Mostrar mensagens com a etiqueta José Pinho. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta José Pinho. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, janeiro 11, 2016

Óbidos, uma vila literária





Chove muito. Ouço a chuva bater no empedrado, escorrer pela estreita rua inclinada. Aqui dentro está quente, há um perfume agradável no ar, o ambiente é envolvente. Apenas uma luz quente e discreta ao meu lado, escrevo com pouca luz. Fui à janela ver a chuva. As muralhas estão iluminadas, o cenário não podia ser mais romântico. Ouço, baixo, a música que também poderão ouvir.


Há pouco, ao fim da tarde, estive a ler e li sobre amizades frágeis ou dúbias, sobre amores desencontrados, Madame de Staël que amou D. Pedro de Sousa Holstein, futuro duque de Palmela, bem mais novo que ela. Li sobre as suas cartas, li como o desacerto os levou por caminhos divergentes. Depois, ambos tiveram outros amores, a vida continuou -- sempre continua. Li sobre Camões ou livros que se lêem cedo demais. Ou sobre a melancolia. É o livro Biblioteca de Pedro Mexia. Crónicas curtas, bem escritas, temas diversos, sempre interessantes.

De vez em quando adormecia, e é tão bom sentir o sono a vir devagarinho, depois acordava, lia, depois sentia de novo o sono a querer vir. Levantava-me, espreitava a janela, sossegada a vila, sossegada eu.

Tinha andado, de dia, pela vila, encantada, sempre encantada aqui. Frio e vento, as folhas rodopiando nas ruas, mas os lugares onde se pode entrar são acolhedores, há uma cor suave nas cerâmicas, nos bordados, nos recantos, nos enfeites.

Nas paredes de fora das casas há coisas assim
E não sei se há ternura se alegria se poesia numa coisa assim mas é muito bom de ver


Sto António à janela

As Caldas da Rainha aqui bem perto, pois então

Apetece entrar para ver os santos, os presépios, os pequenos altares populares

Varandins, azulejos e um rodopiar de folhas ao sabor do vento

Encanto-me: cada pequeno pormenor, cada vista iluminada, tudo me faz parar para ver melhor. O meu marido diz que já andei mil vezes por estes lugares, que não há nada de novo para eu estar como se nunca tivesse visto. Respondo-lhe que me impressiona que tantos anos de convívio comigo não despertem nele o sentido estético e a urgência da beleza. Ri-se e diz que nem vai responder, tamanha a maluquice. Rio também, dou-lhe o braço e prossigo.

É um sobe e desce nas ruelas, escadinhas, canteiros, vasos floridos e, ao longe, uma paisagem serena

Uma loja tem cortinas na porta, como se ao transpor a portada nos esperassem segredos, intimidades.


Há pouca gente nas ruas, são sobretudo brasileiros. Um virou-se para mim, sorrindo, e disse: 'Cê é brasileira, não é? Se vê logo, tem todo o ar de ser brasileira. É, não é?'. Muitas vezes, especialmente quando eu usava o cabelo quase rapado, me diziam que eu tinha ar de francesa. Brasileira nunca ninguém tinha dito. Esclareci que não e ele ainda teimou: 'Mas olha que tem todo o ar de ser'. Antes tinha querido saber, junto da livreira, que autores brasileiros se vendiam mais em Portugal. Com ar desafiador, disse: 'Paulo Coelho? Vai, me diz'. A livreira disse que não: Clarice Lispector. E ele desfez-se, sorriu agradado e contou, logo ali, a história de Clarice, a brasileira que nasceu ucraniana. 

Disseram-nos, agora à noite, que a partir de Fevereiro, Março, há muito mais gente na vila. Mas para mim está muito bom assim. 

A igreja-livraria entre a renda das folhas que o inverno ainda permite

Agora ainda mais. Um homem teve uma ideia e da ideia fez um sonho e do sonho nasceu uma vila literária. José Pinho é um homem feito de livros, uma pessoa fascinante. Há livros por todo o lado e livrarias nos lugares mais improváveis - parece magia, loucura, coisa do além; mas é, afinal, fruto do sonho de um homem simples, de olhos luminosos e sorriso inocente.


Há livros no que era uma igreja e que agora tem recantos, em cima, em baixo, atrás de pilares, sobre o varandim. E há livros novos, usados, antigos, nunca vistos, coisa de loucos: de tudo um pouco.








E há livros no mercado biológico, onde se vende pão normal e pão de fruta, limões, laranjas, compotas, mel, bolinhos e biscoitos. Muitos, muitos livros.

Uma brasileira dizia para a filha: 'isto é que nem um sebo' e o sotaque gracioso dela trazia um toque ainda mais exótico àquele maravilhoso lugar.

Ao fundo, mal se vê na fotografia, ao pé dos livros, a secção de frutaria e mercearia

Aqui, sim, vê-se o mercadinho biológico o meio da imensa livraria

E há livros em caixotes, livros em mesas, em cima de cadeiras, em estantes imensas. E há livros em inglês, em francês, de poesia, de viagens, literatura normal, edições antiquíssimas. Uma coisa de perder a cabeça. Perdi. Perdi mesmo. Não gastei muito dinheiro porque há livros baratos, a 4 ou 5 euros e grande parte dos que trouxe andaram por aí. Um delírio, isto, para quem, como eu, tem a paixão dos livros.


E há livros numa antiga adega, num lugar em que só sabendo ou estando com atenção, num lugar onde se pode lanchar e estar serenamente a descansar, a ler, a conversar.


E há mais. Parece mesmo um sonho. É como se o prazer dos livros se tivesse materializado de uma forma quase inimaginável.

Fomos jantar a um restaurante muito agradável, comida boa mesmo, numa aldeia a 4 kms, Usseira. Pois lá estavam livros por todo o lado, até na casa de banho.

Mas os livros por estas bandas não são objectos inanimados, sacralizados: não, por aqui eles estão misturados -- ou misturados uns com os outros numa alegre anarquia ou misturados com toda a espécie de objectos.

(Continua a chover copiosamente e a chuva, talvez porque a janela está quase ao nível da rua empedrada, saltita e corre como um riacho musical; que som tão bom)

Temo maçar-vos. Tenho este meu lado infantil que se deixa entusiasmar e quase enfeitiçar por coisas assim, incomuns. Como parece que a minha memória retém impressões e pouco mais, quando revejo as coisas, parece que as redescubro, que nunca tinha visto coisa igual.
Estantes com livros? Que delírio é este por estar entre livros? 
Não sei dizer. Só sei dizer que poder estar entre livros, muitos livros, milhares e milhares de livros, estantes até ao tecto, muitas estantes, livros anacrónicos, mesmo livros que eu jamais lerei, livros de toda a espécie e feitio -- me deixa assim, neste estado de felicidade.



Livros de culinária


A fotografia está um bocado embaciada, talvez do ambiente da lareira, talvez do calorzinho bom que aqui estava
(Junto à lareira, um homem tinha-se deitado no sofá, os sapatos arrumados aos pés do sofá)


....

Vou parar. Não quero cansar-vos mas acho que Óbidos merece mesmo ser visitada, divulgada. Ler é muito bom, escrever também -- e os escritores, editores e livreiros poderem ter uma vila dedicada aos livros deve ser, para eles, um prazer e um orgulho.
[Alonguei-me demais. Tantas vezes me dizem que quem procura os blogs quer ler  textos curtos, não longos lençóis de palavras. Mas desta vez não foi só o meu gosto pela escrita -- claro que podia ter mostrado menos fotografias e sido menos descritiva, mas há tantos leitores que são de longe ou que não têm possibilidade de se deslocar e vir conhecer que acho que, pelo menos, assim, talvez possam ficar com uma ideia. Pelo menos, eu gostava de achar que sim].
........

Ah, esqueci-me de contar uma coisa. Óbidos é também a vila da ginginha e do chocolate e, portanto, com o frio que estava, obviamente, não dispensámos esse conforto regional: cada um de nós bebeu a sua ginja em copo de chocolate (ou seja, depois de bebermos a aguardente comemos o copo). Que bem me soube. E eu que, dantes, ao mínimo gole de bebida alcoólica fica perdida de sono e de vontade de rir, agora nada me faz diferença. Gosto, bebo e não me provoca qualquer alteração. Coisas boas que a idade me tem trazido, é o que é. O meu marido ri-se, diz que estou no bom caminho.

-----

Alguns vídeos relativos ao Festival Literário de Óbidos


(apesar de serem de 2013 acho que mostram bem o espírito do local)





...

A primeira fotografia e as quatro últimas dizem respeito ao The Literary Man Hotel e -- read my lips -- que, não tarda, vai dar que falar. 

Note-se que não tenho participação nos resultados do hotel nem conheço os donos (os mesmo do premiado Hotel Rio do Prado) 
...

E, agora que a chuva serenou, vou ler um pouco mais antes de dormir que amanhã é outro dia.

Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa semana a começar já por esta segunda-feira.
Bons sonhos, bons dias, muita saúde, alegria e dinheiro para os gastos.
E sorte (que é coisa que dá sempre jeito).

..

quarta-feira, setembro 18, 2013

O belo número de Setembro da Revista Ler. (Belo a começar logo na capa: o José Pinho da Ler Devagar valoriza qualquer capa).


No post abaixo falo da minha estranheza, das suspeitas que começam a formar-se na minha cabeça: falo da ministra Maria Luís Albuquerque, a Miss Swaps, e das contradições e factos esquisitos que começam a saber-se acerca dela. E apelo a que alguém vá atrás do seu passado próximo (por exemplo de 2000 e tal para cá) para ver se ficamos a perceber melhor que gente é esta que nos anda a sugar o sangue e o tutano, a arrancar o couro e o cabelo, a destruir o país.

Mas isso é lá em baixo. Aqui a conversa é outra, é da boa.

&

Música, por favor, há temas que pedem música.


Natalie Merchant interpreta The letter




&


Vocês nem imaginam as vezes que eu já tinha ido à procura da Ler de Setembro. Costuma sair tão cedo e este mês, já íamos a meio do mês e nada.

Pois bem, hoje já tinha finalmente chegado e já cá canta. O amigo de estimação da Ana Cristina Leonardo já tinha dito: Mantendo o formato habitual, a revista sofreu uma profunda remodelação gráfica: mais imagem, crónicas ligeiramente mais curtas, janelas de poesia aqui e ali. Tudo muito cool


Ou seja, a Ler tinha sofrido um revamping mas, pela descrição, fiquei com os dois pés atrás. Céptica, devo dizer. E mais curiosa fiquei. Cool? O que seria isso de cool aplicado a uma revista destas?

Pois bem. Só posso dizer-vos que a primeira impressão é óptima. Ainda tem o cheiro da tinta e está uma maravilha. A abrir logo uma poesia de João Vário, daquela colecção de poesia dirigida por Pedro Mexia para a Tinta da China da qual faz parte o livro da Rosa Oliveira, o Cinza, que é também muito bom. Como amuse bouche não poderia ser melhor. Uma página inteira, uma letra grande que impressiona. Fiquei logo agarrada.


Aliás, toda a paginação, todo o grafismo, a poesia aqui e ali, as cores, a dimensão das fotografias, a leitura mais fácil - tudo muito bom. Se me permitem continuar na onda do Eduardo Pitta e usar uma palavra muito usada pela gente da imagem e da comunicação, diria que está clean.

Como sabem eu sou toda dos sentidos (ou seja, em primeiro lugar, um animal - e dos primitivos - e, só depois, entra em cena o meu lado racional). A minha primeira impressão começa logo no toque, na imagem, no cheiro. E só não incluo aqui a audição e o sabor porque, enfim, não sou tão maluca que me ponha a lamber os livros e as revistas ou a ouvir vozes. Adiante.


José Pinho, Ler Devagar

Apeteceu-me fazer acompanhar o José Pinho
por algumas das minhas pulseiras
(tenho destas coisas incompreensíveis)
Também não sei se não fiquei tão bem impressionada por ter a olhar para mim um senhor tão bonito, com um olhar tão penetrante, ainda por cima rodeado por livros, ainda por cima sabendo eu que é o pai da Ler Devagar. Está aqui mesmo ao meu lado, com um meio sorriso, olhar fixo em mim.

Digo isto e fico a pensar: ao dizer uma coisa destas estou a demonstrar o quê? Auto-estima ou presunção? Pois não sei (nem isso me importa). Sei é que ele não tira os olhos de mim. Essa é que é essa.

Mas tem ar de ser malandreco, é bem capaz de fazer isto com qualquer uma. E qualquer um.

Vocês experimentem pousar a revista na mesa ao lado do computador e vejam se não ficam com a mesma sensação.

Seja como for, ainda apenas li a entrevista que a Ana Sousa Dias lhe fez em diagonal, enquanto estava na fila ao regressar ao fim do dia. Felizmente estava uma bicha do catano, demorei séculos a chegar a casa, a luz cada vez mais frouxa, e deu para me deliciar a folhear a revista, a ler algumas coisas. Por exemplo, estou cheia de vontade de ir a Óbidos ver as livrarias dele, do dito José Pinho. 


Que vida tão boa deve ser a dele. Que feliz que ele deve ser. Ralações, maçadas, limpar o pó dos livros, arrumar as prateleiras, tentar descobrir livros tresmalhados, e despesas e tudo isso mas, Deus meu, quem já esteve na Ler Devagar sabe como aquilo é outro mundo, um mundo absolutamente maravilhoso. Uma coisa que parece um sonho.


Adiante.




Li também a crónica do Pedro Mexia sobre o seu encontro com um homem invisível, o Herberto Helder - a sua antítese em termos de exposição mediática (enquanto o primeiro aparece em todo o lado, apresentação de livros, debates, moderações, Governo Sombra, escrita na Ler e no Expresso e o escambau, o segundo é bicho raro, pouco sai da toca ou, se sai, não anda por onde possa ser objecto de atenção jornalística).



Pessoalmente, no que aos escritores diz respeito, prefiro o seu anonimato mediático (digamos assim), o serem incógnitos perante os seus leitores. Os escritores deveriam ser invisíveis, transparentes, andar no meio de nós e a gente não os ver, ou viverem escondidos no fim do mundo e a gente ter uma curiosidade danada, sem saber se é homem, mulher, novo, velho, feio, bonito. É que não interessa nada disso, interessa é que os seus sentimentos e pensamentos saiam destilados em belas palavras.

Um destes dias vi o Gonçalo M. Tavares. Nunca consegui ler um livro dele, coisa insólita demais para o meu estado de evolução na espécie. No meio das coisas estranhas que escreve, aparecem frases com uma certa piada mas, no conjunto, tenho mais que fazer que tentar perceber o sentido daquilo, já que beleza não é por aí além. A escrita dele não me transporta e eu não tenho energia anímica para ter que ser eu a andar a arrastá-la de página em página. Mas, então, lá estava ele, um sujeito quase normal mas com algumas diferenças. Vi-o e achei que o que ele escrevia estava bem para ele. Não é boa coisa a gente poder tirar a prova dos noves. Mais vale permanecer na ignorância.

Adiante.

Amanhã vou levar a Ler e esperar que, no regresso, esteja outra vez um trânsito infernal, mas daqueles mesmo parado para eu poder ler devagar. Não há nada melhor que a gente ler devagar (grande nome para uma livraria.

... E cá continua ele com os seus belos olhos verdes a ver se me impressiona. Ora esta.

Vou-me mas é deitar.

*

Se não se importarem de deixar o mundo dos livros para entrarem no perigoso mundo dos embustes, é descerem até ao post seguinte. Mas, se forem, talvez depois seja melhor lavarem as mãos e os olhos que eu não sei se aquilo não faz mal à pele e à mente e não atenta contra a nossa higiene (mental, claro).

*

Resta-me desejar-vos, meus Caros Leitores, uma bela quarta feira.

PS: Não deixem de ver os comentários dos meus posts pois acontece ter por lá links fabulosos que Leitores, a quem muito agradeço, generosamente oferecem.