Depois de na 3ª feira, na TVI, as questões se terem centrado essencialmente no carácter, revelando o duvidoso nível de António José Seguro e a calma olímpica de António Costa, o debate na SIC foi muito diferente.
Clara de Sousa, gira como sempre e muito bem, directa e de rédea curta, levou o debate para o terreno das ideias. Sabido que é que não é com respostas de um minuto ou dois que alguém consegue explicar como vai tirar o pé do País da lama, tem que se reconhecer que uma amostra do que pensam e de como pensam conseguiu, apesar de tudo, ser antevista.
E aí, quando António Costa começou a responder, percebi que tinha mudado de tercio. A montada era outra e o tipo de bandarilhas também. Se, na TVI, tinha ido numa de contenção e delicadeza para poupar o Tozé (tal como o Caro HB disse num comentário ao texto de ontem), na SIC mostrou que a coisa não ia ser um passeio para o Piu-Piu. Tivemos faena a preceito e quase festa rija.
De cada vez que o Piu-Piu piava, António Costa, contido e zen, deixava transparecer que, por dentro, estava a pensar, 'Ó pá,
make my day...' e, mal o outro acabava, pumba. Sempre delicado e com elevação, com o argumentário no plano político e não pessoal, não as poupou:
- que o Tozé andava a apregoar ideias como suas quando eram património do PS,
- que apregoava como novas as medidas quando, em 80 e tal, apenas seis medidas e meia é que diferem das do programa eleitoral de 2009 e é porque são questões conjunturais, uma das quais até já ultrapassada, etc e tal
- que apregoava que eram medidas inovadoras quando algumas constam de programas do partido desde 1995.
Enquanto ouvia isto, o Tozé toldava os olhos, rangia os dentes e não sei que mais fazia que as câmaras não tivessem captado mas não devia ser coisa boa. Alguém devia ensinar o homem a disfarçar a raiva.
António Costa apresentou ideias (tanto quanto possível nos escassos minutos de que dispõem) e, quando o Tozé disse que finalmente o via a apresentar ideias, o Costa saltou outra vez com alegria: isso significa que andaste apenas a dizer o que as agências de comunicação te dizem para dizeres em vez de leres a moção que apresentei. O Tozé, ar esgazeado, fingindo que ria mas com os dentinhos a tremerem de raiva, nem sabia o que responder.
Às tantas, no meio da confusão, o Tozé, sempre a querer descer do chinelo, saíu-se com uma fantástica: que, enquanto os autarcas estavam de janela, ele andava a percorrer o País. Costa disse logo que lá andar muito pelo País ele tinha andado, tinha era conseguido pouca coisa e aproveitou para lhe perguntar se era isso que ele pensava dos autarcas, que estavam de janela. Seguro, voz a tremer de raiva, respondeu que não eram os autarcas, era ele, Costa. António Costa já nem comentou tamanha infantilidade.
E António Costa falou nos erros de Seguro enquanto oposição débil, na falta de ideias, na falta de capacidade de mobilização, no eleitorado órfão, na falta de capacidade para se demarcar do PSD no que fazia sentido ou para contribuir para alguma convergência quando isso era razoável. E, quando o outro reagiu, sempre tentando levar a coisa para o plano pessoal ('fica-te mal dizeres isso'), Costa rematou à baliza 'tu não foste capaz'.
E apresentaram, pois, as suas ideias. Forçosamente têm que ser ideias gerais mas na forma de apresentar as suas, António José Seguro quer particularizar como que para provar que tem mais ideias, não percebendo que isso não é assim que funciona, parece imaturo.
António Costa tem uma estrutura mental mais lógica, mais sistematizada e sabe que não vale a pena querer inverter a ordem dos factores ou falar de tudo ao mesmo tempo. António Costa sabe e é isso que diz que a primeira prioridade é injectar liquidez na economia e por isso defende que o foco esteja nos fundos estruturais e em políticas de relançamento económico e combate ao desemprego e pobreza. Não são só razões sociais: são também razões económicas pois só com liquidez a economia conseguirá renascer e só com relançamento económico e investimento, poderá haver crescimento e geração de valor.
António Costa sabe e disse-o de forma clara que o sentimento europeu é outro e que o fundamental é inverter o paradigma: não é menos austeridade mas sim crescimento.
Perfilho as suas ideias e não faço outra coisa senão defendê-las desde há mais de 3 anos.
E António Costa falou no conhecimento, na ciência, na investigação e falou no apoio às empresas e na reforma administrativa do território.
António José Seguro, boca seca, risinho nervoso e amarelo, também disse umas coisas mas vê-se que não sabe prioritizar as ideias, vê-se que, para ele, tanto valem ideias que são balões cheios de ar ou ideias complexas. Dá pena vê-lo a querer mostrar serviço agora que aparente e desejavelmente está de saída.
No final, diria eu que já com o Tozé com alguma dificuldade em se aguentar sentado, António Costa felicitou-o por se ter sabido portar como deve ser, por não ter cedido ao impulso dos ataques pessoais, tanto mais desagradáveis por serem entre camaradas. O outro parecia que estava a sangrar mas queria fingir que estava a gostar e, por isso, mantinha-se de sorrisinho morto pregado à cara, boca em biquinho, dentinhos a quererem vir para fora, olhar descompensado. Andou a pedi-las mas foi confrangedor.
Finalmente, uma vez mais ficou claro que António Costa fala de frente, sabe ser firme e duro, e tem sentido de humor. O seu sorriso é simpático a quem o vê.
António José Seguro tem mau perder, tem uma simpatia artificial, é tudo muito construído, não convence ninguém.
Digo isto e tenho que corrigir: todos os que apoiaram antes convictamente Passos Coelho contra Sócrates e que agora, apesar de toda a destruição que Passos Coelho infligiu ao País, continuam a não ser capazes de assumir que se enganaram completamente, esses continuam a ver virtudes no Tozé. Diga ele o que disser ou faça o que fizer, esses artistas que inundam os jornais, as televisões e a blogosfera continuam a achar que 'esteve melhor' do que António Costa. Percebo-os: quem já antes revelou tamanha incapacidade de entendimento, não se cura de um dia para o outro. Mas isto pode ser que seja eu a ser tendenciosa, a deixar-me guiar pela intuição, já que acho óbvio que não há comparação possível entre um e outro.
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Permito-me transcrever a deliciosa parte final da crónica de Ferreira Fernandes no DN, intitulada 'Não vou discutir a baixa do IVA, não' :
Já aqui o disse: não gosto de Seguro. Não é por esta ou aquela linha política. E nem é por essa coisa que salta nos políticos quando falta, o carisma. É pela cara mesmo. O falso afeto. Isto é, por uma razão política maior. Se ele chegar a primeiro-ministro e encontrar o ministro alemão Schäuble, não quero vê-lo a debruçar-se e perguntar: "Então, como vão as perninhas?"
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Uma pergunta para terminar: o que é que ainda leva a que alguém convide o Henrique Monteiro para comentar o que quer que seja? Ouvi os comentadores na SIC N durante um bocado e, de cada vez que lhe davam a palavra, ele desatava a desfiar as suas próprias ideias, contraditórias e paradoxais como sempre, sounbites e pouco mais e nunca lhe ocorreu que estava ali para comentar os candidatos e não para fazer campanha a favor dele próprio. É um fala-barato que cansa. Claro que, no meio de mil imprecações... zapping!
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