Música, por favor: Nora Bayes, uma cantora que Hemingway ouvia muito nos seus anos de Paris
Over There [tentei encontrar a música que ele mais ouvia, o Make Believe, mas não descobri]
*
Um dos livros que li na minha adolescência e que me marcaram bastante foi, sem dúvida, Por quem os sinos dobram. Na altura devia ter, creio, uns catorze anos e desejei ser a intrépida Maria que era sofrida, ingénua e bela, determinada e justa, que andava nas montanhas e que tinha um cabelo curto, incerto, espetado, onde os dedos de um homem corajoso e apaixonado mergulhavam, com carinho e desejo.
Lia-o como lia omnivoramente tudo o que me aparecia à frente (e já várias vezes aqui falei disso). Lia o que havia em casa, tudo, lia o que as amigas da minha mãe me emprestavam (comentando, em voz baixa, que se calhar não era coisa adequada à minha idade), lia o que encontrava na biblioteca do liceu e, pouco tempo depois, lia o que comecei a comprar com o dinheiro que recebia pelos anos ou pelo Natal. Por isso, li este livro depois de ter devorado a obra completa de Fernando Namora, a de Ferreira de Castro e na sequência de Somerset Maugham, Pearl Buck, Erich Marie Remarque, Dostoievsky, D. H. Lawrence e sei lá que mais.
Dado que a minha mãe também trabalhava, fui habituada, desde cedo, a ser bastante independente e, por isso, lembro-me de ter ido sozinha ao dentista e de ele - dada a intervenção algo complexa que não me lembro se era desvitalizar ou arrancar um dente - ter perguntado, muito admirado, se eu tinha ido sozinha e ter comentado, também muito admirado, que o livro que eu tinha ao colo, sentada na sua cadeira dos horrores, era um livro muito bom e, com ar curioso, perguntar se eu estava a gostar.
Lia-o como lia omnivoramente tudo o que me aparecia à frente (e já várias vezes aqui falei disso). Lia o que havia em casa, tudo, lia o que as amigas da minha mãe me emprestavam (comentando, em voz baixa, que se calhar não era coisa adequada à minha idade), lia o que encontrava na biblioteca do liceu e, pouco tempo depois, lia o que comecei a comprar com o dinheiro que recebia pelos anos ou pelo Natal. Por isso, li este livro depois de ter devorado a obra completa de Fernando Namora, a de Ferreira de Castro e na sequência de Somerset Maugham, Pearl Buck, Erich Marie Remarque, Dostoievsky, D. H. Lawrence e sei lá que mais.
Dado que a minha mãe também trabalhava, fui habituada, desde cedo, a ser bastante independente e, por isso, lembro-me de ter ido sozinha ao dentista e de ele - dada a intervenção algo complexa que não me lembro se era desvitalizar ou arrancar um dente - ter perguntado, muito admirado, se eu tinha ido sozinha e ter comentado, também muito admirado, que o livro que eu tinha ao colo, sentada na sua cadeira dos horrores, era um livro muito bom e, com ar curioso, perguntar se eu estava a gostar.
Registei a sua admiração sem a perceber bem pois eram coisas a que estava muito habituada e que fazia com naturalidade: andar sozinha a resolver o que havia a resolver e ler tudo o que estivesse à mão de semear.
Apenas bem mais tarde tive conhecimento que havia um filme; e, quando o vi, apesar de gostar tanto de Ingrid Bergman, não achei que ela fosse a Maria que eu tinha imaginado: era menos agreste, menos selvagem que a Maria que eu tinha idealizado anos antes. E o filme romanceava demais uma história que eu recordava como uma história de resistência, pó, dureza, dificuldades extremas, valentia. Mas sei lá. Foi há tanto tempo.
Ernest Hemingway foi, na altura em que comecei a lê-lo, um prazer, não era literatura de salão, não havia dramas existenciais (se bem que eu, na altura, não traduzisse o que achava através destas palavras), havia ar puro, a voz da terra, a voz do mar, a voz do corpo, tudo muito autêntico, muito genuíno, muito directo, uma vida em que os homens eram muito viris, em que a natureza era quase excessivamente poderosa. A seguir, entusiasmada, procurei tudo o que encontrei dele e parei na pequeno e maravilhoso O velho e o Mar, um dos livros a que, de vez em quando, volto.
![]() |
Ernest Hemingway, americano, 21 de Julho de 1899 - 2 de Julho de 1961, maior que a vida Recebeu o Pulitzer em 1953 e o Nobel em 1954 |
E, depois, havia o terrível mistério. Na minha cabeça era incompreensível que alguém com tanta vida pudesse ter-se suicidado e, sempre que o lia, tentava descobrir nas suas palavras algum enfraquecimento, alguma sombra atrás da qual a vida se esgueirasse. Mas não me lembro de alguma vez ter detectado algum sinal disso.
Portanto, para mim, Ernest Hemingway não era apenas o fantástico escritor, era também o indecifrável homem.
Era e ainda é. Sempre que há qualquer coisa sobre ele não deixo de ler. Por exemplo, li com insaciável apetite a sua entrevista que consta na bela tradução de Carlos Vaz Marques, 'Entrevistas da Paris Review'. Conhece-se aí o lado mais seco de Hemingway. A entrevista foi feita em 1954 e ele pôs fim à sua vida em 1961, à beira de fazer 62 anos. Talvez volte um dia a esta entrevista. Hemingway fala dos seus hábitos de escrita.
![]() |
Ernest Hemingway, um trabalhador incansável, organizado, escrupuloso e um bon vivant absoluto |
E quando lhe perguntam quais os escritores que mais o influenciaram, refere muitos entre os quais Flaubert, Stendhal, Tchékhov e vários outros mas, pelo meio, inclui Bash, Giotto, Van Gogh, Mozart e vários outros que não são escritores e diz que não explica porque aprendeu tanto com uns como com outros porque seria preciso mais um dia para poder explicá-lo.
Vem isto que estou a escrever a propósito do livro que estou a ler. Originalmente chama-se The Paris Wife, é colheita recente, 2011. Em Portugal chama-se Madame Hemingway e é uma tradução de Maria João Freire de Andrade. A autora é Paula Mclain, licenciada em Poesia, autora de dois livros de poesia, um livro de memórias e um outro romance. É um livro muito bem escrito, que se lê com curiosidade e prazer.
O dia do primeiro casamento para ambos: Elizabeth (Hadley) Richardson e Ernest Hemingway |
O livro ficciona (com base em acontecimentos e personagens verdadeiros) a história da primeira mulher de Hemingway, Hadley Richardson, o primeiro encontro, o tempo em que Ernest já era amado pelas mulheres, o período de intensa correspondência, o namoro, o casamento, o início da carreira de escritor de Nesto, a vida em Paris, o apoio inicial de Gertrude Stein que, quando ele a visitava, conversava com ele no canto dos homens enquanto Hadley conversava com Alice Tocklas no canto das mulheres.
No ponto em que vou, Hadley e Ernest eram ainda um casal feliz que vivia a vida e se apoiava mutuamente. Hemingway ainda não tinha conseguido que qualquer editora aceitasse as suas obras mas trabalhava, trabalhava afanosamente, com uma inabalável convicção da sua vocação e do papel que um dia teria no panorama literário internacional. Era humilde, frágil, especialmente quando recordava o seu acidente de guerra, era encantador, aventureiro. Hadley apoiava-o e amava-o incondicionalmente.
![]() |
Jovens (Hemingway uns anos mais novo que Hadley), cúmplices, enamorados - um casal que vivia feliz nos ardentes anos de Paris |
Talvez volte a este tema, à vida de Hemingway. Entretanto, deixo-vos com Paula McLain, uma pessoa que deve ser muito simpática. Nunca consigo encontrar versões legendadas. Não sei se não há ou se sou eu que não sei procurar. Aos que não conseguem perceber, as minhas desculpas.
*
E, por hoje, meus Caros leitores, é isto.
Juro que, ao começar, estava decidida a escrever pouco para não vos maçar para além da conta. Agora que acabei e devia rever, reparo que, uma vez mais, isto me saíu grande demais e, se até para mim, é chato agora passar os olhos por tudo o que escrevi, imagino para vocês. Que coisa esta. Acho que vou passar a cronometrar, tipo relógio de ponto, e, quando tocar, acabo, esteja onde estiver, a ver se me disciplino. Ora esta...!
Desejo-vos uma quinta-feira muito amável.
A vida é melhor se também for vivida com amabilidade (acho eu).