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quinta-feira, maio 02, 2024

Um cravo é um cravo é um cravo

 

No outro dia vieram cá umas amigas. Estando nós a atravessar o cinquentenário do 25 de Abril, acordei nesse dia a pensar que queria oferecer-lhes um pregador (não sei porquê mas não me dá jeito dizer broche) com o formato de cravo.

Pensei, na minha ingenuidade, que era coisa que deveria haver a pontapé. Portanto, nesse dia, antes que elas chegassem, resolvi ir, num instante, a um centro comercial, daqueles em que há todas as lojas, pois poderia comparar os diferentes formatos e trazer o ou os mais indicados. Uma das minhas amigas tem uma personalidade algo boémia e outra é a serenidade e equilíbrio em forma de gente. Portanto, ou era um cravo adaptado a cada uma ou era um que fosse ambivalente.

Pois, pasme-se: nem um. Corri todas as lojas de bijuteria que se possa imaginar, t-o-d-a-s, nada, depois passei para as lojas de vestuário que também vendem adereços, nada, segui para as lojas que vendem pedras preciosas ou semi-preciosas, nada, e, por fim, já estava a espreitar ourivesarias. Nada. N-a-d-a. 

Não houve uma alma, uma, que se tivesse lembrado de fazer um pregador em forma de cravo, seja ele gráfico, realista, seja metafórico, metafísico, intemporal, abstracto. Nada. Zero.

Acabei por escolher umas florzinhas meio desmaiadas, levemente encarnadas, mais para as margaridas coradas do que para os rubros carnations. Tinha metido aquela na cabeça, não poderia recebê-las sem um flor para porem ao peito.

E, pensando no assunto, pasmo. Não sei como não se transformou já o cravo em símbolo, quiçá a par do Galo de Barcelos ou outros como o das Caldas. Deveria haver peças alusivas ao cravo sejam Bordalo Pinheiro ou Vista Alegre, sejam peças em prata, ouro, plástico, qualquer coisa,  sejam ímans, sejam bugigangas para todos os gostos. E, que eu saiba, nem a grandiosa Joana Vasconcelos se inspirou para produzir uma hiper-mega peça em forma de cravo libertário.

Fiquei com vontade de comprar papel plastificado encarnado, tule encarnado, coisas com que eu própria faça peças para oferecer a quem venha visitar-me e para eu própria ter aqui em lugar de destaque.

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O vídeo abaixo tem legendagem em inglês mas também se pode escolher a tradução automática para português. 

Portugal - Cravos contra a Ditadura

Portugal: Carnations against Dictatorship | ARTE.tv Documentary

In April 1974, left-wing factions in the Portuguese military staged a coup against the authoritarian regime which had been in power for half a century. The uprising was largely peaceful and went down in history as the Carnation Revolution. But the path to a democratic Portugal was not easy and not without obstacles.


sexta-feira, abril 26, 2024

Foi bonita a festa, pá
25 de abril sempre

 

Um imenso mar de gente em festa, em família, entre amigos. Uma festa intergeracional mas, arriscaria dizer, com uma inédita e inacreditável massa de jovens e de crianças. 

Todas as ruas iam dar ao Marquês. Os relvados da avenida e da rotunda cheios de gente. Muita cor, muita alegria. Gente a cantar, a rir, a abraçar-se, a festejar, a gritar gritos de ordem: um hino à liberdade cantado a muitos milhares de vozes.

Muita emoção, uma emoção contagiante, uma vontade de que as ruas nunca percam a alma, que continuem cheias de gente, que não seja só nos 25 de Abril. As ruas querem-se vivas e alegres. É na rua que as pessoas se encontram, se abraçam, se vêem a rir, que cantam em uníssono. Não é na solidão das redes sociais. É nas ruas. É na partilha, no contacto, na felicidade de estar com os outros que a liberdade e a democracia se mantêm vivas e pujantes.

Em boa hora o meu marido se lembrou de que devíamos ir para a avenida. Estou muito feliz por lá ter estado. 

Desejo que o 25 de Abril se mantenha vivo, cada vez mais festivo, cada vez mais enraizado e pujante, cada vez mais um balão de oxigénio que alimente os nossos quotidianos. E desejo que daqui por 50 anos os meus filhos, os meus netos, os meus bisnetos e trinetos continuem a sair à rua a festejar o dia da Liberdade e da Democracia no nosso querido país.

















































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Nota: Caso algum dos que aparecem nas minhas fotografias aqui não quiser estar, peço o favor de me contactar identificando a fotografia que logo a retirarei

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Galeria de Fotografias do Guardian: clicar (link abaixo) para ver todas

Portugal commemorates the Carnation Revolution – in pictures

Thousands in Lisbon celebrated the 50th anniversary on Thursday of Portugal’s Carnation Revolution, which toppled the longest fascist dictatorship in Europe and ushered in democracy. The almost bloodless revolution was conducted by a group of junior army officers who wanted democracy and to put an end to long-running wars against independence movements in African colonies
Guy Lane
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25 de Abril sempre

quinta-feira, abril 25, 2024

abril que te quero abril

 


Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo

[Sophia]

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25 de Abril sempre

quarta-feira, abril 24, 2024

Mesmo na noite mais triste em tempo de servidão há sempre alguém que resiste há sempre alguém que diz não

 

(...)

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das água
para onde vais? Ninguém diz.

(...) 




quarta-feira, abril 26, 2023

As televisões, as rádios e os jornais podem fazer o favor de parar de dar palco ao Ventura, ao Chega e aos grunhos que odeiam a democracia?

 


Estive ocupada todo o dia e ainda não ouvi os discursos do 25 de Abril nem sei em que consistiram as comemorações oficiais. Mas vi imagens tristes de uns grunhos (em que gente acéfala ou ainda mais grunha que eles votou e que, por isso, agora estão na Assembleia da República). E ouvi o Santos Silva a dar-lhes uma merecida desanda. E vi o Lula a mostrar que já virou muitos frangos e já viu muitos destes arruaceiros armados em espertos.

Vi também imagens do chefe dos grunhos, o grunho-mor, cá fora a falar para as televisões.

E pensei aquilo que penso sempre que vejo estes atrasos de vida: mais do que a opinião livremente formada a partir do conhecimento dos programas eleitorais é a televisão que decide eleições, colocando a jeito, em destaque, aqueles em que o eleitorado mais influenciável vai votar.

E as televisões bem como as rádios andam sempre atrás do Ventura, dão-lhe palco de forma ininterrupta. Sabem que ele tem sem sempre bocas, tem sempre alguém para denegrir, tem acusações ou insidiosas insinuações para fazer, tem sempre pedras para atirar, tem sempre um vómito prestes a sair-lhe da boca. E a comunicação social aposta nisso, acredita que é isso que dá shares. E o drama é que dá shares e dá votos.

E esta comunicação social tem também esta característica: alimenta-se e alimenta a maledicência. Haja alguém a dizer mal de alguém e aí estão eles a pôr-lhes um microfone à frente das beiças e uma câmara apontada às trombas para lhes alimentar o ego. E, com um microfone e uma câmara a gravar-lhes as perfídias, esta malta sente-se importante. Vão aparecer na televisão a dizer mal, a deitar abaixo. Sentem-se os maiores. Bolsam ainda com mais entusiasmo. 

E a nossa comunicação social vive disto.

E, com esta informação, a comunicação social estimula o rebanho de grunhos que não sabe do que fala nem tem uma ideia sobre como fazer melhor mas que sabe enlamear os governantes, os deputados honestos, os políticos em geral. É uma cambada que só sabe dizer mal, uma cambada que vive de tentar minar a confiança  nas instituições democráticas.

É para estes que o Ventura fala, para os burros que gostam de deitar abaixo, que gostam de intriga, de injúria, de insultos. 

E é de toda esta tropa fandanga que a comunicação social se alimenta.

Se durante um ou dois meses de seguida a comunicação social não desse palco ao Ventura, ele cairia a pique nas sondagens. Porque o Ventura é um saco que lá dentro só tem ar e porcaria. Propostas construtivas zero. Tirem-no do ar e todo o bluff Ventura e Chega se esvaziará num ápice.

Marcelo faria bem em reunir as estações de rádio e televisão e os jornais e pô-los a discutir o seu papelinho (ou 'papelão, na expressão de Lula) no fomento do populismo e na ascenção de um partido de broncos, mal educados, populistas despudorados. E que eles pusessem a mão na consciência. E que decidam: ou vão continuar a alimentar a serpente que pode minar a saúde da democracia ou vão procurar informação e entretenimento com cabeça, com ética, com amor ao país e deixam de propagandear o Ventura e o Chega.

E, para já, é o que me apetece dizer.

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Entretanto estou a ver na RTP 3 (num programa que se chama Tudo é Economia) uma grande intervenção da ministra Mariana Vieira da Silva -- uma inteligente, lúcida, sóbria e competentíssima governante. Uma lufada de ar fresco. 

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A imagem lá em cima é Red Carnation As In A Stage da autoria de Eversofine

O Vitorino está aqui porque não quero pôr o vídeo com um dos meus netos a cantar a Queda do Império com uma voz e uma musicalidade que me emocionam 

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Um dia bom

Saúde. Paz.

Viva a democracia e viva o meu País

terça-feira, abril 25, 2023

O 25 a caminho dos 50

 

Não me apetece agora contar onde é que estava no 25 de Abril. Já o contei. Está contado. 

Se fosse hoje, curti-lo-ia com uma emoção bem mais acentuada. Mas, se fosse hoje significaria que teria passado grande parte da minha vida em ditadura e isso é daqueles pesadelos que ninguém merece. 

Devia haver nas escolas aulas de teatro em que se encenasse o que é a ditadura para que as crianças e os adolescentes percebessem bem o que é a ausência de liberdade. 

Seja de esquerda ou de direita, uma ditadura é uma ditadura é uma ditadura -- e qualquer ditadura deve ser abolida.

Não vou festejar este 25 na rua. Festejá-lo-ei em círculo mais restrito. 

Não vou ver pela televisão os discursos pois estarei ocupada com outras coisas. 

Mas espero que Marcelo puxe a conversa para o que interessa. 

  • Uma democracia saudável tem que ser vivida no respeito pelas regras e pelas instituições. Não se dissolvem assembleias nem se apeiam governos por dá cá esta palha nem isso deve ser banalizado como se fossem tremoços ao lado dos copos da cerveja. As coisas sérias não devem ser vulgarizadas, nem se deve falar disso como se fosse uma piadola sem consequências.
  • Também não é saudável que, para que as televisões e as rádios tenham matéria picante para comentar, discutir, polemizar, guerrear e, em suma, animar a malta e, de passagem, aumentar o share, se empole tudo o que é minudência e se transformem os governantes em sacos de pancada.
  • Não deve ser subestimado o perigo do populismo nem deve ser relevada a propaganda gratuita e permanente exposição que os meios de comunicação social proporcionam  a pessoas sem escrúpulos como o Ventura e seus apaniguados.

Em contrapartida, como fonte de motivação, inspiração e orgulho, deverá passar a ser dado realce permanente a:

  • A trabalhos de investigação, 
  • a conquistas tecnológicas, 
  • ao desenvolvimento de novos produtos e serviços, 
  • a novas metodologias de aprendizagem,
  • à criação artística
  • às belezas naturais e à história e hábitos de cada recanto do nosso país.

tal como deve prestada séria e urgente atenção a questões críticas como 

  • a necessidade de inverter a tendência demográfica do país
  • a necessidade de identificar profissões em que há falta de recursos, verificando ASAP como colmatá-las
  • a necessidade de regular e enquadrar a Inteligência Artificial
Identicamente deve ser dada grande atenção ao desenvolvimento do interior do país, criando focos de atração e fixação de pessoas, seja por:
  • acarinhar o teletrabalho, nacional e internacional,
  • por dinamizar o turismo cultural ou gastronómico, 
  • seja por criar novos modelos de negócio sustentável e de âmbito regional, que, por sua vez, suscitarão a criação de empregos nos domínios dos serviços. 

Resumindo: se o discurso de Marcelo se elevar e se situar num patamar de defesa do superior interesse do país numa lógica não apenas de curto mas também de médio e longo prazo talvez eu depois veja o discurso à noite.

Senão, não vale a pena. 

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Pinturas de Alfredo Luz

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E viva o 25 de Abril. 

Sempre.

segunda-feira, abril 25, 2022

25 de Abril.
Nome do meio: Liberdade

 


Estes meus dias, o sábado e o domingo, foram dias muito bons. Estive com a família, com os meus meninos. O meu coração abre-se num abraço quando estou com eles. 

Sinto-me feliz e agradecida e gosto de ver que eles também se sentem bem. 

Os primeiros que chegam perguntam sempre pelos outros. Neste domingo não estiveram ao mesmo tempo. Os que vieram na parte da manhã tinham, logo a seguir ao almoço, um programa de festas apertado e que começava cedo. Por isso, quando os segundos chegaram já os primeiros tinham saído. Ficaram com pena. Mas, apesar disso, quer os da manhã quer os da tarde estiveram felizes da vida. Gostam de cá estar. 

Agora, para além dos primos e tios e avós há também este ser felpudo, amalucado e meigo, que fica doido de alegria quando os vê.

Brinca, brinca, deita-se para receber mimo, anda no meio de nós recebendo carinho de uns e de outros. 

Este domingo, o menino mais crescido -- que vai ter teste de português esta semana --, para treinar a composição, escreveu um texto (por sinal muito bem escrito e imaginativo). Eu li o texto, elogiei embora tivesse ressalvado um erro ortográfico e umas vírgulas fora do sítio, e a mãe leu-o também e também fez os seus comentários. Às tantas, vimos a pequena fera de composição na boca. Com tantos comentários, deve ter querido saber se também aprovava. Então, o menino dizia: 'Senta' e ele parava de correr e sentava-se. O menino dizia: 'Fica' e a fera ficava. Então o menino aproximava-se e dizia: 'Larga'. E a fera desatava a correr como se não houvesse amanhã, a composição na boca.

O mano dizia que o seu amigo felpudo era terrível, se calhar saía ao padrasto. 'Ao padrasto...?!'. A mãe perguntou: 'Ao padrinho?'. Sim, era isso, confirmou ele, o padrinho da fera.

De manhã, ao abraçar e beijar o mais novo, disse-lhe: 'Meu menino mais lindo'. E ele disse: 'Os meus pais nem sempre estão de acordo'. Assim, de repente, não percebi. 'Não estão de acordo com quê?'. Ele encolheu os ombros e disse: 'Que eu seja um menino lindo. Eu às vezes sou maroto...'. Abracei-o ainda mais, 'Meu marotinho mais lindo'.

Enquanto isso, a menininha ajudava-me na cozinha e confessava que adora cozinhar mas coisas complicadas, dizia. O irmão do meio, também a ajudar, refutava: 'Mas, mana, se tivermos que fazer o jantar, temos que saber fazer o básico, arroz, mexer um ovo'. E ela, na base do dahhhh...: Ó mano, claro que sei fazer isso tudo...

Todos eles me surpreendem, encantam e divertem, cada um à sua maneira. 

Apontamentos de momentos de maravilhamento e boa disposição. Tomara que sempre os retenha na minha memória e eles na deles.

Mas não me sinto apenas feliz por vivê-los: sinto-me também agradecida. 

Vivo num país lindíssimo, acolhedor. O clima é aprazível. O ambiente é luminoso e descontraído, as pessoas são afáveis e bem dispostas.

Antes espantava-me quando, nos outros países, via as pessoas deitadas ao sol, na relva, em jardins públicos, algumas em fato de banho. Ou pessoas cantando na rua, outras fazendo acrobacias. Pessoas andando de barquinho a pedais em lagos, as esplanadas cheias, gente cantando ou rindo em voz alta. Em contrapartida, por cá, as praças estavam vazias, ninguém se deitava na relva em parques públicos, quase não havia esplanadas e, nos restaurantes, falava-se sempre à boca pequena. Talvez fosse ainda o lastro do regime anterior, soturno, ensimesmado. As pessoas viviam viradas para dentro de casa e para dentro de si próprias. Havia ainda a psicose do que os outros pensavam ou deixavam de pensar. As pessoas tinham medo de se expor pois temiam a censura alheia.

Felizmente a nossa democracia foi amadurecendo. Desinibimo-nos, aprendemos a divertir-nos. E ninguém leva a mal.

Agora somos um país aberto aos outros e à diferença, as ruas estão cheias de vida e de diversidade, há alegria e vontade de partilhar e de conviver com a natureza e com os outros.

Vivermos num lugar assim -- um lugar tranquilo, luminoso, pacífico, cheio de sol e de mar e de jardins e serras e em que se vêem pessoas de todas as cores falando todas as línguas, vestidas das maneiras mais inesperadas, fazendo as coisas mais bizarras -- é uma felicidade.

E, se me sinto feliz por poder viver e testemunhar esta sorte, a verdade é que sei bem o quanto tudo isto é frágil.

Desejo que seja perene e que deixe boas memórias em quem vive estes momentos bons mas não me iludo: de um momento para o outro tudo pode mudar, tudo se pode perder.

Há cerca de dois anos fomos todos mandados para casa porque um vírus ameaçava a nossa vida normal, obrigando-nos a uma adaptação repentina a outros hábitos, longe uns dos outros, sem contacto físico, receando contagiar-nos uns aos outros.

Pelo meio o meu pai morreu e não apenas não pudemos velar o seu corpo (o que não me custou muito pois penso que me teria custado mais estar numa capela rodeada de gente sabendo que o seu corpo frio estava ali, ausente, destituído daquilo que ele tinha sido) como foi muito triste ver chegar a carrinha com o caixão envolto em película aderente e estarmos cá fora, poucos, todos meio abandonados. Pensar que o meu pai estava ali e nós a despedirmo-nos dele tão pouco condignamente causou-me muita tristeza. Mas tudo é relativo. Na morte e nas despedidas há sempre tristeza, de uma forma ou de outra.

Ao fim de dois anos, agora que a pandemia está a dar mostras de acalmia, acontece a invasão de um país por outro que o quer anexar e que, para o conseguir, o bombardeia, assassina pessoas, destrói cidades e obriga a expatriar milhões de pessoas. Famílias inteiras destroçadas. Uma tragédia infinita e imperdoável.

Estou feliz, a minha casa íntegra, a minha família unida. E a primavera aí está, florida, renascida, cheia de flores e canto de passarinhos. 

E eu ando deleitada, fotografando tudo e todos, olhando cada coisa como se fosse a primeira ou a última vez.

Mas sei que tenho sorte e que nada é garantido. 

Mas é bom enquanto dura e sempre farei o que está ao meu alcance para que sejamos felizes, livres, donos do nosso destino. 

E Macron venceu em França e a Ucrânia há-de manter-se um país livre e independente e tenho esperança que conseguiremos voltar a acreditar num mundo sem muros, sem guerras, sem mal.

(E não quero saber se isto soa a ilusão sem sentido. Quero acreditar que será possível sonhar com isso e isso chega-me)

Não tenho cravos para aqui festejar Abril. Mas Abril é um mês que não apenas acolhe todas as vozes como todas as flores e, por isso, termino o texto com uma flor de que gosto muito. Para todos os que por aqui passam.


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25 de Abril sempre

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Um dia bom
Generosidade e afecto. Liberdade. Paz. 

segunda-feira, julho 26, 2021

Otelo

 



Algumas pessoas não cabem dentro da esquadria normal. Talvez seja porque não são tridimensionais como as que se enquadram sem dificuldade.

Mesmo sem querer, todos nós traçamos as linhas em que a movimentação dos outros nos parece razoável, linhas que, mesmo sem darmos por isso, se instalam como linhas vermelhas: linhas do bom comportamento, da religião, da ética, do respeito pelos outros. Somos mais ou menos tolerantes... mas deste que o outro não pise nunca esses riscos.

Tenho também ideia que só quem tem a coragem ou a inconsciência de sair da esquadria é que consegue furar a malha do status quo para fazer a disrupção que, de vez em quando, é precisa.

Podemos querer que, quando o momento o pede, consigam destacar-se da mediania e sejam mais corajosos, visionários, criativos e audazes do que todos nós -- e, ao mesmo tempo, fora disso, sejam bem comportados e iguais a todos nós. Contudo, penso que isso é uma equação impossível.

Talvez por isso, de quase todos os que ficaram para a história se conhecem excessos, desvios, excentricidades, maus passos.

A ideia que tenho é que Otelo é bem exemplo disso: um daqueles seres que não encaixa bem em nada e que, quando foi preciso, se chegou à frente e avançou de peito feito.

Na escola teve faltas de mau comportamento, foi suspenso. Sempre foi extrovertido, truculento, utópico. O palco e as câmaras atraíam-no. Não temia o mediatismo nem o confronto. 

Não tinha ainda quarenta quando se deu o 25. Amigo da coboiada, certamente sempre pronto para uma cena, em especial se prometesse conspiração -- mesa virada, pratos partidos e 'ir aos cornos' a quem estivesse a pedi-las -- preparar o 25 deve ter sido uma coisa épica: adrenalina e testosterona em dose dupla, provavelmente tudo condimentado com palavrão e gargalhada, e bem regado com umas bjecas bem fresquinhas.

No 25 a coisa deu-se e deu-se com uma grande pinta: a missão não poderia ter sido melhor cumprida. Vimo-nos livres do sarro de antanho, despimos o cinzentismo e o bafio de décadas, sacudimos o pó salazarista e marcelista que não deixava a malta respirar, a liberdade veio para a rua e a democracia começou a dar os seus passos.

Claro que a seguir Otelo continuou a fazer das suas. Deslumbrou-se, encandeou-se, pisou o risco, desiludiu-se, quis reencontrar o espírito inocente dos ideais revolucionários, de vez em quando disse o que não devia, de vez em quando fez o que não devia. Anos depois de ter ajudado a conseguir a libertação dos presos políticos, os seus excessos levaram-no, a ele mesmo, aos calabouços.

Não se consegue amestrar uma pessoa assim. A cada momento mostra que desconhece esquadrias. Ou, se as conhece, está-se nas tintas para elas pois tem muitas outras coisas em que pensar.

Antes, calhava muitas vezes estar a conduzir, do almoço para o escritório, enquanto na TSF passava a playlist de pessoas conhecidas. De todas as que ouvi, as pessoas introduziam o tema explicando porque é que ele as tinha tocado ou porque é que o cantor lhes era especial. Otelo foi diferente: Otelo cantava as canções, a sua voz juntava-se à de Sinatra ou a de quem quer que fosse, misturava-se com a música. O seu à vontade, a sua joie de vivre foram, como sempre, patentes. Facilmente o imaginávamos a dançar, a cantar 'a casa da mariquinhas' nos seus encontros de amigos.

Destemperado, desalinhado, com uma energia e uma alegria sem peias, na vida amorosa também não se aguentou nos eixos. Tinha duas mulheres que, por o compreenderem e amarem, aceitaram que repartisse a sua vida entre duas casas. E ele assumia isso sem pejo ou pudor. 

Otelo foi um homem que não coube em esquadrias -- e a quem muito devemos. Quanto ao resto, temos que encarar como efeitos colaterais que, por muito que nos custe ou que custe a alguns, devem ser relativizados. 

Quando ouvi que tinha morrido senti um abalo interior, como se Otelo, o eterno jovem, estivesse a atirar-nos à cara que tudo é perecível nesta vida e como se, com a sua morte, o 25 de Abril de 1974 passasse agora a ser coisa do passado.

Mas é assim que as coisas são... 

... e a vida continua. 
Desejavelmente sempre com um cheirinho de alecrim.

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O primeiro cravo foi pintado por Leora Baranes e os últimos por Lori Twiggs. Dos graffitis com os cravos de Abril não sei quem são os autores

O Chico canta o Tanto Mar

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Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira

E viva a liberdade

domingo, abril 25, 2021

Abril
25
[Ainda no início do caminho]

 


Praticamente não tenho visto televisão nem lido notícias mas, por uma palavra aqui e outra ali, apercebo-me que, uma vez mais, deve ter havido trica em torno da sempiterna questão das comemorações do 25 de Abril. Podia ia averiguar mas é tema que não me interessa. Se são os capitães que não querem os partidos, se são os partidos que não querem os capitães, se é outra coisa qualquer, a mim dá-me igual. 

Não sou de andar em marchas ou em manifs, não sou de andar a repetir slogans que, à frente, alguém apregoa ao megafone, não gosto de me sentir parte de um rebanho. Mas isso sou eu. Nada contra quem gosta de andar em rebanho. Tenho um bocado medo de rebanhos, tento manter uma distância higiénica deles, mas nada contra os que gostam. 

Para mim festejar a data em que a liberdade irrompeu é outra coisa. É ir para a rua festejar tal como naqueloutro longínquo 25 as pessoas fizeram. Respirar o ar da liberdade, fazer o que nos dá na bolha, rir, cantar, dançar, caminhar, bater palmas, correr, saltar, ficar em casa, não fazer nada. Desde que não incomodemos ninguém, o 25 é bom para a gente experimentar a nossa própria liberdade. Se não somos livres dentro de nós, não saberemos lutar pela liberdade.

Portugal, em parte, ainda não é um país livre. Ainda subsiste o espírito apertadinho de antanho, ainda há muito aquilo de recear a opinião dos outros, ainda há muito aquela coisa pequenina de se ser politicamente correcto, ainda há muito o ter medo de exibir felicidade, ainda há aquele mito tacanho de que quem ri é tonto e que bom é andar de cenho cerrado a reivindicar amanhãs que cantam ou a carpir mágoas e tempos idos.

Para mim a liberdade não é isso. A liberdade não pode ser impor aos outros a nossa vontade ou pensamento nem manter a mente presa ao antes do 25, querer à viva força que festejar o 25 seja lamber feridas passadas. 

Para mim o 25 de Abril é o respeito intrínseco pelos outros, é a defesa da dignidade e do inquestionável direito a ela, é a obediência incontornável aos pilares da democracia -- entre os quais o da justiça -- sem mácula ou desvios, é encarar a inclusão de todas as diferenças com naturalidade (desde que benignas, genuínas, generosas, democratas), é amar a natureza, é investir fortemente na ciência, na arte e no conhecimento em geral, é fazer da cultura um processo de aprendizagem permanente, é compreender as nossas limitações e a imensidão do universo, é querer a felicidade, a nossa e a dos outros.

Grandes progressos foram alcançados desde 1974. Mas, para os mantermos e para darmos novos e decisivos passos em frente, temos ainda um longo caminho pela frente, penso eu. A indiferença que muita gente sente pela política e os elevados níveis de abstenção revelam o atraso cultural em que vivemos, e isso, no que se refere a democracia e liberdade, é sinónimo da infância da arte em que ainda vivemos. A mesquinhez com que tanta gente ainda reivindica o 25 para si próprio é outro sinal de que o cinzentismo e o bafio ainda envolvem gente demais. Por outro lado, o narcisismo e a dependência excessiva das redes sociais são passos atrás num caminho que ainda está no início.

Mas o caminho faz-se caminhando e, portanto, bora lá. Não há estradas perfeitas nem nenhum el dorado nos espera lá ao fundo. Não há fim para este caminho. O objectivo não é chegar: o objectivo é continuar a ir, é não desistir, é não voltar atrás, é não nos desviarmos do rumo. E é ir com ânimo, alegria, orgulho, descobrindo a cada instante novas maneiras de descobrir a motivação para não desistirmos e para arranjarmos forças para ajudar a puxar pelos mais fracos.


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As fotografias foram feitas este sábado, véspera do 25 de Abril, in heaven

Zeca acompanha-nos: Vejam bem

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Desejo-vos um feliz, um festivo, 25 de Abril -- 

-- mesmo que a festa seja apenas dentro do vosso coração.

domingo, abril 26, 2020

O 25 e o Prof. Marcelo, bichos nocturnos, Harari e o corona, Randy, Trump e a lixívia





Contra a vontade do meu marido, estivemos, aqui na sala, até anoitecer, de janela aberta. E refiro-me às janelas de dentro, de vidro. Duas portas largas de vidro. Uma delas aberta. As portadas de fora também, claro. Vi a noite vir chegando, lentamente. Vi os passarinhos a saltitarem aqui à porta. Ouvi-os a cantarem, um chilreio de dar gosto. O meu marido nunca quer as portas abertas ao fim do dia, diz que entram bichos. Diz bichos para dramatizar. Como se pudessem entrar pumas, chitas, javalis. Mas refere-se a melgas. Sei que sim, que há esse risco mas acho que vale a pena. Agora pus na tomada do quarto uma daquelas coisas que supostamente emitem uns ultrassons ou lá o que é que nós não ouvimos mas que põem a cabeça em água a moscas e mosquitos, afastando-os de lá. A ver se resulta, senão, para além das melgas, terei que o ouvir também a ele. 

Mas foi tão bom estar na sala assim.


O dia hoje esteve ameno, não um sol franco mas um suave entressol-entrenuvens, nem frio, nem ventoso, nem chuvoso. E, há pouco, aqui na sala, fui sentindo a frescura da noite que se avizinhava, aquela frescura feita de penumbra e paz, uma lentidão harmoniosa, limpa, boa.

Quando fui fechar as portadas de fora vi o céu. Aquele azul límpido que antecipa o negrume da noite, apenas uma lua a vir em crescendo e, um pouco mais acima, uma única estrela. Brilhante, única. Olhei a toda a volta. Nada, apenas a imensidão do azul e aqueles dois pontos, uma estrela e uma lua a caminho. Emocionei-me. Isto é o mundo na sua perfeição. Só a natureza, o canto dos pássaros, a beleza das nuvens recortadas na linha do horizonte, o mistério das árvores escuras, igrejas onde os pássaros cantam a capella. Nada mais. Eu a olhar para o céu e para tudo, comovida por estar aqui, por me ser dado o privilégio de estar viva a ver, a ouvir e a sentir tamanha tranquilidade e beleza.

Aqui só temos uma televisão, esta, nesta sala, onde agora vejo um bailado na 2. Não há na cozinha, onde almoçamos quando estamos só os dois. Antes de irmos almoçar, liguei-a para espreitar as notícias. Estava a acabar o noticiário mas ainda ouvi que às três se cantaria o Grândola à janela.


E assim fiz. Já aqui estava de volta à sala. Liguei a televisão e confirmei. Fui então lá para fora e cantei. O meu marido estava do outro lado a fazer não sei o quê mas diz que também cantou. Mas nem eu o ouvi a ele nem ele a mim. Ainda tive esperança de ouvir um repicar de sinos ao longe ou um qualquer outro som que me fizesse saber que alguém, para além de mim, comemorava o 25 de Abril. Mas não. Só eu e os pássaros.

Li algures que o Marcelo se tinha portado bem e, curiosa, pus-me alerta. Não o ouvi inteiro mas, pelo que ouvi, hoje dava-lhe um beijinho. Dava. Dava se isto fosse pré-merdinhas. Assim, não dou porque isto do distanciamento é para valer. Mas ofereço-lhe um cravo. Se foi todo na base do que ouvi, terá sido um grande discurso. Directo, sem meias palavras. O discurso de um democrata. Critico-o quando vai atrás do efeito fácil, quando cede à sua necessidade de sentir o afecto dos outros ou à sua atracção fatal pelo mediatismo. Mas, num dia como o de hoje, tenho que louvar a clareza das palavras, a frontalidade, o elogio e a defesa da liberdade e da democracia e a importância de respeitar a casa dos que foram eleitos pelo povo. Marcelo, Ferro e Costa, um trio de peso que sabe tomar conta da democracia em Portugal. Gosto.


Tenho ainda a dizer, em minha defesa, que, de tarde, mais para o fim da tarde, concretamente, quando fui dar o meu passeio, me apeteceu filmar. No primeiro, a dada altura, ouvi o meu marido, a quem eu tinha dito que ia sair para ir andar, a chamar por mim. Cortei mas penso que deve ouvir-se o meu nome. Se eu tivesse paciência para ir aprender a fazer edição, talvez tivesse paciência para ir ali buscar a máquina e pôr-me com coisas. Fiz um outro mas tenho ideia que não deve ter pitada de graça e ainda um terceiro, sobre um arbusto que dá uma flor miudinha, branca, que cheira como os anjos da minha imaginação. Mas já não me lembro como se faz para passar os filmes para aqui, estou com preguiça. Além do mais, aconteceu o de sempre, não me dá jeito andar a falar alto, sozinha, e portanto, a falar baixo e com o meu fio de voz, há-de ter ficado o sussurrar do costume. Depois ouço-me e fico arrependida.
[Agora tive que me levantar para perceber que animal é aquele que ali vai avançando devagar na parede. Se ainda aqui estivesse o meu marido (já dorme a sono solto), já estava a dizer que, com aquilo de eu insistir em estar de janela aberta, vai ser um ver se te avias de bicharada. Afinal é um inocente bicho de conta. Sempre achei graça. Se eu lhe tocasse, fechar-se-ia feito bolinha. Mas não toquei. Ali vai, devagarinho, seguindo o seu caminho. Hoje é dia da liberdade. Hoje e, aqui, sempre.]

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Entretanto, o corona também vai fazendo o seu caminho e, se me sinto descansada por os números revelarem um crescimento contido, por outro lado, sinto o contrário, sinto que o grau de imunidade da população é baixíssimo e, portanto, mal o confinamento se atenue, isto vai voltar a crescer. E a ver se o merdinhas-vírus não vem com mais força, que aquilo ali é pior que traveca normal, é bicheza dada a transformismos tinhosos. No início do mês, quando eu dizia que as projecções destrambelhadas do Buescu não me convenciam, dizia também que se os números oficiais chegassem a 30.000 no fim de Abril, os números totais, no máximo eram capazes de andar pelos 200.000. Estamos a cinco dias do fim do mês e vejo que as minhas previsões, pelo menos no que se referem ao número de infectados, não deverão falhar por muito e isso significa que, a nível do número global de infectados, também não deve andar muito longe. Ora, isso é nada face ao que garantiria uma imunidade razoável. Ou seja, até que a vacina ou o tratamento cheguem, a liberdade de movimentos vai ter que continuar a ser muito controlada sob pena de voltarmos ao empinamento da exponencial.
(Se calhar nada disto vem muito a propósito da primeira parte do post mas também não sei porque haveria de vir.)
Aqui abaixo, Harari, obviamente também em quarentena, diz de sua justiça. Fala da humanidade e do que o corona faz com ela. E é sempre uma voz inteligente que se ouve de gosto. O meu marido trouxe os livros dele mas acho que ainda não lhes pegou desde que cá chegou. Aliás, na cidade, eram livros de cabeceira dele. Volta e meia, via que estava a lê-los. Mas nem ele lhes pegou nem eu. Tinha pensado ler à vez, com ele, e, afinal, nem de tal me lembrei até agora. Não temos tempo. Ou é a trabalhar no duro durante a semana ou, ao fim de semana, eu atirada às limpezas de casa e ele do mato. Depois, chegamos ao fim do dia e já não atinamos com as letras. E os dois livros ainda ali estão, onde ele os depositou quando viemos deportados.



E, para acabar com um apontamento de tragicomédia, deixo-vos com o Randy Rainbow a propósito de mais uma anormalidade da besta quadrada do Trump. Só não sei é porque é que ninguém lhe dá uma injecção de lixívia naquele rabo gordo e esbardalhado para ele comprovar se, para além de ficar branquinho, fica também limpinho de vez. Bom. Mas também não tinha que ser lixívia pura que eu, nisso, não sou de tratamentos radicais. 


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E agora vou ver como ficaram os vídeos que fiz a ver se consigo aproveitar algum

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Desejo-vos um bom dia de domingo