Mostrar mensagens com a etiqueta Ennio Morricone. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Ennio Morricone. Mostrar todas as mensagens

sábado, novembro 26, 2022

Um dia sem cor a acabar numa casa coloridíssima

 


Felizmente estou a chegar ao fim desta semana que começou carregada de moleza vacinal para acabar atolada em chatice profissional. E, ainda que não perguntem, adianto que disse vacinal pois está na moda usar palavras assim. Por exemplo, em vez de dizer que está a decorrer um concurso há quem se esmere e diga que está a decorrer o processo concursal. Há gente que mal lhe atiram uma parvoíce qualquer dita com cagança vai logo atrás a ladrar a ver se abocanha. E, passado um bocado, é vê-los a papaguear a mesma palermice. Agora, para armar ao pingarelho, é tudo a acabar em al: processo vacinal, processo concursal. Não há pachorra. Dá vontade de dizer: e se fossem pastar para o milheiral?

Pelo meio tive de tudo e, para animar o meu estado disposicional (lá está, a acabar em al), tive o telemóvel a chamar-me, de madrugada, para atender chatos e inconvenientes e tive reuniões a arrancar a horas impróprias para gente civilizada. Eu sei que há gente madrugadora e que, nem por isso, se considera menos civilizada. Seja. Que sei eu? Sei, no máximo, que é uma civilização na qual não encaixo. Um dia bom para mim seria dia em que pudesse acordar, devagarinho, entre as dez e as onze da manhã e pudesse deitar-me por volta das duas ou três da manhã sem me sentir culpada. Mas não. Há quem se ache um exemplo de virtudes por se levantar às sete ou menos. Não sei que virtude há nisso.

Mas isto para dizer que foi toda a santa semana nisto e que, para mal dos meus pecados, nem por isso consegui fechar os olhos a seguir ao almoço ou desligar do maçadal enquanto ainda havendo luz do dia.

É certo que a semana que vai entrar tem um bombom a meio, um feriadinho que vem a calhar que nem ginjas. Infelizmente já tenho os dias (os úteis) fornicados, alguns a começarem outra vez à hora a que o galinhal abre o olho. 

É a vida, bebé, dir-me-ão os cruéis que aí, desse lado, suspiram de impaciência com os meus padecimentos.

Claro que o meu estado de espírito se tem fortemente ressentido e, portanto, entre dois problemas, disparei um mail que certamente doeu a quem o recebeu. Teve que ser. E sorte ser por mail, senão seria mesmo na base da faca ao peito. Depois, passado um bocado, ao rever mentalmente o que tinha escrito, concordei comigo, palavras acertadas, linda, mas, num recanto de mim, reconheci que, se não é TPM, é mas é que estou a precisar de férias. Quando preciso de descansar fico como os bebés que precisam de descansar: ninguém atina com eles.

Com isto tudo, claro que não vi televisão nem sei de nada do que se passou no planeta; nem quero saber. 

Aliás, corrijo. Vi, sim, vi o Master Chef Australia, um dos meus programas de televisão favoritos. Quando acaba fico sempre triste. Podia ficar o dia inteiro a ver aquela gente a fazer arte com géneros alimentares. E agora, se me derem licença, vou ali mas é enfiar as mãos na arca do tesouro do youtube, vou ver que preciosidades tem para me mostrar.

-------------------------     -------------------------   -------------------------

Eu acho que o YouTube é uma daquelas bichas que nos desvendam a alma, que nos fazem rir, que nos contam histórias, que fofocam e exageram e armam dramas e tudo sempre na maior amizade. Best friends forever. O meu grande amigo, a quem o meu marido, nas costas dele, trata por 'a tua amiga' e a quem a minha filha, também nas costas dele, trata por Lady, é assim. Não há temas tabu com ele. Com ele posso falar do estado do meu cabelo, dos sapatos que me apertam, da blusa que desfavorece a outra, dos gafanhotos que o outro deita quando fala, do pão que é o Brad Pitt. Rimo-nos que é um gosto. Uma vez estava todo desgostoso porque a mulher lhe tinha ligado em lágrimas a dizer que a empregada tinha partido um jarrão chinês que tinha na entrada. Coisa com metro e meio de altura, carérrimo. Imaginei horrores. Uma vez mostrou-me uma fotografia de um sofá novo. De susto. A mulher, uma bonequinha pequenina e fofa, toda beta, toda tia, tem um gosto que faz favor. Mas sobre isso não comentei. Não quis lançar desconfiança sobre o precioso décor da sua linda maison. E até pode ser que aquele luxo asiático seja bonito para chuchu e que eu é que não alcance coisa assim, completamente fora da minha lógica.

Mas isto para dizer que o YouTube acertou outra vez. Nada melhor para animar a minha disposição do que o Milton Cunha a abrir as portas de casa para mostrar os seus pertences.

🎭 Milton Cunha mostra sua casa colorida, cheia de personalidade e decoração afetiva | Pode Entrar

O cenógrafo e carnavalesco Milton Cunha abre as portas do seu apartamento, no Rio de Janeiro, onde mora com Eduardo, seu marido, para mostrar a sala, a cozinha, o escritório e a varanda. Como ele mesmo define o local “é uma casa coloridíssima, praticamente uma alegoria!”. A sala é decorada com várias esculturas e quadros de vários lugares do mundo, desde arte popular do Piauí até Macau, na China, passando por um quadro propositalmente torto do pintor Carybé. Ali também ficam relíquias herdadas do mestre carnavalesco Joãozinho 30. A cozinha também bastante colorida e decorada com plantas é onde Milton prepara risoto, sua especialidade. O passeio termina na varanda com cobertura de sapê e vista para o verde, lugar onde o casal recebe os amigos para confraternizações


Yes!

__________________________________________________________________

Pinturas de Margot Fanjul na companhia de Alexandre Tharaud & Nemanja Radulović que interpretam  Dedica de Ennio Morricone

__________________________________________________________________

Desejo-vos um bom sábado
Saúde. Sossego. Paz. 

segunda-feira, agosto 29, 2022

Breve crónica de um dia in heaven com receita de ossobuco dentro.

E citações inteligentes de Einstein, só porque sim

 


Os esquilos estão certamente habituados ao silêncio, ao canto dos pássaros, ao sino que toca ao longe. 

Agora, quando aqui estamos, como não estamos só os dois, há muito ruído, os meninos falam muito alto, há sempre alguém à procura de alguém, alguém a chamar alguém. 

De manhã, varremos no lado da casa perto da fonte e da pedra grande. Vários carrinhos de mão cheios de folhas secas, de bolotas, de caruma, de pinhas roídas. Toda a gente a trabalhar. O meu marido lá por baixo desbastando árvores e nós todos, cá em cima, varrendo. Em alguns sítios já só lá vai de ancinho, que a caruma ganhou altura e se mistura com terra.

De esquilos nem sinal. Devem estar abrigados, intrigados, no alto dos cedros ou dos pinheiros, esperando que chegue a noite para virem cá a baixo tentar perceber o que se passa. Mas devem andar na zona mais baixa do terreno, que foi onde o meu marido viu o último. Já devem ter percebido que aqui em cima há arraial todo o santo dia.

O dia esteve muito bom, não excessivamente quente. À tarde a luz está dourada. Tenho tirado poucas fotografias pois, quando estivemos no Algarve, levava quer o cão quer a máquina para a praia. Colocava a máquina dentro do cesto. Mas foi naqueles dias de calores excessivos. O urso felpudo, encalorado, coitado, escavava freneticamente até encontrar areia molhada para nela se deitar. Nesse exercício de escavação, atirava areia pelos ares a uma velocidade e distância consideráveis. Muita dessa areia entrou para a cesta, mais concretamente para cima da máquina fotográfica. Resultado: o zoom não funciona, deve ter grãos de areia no mecanismo. Ora tirar fotografias sem usar a objectiva é coisa contranatura, não dá.

Os figos ressentiram-se com os calores excessivos. Não cresceram. Estão muito pequenos embora doces. As folhas estão a cair como se estivéssemos no fim do verão. Há vários cachos de uvas que também sofrem do mesmo mal. Os bagos pequenos, já quase secos. Não chove.

Para o jantar de ontem fiz douradas assadas e uma salada de choco com tinta. Acompanhou-se com batatas roxas cozidas com casca e, no final, temperadas com azeite, alho picado e coentros. Para o almoço de hoje, voltei a fazer uma salada de verão. Para o jantar fiz ossobuco.

Fiz assim o ossobuco:

De manhã, no tacho (um dos maiores que tenho), coloquei azeite, vinho tinto, cebolas cortadas grosseiramente, dentes de alho, folhas de louro, um pouco de alecrim e um pouco de sal. Tapei para a carne ficar a marinar. Eram várias rodelas assaz grandes de osso com carne em volta. Perto das quatro da tarde, juntei salsa, coentros, 2 alhos franceses, mais cebola, e liguei o lume. Depois de levantar fervura, baixei. Ficou até às sete e tal a cozinhar em lume fraquíssimo. Depois desliguei o lume e ficou a repousar.

Perto da hora de jantar, escorri o líquido do molho, juntei uma pinga de água para ficar a ser o dobro da quantidade de água. Juntei duas cenouras aos bocadinhos, salsa. Deixei que fervesse um bocado para amaciar a cenoura. Juntei uma maçã aos cubinhos (para cortar a gordura do molho) e juntei o arroz. Depois de ferver, baixei o lume e deixei a cozinhar até o arroz absorver todo o caldo.

Entretanto, tirei as rodelas de carne para fora do tacho, tirei o pauzinho do alecrim e as folhas de louro e, com a varinha, triturei as cebolas, a salsa e os coentros, os alhos franceses. Ficou um molho espesso. Juntei um pouco de vinagre balsâmico e mexi bem. Voltei a colocar a carne no tacho, agora mergulhada no molho espesso.

Acompanhou a carne quer o arroz, quer salada de alface a canónigos quer metades de pera em calda.


Só mais um pormenor: não são apenas os esquilos que estranham o barulho. Penso que o urso felpudo também se ressente um pouco do movimento que agora há cá em casa. Habitualmente, na maior parte do tempo, estava apenas com os donos que estão a trabalhar, por vezes não presentes. E, se estão, não correm, não brincam o tempo todo, e deixam-no gozar a sua vidinha como muito bem lhe apetece. Agora, por estes dias, há sempre qualquer coisa a acontecer aqui em casa e ele anda de um para outro, brinca com um, brinca com outro, feliz, feliz da vida. Ou, então, é o permanente desafio de guardar a casa: sai a correr de cada vez que algum som lhe chega do lado da estrada. Hoje de tarde, por exemplo, o som de uns cavalos deixou-o ao rubro. Correu, correu, ladrou, um frenesim. Pois não sei se por tudo isso, agora à noite, certamente cansado, foi deitar-se atrás do sofá, quase entalado entre as costas do mesmo e a parede. O meu marido há bocado passou por aqui, muito intrigado que não o via em lado nenhum. Pudera. Ali ninguém o incomoda de certeza absoluta. Encontrou ali um refúgio, provavelmente a ver se tem sossego. Fofo.

_____________________________________

E agora cheguei ao Youtube e tinha um vídeo com citações interessantes do Einstein. Não vêm a propósito mas isso não me parece grave até porque raciocínios inteligentes vêm sempre a propósito. O Einstein é aqui sempre muito bem vindo, às horas que lhe apetecer aparecer. 

Quotes Of Albert Einstein _ An Intelligent Person Avoids 3 Things

_______________________________________

Fotografias feitas aqui, in heaven

Gautier Capuçon interpreta o O oboé de Gabriel do filme  "A Missão" (Ennio Morricone)


NB: A tecla do H continua renitente em colaborar. Por isso, se derem por falta da letra já sabem do que é: mais uma greve de verão.

_______________________________________________________

Desejo-vos uma boa semana a começar já nesta segunda-feira

Saúde. Serenidade. Paz.

quarta-feira, janeiro 26, 2022

Um Governo chefiado por um troca-tintas, um mangas de alpaca retrógrado e preconceituoso...? Com um puto medroso, palavroso e oco como Ministro da Defesa...?
Ná... Não posso acreditar... Não pode acontecer.

E, para que se ouça, loud and clear, aqui fica explícito qual o meu voto.
E também o da minha mãe...

 



Neste sábado, ao passearmos, a minha mãe voltou a dizer que 'esta gente' que provocou a queda do Governo -- e põe no mesmo saco PCP, BE, PSD e CDS -- é uma 'cambada de irresponsáveis'. Depois entristece-se, quase como se fosse ela a ser vítima de injustiça. Diz: 'Com o que este Governo tem feito, o que tem aguentado...Não há direito...O que eles têm lutado, o que têm penado... E agora o que estes aldrabões para aí andam a dizer... Não há direito... Para que são estas eleições? Uma vergonha.'  para logo rematar, já enfurecida, naquele registo informal de quem sabe que o que diz à filha não é testemunhado por terceiros: 'Se estas bestas vêm outra vez para o poder, sempre quero ver. Já não basta o que fizeram antes... Alguma vez eles são capazes de fazer o mesmo que estes? Alguma vez...? Uma cambada! Nem quero pensar!'. 

Quando se refere ao que 'fizeram antes', penso que se refere ao Passos Coelho; mas também pode ser ao Cavaco, que ela detesta. Não fala do Rio. Para ela, o Rio é apenas uma representação dos outros. Não o reconhece sequer como ser autónomo e capaz. 

Não sonhando que as suas palavras seriam aqui reproduzidas, enfurece-se ainda mais ao falar do Bloco ou do PCP: 'Bandidos. Eles é que têm dado espaço para esse Ventura, esse porco. Nem consigo vê-los, quando aparecem mudo logo de canal. Bandidos.'.

E acrescenta: 'Desde o 25 de Abril que não estou tão preocupada com umas eleições. Vou votar logo à abertura. Estou mesmo preocupada com isto'. Pergunta-me a que horas abrem as urnas. Digo-lhe que acho que é às 8 da manhã. Diz que vai antes para votar logo que abram.

Nunca, nestes anos todos, lhe perguntei em quem votava. Nem a ela nem ao meu pai. Mas creio que, em geral, terá sido no PS. Neste caso, agora, não há dúvidas pois di-lo explicitamente. Gosta muito do António Costa tal como gosta bastante da Marta Temida.

De resto, quer a minha avó quer o meu tio, irmão dela, sempre mostraram ter o coração devidamente implantado: à esquerda. 

Um dos seus tios, irmão dessa minha avó, tio que eu ainda conheci quando era muito pequena, antes do 25 de Abril esteve preso e foi deportado creio que para São Tomé. Mais tarde, já por cá, viveu clandestinamente e lembro-me de o ver uma vez à noite em casa da minha avó e de o ter encontrado uma vez no mercado do peixe. Estava com a minha mãe e ela deu de caras com ele. Lembro-me de ter sido um encontro estranho, meio a correr e a disfarçar. Nunca se sabia por onde andava. Tenho ideia que morreu pouco antes do 25 de Abril pois a minha avó lamentava que aquele irmão não tivesse desfrutado a liberdade pela qual tanto tinha lutado.

Do lado dessa minha avó sempre foram uns resistentes e houve um primo da mãe dela que foi Presidente da República, uma pessoa da cultura.

Há pouco, ao chegar a casa, já tarde, liguei a televisão enquanto nos preparávamos para jantar (felizmente a comida estava já feita). Vi o Rio a aconselhar o Costa a acabar a sua vida política com dignidade. Senti um enjoo, um incómodo profundo. 

Os portugueses não podem ser irracionais ao ponto de trocar uns bons governantes, como os que temos tido nestes últimos anos, por gente que não lhes chega aos calcanhares. 

Nem acredito que achem que o Costa tem governado bem o País e, por qualquer enviesada razão, vão votar noutro qualquer, abrindo a porta para o Rio, para o Chicão, para o Ventura.

Não acredito. 

Só espero é que quem pense que a melhor solução para o País passa por ter um governo liderado por António Costa se chegue à frente e o afirme a plenos pulmões. E vote. No PS.

Eu, pela parte que me toca, é o que aqui estou a fazer. Vou votar no PS e creio que praticamente toda a minha família mais directa vai fazer o mesmo. Nenhum de nós é filiado. Nem somos de ir a comícios, arruadas ou coisas do género. Mas concordamos numa coisa: nenhum outro partido tem mostrado a sensatez, a abertura de espírito, a visão de futuro, preocupações humanistas e intergeracionais, espírito inclusivo, apetência cultural, capacidade de pôr o país a crescer assente num equilibrado modelo económico, no poder da educação e do desenvolvimento científico e tecnológico, sempre com sentido de Estado e pés na terra como o Partido Socialista. E reconhecemos António Costa não apenas como um competente e digno líder socialista como um excelente governante.

Espero muito sinceramente que ninguém fique em casa nem vote com os pés: vamos votar e vamos votar com a cabeça. Se não queremos a direita, votemos em quem melhor lhe consegue barrar o caminho e em quem melhor governará o país: no PS.


______________________________

As rosas foram fotografadas por Nick Knight ao som de do tema do Cinema Paraíso de Ennio Morricone na interpretação de Renaud Capuçon
______________________________

Desejo-vos uma boa quarta-feira
Bons pensamentos. Muitas rosas. Esperança. Força.

terça-feira, julho 20, 2021

Portas sucede a Marcelo?
[Vichyssoise strikes back...?]

 



Hoje, ao ver Marcelo a opinar e a contra-opinar, pensei que, na volta, o próximo presidente vai ser Paulo Portas. Depois do percurso jornalístico e político, está a fazer o seu caminho na televisão que, em política, é o caminho mais directo para as cadeiras do poder. Fala bem, sabe falar claro, tem presença, gosta de ser amado. A minha avó acrescentaria: e é um homem bem posto. E isso, parecendo que não, num cargo como o de Presidente da República, também conta (pelo menos junto de parte não despicienda da população).

O meu marido disse que sim, talvez, até porque, depois de Marcelo, já ninguém vai querer voltar a querer um Cavaco. Talvez aceitem alguém menos ubíquo do que Marcelo, menos carente de afecto e de reconhecimento, mas quererão alguém que saiba mostrar algum espírito didáctico, que não os envergonhe em público comendo de boca cheia ou exibindo um perpétuo ressentimento.

Paulo Portas não faz propriamente o meu género. É manipulador, é conservador, frequentemente vê as coisas por um prisma liberal que, em meu entender, poderia ser aceitável num mundo ideal mas que, comprovadamente, não resulta no mundo real. E gosta mais dele próprio do que do país. Mas a sua preocupação em ficar bem visto e sem manchas de maior na História talvez o leve a corrigir exageros e a tentar ser justo e equilibrado. E é culto. E há-de ter herdado genes contraditórios que o levem a ser tolerante e inclusivo.

Provavelmente vai competir com Louçã, a eminência parda, o cardeal que aconselha as princesas. Também não faz o meu género. Também é manipulador, também é conservador, também gosta demais das suas próprias ideias. E gosta de andar pelos corredores a soprar recados e estratégias num registo que me causa até uma certa repulsa.

Apesar de Portas alinhar à direita e Louçã hipoteticamente à esquerda, apesar de tudo o que se conhece a Portas, entre Portas e Louçã prefiro Portas. 

Nenhum dele personifica o presidente que eu desejaria. 

No PS não estou a ver ninguém que se atravesse para presidente. Se forem convencer um Vitorino, por exemplo, também não me sentirei convencida. É um artista das palavras, um tacticista. Não sei se ainda anda por aí a dar o nome em conselhos de administrações ou sei lá por onde é que ele já andou, supostamente respaldado na sua lista de contactos, a aconselhar este e aquele, a abrir portas a este ou a aquele. Não faz o meu género. Aliás, é daquelas picaretas falantes a quem nunca vi obra feita. Posso estar enganada, claro, mas não faz nadíssima o meu género.

Era bom que aparecesse uma mulher que os metesse a todos num chinelo mas não estou a ver nenhuma que me pareça convincente, mobilizadora. A política portuguesa está fraca em mulheres e isso é uma pena.

Hoje ao ver o Marcelo, igual a ele próprio, pensei: iniciou a trajectória descendente. Perdeu a graça. Esgotou-se. Não tarda vão começar a perfilar-se os candidatos.

E, agora que estou a escrever isto, penso que é urgente que se estabeleçam quotas para mulheres em tudo o que sejam lugares de poder: na política, na gestão, nas instituições sociais ou culturais. Durante anos fui contra as quotas. Acreditava que o caminho se faria caminhando, sem os artificialismos das quotas. Já vi que não. Os órgãos de poder estão, na maioria, blindados: as mulheres muito dificilmente lá entram. Só com pé de cabra se conseguirá abrir a porta. As quotas são o pé de cabra necessário. 

Mas não chega: toda a sociedade tem que se organizar de forma mais paritária para que as mulheres que o queiram possam ter a mesma amplitude de movimentos que os homens. E tem que se esbater um mito que tem envenenado isto tudo: o exercício do poder não tem que se uma actividade de 24 horas x 7 dias por semana. Tem que haver a compreensão de que, seja para homem ou mulher, tem que haver espaço na sua vida para a actividade profissional e para a actividade pessoal --- para a família, para o próprio, para o seu lazer. É esta mania que uma pessoa, ao estar num lugar de poder, tem que dar tudo, tem que se entregar em absoluto, que inibe muitas mulheres de tentarem aí chegar receando que isso signifique terem que abdicar de ter uma vida pessoal realizada, de serem boas mães, de terem tempo para si próprias. Este mito tem que ser combatido por palavras e actos, aprendendo todos a gerir melhor a dedicação necessária ao bom desempenho de um cargo.

Gostava de ter no meu país uma mulher presidente mas, infelizmente, a esta distância não estou a ver nenhuma. Por isso, parece-me muito provável que, até para manter viva a memória da célebre vichyssoise virtual, Portas suceda a Marcelo.

Um aparte: ao ouvirmos, nas sondagens, que o Comandante Gouveia e Melo está com um percentagem de apreço superior ao Marcelo, o meu marido disse: está tramado, o Marcelo não lhe vai perdoar isso. Rimo-nos mas, no fundo, vamos esperar para ver.

A autoconfiança é uma virtude. Mas,  na escala da autoconfiança, tal como em tudo, há uma linha vermelha. Quem tem um ego que se alimenta de si próprio, por esse ser um processo autofágico, pode acabar reduzido a nada.

-------------------------------------------------

Obviamente este post é um mero e insignificante exercício de futurologia presidencial. Coisas da silly season, claro.

___________________________________________________________

Fotografias de David Luraschi na companhia de Adi Mehic no piano e 
Steffi Vertriest na voz interpretando Once Upon A Time In The West de Ennio Morricone
[Disclaimer: Nada tem a ver com nada, como é bom de ver]

_________________________________________________________

Desejo-vos um dia feliz

terça-feira, julho 07, 2020

Uma certa biblioteca secreta





Nesta fase da minha vida em que tudo muda, é como se estivesse a começar de novo. Ou seja, estou como peixe na água. Gosto de recomeços. Quando estou nesta, pouco ou nada me prende ao que era. Pelo contrário, quanto mais depressa despir toda a pele que ainda me prende à minha vida anterior melhor.

Hoje ao fim do dia, tive que ir a um sítio para escolher uma coisa. Mas, mal lá chegada, quando me preparava para ir tratar do que lá me tinha levado, uma pessoa chamou-me para me mostrar uma coisa. Fui. Pensava que era coisa rápida. Afinal foi demorado. Ia mostrar-me umas coisas simples. Afinal, de uma coisa, veio outra e, de outra, veio outra. Sempre mais coisas para me serem mostradas. E, às tantas, chegámos a uma sala e ali havia muita coisa para ver. E, estava eu a ver uma estante, diz-me: não está ver o que é esta estante? E eu: não. Então, a estante rodou e descobriu-se uma porta. Fui atrás. Máquinas. Não percebi que máquinas eram aquelas. De outro lado, caixas, arcas, coisas indistintas. Então, quando pensava que não havia nada mais a ver, dizem-me: e aqui atrás há isto. Espreitei.

Não queria acreditar: uma sala cheia de estantes e livros, livros, revistas. Explicou-me: uma biblioteca privada. Mas privada em todos os sentidos da palavra. Secreta, oculta, quase como se não existisse. Olhei em volta, perplexa. Estantes a toda a volta e, se não estou em erro, também ao meio, Se eu pudesse ter uma biblioteca assim, a library of my own, secreta, vasta, sigilosa, um espaço quase infinito... Fiquei sem dizer nada. Nunca poderia ter imaginado tal.
Quando saí daquele labirinto, já as pessoas com quem tinha ido encontrar-me se tinham ido embora, certamente cansadas de esperar por mim. O tempo tinha passado sem que eu tivesse dado por ele e sem que eu tivesse conseguido interromper quem tinha estado a conduzir-me naquela inesperada visita guiada.


O tempo não anda a ser-me suficiente para me entregar à absoluta descoberta de uma vida nova que se desdobra a toda a hora à minha frente até porque tenho que conciliá-la com o lado prático da minha actividade quotidiana mas, apesar disso, o que posso dizer é que, para mim, o mais estimulante são estes momentos em que passam por mim estas vibrações prenhas de expectativa e descoberta.

Há algum tempo, naquele longínquo tempo pré-covid, estava eu a almoçar, acompanhada, quando ouvi uma voz conhecida a exclamar: 'Olha quem ela é,,,!'. E já lá vinha ela de braços abertos e eu levantei-me e abraçámo-nos e demos o beijinho que, em tempos, as pessoas trocavam quando se encontravam. E logo ali, de pé, pusemos a conversa em dia. Quis que ela se sentasse e almoçasse connosco mas não, estava atrasada, ia ter com outra pessoa, já estava nas horas. Perguntei-lhe como estava a dar-se nessa sua nova vida. Sorrindo, transbordante de entusiasmo, disse: 'Bem! Óptima! Se eu soubesse que ia ser assim, há que tempos que tinha mudado'. Adorei ouvir, era bem ela, sempre pronta para ser a eterna adolescente que conheço há anos. Provavelmente sou também um pouco assim. Não fazer as coisas pela metade, não negar a experiência que se faz convidada, ousar, ir em frente.

----------------------------


______________________________________________________________________

Uma vez mais, fotografias que nada têm a ver com o texto (ou será que têm?) da autoria de Eylül Aslan e que, cá para mim, se forem como eu, curvam-se perante Ennio Morricone que, pela milionésima vez, aqui nos traz o Oboé de Gabriel. 
___________________________________________________________________


Talvez um dia destes regresse ao mundo dito real e fale da notícia do dia: o que o super-judge Alex -- o implacável justiceiro que parece odiar visceralmente quem tem dinheiro ou poder -- fez agora ao Mexia (o da EDP) e ao Manso Neto. Todo um filme. Uma opera bufa. Uma soap. Mas terá que ser num dia de muito estômago. 

_____________________________________________________________________

E boa sorte e muita saúde e alegria para si que aí está desse lado.

segunda-feira, junho 15, 2020

De um lado Armando Vara.
Do outro, João Paulo Correia, Mariana Mortágua e tantos outros.
E Valupi





Há quem, na blogosfera, pense que sou sectária, tendenciosa, devota. Que pensem. Tenho para mim que sou das ciências exactas, dos números, dos modelos, dos algoritmos, da razão. Não sigo credo, não pertenço a clube, não frequento grupo. Sinto-me bem como outsider. Penso por mim. Não sigo mandamento, não procuros likes. Pode o rebanho inteiro estar certo de que a direcção é uma que eu me manterei distante, indo para onde a razão me mandar. Poderei ser a única a ir noutro sentido que nem assim me sentirei coagida a encarneirar. E podem chamar-me mil nomes. Não os ouvirei.

Não que não mude quando percebo que não estava certa mas reconheço-me como uma pessoa de convicções. Uma para mim é inabalável: toda a gente é inocente até prova em contrário. E as provas têm que ser científicas, inquestionáveis. E tem que se ter a noção das proporções, tem que se colocar tudo em perspectiva.

E vou dizer uma coisa que muitos dos que me lêem pensarão que é contraditório com o que disse acima: confio muito na minha intuição. Até hoje nunca me falhou. E a intuição, não me canso de dizer, não é treta esotérica, a intuição é a inteligência a usar um short cut a partir de marcadores.

E vem isto a propósito de poder estar o país inteiro a bater no ceguinho, a comunicação social a saltar a pés juntos em cima, a justiça, cega, a cuspir-lhe, sem rebuço, na cara,  os justiceiros da Assembleia da República, armados em Grande Júri, a acertarem contas com quem está na mó  de baixo -- que eu seguirei a pensar da mesma maneira: a pensar como a intuição me diz e como, com mais lentidão e certeza, a razão mo prova.

E neste caso falo de Armando Vara.

O que se passou com ele é monstruoso. Sempre o achei. Se antes, quando ele estava na mó de cima, nunca foi alguém que me tivesse particularmente inspirado -- era, na realidade, alguém que não despertava a minha atenção -- a verdade é que fiquei a admirar a forma digna como foi conseguindo enfrentar a monstruosidade que foi enfrentando.

De todas as vezes que ouvi elencar as supostas provas do seu suposto crime sempre as achei ridículas. Nem é uma questão de serem ou não válidas. Achei-as, pura e simplesmente, absurdas, disparatadas. Uma vergonha. Pelo contrário, sempre achei criminoso o comportamento da canzoada que se atiçou cobardemente contra ele. E não apenas cobardemente: também estupidamente, também ignorantemente. Gente sem experiência do que é a vida nas empresas, gente sem experiência de vida em geral, gente parva, gente má, gente que se acha com o rei na barriga por deter pequenos poderes, gente que não se ensaiou nem por um instante por destruir a vida de um homem.

Devo dizer que se fosse dona e senhora de uma empresa ou se tivesse a meu cargo a responsabilidade de gerir uma qualquer organização, mais depressa eu quereria a trabalhar na minha equipa uma pessoa como Armando Vara, um tipo decente, digno, vertical, do que uma criatura que me leva a sentir vergonha alheia como o João Paulo Correia, uma criatura sem história nem respeito pela dignidade alheia, ou a Mariana Mortágua, uma criatura que a toda a hora dá mostras de uma atitude pesporrente, que a toda a hora revela uma arrogância que poderia ser apenas infantil se não revelasse tanta intolerância e maldade.

Não vou entrar em detalhes que não conheço nem deter-me em pormenores irrelevantes para o caso: digo apenas que seria bom que um dia a Justiça reparasse o erro e o abuso que cometeu e que os cobardes que trataram Armando Vara com desprezo, prepotência e maldade conhecessem na pele o desprezo da sociedade por terem feito o que fizeram.

Quero ainda dizer outra coisa. Se há blog que gosto de seguir é o Aspirina B e se há blogger que admire é o Valupi. Não é apenas por, de forma geral, concordar com ele. É também porque não se importa de ir contra a corrente, é porque pensa por ele, é porque se documenta, é porque é claro e estruturado na exposição das suas razões. E é porque escreve bem que se farta. 

A quem esteja interessado, recomendo a leitura dos seus posts: Quem tramou Armando Vara? Nós todos. Coloco o link para o último mas, em querendo, é procurar os restantes e, a seguir, parar para pensar. É bom usar a cabeça.


__________________________________________________________


E queiram, por favor, aceitar o meu convite e também descer até ao post seguinte onde o pitéu é mais doce.

________________________________________________________

E uma boa semana para si que está aí desse lado

sábado, maio 09, 2020

Neste novo mundo, os meninos descobrem que também sou outra




Durante quase dois meses a casa estava sempre arrumada. As coisas não mudavam de sítio sozinhas e nós também não as mudávamos. Agora tudo levou uma volta. Melhor: uma permanente reviravolta. Olho à minha volta e tudo se alterou. Pode até nem estar propriamente tudo desarrumado. Simplesmente as coisas mudam de sítio. Os meninos têm aulas, fazem trabalhos, brincam, lancham várias vezes por dia, mudam de poiso, levam as coisas com eles. Há um movimento constante cá em casa. Hoje havia ao mesmo tempo três adultos em videoconferência e dois meninos em aulas remotas, e eles sempre circulando. 

A dada altura a professora dava aula em inglês e ia mandando um e outro desligar o microfone, depois punha-os a fazer trabalhos em grupo mas mandava um estar quieto, outro desligar o microfone, outro que participasse. E eu a ter reunião e a ouvir a minha filha, a ouvir o meu marido, o outro menino a ouvir uma aula. Tempos novos.
Como o mundo mudou tão depressa... Como foi possível que tudo levasse tamanha volta e que nós, em cima de um mundo em reviravolta, nos aguentássemos em pé, alterando o nosso modo de vida de uma maneira tão radical? Custa a perceber. Se um dia por cá aterrasse uma nave espacial e de lá saíssem uns seres esquisitos a dizer que vinham tomar conta da Terra e que ficássemos sossegados como ratos assustados, em três tempos ficaríamos todos enfiados em casa, sem darmos luta, acobardados, manietados. E se a seguir chegassem outros e nos dissessem que cavássemos buracos no chão para nos enfiarmos lá dentro, fá-lo-íamos também. 
E digo isto incluindo-me no grupo dos confinados já que faço parte da grande multidão que recolheu às boxes, que se modificou de uma ponta a outra, que aceitou na boa que nos isolássemos. O medo é o nosso maior inimigo. Ou aliado -- nem sei.
Por vezes, ocorre-me que, na volta, até já apanhei o bicho e já estou imunizada. Mas o esquisito é que também não sei se quero voltar exactamente à vida antiga. Não quero. 
Enfim. Paradoxos.
Adiante.

Hoje estava eu a ter uma reunião, uma daquelas que me tira do sério -- porque a incompetência e a estupidez natural cada vez mais me tiram do sério -- e o menino mais novo, que estava a fazer trabalhos na outra sala, pegou no seu iPad e veio sentar-se à minha mesa, em frente, para me ouvir atentamente. Se eu o encarava, ele sorria e fazia de conta que voltava aos seus trabalhos mas logo a seguir punha-se a olhar para mim com uma atenção admirada. Não conhecia esta minha faceta e dir-se-ia que estava estupefacto. A seguir, o mais crescido, quando a aula acabou, veio sentar-se também e ali ficou, identicamente atento. Presumo que pouco tenham entendido, mas estavam atentos como se não pudessem perder pitada.

Acontece que, quando estou focada, nada me desfoca. Observava-os mas continuei na minha.

Ouvia que, ao lado, na cozinha, a minha filha servia e aquecia a comida. O meu marido também passou por ali, mas ao largo, para ir para a cozinha mas, habituado, não ligou.

Quando acabei, fui logo ter com a minha filha a ver se precisava de alguma coisa. Disse ela: 'Aquilo ali estava complicado...'. E logo a seguir disse aquilo que eu tinha pensado. Aqueles incompetentes apanharam-me pela frente bem como, por sorte, mais três colegas que, em conjunto comigo, fizeram uma barreira de fogo que, espero eu, tenha neutralizado a parvoíce perigosa que estava ali a armar-se. Mas e se, em vez de nós, tivessem apanhado uns verdinhos, daqueles que comem tudo o que lhes dão a comer e que comem e calam? Quantas alarvidades acontecem assim. Falava-se ali que, numa situação destas, se poderiam suprimir não sei quantos fte's aqui, ali mais outros tantos, acolá mais uns quantos. E, para quem não saiba o que são fte's, eu informo: o equivalente a tempo inteiro. Mais concretamente: uma pessoa a tempo inteiro. Isto usa-se porque, por exemplo, se eu disser que aquele empregado está meio dia sem nada que fazer e outro também meio dia, pode dizer-se que ao todo tenho uma pessoa disponível (meia pessoa + meia pessoa) pois posso passar o meio dia de trabalho de uma para a outra. Ficarei com uma ocupada a tempo inteiro (1 fte) e dispenso a outra. 

Mas isto não se pode ver assim. E não vou agora aqui explicar porquê mas dou um exemplo limite para exemplificar que não se pode usar uma lógica redutora: se tenho um director que só tem trabalho para meio dia e um motorista que também só tem ocupação durante meio dia, faço o quê? Corro com o director e ponho o motorista meio dia a ser motorista e a outra metade do dia a ser director? Ou vice versa? Disparates.

Chegam ao fim de um trabalho e gabam-se que têm um plano para 'capturar' 'eficiências', reduzindo custos que nunca mais acabam mas, se formos a espremer, são só disparates. Acresce que a maior parte das eficiências são pessoas que ficariam sem emprego. E até poderia ter mesmo que acontecer. Mas tem que se ter a certeza que é mesmo isso e que não se sacrificam postos de trabalho, poupando de um lado para se gastar mais de outro.

Não há pachorra.

A seguir ao almoço, os meninos pegaram nas suas coisas e vieram, de novo, abancar em volta da minha mesa. Tenho, pois, agora, assistência. Habituados à sua Tá que gosta de fazer comidinhas para os ver a enfardar ou que gosta de lhes dar beijinhos e que arranja sempre maneira de os deixar ser livres, deparam-se agora com uma outra mulher que fala de assuntos diferentes e que se revela surpreendentemente diferente da que conhecem.

Antes de jantar, estava eu a confeccioná-lo e a minha filha a fazer uma óptima sobremesa cuja receita tinha combinado ao telefone com a minha mãe, recebeu ela uma chamada e eu outra. Ambas de trabalho. E então andávamos as duas de telemóvel preso entre a cara e o ombro e a preparar a janta. Pelo meio, um e outro a entrarem e a saírem da cozinha. E isto também é atípico pois eu, habituada desde sempre a barafunda à minha volta, sempre precisei de espaço e sossego quando estava a telefonar. Agora já nem isso. 

Depois de jantar, ligaram os outros meninos. Meus lindos. Gostava tanto que cá estivessem todos. Sinto muita falta de os ter fisicamente todos à minha volta, todos ao mesmo tempo, vê-los a brincarem uns com os outros na maior animação e confusão. 

Felizmente temos agora o fim de semana. Não haverá reuniões, não haverá telefonemas de trabalho, não haverá stresses. Haverá limpezas, descanso, fotografias, convivência. Tão bom.


Se há coisa que me faz passar dos carretos é quando alguém fala em regressar ao trabalho. Regressar ao trabalho? Caraças. Acho que nunca trabalhei tanto. Estou é a precisar de férias.

Portanto, meus Caros, descansem também. E portem-se mal. E tenham um belo sábado. Saúde.

------------------------------------------------------------------------------------------------

Mas antes de me ir vou aqui ouvir um poema. Assim como quem bebe um copo. 


[Ah, é verdade: pinturas de Willem de Kooning]

sábado, maio 02, 2020

Porque é que se trabalha?





Não me posso queixar. Pelo contrário. Mas a gente às vezes queixa-se não porque tenha ponderosas razões de queixa mas porque faz parte da nossa natureza de gente. A gente queixa-se. Às vezes por razões grandes, outras por razões pequenas, outras por razões permanentes, outras por razões ocasionais.

Outra coisa: não se trabalha apenas porque disso dependa a nossa sobrevivência. Trabalha-se porque trabalhar faz parte da nossa natureza.

Pelo menos da minha faz. Comecei a trabalhar cedo e sempre trabalhei muito: estava a dar aulas em horário completo e, ao mesmo tempo, a fazer uma licenciatura que só não me punha a cabeça em água porque eu relevava os pesadelos que quase se abatiam sobre mim. Daí passei para um lugar onde trabalhava sem horários, sob orientação de um super especialista que vinha dos States para me guiar, e, ao mesmo tempo, andava em transportes, grávida até ao fim da gravidez, uma barriga de impor respeito. Depois o segundo filho, a primeira ainda pequenina, o trabalho a levar-me por todo o país. O meu marido também sobreocupado, muitas vezes fora. Toda a vida, com muito trabalho, a garantir a presença e a atenção junto dos meus filhos, razão primeira de tudo. Faz parte de mim ser assim.

Há quem trabalhe pouco, se arraste, se queixe de tédio. Nunca me passou pela cabeça ser apenas dona de casa ou viver à custa de alguém. Até a mesada dos meus pais eu tinha dificuldade em aceitar. Sou independente por natureza, trabalhadora por natureza.

Não digo que seja virtude. Na volta é mais inteligente trabalhar pouco e viver à conta. Mas, na volta, a inteligência nunca foi o meu forte.

Uma vez, o Mourinho saíu de um clube qualquer com uma indemnização de milhões. Nesse dia eu estava a almoçar com um dos homens mais ricos do país. Mas desse homem, se a gente se distrair, ninguém percebe a dimensão da sua riqueza porque também trabalha que se farta. Havia uma televisão no bar onde se esperava e ficámos ali enquanto não chegavam outros dois. Vi então alguém a perguntar ao José Mourinho onde é que ele ia trabalhar a seguir e ele a dizer que ainda não sabia. Aquilo fez-me impressão. Então, ao almoço, ainda conversando sobre isso, distraída, eu disse: 'Como é que uma pessoa que, de repente, recebe assim uns milhões ainda precisa de trabalhar?' Então, ele, aquele que estava à minha frente, encolheu os ombros e sorriu. Insisti: 'Mas não acha?'. Ele, ainda sorrindo, quase como se confessasse uma fraqueza: 'Sabe, trabalha-se porque sim, porque não se sabe fazer outra coisa, porque é como uma pessoa se realiza, porque se gosta do que se faz, porque não se sabe estar sem trabalhar'. E eu olhei para ele sem saber o que dizer, de repente recordada da sua grande fortuna. Sorri também porque ele estava a falar dele próprio e porque sei bem como ele estava a falar verdade. 
Fiz caldeirada de asa de raia para o almoço. Com abundante cebola, tomate bem maduro, batata normal e batata doce, salsa, azeite e um pouco de sal. Sobrou um bocado. Então, para o jantar, retirei o peixe, tirei as espinhas (ou melhor, aquela cartilagem fina que, por acaso até gosto de trincar). Juntei um pouco de água, um fio de azeite e moí tudo bem. No fim juntei o peixe, um pouco de coentros e uma folhinha de hortelã. Tinha cozido ovos. então, em cada tigela de sopa, juntei um ovo picado. Estava uma maravilha. E ainda sobrou um pouco.
Também andei a varrer lã fora. Debaixo do telheiro, debaixo dos bancos, o jardim, a zona das árvores de fruta perto da casa, o caminho desde o portão. Apanhei carros de folhas secas e terra que fui despejar ao fundo, na zona dos pinheiros. Agora tenho as mão doridas e secas.
Este sábado irei fazer uma ou duas máquinas de roupa, fazer limpeza ao estúdio, pôr roupas a arejar. Não sei ainda o que vou fazer para o almoço. Não sei se favas guisadas com entrecosto se frango no forno.
Não posso dizer que trabalhe muito pois sei que há quem trabalhe muito mais, em condições muito mais duras, debaixo de aflições, se calhar sem gostar do que faz, se calhar com medo de, ainda assim, perder o trabalho que tem.


Mas não se pode pensar assim pois há sempre quem esteja pior. Pode é ser-se sincero. E, por isso, falo com sinceridade quando me queixo do que me incomoda ou quando me confesso cansada. 

Podia, é certo, deixar de trabalhar. Mas deixarei alguma vez de trabalhar? Faria o quê se deixasse de trabalhar? Varria e lavava o chão sem parar, cavava, podava árvores, cozinhava, escrevia, sei lá.

Lembro-me agora de um outro amigo, alguém com quem gostava muito de conversar e com quem tinha longas e saborosas conversas, e de quem, pelas circunstâncias da vida, acabei por me distanciar um pouco. Uma vez -- tinha ele feito cinquenta anos e, para o festejar, tinha ido jantar a Paris -- disse-me: 'Sempre pensei que só trabalharia até aos cinquenta anos. Agora que aqui cheguei, acho que vou mudar de ideias'. Com quatro filhos em idade escolar, dois a estudarem no estrangeiro, cada um em seu país, outra a mudar de curso pela segunda vez e sempre desorientada e uma outra a passar um ano a levantar a nota para tentar entrar no curso que queria, perguntei: 'Mas com as despesas que tem... E não consegue reformar-se tão cedo. Como faria? Desempregava-se? Vivia de quê' E ele: 'Tenho com o que viver bem até morrer'. Disse-me que não apenas tinha  uma verba considerável aplicada como muitas casas e garagens arrendadas. Acrescentou: 'Não preciso de trabalhar para nada, apenas para me manter ocupado. E faço o que gosto.'. Uma vez eu estava a falar de um restaurante muito bom, sempre cheio, disse-me ele: 'Mas sabe que esse restaurante é meu...?'. Não sabia, não fazia ideia. Ele pensava que sim, que já tínhamos sobre isso. Mas não. Era apenas mais um dos seus investimentos. Um dia disse-me que estava todo contente porque tinha satisfeito um capricho. Perguntei: 'Uma mota?'. Riu e disse que não. 'Um barco?'. Não. Acabou por me contar que era um Porsche. No dia seguinte apareceu numa mota, uma mota brutal. Era isso, a mota já ele a tinha. No entanto, trabalhava como um normal assalariado. E ainda trabalha. 

O trabalho não é apenas uma fonte de rendimento: é uma forma de se viver, é uma fonte de dignidade, é um motivo de realização.


Pelo menos, assim o penso. Mas isso, claro, cada um sabe de si e cada um que pense pela sua própria cabeça.

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------

É como escrever.
Escrever para quê? Porque que é que se escreve? Para quem se escreve?


________________________________________________________________

Pinturas de Diego Rivera e música de Ennio Morricone, banda sonora de Novecento.

____________________________________________________________________________

Um bom sábado. Saúde.


segunda-feira, outubro 28, 2019

Um dia bom que começou junto ao mar e acabou entre afectos, baladas e cambalhotas




Não sei se é jet leg pela mudança de hora mas a verdade é que estou um bocado off. Tenho estado para aqui a cirandar, com preguiça, sem iniciativa, como se me apetecesse apenas ler, ouvir música e, mais logo, quando os dedos quisessem, então, fosse isso a que horas fosse, logo pegava no computador. Só que a semana de trabalho já aí está à beira e eu, pensando no que me espera, quase me sinto cansada por antecipação e isso estraga-me um bocado o prazer em estar para aqui neste dolce abandono.


O pessoalzinho saíu faz tempo, primeiro os que madrugam nesta segunda-feira e, mais tarde, os que se levantam a horas normais. Estivemos todos juntos. Primeiro chegaram uns. Calminhos, bem comportadinhos, tranquilos. E estou a referir-me a todos, grandes e pequenos. Os pequenos sempre a perguntarem: 'quando é que os primos chegam?'. De minuto a minuto. Encontro familiar sem estarmos todos é incompleto e, para os mais pequenos, estou mesmo em crer que falho de graça. Mas, enfim, chegaram os que faltavam. E então sucedeu o que sempre acontece quando se encontram. Dá ideia que a maneira de manifestarem a alegria que sentem é deixarem soltar toda a energia que têm dentro deles: correm, brincam às maiores maluquices, cantam, dançam. E isto já para não falar no meu filho que, vá lá também eu saber porquê, desata a ensinar golpes de não sei quê aos rapazes (não sei o quê porque não sei qual delas é mas que é coisa de artes marciais, isso eu sei) e depois já são eles que fazem entre eles. E é preciso ter em atenção que são quatro rapazes pequenos mais um grandão.


E houve também guitarradas, baladas, cantorias alto e bom som, ginásticas, cambalhotas no sofá, sei lá que mais. O costume. O bebé, enturmado, canta, salta. Depois ficam com calor e, claro, às tantas põem-se à fresca e até o bebé apareceu em tronco nu.

Como houve presentes de Halloween, vi que a menina andou de roda da tia e que depois apareceu com um laçarote todo giro no cabelo, mas isso não tem a ver com o dia das bruxas, deve ter sido apenas por ser um laço bonito. Mas vi que apareceram uns óculos malucos e andavam a pregar sustos uns aos outros e também ouvi cair uma coisa no chão e ouvi falar em descobrirem para onde tinha caído o olho. Mas isso foi numa altura em que estava a tentar que se mantivessem sossegados à mesa, que comessem fruta e, depois, a arrumar a cozinha. Por isso, não sei onde é que o olho estava agarrado antes de cair.
E isto fez-me lembrar uma vez há uns anos, muitos, estávamos a ver um torneio de futebol de salão, coisa de amigos, e, às tantas o jogo parou e nós, nas bancadas, víamos que os jogadores andavam todos a olhar para o chão. Até que nos chegou a informação: tinha caído um olho de vidro a um jogador. Não soube a qual pois nunca tinha dado que alguém tivesse um olho de vidro. Ao fim de algum tempo o jogo recomeçou e chegou-nos a notícia de que tinham achado o olho. Na altura aquilo fez-me uma impressão dos diabos até porque nunca percebi como é que a coisa funciona mas, pelos vistos, é apenas como se fosse um berlinde enfiado num buraco, e tudo tranquilo, sem dramas.

Mas, enfim, toda a gente comeu bem, com apetite, e se há coisa de que gosto mesmo é de ter toda a família feliz, à volta da mesa. Olho para eles e estão ali todos os que me enchem o coração de alegria e afecto. Não estão os meus pais e isso dá-me pena mas já me vou habituando. Para estarmos todos juntos tem que ser em casa deles pois, como o meu pai não sai da cama, a minha mãe não quer sair para encontros familiares deixando-o em casa. Só em dias de festejos e tem que ser rápido. 

Mas isto foi ao fim da tarde e à noite.

De manhã fomos caminhar para a beira da praia. São caminhadas pouco produtivas em termos de ritmo e, certamente, de queima de calorias pois disperso-me desses bons propósitos e perco-me a ver o mar, a tentar captar os surfistas a cavalgarem as ondas, as gaivotas a dançarem pelos ares, as pessoas a olharem a rebentação. Ponho-me a fotografar e é um dos bons prazeres da minha vida: adoro fotografar.

Também fiz muitas fotografias cá em casa, aos meninos, àquela interacção feliz entre eles. Também fiz mais uma das fotografias ao menino a que em tempos aqui tratei por ex-bebé. É doido por roer um belo osso. Hoje foi um costeletão de vitela. Pela-se. Tem oito anos, está enorme, é um desportista de gema, sempre foi todo virado para a actividade física. Só não gosta de doces. Mas vê-lo a despachar uma pratada é um regalo. Come de gosto. A pediatra diz que podia ter mais um quilo. De facto, está alto e esguio. 
Aliás, todos comem bem, de gosto. Quando alguém se zanga com eles é para não comerem mais. Penso que isto advém de ninguém os forçar a comer quando não querem mais. 

Mas voltando à primeira parte do dia. Depois de virmos da praia e de ter posto a roupa a lavar, ter feito a sopa, ter posto o jantar a andar, etc, vim ler. Tão bom estar assim num domingo à tarde, tranquilamente, ter tempo para ler, saber que daí a pouco a casa se encherá de risos e conversas e brincadeiras.

E isto para dizer que, com isto e com a mudança de hora ou com a perspectiva de se aproximar uma semana daquelas que me cansa ainda antes de começar, estou para aqui um bocado sem energia, sem saber bem sobre o que escrever.


Sei é que, de manhã, ao estar a admirar a beleza extraordinária do mar, pensei que, à noite, poderia mostrar fotografias que estava a fazer, estas que aqui vêem, e falar daquele livro, um dos primeiros que tive, menina pequenina, um que era sobre o mar. Via-o sem me cansar, aquele livro cheio de preciosidades: a estrela do mar, o peixe-balão, os corais. Sabia tudo sobre eles, adorava aquelas cores, aquele mundo que me parecia mágico. Mais tarde, foi outro que me encantou, creio que o Planeta Azul. Adorava. A maravilha caleidoscópica, infinita, milagrosa da natureza.


E agora estive a ver o vídeo abaixo e também gostei muito de ver. Não vem agora a propósito do texto mas o texto também não tem propósito. Aliás, nem vou reler pois acho que ficaria com vontade de apagar tudo para começar de novo, com as ideias mais organizadas.

Portanto.

Aliás, a minha ideia quando abri o youtube era arranjar um poema bonito sobre o mar. Mas distraí-me e fui parar a este que aqui partilho convosco.

Agora que aqui o estou a colocar é que dei por isso, que não era esta a ideia, mas, a esta hora, já não sei se faz sentido ir em demanda de poemas com sabor a sal.



------------------------------------

Afinal não resisti. Estava com León de Greiff em mente porque tinha também em mente falar das pessoas que não vivem junto do mar e que, provavelmente, gostariam de poder vê-lo mais vezes. Balada del mar no visto na voz de Tomás Galindo.


E, por ora, é só isto.

Desejo-vos uma bela semana a começar já nesta segunda-feira.