No post a seguir a este transcrevo um grande texto da Leitora JV para o qual peço a vossa atenção. Poderão não concordar com algumas partes mais controversas mas uma coisa terão que reconhecer: quem escreve assim não é nenhuma mosquinha morta, nenhuma alma aquietada e servil. Não senhora. Grande texto.
Descendo ainda um pouco mais, terão uma comparação entre as taxas de juro conseguidas por Portugal e pela Alemanha e poderão ajuizar sobre o carácter ou sobre a inteligência das criaturas que nos desgovernam. Junto um vídeo da Porta dos Fundos onde o Lacerda exorta os colegas à luta no mundo dos mercados. Convém ver para perceber quem anda a aconselhar o Rato da Pinóquia.
Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra. E não é das melhores.
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Fernando Tordo e o filho João Tordo |
Via-o amiúde. Acho que ainda a semana passada o vi. Alto, vagamente encurvado, elegante na sua aparência simples, um blusão de camurça, aspecto afável, vendo as novidades na Fnac. A gente vê estas pessoas conhecidas e pensa que vivem bem, que terão rendimentos confortáveis, que, se já atingiram a idade da reforma, receberão um valor que lhes permita viver de acordo com a imagem que temos delas.
Muitas vezes me interrogava: pouco já deve actuar, de que vive? As televisões publicitam toda a espécie de lixo e ignoram pessoas como ele. Quem ainda os contratará? Discos já não devem vender. Pensava: se calhar compõe ou produz para outros. Talvez tenha uma boa reforma.
Mas, no fundo, temia que estivesse apenas a tentar enganar-me. Para minha tranquilidade. Para mentalmente daí lavar as minhas mãos.
Pela carta do filho, o escritor João Tordo, vi agora que a vida, para estas pessoas que deram toda uma vida à música e ao espectáculo e que prezam a qualidade, é afinal muito dura.
Transcrevo: A sua reforma seria, por cá, de duzentos e poucos euros, mais uma pequena reforma da Sociedade Portuguesa de Autores que tem servido, durante os últimos anos, para pagar o carro onde se deslocava por Lisboa e para os concertos que foi dando pelo país.
Fernando Tordo seria, pois, no linguajar do Láparo e da sua ajudante Pinóquia, mais uma das pessoas que vivia acima das suas possibilidades. Ou, então, comiseração: seria afinal mais um dos afortunados que seria poupado aos cortes nas pensões.
Mas, de facto, pode uma pessoa que tem orgulho, dignidade, que tem uma imagem a defender, deixar-se ficar a viver, recebendo uma reforma de pobrezinho, um dinheiro que não dá para se manter?
Percebo-o.
Mas penso, aterrorizada, se isto fosse comigo. Se daqui por uns anos me vir assim, sem rendimentos que cheguem para a minha subsistência, a ver-me na contingência de viver de economias que rapidamente se esvairiam, e, como alternativa, ter que embarcar para um outro país, bem longe, deixar tudo para trás.
Diz o filho que Fernando Tordo se foi fazer à vida com uma mala e uma guitarra. E que ia animado. Um homem de coragem, pois.
Um país miserável que não respeita os seus artistas, que despreza os mais velhos, é o que é este país. Um país conduzido por uma comunicação social que tem como directores de conteúdos gente como a Cretina Ferreira e outros que tais, gente que escolhe tudo o que é pimbalhice, porcaria, e desconhecem ou desprezam quem dedica a vida à defesa do que considera ser a integridade da arte.
Espectáculos todos os fins de semana por esse país fora e é só indigência, ordinarice, bailarinas reboludas, cantigas com letras brejeiras, lixo. E os canais todos a promoverem isso. Um avacalhamento que envergonha qualquer um que tenha um pingo de decência. Artistas com um mínimo de qualidade: zero.
Diz João Tordo nessa carta:
Os nossos governantes têm-se preparado para anunciar, contentíssimos, que a crise acabou, esquecendo-se de dizer tudo o que acabou com ela. A primeira coisa foi a cultura, que é o património de um país. A segunda foi a felicidade, que está ausente dos rostos de quem anda na rua todos os dias. A terceira foi a esperança. E a quarta foi o meu pai, e outros como ele, que se recusam a ser governados por gente que fez tudo para dar cabo deste país - do país que ele, e milhões de pessoas como ele, cheias de defeitos, quiseram construir: um país melhor para os filhos e para os netos.
Fico triste por ele que vê o pai partir aos 65 anos, fico triste pelo pai que vai lutar num outro continente, longe da sua casa e dos seus.
Magoaram-te. Não a mim, cinquenta anos de tudo e mais alguma coisa. Magoaram-te porque achas estranho que se diga de um tipo, que para mais conheces bem, o que algumas pessoas disseram e continuarão a dizer. Perante a tua carta que a Eugénia e teu irmão Francisco Maria me encaminharam, o que é fica? Tentação de devolver os insultos com o vernáculo que bem me conheces e és admirador? Não. O que fica, meu querido filho, é a tua carta.
Tenho tanto que fazer, aqui. Por todos vocês. (grande fotografia que a tua irmã Joana me mandou) ela e os meus netos, aqueles sorrisos.
Não entristeças, João. Temos dado o melhor de nós e isso não admite gentinha; só aceita dignidade e respeito por vidas que se dedicaram e dedicam não porque têm talento, mas sim porque têm aquele mistério revelado de poderem escrever uma carta como a tua. Beijo do teu pai Fernando."
Espectáculos todos os fins de semana por esse país fora e é só indigência, ordinarice, bailarinas reboludas, cantigas com letras brejeiras, lixo. E os canais todos a promoverem isso. Um avacalhamento que envergonha qualquer um que tenha um pingo de decência. Artistas com um mínimo de qualidade: zero.
Diz João Tordo nessa carta:
Os nossos governantes têm-se preparado para anunciar, contentíssimos, que a crise acabou, esquecendo-se de dizer tudo o que acabou com ela. A primeira coisa foi a cultura, que é o património de um país. A segunda foi a felicidade, que está ausente dos rostos de quem anda na rua todos os dias. A terceira foi a esperança. E a quarta foi o meu pai, e outros como ele, que se recusam a ser governados por gente que fez tudo para dar cabo deste país - do país que ele, e milhões de pessoas como ele, cheias de defeitos, quiseram construir: um país melhor para os filhos e para os netos.
Fico triste por ele que vê o pai partir aos 65 anos, fico triste pelo pai que vai lutar num outro continente, longe da sua casa e dos seus.
Li agora, quando estava a dar por terminado este texto, a resposta de Fernando Tordo ao filho:
Carta ao meu filho João
Magoaram-te. Não a mim, cinquenta anos de tudo e mais alguma coisa. Magoaram-te porque achas estranho que se diga de um tipo, que para mais conheces bem, o que algumas pessoas disseram e continuarão a dizer. Perante a tua carta que a Eugénia e teu irmão Francisco Maria me encaminharam, o que é fica? Tentação de devolver os insultos com o vernáculo que bem me conheces e és admirador? Não. O que fica, meu querido filho, é a tua carta.
Tenho tanto que fazer, aqui. Por todos vocês. (grande fotografia que a tua irmã Joana me mandou) ela e os meus netos, aqueles sorrisos.
Não entristeças, João. Temos dado o melhor de nós e isso não admite gentinha; só aceita dignidade e respeito por vidas que se dedicaram e dedicam não porque têm talento, mas sim porque têm aquele mistério revelado de poderem escrever uma carta como a tua. Beijo do teu pai Fernando."
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Que entre agora, pois, um Cavalo à Solta
(...)Minha laranja amarga e doceMeu poema feito de gomos de saudadeMinha pena pesada e leveSecreta e puraMinha passagem para o breveBreve instante da loucuraMinha ousadia, meu galope, minha rédia,Meu potro doido, minha chama,Minha réstia de luz intensa, de voz abertaMinha denúncia do que pensaDo que sente a gente certa
Relembro: há mais dois posts a seguir a este. Desçam, por favor que acho que não darão o tempo por perdido.
Hoje gostaria ainda de vos convidar a visitarem-me também no meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa, onde tenho Cora Coralina e o seu tocante gosto pela vida. É bom de ler e ouvir. Contagia.
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E, assim sendo, por aqui me fico por agora. Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quinta feira.
(Já estou melhor mas ainda não estou boa e, além disso, de tanto aqui estar ao computador, já estou pior, que chatice. Por isso, e uma vez que já não consigo reler nada, por favor relevem as gralhas - a menos que sejam graves, e, nesse caso, pedir-vos-ei o favor de me alertarem. Obrigada)