Ando para falar de amores ilegítimos, filhos de quem menos se espera, traições às claras e outros temas picantes e, afinal, só me aparecem pela frente assuntos chatérrimos. Maçada, isto. A ver se amanhã consigo uma aberta para falar naquilo.
Mas, enfim, não posso fazer de conta que não se passa nada. Noblesse oblige.
De qualquer forma, antes de ir ao tema que aqui me traz, permito-me informar-vos que, no post a seguir a este, podem ler a minha opinião sobre o programa 'O País pergunta' na RTP 1 ao qual Passos Coelho foi responder.
Um cão por vinha vindimada.
Mas isso é mais abaixo. Aqui, agora, embora me mantenha no mesmo comprimento de onda, quero falar de outra coisa.
Silva Peneda diz que, com esta economia, não é possível pagar estas pensões.
Pouco dotados para números como são quase todos os jornalistas, logo se fizeram eco da afirmação, propalando a leitura mais na moda e mais em linha com a filosofia de Passos Coelho e comitiva. Ou seja, lê-se e quase se depreende que Silva Peneda está a legitimar, acriticamente, os desmandos de Passos Coelho
Enquanto isto, o dito coelho vai dizendo que, se tudo o que lhe vier à cabeça não for aprovado, o País falece de vez e os jornais já aí estão a veicular os anúncios do fim do mundo (que se não for aprovado novo orçamento rectificativo já não haverá dinheiro para ordenados e outras obscenidades).
Palavra de honra: é tanta, tanta, tanta a burrice, tanta, tanta, tanta a vacalhice, que qualquer dia refugio-me aí numa cabana no meio de um bosque, deixo crescer os cabelos, isolo-me do mundo. É que já não se aguenta.
[Agora que estou a escrever, por exemplo, estou a ver na televisão a poiazita a dizer palermices, teorias de cão de caça, uma vozinha esguinchada. Tudo a ser destruído às mãos destes infantilóides que nem para contínuos têm habilitações. Gaita.]
Mas vejamos então o que diz Silva Peneda - que, de resto, é mais coisa menos coisa o que disse Teodora de Sousa. Se não há dinheiro, não dá para distribuir o que não há.
Certo. Coisa de La Palice.
Nem vale a pena andar a dizer isso como se fosse uma novidade: é uma constatação.
A questão não é, pois, essa. A questão é o que fazer para se sair disto.
O caminho que tem vindo a ser seguido - como se demonstra pela teoria e pelos resultados - não resulta.
Depois de tantos cortes, tanto sacrifício, aqui estamos: com uma dívida insuportável, com juros insuportáveis, com um desemprego inimaginável, com o sistema de pensões à beira da ruptura, pior do que estávamos antes desta praga de incompetentes nos cair em cima.
Para se perceber melhor como face a um mesmo problema se podem seguir dois caminhos antagónicos (porque, Caro leitor, há sempre mais do que um caminho. Nunca, por nunca, acreditemos que não há alternativa. Há sempre alternativa.)
Imagine o meu Caro Leitor uma casa normal, uma família como tantas outras.
Casal e três filhos em idade escolar, por exemplo. Um rendimento curto e muitas despesas. Nada de extravagante mas, ainda assim, um sufoco. Pagamento da casa e do carro, escolas dos miúdos, gasolinas para chegar ao trabalho, empregada, cabeleireiro, essas coisas.
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Face ao aperto, suponha o meu Caro Leitor que o homem, burro como alguém que tão bem conhecemos, resolve que
há que cortar.
Faz um ar assertivo, coloca a voz e decreta:
não se pode distribuir o que não há.
E resolve: vão passar a comer menos, a mulher, que trabalha apenas meio dia, vai deixar de trabalhar porque o que ganha mal dá para pagar o que gasta em gasolina e portagens e almoços fora e assim pode dispensar a empregada que faz a limpeza da casa e poupar mais.
E assim fazem.
A mulher desemprega-se e passa a ficar em casa. O restaurante onde ia almoçar perde uma cliente. Como não vai trabalhar, deixa também de comprar tanta roupa, deixa de ir ao cabeleireiro. A empregada, por sua vez, perde também parte do trabalho.
Entretanto, algum tempo depois, a mulher começa a ficar deprimida, começa a ter que se tratar, a ter despesas com medicamentos.
O homem resolve que, face à quebra de rendimentos e ao aumento de despesas com médicos e medicamentos, têm que fazer mais cortes. Diz que os miúdos devem deixar de ir aos ginásios e às aulas de línguas. O ginásio perde clientes e a escola de línguas também. Os miúdos passam a ficar em casa a ver televisão, a engordar e com menos aproveitamento escolar.
O tempo passa. Os miúdos não entram para a universidade. Dificilmente arranjam trabalho. A mulher não volta a conseguir emprego. Cada vez há menos dinheiro. Cada vez há menos condições para sairem do buraco onde progressivamente se foram metendo.
E, claro está, não apenas deram cabo da vida deles próprios, como contribuiram para dar cabo da economia do País.
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Mas havia outra alternativa. Se não há dinheiro que chegue para o que é preciso, então arranje-se mais. Suponhamos que, reunidos em concílio familiar, resolvem deitar mãos à obra.
Esforço adicional? Pois.
Mas em conjunto decidem: o que for que se vá fazer, não porá em causa o ensino dos miúdos, a qualidade de vida e o futuro.
Então resolvem que a mulher vai tentar trabalhar o dia inteiro, o homem resolve que vai tentar fazer trabalho extraordinário, vão trocar o carro por um mais barato ou tentar usar transportes públicos. E assim fazem.
Ao fim de algum tempo, já entra mais dinheiro em casa e as contas já estão mais equilibradas. E os miúdos continuam a estudar por forma a assegurarem uma melhor preparação para o futuro, e a empregada continua a ir lá trabalhar, e a mulher continua a ir ao restaurante e ao cabeleireiro, contribuindo para manter a economia a funcionar.
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Ou seja, com o percurso que Passos Coelho está a impor ao País, por mais que se corte nunca será suficiente. E a razão é simples: esta via de empobrecimento, leva ao declínio geral da economia, um declínio que se auto-alimenta, défice que gera défice.
A solução para o problema é a inversa da que está a ser seguida.
O que há a fazer é reduzir o aperto fiscal para haver mais rendimento disponível, mais liquidez circulante e, para catalisar, injectar verbas na economia. Pegar em fundos do QREN e pôr a economia a rodar. Desse modo, haverá menos gente a beneficiar de subsídios de desemprego, haverá mais gente a pagar impostos e contribuições - e o sistema reequilibrar-se-á.
Por esse motivo, esta política suicidária tem que ser travada e o Passos Coelho, o Portas e correlegionários têm que ser impedidos de continuar a destruir o País. Começaram por cortar os ordenados e aumentar os impostos, já estão a cortar nas pensões de reforma e os subsídios de desemprego, já lhes passou pela cabeça cortar as pensões de sobrevivência - e não vai parar.
Não sei como impedi-los pois quem o poderia fazer resolveu ficar na galeria a 'mandar bocas' em vez de agir mas, pela parte que me toca, tudo farei para desmascarar o logro das políticas de Passos Coelho e Paulo Portas e, sempre que puder, manifestar-me-ei e sempre com todas as minhas forças.
Não posso assistir impávida e serena à destruição de Portugal. Faço parte de um grupo de pessoas que, no meio desta desgraça toda, ainda se pode considerar privilegiado.
Mas tenho consciência social tanto quanto tenho consciência individual.
A vida de pouco vale se ao nosso lado tudo estiver a definhar. Por isso, estarei na linha da frente de todas as lutas que tiver que travar para devolver o futuro ao meu País.
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A penúltima imagem é do blogue We Have Kaos in the Garden. As outras obtive através do google e não sei qual sua proveniência original.
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Relembro: sobre Passos Coelho no programa de televisão da RTP 1 'O país pergunta', é descerem, por favor, um pouco mais, até ao post seguinte.
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Muito gostaria ainda de vos convidar a darem uma saltada até ao meu outro blogue: o
Ginjal e Lisboa. Hoje recebi uma visita que muito me agrada, Alice Vieira. Levada pelas palavras dela deixo que o meu cabelo se espalhe nos lençóis da cama enquanto o meu amor se prepara para partir. A seguir, por lá, há Rossini pela voz de duas grandes intérpretes.
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E, assim sendo, agora vou dormir. Tenham, meus Caros Leitores, uma bela quinta feira.
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Nota
[depois de ter lido um comentário (o terceiro relativo ao post do Passos Coelho no 'O País pergunta') -
aproveitando eu para dizer que estou sempre a tempo de aprender mas que de uma coisa pode o Leitor que o escreveu estar certo: sei fazer contas, disso não tenha dúvidas].
Não tenho dúvidas da situação calamitosa em que o País se encontra (muito pior agora do que quando Passos Coelho se organizou de forma a conquistar o poder, instalando-se no Governo para fazer o lindo serviço que tem andado a fazer). O País está de pantanas, sim. Gravemente de pantanas, sim.
E já o disse aqui muitas vezes - a última das quais há muito poucos dias: (não recuando aos antanhos da História, ou seja, reportando-me apenas aos tempos recentes) o País começou a desandar com Cavaco Silva, na altura em que os subsídios que vinham da CEE serviram para mil coisas, especialmente para destruir o tecido económico (fechar fábricas, abater a frota pesqueira, deixar os campos em set aside). O mal maior deste País sempre foi a fragilidade económica, ou seja, esteve sempre sobretudo do lado da geração de receitas.
Mas tem havido também problema do lado da despesa. E aí podemos falar do servilismo do poder político às mãos dos grandes interesses financeiros. Toda a política fiscal dos últimos tempos assentou na alavancagem financeira. Ensinava-se nas universidades e escolas de negócios (Católica, Insead, por exemplo) que se criava valor através da alavancagem financeira. E os bancos ajudaram, e não foi pouco, pois os bónus dos seus gestores eram função do negócio gerado, leia-se crédito vendido. Foram vendidos financiamentos de toda a espécie e feitio. Como, em termos contabilísticos, os juros são custos, isso abate a resultados e, logo, as empresas pagam menos impostos, ou seja, era artificialmente bom para as empresas - mas mau para o País sob qualquer ponto de vista. Mas é assim que o País tem estado a ser gerido.
Isso levou a que as empresas desatassem a investir à tripa forra. Hoje as empresas (TODAS, especialmente as grandes - veja-se a EDP, a PT, por exemplo) estão até ao pescoço em dívidas à banca, os bancos estão até ao pescoço em malparado. Grande parte da dívida do País vem daí.
A grande dívida não vem das pensões de miséria de que as pessoas usufruem: vem do que acabei de descrever e de muito mais (mas agora não tenho tempo para aprofundar).
Portanto, nem vale a pena eu continuar a dissertar sobre isto: são factos.
A questão não está pois na caracterização do buraco. Está em como sair dele?
- Ou seguimos a técnica do cavalo do inglês, cortando na ração, mais e mais, e cada vez mais, até que o cavalo acaba por morrer.
- Ou seguimos a via inversa, apostamos na economia, na investigação, no desenvolvimento, num ensino de excelência, e induzimos o crescimento.
Passos Coelho e comitiva estão a apostar à força toda na 'cena' do cavalo do inglês e estão quase a conseguir que o cavalo morra, quase, quase.
Eu defendo a segunda alternativa - e por ela me baterei na fraca medida das minhas possibilidades.
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E por aqui me fico.