,
onde sempre somos vida e morte
fonte inesgotável do nosso continuar.



[Joaquim Castilho]


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Continuo sem conseguir tempo para responder aos comentários e aos mails. Só consegui sentar-me aqui já passava das onze da noite e, com isto de escolher fotografias, reduzi-las, etc, e de conseguir desencantar músicas compatíveis com o blogue (cada vez mais, as que escolho só estão disponíveis para serem ouvidas no youtube), perco um tempo infinito. Também não consegui tempo para colocar nada no meu Ginjal. Já é tardíssimo e há pouco, ao dar uma volta pela internet para saber das novidades, li que que dormir menos que o necessário faz um mal danado à saúde, retira anos de vida e torna as pessoas mais propensas a ataques cardíacos. Razão tem a minha filha que me diz que passe a ser mais bissexta, isto é que não faça tudo o que faço todos os dias. Se calhar, vou mesmo ter que optar, ou deixar de responder aos comentários, ou um dia responder aos comentários e não fazer mais nada e no outro escrever aqui, e noutro dia diferente no Ginjal. Com muita pena minha, tenho que pensar nisso. 

Outra das coisas é escrever menos... Ponho-me a escrever e saem-me estes testamentos, credo. Não hei-de acabar de manhã?! Além disso, este já é o segundo post. Aqui abaixo poderão ver a 'reportagem' do percurso descendente das minhas férias gigantes.

.....

E, por hoje, nada mais a não ser desejar-vos uma bela quinta feira e que sejam muito felizes; ou melhor, que sintam, muitas vezes pequenos instantes de felicidade e que procurem a poesia que há à vossa volta.


Fim do passeio à Serra da Estrela. Covilhã e Castelo Branco. Um passeio muito bonito que recomendo a todos os meus Leitores


Férias...? Pois é... foram-se. 

Uns diazinhos apenas, curtinhos, não mais que uma escapadela. Saborosos mas tão curtinhos. Não importa. Não dá para mais, não dá. Aproveita-se cada minutinho e quando for possível lá gozaremos mais uns dois ou três dias. Como dizia uma vez um homem de idade que namorava uma mulher bem mais nova, 'o que é bom, pouco basta'. Pois, pode ser. Ou, como costuma dizer a minha mãe, 'até onde chega não é curto'. 

De volta à realidade, aqui estou apenas para dar conta da vinda. 

De manhã, ainda assim, mais uma caminhada. Temos este hábito e não há férias que o interrompam. Quando a caminhada é também passeio, tanto melhor.



Edifício antigo reflectido num espelho de água (Covilhã)


Depois, paragem em Castelo Branco. É uma cidade que não recordava tão grande. Entrámos por um lado e eu queria ir a um jardim do extremo oposto. Tivémos, pois, que atravessar a cidade. Uma cidade sóbria, movimentada, casas bonitas.

Queria ir ver o Parque Urbano mas fiz confusão e pensei que se chamasse Parque Municipal. Vi no smartphone a morada e, portanto... foi ao Parque Municipal que fomos parar.

Claro que mal lá cheguei percebi logo que me tinha enganado no nome mas depois de termos atravessado a cidade e com o GPS meio baralhado a mandar-nos sair na 2ª saída da rotunda em sítios onde não havia qualquer rotunda e outras que tais, não deu para abusar da sorte. 

Mas também não faz mal. Das vezes em que por ali tinha andado acho que me tinha ficado pelo Jardim do Paço. Não me lembro de alguma vez ter visitado o Parque Municipal e vale bem a pena. Não é grande mas é muito bonito.



A cidade que se eleva sobre o Jardim do Paço do outro lado da rua até ao castelo,
vista a partir do plano de água dentro do Jardim Municipal


O Jardim tem muita água, fontanário, repuxos, tanques, muito bonito mesmo. Um jardim onde deve ser muito agradável estar. Eu, que gosto tanto de jardins, espanto-me sempre quando vejo o pouco uso que as pessoas dão aos jardins, ao contrário do que acontece noutras cidades europeias em que os jardins são pólos de vida.



Ler um livro, conversar, namorar ou simplesmente estar - aqui deve ser um lugar ideal


E, depois, vim encontrar aqui um recanto que me fez lembrar Barragán, o repuxo entre muros coloridos. Mas não. Era-me familiar mas só depois vi porquê.



Tanque e repuxo no Jardim de Castelo Branco - Azulejos de Cargaleiro


É uma presença inesperada neste jardim mas uma presença muito bem enquadrada, um lugar inspirado, feliz.


É, pois, uma obra relativamente recente como se pode ver pela assinatura:
Cargaleiro - 2003


No painel lateral, um poema de João Roiz de Castel-Branco (e os senhores especializados na matéria me dirão se está correcto 'tã' tristes quando todos os outros são 'tam'):



Senhora, partem tão tristes


Senhora, partem tão tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tão tristes, tão saudosos,
tão doentes da partida,
tão cansados, tão chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tão tristes os tristes,
tão fora d' esperar bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.



Edifício da Misericórdia (se não estou em erro)


E, assim, voltei. Não parti triste porque não era caso para tanto e porque lá voltarei muitas mais vezes. 

O País é lindo e vê-se tão pouca gente na rua. As pessoas ficam em casa, não saem. E passear é tão bom. Porque se deixam ficar fechadas em casa? Porque não vêm ver as flores, as árvores, o céu, porque não vêm  usar o que a natureza nos dá e ver o belo património que temos? Porque não vêm ler para a rua, conversar com outras pessoas? As ruas são bonitas, os jardins são tranquilos, espaços de paz. Porque não estão cheios de gente?

Não sei.


Agora aqui estou, de regresso ao trânsito, à confusão das grandes cidades, à minha mesa pejada de livros. Mas, apesar da curta duração destas mini-mini-férias, vim carregada de fotografias, de natureza, de ar muito puro e ainda trago nas mãos e no olhar a pureza da neve.



A Serra da Estrela junto à Torre

*

(A ver se ainda escrevo aqui acabo uma coisa que há pouco deixei a meio sobre a felicidade)


terça-feira, março 19, 2013

Uma massagem de pedras quentes para ficar nas nuvens. E, por falar em alturas, a alvura da neve, a beleza da natureza e a beleza das cidades junto à Serra da Estrela (e o Chipre e o Gazprom e o anormais do Eurogrupo lá tão longe)


Ainda não vi um único telejornal ou sequer ouvi um noticiário. Há pouco contaram-me ao jantar que as coisas por essa Europa fora estão confusas, perigosas. Gente estúpida à frente dos países e das instituições é no que dá. Nestas coisas é bom não esquecer as mais elementares leis da física. Uma delas, transposta para a realidade económica e financeira dos tempos presentes, pode dizer-se assim: quando há quem muito perde há forçosamente quem muito ganha.

Pseudo-liberais de meia tigela tomaram conta do burgo? Do melhor que há para os grandes senhores do dinheiro, do petróleo, das armas, as máfias, os traficantes, os especuladores. 

E agora? O que fazer quando tudo arde?

Ir para a rua, ocupar o espaço, impedir que o saque continue. Depor os fantoches, os ignorantes, os vendidos.


Mas digo isto à distância. Fui para fora cá dentro e, para que o pouco me saiba a muito, vivo-o ao máximo.

A ideia era descansar mas não tenho grande paciência para estar de perna estendida. Como sempre preparava-me para vir carregada de livros. Sabendo do que a casa gasta, alguém com mais bom senso que eu forçou a escolha. Acabaram por vir apenas dois e, desses dois, ainda só peguei num deles que mal vai nas primeiras páginas. Um petisquinho com que a ver se amanhã me deleito mais um pouco: A Polaquinha de Dalton Trevisan.

O dia hoje foi todo ele de passeio. Longos passeios a pé e também de carro. Saímos cedo, logo a seguir ao pequeno almoço e apenas regressámos perto das seis. Banhos e o que eu gosto de estar metida na água, nadar, sentir a água quente a vestir-me a pele. E depois, ah depois, uma coisa de ir aos céus. Massagem com pedras quentes.

Eu conto.

Entrei. Escuro, apenas umas quantas velas. As paredes escuras, uma música suave, flauta, violino, bambu, uma música lenta, baixo, quase um sonho. Por cima da marquesa um véu encarnado, transparente, a luminosidade vermelha muito ténue.

A massagista diz que me dispa e me deite de barriga para baixo, braços ao longo do corpo. Sai. Depois, entra, tapa-me com um lençol. A seguir põe-me pedras quentes na base das costas, nas palmas das mãos. Começa então. Destapa-me uma perna, põe óleo, massaja, primeiro com as mãos, depois com seixos macios e quentes. Depois a outra perna. Depois volta a tapar as pernas e sobe. Depois um braço, depois o outro. Depois as costas e massaja vigorosamente, com as mãos, com as pedras quentes, depois suavemente, depois a nuca, desfaz um a um qualquer nó que possa haver. Depois diz, num sussurro, que me vire devagar. Coloca-me seixos quentes sobre o externo. E recomeça. Um pé, dedo a dedo, depois toda a perna. Por fim, põe um pequeno seixo quente entre cada dedo e um maior na sola do pé. Depois passa um pano para os prender. Depois a outra perna. A seguir prende seixos quentes entre mim e a marquesa, de cada lado do corpo. Passa então para os braços, a mão, dedo a dedo, o braço, depois volta a colocar-me um grande seixo quente na mão e passa para o outro lado. Depois os ombros, o colo, depois o rosto, pedras quentes rodam à volta dos olhos, da boca, na testa, no pescoço, depois sobem pela cabeça, depois são as mãos que actuam, rápidas, precisas, profissionais. Uma hora e quinze minutos.

Se me tivessem aparecido, naquele momento, ali à frente, o Gaspar, o Passos ou até mesmo o Relvas acho que não ia conseguir abrir a boca para lhes dizer o que acho deles, para os mandar ir bugiar, nada, nada, irritação igual a zero; acho que ficava a olhar para eles, muito zen, esperando que se dissipassem. 

A massagista é uma jovem beirã. Tem braços fortes. As mãos poderiam amassar pão, ou amassar queijo, ou barro. Massaja-me vigorosamente quase como se amassasse e moldasse a minha carne e poderia estar a transformar o meu corpo num vaso que eu nada diria. Aliás, eu estava nas nuvens, incapaz de falar. 

Antes da massagem começar, eu tinha-lhe dito que me acordasse, caso visse que eu tinha adormecido e fosse necessário virar-me. Mas não adormeci. Podia lá eu perder uma sensação tão boa...?

Saí de lá como estivesse a flutuar, pés nas nuvens, cabeça na lua. 

.....

Mas, antes, a neve. Limpa, branca, o céu muito azul, o ar muito puro. Já tinha saudades desta beleza imaculada.




O país é o mesmo em que vivo, um país entregue a gente muito má. Mas aqui tudo é tão inocente, tão lindo, parece outro.




Mergulho as mãos na neve. O gelo é belo, fresco, incorrupto. Tiro fotografias que envio para que os meninos vejam a neve nas minhas mãos.




O país é tão pequeno mas tão diverso. Tudo tão perto e, no entanto, que distantes as maldades da gente estúpida que teima em destruir a vida das pessoas. Aqui tudo parece imune à destruição. A natureza é mais forte que a mesquinha vontade dos pequenos homens.




A água irrompe de todo o lado, desce as encostas, trepida, uma música limpa, límpida, branca, pura, e pelo ar transforma-se em gelo. Até que chega ao rio.




E o rio é transparente, muito inocente, quase infantil, um rio pequeno, brincalhão, saltando e correndo como um menino.

....

Centenas de fotografias. Tanta a beleza, tanta, que país tão belo o meu. Tanta beleza para amar. Mas aqui, neste espaço, tenho que me conter. Sei que, quem aqui vem, quer pequenos traços, instantes. Devia acabar aqui que, como sempre, isto já vai longo.

Mas mostro-vos ainda a beleza excessiva, inexplicável.




As grandes rochas que brincam umas com as outras, que se encavalitam, se aninham, abraçadas, instáveis, um equilíbrio instável como um casamento eterno.




E as casas que carregam um peso brutal nas costas - ou que não: que se abrigam, protegidas sob a imensidão da terra, essa mãe que nos abraça entre os seus braços fortes e quentes.

Mas, claro, há também a beleza das cidades. Uma cidade é a casa dos cidadãos, o seu espaço, e estas são, sem dúvida, cidades muito amadas.




Arranjadas, tratadas com desvelo, todas elas carinho. E há as pinturas nas paredes que as transformam em arte.




E as igrejas. Tão bonitas. Tantas, tão bonitas. O silêncio e a beleza das igrejas da minha terra. Vazias,  quase sempre vazias, mas sempre tão limpas, tão bem cuidadas, abrigos serenos, lugares de paz e recolhimento.




A arte sacra, a imaginação, a ingenuidade. Que ternura sinto, que encantamento, que tranquilidade.

E depois, já noutra cidade, na rua, a devoção ingénua, as flores, o inesperado colorido num recanto entre a pedra ancestral.




Mas, depois, a imponência, a desmesura, a fé transformada em obra. Por mais de cem anos se construíu em granito, em anfiteatro. Uma beleza sóbria, digna, envolvente. A Sé. O senhor apareceu ofegante, 'eu sou o guarda da Sé'. E explicou-me e todo ele era orgulho. Quatro estilos, a única. Em anfiteatro, a única. E eu disse, 'é linda' e ele assentiu, em silêncio, muito orgulhoso.




E cá fora, depois, Cargaleiro logo reconhecido, meu vizinho. Que contraste e que alegria. Depois da imensidão da pedra, da desmedida das alturas, eis que o pequeno gesto, a cor e o desenho quase infantil, quase doce.




Gostava de poder mostrar-vos tudo, tantas fotografias, mas tanta beleza não caberia aqui. 

(E já é tardíssimo, passar as fotografias para o computador, escolhê-las, reduzi-las, um tempão!, sempre tão tarde... Tenho que apagar a luz antes que seja posta fora do quarto, ainda vou passar a noite no corredor...)

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Se me permitem, gostaria ainda de vos convidar a visitarem-me no Ginjal e Lisboa. Hoje é dia do Elmano Sadino, e, porque o Poeta assim o pede, para além dos poemas escritos temos, também, a sua poesia dita pelo Jel (d'Os Homens da Luta) e pela Odete Santos e, ainda, o making of do Bocage.

A música é linda, parece água a correr: Chopin nas mãos de Nelson Freire. Mais uma grande interpretação.


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E, por hoje, nada mais. Apenas desejar-vos um dia muito feliz, de preferência rodeados de beleza e de bondade.