Essa parece ser a receita do actual governo português, seguindo a prescrição da farmacêutica Merkel.
Além da receita só servir para piorar a saúde do paciente, o modo como foi apresentada é demagógica e subreptícia.
Demagógica, porque se busca passar a ideia do corte dos 13.º e 14.º salários na função pública como medida justa para reduzir os privilégios dos funcionários públicos, dando a entender que a nossa crise, e a da dívida soberana, é exclusivamente da dívida pública. Contra as falsidades, é preciso repetir: no essencial, tal dívida é dos sectores privados dos países europeus com problemas, como muitos peritos já o disseram, incluindo o social-democrata Silva Peneda
(cf. aqui). É verdade que existe uma discrepância entre público e privado a nível salarial, mas ela deve-se unicamente a 2 factores
(como refere o historiador económico Pedro Lains aqui): uma maior redistribuição nos salários na base
(até €1500, i.e., dos «administrativos») e a igualdade salarial para homens e mulheres. Pois é, no privado nem isso é cumprido, em pleno século XXI e é aí que estão das desigualdades salariais mais imorais. Então é para compensar essas iniquidades existentes nos privados que se faz tais cortes no público?
Subreptícia, porque a intenção é reduzir as remunerações de todos os assalariados
(incluindo os do privado) e pensionistas em termos estruturais, começando pelo mais fácil. Sim, porque os do topo continuarão a ver crescer os seus vencimentos. No final desta semana, o ministro Relvas e o premiê assobiaram ao de leve nesse sentido: Relvas
afirmou candidamente, como se enunciasse apenas um dado de cultura geral, que «Muitos países da União Europeia - cito-lhe a Holanda, a Noruega, a Inglaterra -, vários países da UE, só têm doze vencimentos». Esqueceu-se de dizer o resto: que aqueles países são dos que têm os salários médios anuais mais altos da OCDE, enquanto Portugal é dos que estão na cauda! A agenda vem toda desmontada no artigo «
Governo abre a porta a mexidas nos subsídios do sector privado», do jornalista João Ramos de Almeida
(vd. tb. caixas adjuntas). Nele se incluem os dados salariais, retirados do
site da OCDE
(vd. aqui os resultados por país).Sobre os cortes, a sondagem do Expresso de sábado mostra um repúdio maciço: o tiro saiu pela culatra. Nb: para quem quiser saber realmente que regime salarial vigora na Holanda, Noruega e Inglaterra pode ler este oportuno post.