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quinta-feira, junho 14, 2012

Eu e as galinhas chocas. Os meninos que não nascem de ovos. E, a propósito, Leda e o Cisne revisitada.


Música, por favor

Stasa Mirkovic Grujic interpreta Clair de Lune de Claude Debussy



Quando eu era pequena, com três anos talvez, morava quase ao lado da minha casa um amigo com quem eu brincava assiduamente. Por essa altura, a mãe dele estava grávida. Eu via-lhe a barriga grande e a minha mãe tinha-me explicado que era um bebé que ia nascer, coisa que achei natural.

Por essa altura, uma minha avó tinha patos que andavam à solta no campo. Uma das brincadeiras era descobrir onde tinham as patas deixados os ovos. Era uma verdadeira caça ao tesouro. Geralmente havia sempre um ovo debaixo de uma sebe que havia junto à entrada do quintal. Mas descobrir os outros era uma aventura. Não me lembro de ver nenhuma pata a chocar os ovos mas isso acontecia certamente pois, de vez em quando, havia patinhos bebés.

A minha outra avó tinha uma capoeira e todos os dias a meio da manhã eu estava autorizada a ir buscar os ovos a um pequeno compartimento pequeno e escuro, onde os adultos tinham que se baixar para entrar, compartimento esse que tinha ligação, através de uma pequena abertura em arco ao nível do chão, com o recinto vedado onde elas estavam de dia. Ia com uma cesta de verga, com muito cuidado não fosse lá estar alguma galinha a pôr um ovo nesse instante, e frequentemente tirava os ovos ainda quentes. Muitas vezes a minha avó fazia depois uma gemada, ovo batido com açúcar, uma coisa óptima que hoje recordo como se fossem ovos moles, especialmente quando ela usava apenas a gema.

Por vezes uma galinha ficava choca. Aqui tudo era visível, não era como com as patas que andavam à solta. A galinha choca não saía de cima dos ovos. Havia um outro compartimento, num outro local, junto à ‘casinha’ onde o meu avô arrumava as ferramentas e onde pendurava as résteas de cebolas ou de tomates em cacho. Nessas alturas, era para aí que a galinha que estava nesse estado interessante era levada. Havia um caixote creio que com palha, como se fosse uma cama, onde estavam os ovos e, em cima deles, ciosa e grave, estava a futura mamã. A minha avó tratava-a com muito cuidado e eu não podia fazer barulho quando lá ia. A partir de certa altura, a minha avó começava a vigiar os ovos.

Até que um dia eles começavam a aparecer partidos. A casca de fora partia-se mas tenho ideia que, por vezes a minha avó tinha que ajudar a romper a película de dentro. Depois começava a ver-se o bico do pintainho e a minha avó sempre vigiando, cuidadosa, parteira atenta. Ao fim de algum tempo já os pintainhos estavam cá fora, molhados, trémulos, e a minha avó sempre a recomendar-me que não fizesse barulho para não os assustar, levantando as cascas partidas, os vestígios do parto. Pouco tempo depois já a penugem estava seca e macia e já eles andavam debicando à volta da mãe galinha.

No dia em que nasceu a irmãzinha daquele tal meu amigo, lembro-me que ele foi deixado à guarda da minha mãe pois na casa dele ia grande azáfama. O parto deu-se em casa. Lembro-me perfeitamente de nós dois termos perguntado vezes sem conta à minha mãe se já tinha nascido e da minha mãe dizer que, quando isso acontecesse, nos vinham avisar e que, então,  logo lá iríamos ver.

Até que, finalmente, lá fomos. A minha mãe tinha-nos avisado para não fazermos barulho e eu ia com o mesmo cuidado reverente de quando ia ver a galinha choca ou os pintos recém-nascidos.

Quando lá cheguei, vi a mãe dele no quarto, na cama, e estava com um ar um pouco descomposto, a esta distância não sei bem descrever, achei qualquer coisa de diferente nela. Estava com a bebé ao lado, coisa que achei natural. Mas o que me deixou curiosa foi ver a menina já vestida e de não ver cascas de ovo nem vestígios de tal em lado nenhum. Disfarçadamente ia olhando à volta, depois, como quem não quer a coisa, debaixo da cama. Nada, nenhumas cascas. Não resisti, puxei a minha mãe de lado e quase em segredo, perguntei-lhe onde estavam. Tenho ideia que me disse que já deviam ter deitado fora. Mas qualquer coisa na expressão dela me fez perceber que não devia ser bem assim, que ali havia equívoco.

*

Até hoje, que eu saiba, apenas Polux e Helena e Castor e Climnestra nasceram de ovos mas isso foi porque Leda era danada para a brincadeira e, no mesmo dia, engravidou de um homem, o marido, e de um deus que, não contente com a excentricidade de ser um deus, ainda se disfarçou de cisne.



Leda e o Cisne (... e reparem nos meninos a sairem dos ovos) - Leonardo da Vinci

*

[Claro que a história de Leda tem muito que se lhe diga, ora se não tem, e tem variações, derivações e interpretações para todos os gostos.



Leda e o Cisne (a dúvida sobre quem seduz quem, uma dúvida envolta em azul) - Paul Cézanne


Paixões, seduções, tentações, violações, traições, ilusões, irritações, confusões, punições, aflições, e até, imagine-se, constelações – há de tudo (e, já agora: nem sempre as respectivas descrições acabam em ões, eu agora é que me está a dar para isto, sei lá por que razões ou motivações).



Leda e o Cisne (a abstracção, a euforia da cor, a luz sobre a mulher, o cisne que desce do azul para inquietar a mulher) - Henri Matisse


Mas a mim, geralmente, dá-me para as ligeirezas já que, com toda a humildade reconheço que a coisa a sério está sobretudo ao alcance dos verdadeiramente entendidos e não de mim, moça simples, do campo, que, como é sabido, sou mais dada a folgações do que a erudições.



Leda e o Cisne (a inquietação a negro, um dedo oportuno, a nudez desafiante, sem pudor) - Nikias Skapinakis


De qualquer modo, falando eu assim, que não se pense que sou contra as erudições, qual quê, nada disso, sou a favor, completamente a favor - se bem que nisto de erudições convém distinguir entre os eruditos a sério, que são uns bacanos porreirões, e os pseudo-eruditos, uns maçadores que geralmente são uns... (como estou numa de usar palavras acabadas em ões já me ia saindo que são uns... uns... - mas não desço daí abaixo, não senhor)... são uns pândegos. Pelo menos a mim divertem-me imenso - o que não admira, que eu, simples como sou, dá-me para rir, e graçolas pseudo-eruditas, então, até me levam às lágrimas...! E haja paz no universo.]



Leda e o Cisne - fotografia de Helmut Newton ( Nadja Auermann na célebre fotografia da US Vogue de Anna Wintour)


E adiante que o tempo ruge, como dizia o outro.

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Para enfeitar o texto – porque, como é sabido, também sou dada à bonecada - ousei utilizar algumas menos convencionais visões (e eu a dar com as palavras acabadas em ões…) sobre a extraordinaire história de Leda e o Cisne. Mas, ao tentar localizar estas que já conhecia, deparei com muitas mais, e algumas bem engraçadas, pelo que não estou certa de que não volte a fazer uma visitinha à Menina Ledinha.

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E, por hoje, é isto.

Gostaria ainda de vos convidar a fazer uma visita ao meu Ginjal e Lisboa.
Hoje as minhas palavras olham as águas em volta de um poema lindo, mas lindo mesmo, de Eugénio de Andrade.
A música escolhida refere-se a uma cena de casamento e, claro, ainda estamos com Wagner.

*

Sinceramente vos desejo, a todos, meus Caros Leitores, uma boa sexta feira.

Be happy! Enjoy!

terça-feira, maio 01, 2012

As mulheres revolucionárias de Skapinakis. Maio, maduro Maio e é o Zeca, claro. O 1º de Maio de 2012, o dia a seguir a saber-se pelo Vítor Gaspar e pelo Passos Coelho que o dinheiro subtraído ao rendimento de tantos e tantos trabalhadores e pensionistas apenas será reposto em 2018 (data tão longínqua que se torna improvável). Mas um dia isto muda... e parece que já está em curso o início da mudança. Tenhamos esperança e não baixemos os braços. E, ainda, 'O momento de' segundo António Ramos Rosa e, finalmente, 'Por vos muero'.


Pintura de Nikias Skapinakis - actualmente no Museu Berardo, CCB


Música, por favor

Maio Maduro Maio - José Afonso



Celebra-se esta terça feira o dia de uma das espécies mais ameaçadas dos últimos tempos: o trabalhador.

Esta espécie é vista pelos actuais governantes, na sua maioria uns académicos de pacotilha, como boa para abater.

Relembro: quando alguém começa a trabalhar, celebra um contrato no qual se estabelecem direitos, deveres, garantias, compromissos.

Ora os contratos servem para regulamentar o cumprimento recíproco do que mutuamente foi acordado ou, então, para estabelecer a forma ordeira de os romper.

O que este governo tem vindo sistematicamente a fazer com os que, directa ou indirectamente, estão sob sua alçada, é romper unilateralmente esses contratos - e fá-lo de forma arbitrária e amoral.

Dou um exemplo (e, nem estou a falar de mim pois, repito-me, trabalho numa empresa privada). Um funcionário público ou, mesmo, um trabalhador de uma empresa detida por uma empresa pública - mesmo sendo uma empresa que está no mercado em situação de concorrência tal e qual como uma empresa privada, uma empresa lucrativa em que os trabalhadores não têm quaisquer regalias ou direitos que os funcionários público – pode ter tido um corte de ordenado de 10%. Em cima disso foi-lhe retirado os subsídios de Natal e férias. Só aí já vai um corte unilateral de 23%. Poderá dizer-se que, se levou um corte de 10%, é porque tinha um ordenado muito alto. Falso. Isto aconteceu com quadros médios, mediamente remunerados, pessoas que tinham compromissos assumidos na assumpção dos rendimentos contratados.

Some-se a este atentado, o aumento de IRS mais o aumento de IVA - cortes comuns para todos os que ainda conseguem manter-se vivos. Some-se o aumento da electricidade, do gás, dos transportes, de tudo.

Percebe-se, assim, o saque que está em curso a toda a gente mas, em especial a uma ex-classe média que está a ser desapossada da forma mais indecente que há memória, e, em geral, a quem vive de rendimentos de trabalho ou de pensões de reforma e, ainda mais, aos que directa ou indirectamente têm como patrão essa figura que deixou de ser ‘de bem’ que é o Estado.

De notar ainda que, reportando-me agora aos pensionistas, uma pensão de reforma não é uma benesse. Uma pensão de reforma é a devolução da verba actualizada relativa a descontos efectuados especificamente para esse fim ao longo da vida activa. Encarar essa verba como algo de que se pode dispor, retirando parte dela, é ilegítimo e imoral.

Um trabalhador qualificado – e agora refiro-me a todos, isto é, ligados a entidades estatais, para-estatais, empresas privadas, etc - pode hoje descontar do seu ordenado quase metade do que ganha para IRS o que, somado à verba descontada para a Segurança Social, perfaz bem mais do que metade do que ganha. Um atentado.

Ora todas as verbas retiradas desta forma às pessoas são verbas que não circulam directamente na economia. E retiradas todas estas verbas para impostos e deduções, não sobra dinheiro para aplicar em poupanças e o consumo restringe-se ao mínimo. Não havendo dinheiro para aplicar em poupanças, os sistemas financeiros vêem a sua liquidez reduzida; e, reduzindo o consumo, começa tudo a reduzir ou a fechar - e esta é a melhor forma de destruir a economia.

Finalmente, um pouco por todo o lado (com excepção de Passos Coelho e seus apaniguados que ainda não conseguiram perceber) começa a falar-se na necessidade de atenuar estas medidas de austeridade e a reconhecer-se que ajustamentos assim, abruptos, violentos, destroem a economia e impedem o ressurgimento do crescimento. Até a matrafona da Merkel já diz que não quer ser a talibã da austeridade (pudera… sem ter para onde escoar os seus excedentes, a Alemanha começa a sentir a ameaça do abrandamento económico).

Finalmente, ainda que de forma incipiente, começa a falar-se numa espécie de plano Marshall para relançar a economia. Haja Deus!

Poderá dizer-se que falta dinheiro para investir mas isso é uma falsa questão. Vejamos porquê.

De uma forma algo minimalista, o que é necessário fazer restringe-se a duas coisas muito simples.

Primeira – em vez de ter um pensamento assistencialista, atirando as pessoas para o desemprego e depois dando-lhes de comer através de subsídios de emprego ou de subsídios de integração, isenção de isto e mais daquilo, mudem-se as prioridades e empreguem-se essas verbas em actividades reprodutivas. Exemplifico: se se investir no arranjo e modernização das escolas degradadas ou se se construirem residências assistidas para idosos, centros de dias com fisioterapia, apoios médicos e de enfermagem, etc, para além da utilidade óbvia desses investimentos, estará a dar-se emprego a muita gente, desde os que trabalham em funções mais qualificadas (arquitectos, engenheiros, médicos, enfermeiros, técnicos de saúde, etc, etc) como a menos qualificadas, como ainda desenvolver empresas de materiais de construção e de equipamentos de vária ordem, que por sua vez dão emprego a muito gente, etc, etc. Essas pessoas ao terem trabalho, consumirão, terão poupanças, etc, e a economia começa a rolar. Além disso contribuirão com os seus impostos. Em contrapartida, se estiverem desempregadas, é o Estado que lhes paga directamente através de subsídios e, ganhando muito pouco, não terão poupanças e terão consumos muito baixos.

Segunda que, em parte decorre da primeira: restaure-se a confiança. A economia é a magia de, com poucos recursos, parecer que se tem muitos. Se a pessoa A paga a B, a pessoa B, tendo recebido esse dinheiro, compra e paga a C, a qual, por sua vez, compra e paga a D, a qual por sua vez …. e assim sucessivamente. A verba que anda a girar nesta cadeia pode ser sempre a mesma mas, circulando, anima a actividade de muitos elos dessa cadeia. Em contrapartida, havendo medo, insegurança, ou escassez, haverá retracção e A deixa de pagar a B que já não pode comprar a C, que, portanto, não pode comprar a D e a economia começa a paralisar, o desemprego a aumentar.


Não acontecendo isto, deparar-nos-emos inapelavelmente com o que começa a estar à vista: o aumento do desemprego, a recessão, a continuada quebra de receitas fiscais (apesar da sobrecarga individual), a impossibilidade de amortizar dívida e, até, o seu aumento - ou seja, a temível espiral recessiva que atira com os países para a bancarrota, para a miséria, para a perda de direitos, para a revolta social (e, tantas vezes, para a guerra).

Volto a dizer: isto não é ficção, nem escrita apocalíptica, nem nenhum surto de  ‘medinacarreirice’ (e isto sem sentido pejorativo): isto é aritmética simples.

Por isso, no Dia do Trabalhador o que eu quero desejar é que, em breve, se invertam as políticas estúpidas e malévolas que têm vindo a ser seguidas e que, em breve, voltemos a integrar um país viável, um país que acarinhe e retenha os jovens, que respeite os velhos, um país de progresso, um país governado por gente inteligente e competente que respeite os seus concidadãos, um país que perceba a dignidade maior que é devida a quem trabalha e a quem já trabalhou.

*

Gosto de acabar com pensamentos ou imagens positivas. 

A palavra, portanto, a António Ramos Rosa


                                                            Talvez seja o momento de.
                                                            Mesmo sem esperança. E ele escreve:
                                                            nenhum impulso para ti
                                                            neste espaço deserto.

                                                           Ele perscruta entre as pedras e as sombras.
                                                           Nada vê ignora. Olha.
                                                           Que traços são estes,
                                                           qual a origem destas palavras nulas?

                                                           Ele escreve. O seu desejo é o desejo
                                                           de tornar habitável o deserto.

*

E agora um bailado diferente, com uma bela música de guitarra antiga, com umas belas palavras, um bailado ao som de palavras, a poesia de Garcilaso de la Vega. Não deixem de ver, peço-vos, mas vejam-no com o coração aberto que é como se devem ver as coisas belas. A coreografia é de Nacho Duato para a Compañia Nacional de Danza e chama-se 'Por vos muero'.




E tenham, meus Caros, um belo dia 1º de Maio.

segunda-feira, abril 30, 2012

Ginjal com chocos e gaivotas, Chiado, Livraria Bertrand, Santa Catarina, o Elevador da Bica e Adamastor no miradouro, Belém com veleiros e gaivotas, Skapinakis no CCB em dia de música - ao som de Marta Dias e António Chainho; e ainda um poema dito de António Ramos Rosa


Música, por favor

Marta Dias com António Chainho interpreta Fadinho Simples


Quando eu era pequena gostava muito de andar no campo, de correr. Havia entre a casa da avó - onde ficava quando saía da escola e até chegar a hora de ir para casa dos meus pais - e a escola uma ladeira muito íngreme. O que eu gostava de vir desde lá de cima a correr...! Ganhava balanço, a velocidade ia aumentando e eu sentia que, se quisesse parar, não o conseguiria. Sentia que quase voava.

Ainda hoje tenho nos joelhos marcas das quedas que ali dei. 

Na parte de cima da casa dessa minha avó, havia campo, muitas árvores, montes, pedras. Era também para aí que eu gostava de ir brincar. Via os pássaros, adorava andar à procura de ninhos, para espreitar os ovos. Pouco parava dentro de casa. 

Também, por essa altura, perto da casa dos meus pais havia campo. Agora já pouco há, quase só casas. Mas na altura havia largueza, um ar muito puro, e era também à solta que eu mais gostava de andar.

Quando comecei a namorar, novinha, dava grandes passeios com o meu namorado. Jardins, beira mar e, também, livrarias. Mais tarde, por alturas da faculdade, assim me mantive, jardins, parques, praia, beira-rio  e, por essa altura, para além de livrarias, também museus.

Ainda hoje sou assim. Por força das circunstâncias obrigada a trabalhar, fechada, em ambiente de escritório, logo que posso é a andar ao ar livre, a passear, a calcorrear livrarias e museus que eu me sinto melhor.

Temo maçar-vos com a descrição recorrente destes meus passeios mas, gostando tanto de os fazer, gosto também de partilhar convosco este gosto.

Por isso, com as minhas antecipadas desculpas pelo déjà vu, aqui vos dou conta do dia de hoje, um dia que, para mim, foi uma maravilha.

Eu, caminhante, qual ave em terra, lá fui. E, claro, vocês já me conhecem, lá fui fotografando tudo.




Comecei, claro, pela beira do rio.



Hoje as gaivotas voavam alto, muito alto, voos largos, uma fantástica dança aérea.

Gosto de fotografar os pescadores. São pessoas que se encontram envoltas em azul, no meio de vastos horizontes, no meio da beleza, numa tranquilidade expectante. Quando são em sucedidos nas suas pescarias, sinto que gostam que eu registe o fruto do seu sucesso.

Hoje um apanhou um belo choco.



Colocou-o no chão, creio que de propósito para eu o fotografar. Reluzente, o choco agitava-se na calçada. Vejo agora na fotografia que até ficou com uma pena de gaivota presa na viscosidade da sua pele. E um belo cheiro a maresia sempre presente.

De tarde, depois de almoço na zona do Chiado, novo passeio.



Início no Largo do S. Carlos, junto à estátua de Fernando Pessoa, não a da Brasileira mas esta, de um Pessoa com um livro no lugar da cabeça.

A seguir, visita a um local de recordações, a Bertrand do Chiado, uma livraria linda, em que se vai de sala em sala e dentro da qual tanto tempo passei, tantos livros comprei.



Quando eu andava na faculdade e havia os saldos da Bertrand eu gastava todo o dinheiro que tinha e não tinha, era uma perdição.

Junto ao Teatro São Luíz, carrinhas das estações de televisão e muitas pessoas, algumas conhecidas, que iam recordar a pessoa feliz e boa que era Miguel Portas. Vi agora na televisão que foi um ambiente de ternura que, de forma muito digna e tocante, envolveu a sua memória. Os seus pais sentiram, certamente, muito orgulho no filho que ficará para sempre no coração de toda a gente; e os filhos, tão bonitos, meiguinhos, sentiram também, com certeza, que o seu pai foi um homem muito especial.

A seguir o passeio dirigiu-se a um dos vários miradouros da cidade, desta vez a Sta. Catarina.



Um local belíssimo, cheio de tradição, mas no qual encontrei uma frequência algo duvidosa. Não é que eu as receie mas uma excessiva profusão de rastas, cerveja a litro, cigarros e cheiros algo suspeitos tornam o local muito pouco ecológico.



Mas, enfim, bonito na mesma, o Adamastor imponente a desafiar todas as rastas deste mundo.

A seguir, de novo em direcção ao rio. Àquela hora da tarde, o rio estava platinado, brilhante, de uma beleza quase insuperável.


Naquelas gradações de prata brilhante do Tejo, os veleiros ficavam quase abstractos contra a luz. E as gaivotas sempre presentes, sempre belíssimas.

A nossa ideia era ir ver a World Press Photo no Museu da Electricidade mas a grande fila cá fora dissuadiu-nos, pelo que nos pusemos a caminho do Centro Cultural de Belém. Em dia de festa da música, uma numerosa multidão animava o espaço. Aliás, desde o restaurante até ao Chiado, à beira do rio e ao CCB a presença de turistas era assinalável. 



Acabámos por ir ver a BES Photo 2012 e a retrospectiva 'Nikias Skapinakis, presente e passado, 2012-1950' ao Museu Berardo.

Na altura havia jazz no ar, vindo de um concerto que devia decorrer num pavilhão pois o som era bem audível, uma maravilha.

Muito mais gente do que é costume, na maior parte estrangeiros. Não interessa. O que interessa é que hoje encontrei um museu vivo, com gente a falar ou a ver em silêncio, a fotografar, a rir com algumas peças - ou seja, um museu como os museus devem ser, um local onde é bom estar.

Destaco em especial a exposição de Skapinakis. Muito completa, muito apelativa, um gosto.



Novos, velhos, crianças, toda a gente apreciava com alegria a imaginação fértil, o sentido de humor e o equilíbrio da obra de Skapinakis.




Termino porque vocês, meus queridos Leitores, já devem estar maçados com estes meus passeios na cidade. Mas eu gosto tanto de me deleitar com a beleza natural que nos rodeia e com as diversas manifestações da arte que fico a sentir-me quase na obrigação de vos dar testemunho da alegria e prazer que é percorrer estes caminhos.

Já agora: não custa dinheiro. A entrada no Museu Berardo é gratuita; a rua, os miradouros, o rio, as gaivotas, os veleiros, também o são... (e não me alongo não vá o Gaspar ter alguma ideia infeliz). 

*

Ouçam, agora, por favor, um poema de António Ramos Rosa


*

[Já agora, antes de me ir: não querem dar uma espreitadela lá ao meu Ginjal e Lisboa? Hoje temos palavras em volta de um belo poema de Maria do Rosário Pedreira. E esta semana continuamos com a grande música e as grandes vozes: Puccini. Serão muito bem vindos por aquelas minhas bandas.]

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E tenham, meus Caros Leitores, uma bela semana a começar por esta segunda feira. 

E sejam muito felizes, está bem?