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terça-feira, junho 23, 2015

A verdadeira autora de Um Jeito Manso. E uma cá das minhas, Elena Ferrante, pela mão de Pedro Mexia







Desconhecem-me e, por vezes, isso não chega a quem aqui me acompanha. Recebo mails em que Leitores se deitam a adivinhar a minha idade ou como sou do ponto de vista físico. Outras vezes há quem espere encontrar-me em lançamentos de livros para poder ver quem sou e como sou, e me escreva referindo a pena de ainda não ter sido dessa vez que conseguiram, finalmente, encontrar-me.

E, no entanto, se eu quisesse despertar interesse através de mim enquanto corpo, rosto, nome ou profissão, criaria uma conta no facebook ou até no linkdin e exporia esse meu lado exterior. Se essa fosse a minha opção, ir-me-ia mostrando a olhar o rio e escreveria uau, que bem se está aqui, ou mostrando-me a comer um gelado e escreveria nham nham, tão bom, ou fotografando os meus pés com uns sapatos novos e escreveria olha eu a fazer de conta que sou maluca por sapatos, e, portanto, centraria a minha comunicação internética na minha pessoa. Ora, a questão é que me acho deveras pouco interessante para isso. 

Pelo contrário, embora também não me ache a última coca-cola do deserto, penso que, quem aqui procura este espaço, o fará não por eu ser loura ou morena, magra ou gorda, engenheira ou doutora da mula russa, bem vestida ou mal enjorcada, mas, sim, porque o que aqui escrevo ou divulgo tem alguma graça. Pelo menos, tento iludir-me assim.

Se eu fosse escritora, também não me daria a conhecer. Não quereria que a minha escrita pudesse ser lida à luz da minha vida. Nem quereria ter que explicar o que escrevesse. Nunca. O que se escreve tem explicação para o próprio e tem-no no momento em que se escreve -- a menos que escrevesse sobre política, gestão ou qualquer uma dessas tretas de cariz mais prático. Agora, se escrevesse ficção, alguma vez eu teria paciência ou discernimento para explicar porque é que aquela personagem disse aquilo ou a outro fez outra coisa qualquer? Nunca. Cada um diz e faz o que quer: é coisa que assoma aos dedos de quem escreve sem se saber porquê. Ou, se souber, não é para estar a divulgar, ora.

Se eu escrevo aqui sobre fogo, sobre mar, sobre abismos, monstros, nuvens, flores, mulheres sedutoras, homens de perdição, gaivotas, espelhos, lágrimas, fúrias, desconsolos, desacertos, paixões, abraços perdidos no tempo, ou seja sobre o que for, a última coisa que eu quereria seria que alguém pensasse que essas rêveries têm alguma coisa a ver comigo ou com alguém que eu conheça ou que tentassem interpretar as palermices que aqui aparecem escritas à luz de quem eu sou na minha vida 'à civil'.

Como não sou escritora nem considero que o que aqui vou escrevendo tenha algum valor por aí além, não me ponho em bicos de pés e, portanto, não posso estabelecer comparação com a pessoa sobre quem Pedro Mexia falou aqui há dias. Mas gostei de ler.

De facto, no Expresso de 13 de Junho, Pedro Mexia escreveu uma crónica a que deu o título: O verdadeiro autor, em que fala sobre a irrelevância do 'verdadeiro autor' enquanto elemento determinante na apreciação da respectiva obra.


Sobre o assunto, escreveu ele a propósito de um nome grande da literatura actual, alguém que ninguém faz a mínima ideia quem seja: Elena Ferrante. Transcrevo alguns excertos.


Agora, os seus editores conseguiram entrevistá-la, e o texto, revisto, apareceu na última edição da 'Paris Review'.

Ferrante não desvenda o seu verdadeiro nome e não revela quase nada sobre a sua vida, mas conversa sobre métodos de trabalho e sobre a questão da autoria.

Um leitor inteligente não verá autobiografia em tudo, mas saberá reconhecer a 'autenticidade' do texto, que aliás não obsta à sua impecável ficcionalidade.

Não é a morte do autor que está aqui em causa mas a morte daquilo a que se chama um autor, e que é uma falsidade e uma desnecessidade. 'Se a autora não existir fora do texto, dentro do texto ela oferece-se a si mesma, acrescenta-se conscientemente à história, de um modo muito mais verdadeiro do que nas fotos a cores de um suplemento dominical, num lançamento, num festival, num programa de televisão, numa entrega de prémios'. Fazer desaparecer o autor empírico abre um espaço criativo. E essa ausência é colmatada pela escrita. Os leitores, acredita Ferrante, serão capazes de descobrir o 'verdadeiro' autor, 'em cada palavra ou violência gramatical ou nó sintático', tal como descobrem, aos poucos, a personalidade de uma personagem.

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Por isso -- e agora dirijo-me, em especial, aos meus Caros Leitores mais curiosos -- tenham por favor, alguma paciência comigo: não queiram saber quantos anos tenho, se sou feia ou bonita, se sou atraente ou antipática ou qual a área em que trabalho. Isso é irrelevante, passageiro. Uma desnecessidade. A minha verdade está nas ficções simples com que me entretenho, nas palavras que se soltam de mim à noite aliviando-me do peso dos dias, nas cores ou, mesmo, apenas no preto e branco com que levo até vós aquilo de que gosto, nos sonhos inocentes ou tresloucados que por aqui podem passear à vontade, nas minhas opiniões políticas, no humor que, por vezes, de mim se evade à rédea solta. E no amor que, por aqui, tantas vezes transparece.



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E, por falar em coisas de que gosto, aqui vos deixo duas delas.




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As fotografias são da autoria de Christian Coigny  
Eva Cassidy interpreta Over The Rainbow
Aurélie Dupont e Manuel Legris dançam o pas de deux Abandon de "Le Parc" numa coreografia de Angelin Preljocaj
E por vezes, David Mourão-Ferreira é dito por Teresa Coutinho

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela terça-feira.

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