Esta será a pergunta a colocar aos cidadãos portugueses em referendo próximo.
Para o efeito, foi lançada uma petição para reunir as 75 mil assinaturas necessárias a uma iniciativa popular de referendo, já que o parlamento não prescinde da sua competência nesta matéria e irá legislar em breve, honrando os programas eleitorais. De par, a novel Plataforma Cidadania e Casamento divulgou a 9/XI um manifesto sobre o assunto. Apesar do nome, esta ong é tendencialmente contra o referido casamento homossexual, donde resulta uma contradição insanável com o «cidadania e casamento» inscrito no nome, pois a rejeição do casamento homossexual impõe-se como situação anti-constitucional, além de atentatória dos direitos humanos. Segundo o manifesto, o casamento homossexual «introduz uma alteração num instituto milenar» e acarretará mudanças de carácter «histórico e civilizacional», daí a necessidade do dito referendo. Tanto um como o outro argumento são pobres: por esta ordem de ideias, ainda andávamos a desbastar pedras de sílex, a comer com as mãos e a dormir em grutas.
No Peão temos vindo a debater este assunto desde 2008 (vd. esta etiqueta). Em post anterior, João Miguel Almeida criticou a opção do referendo por atentar contra os direitos das minorias, porquanto estes não devem ser referendáveis. E afastou o paralelismo com a IVG, pois esta era uma questão potencialmente relativa a todos. Sobre a diferença entre ambos os temas foi avançado o argumento forte de que no caso do IVG estavam em confronto 2 direitos fundamentais enquanto no caso do casamento homossexual não existe confronto, apenas a sonegação histórica dum direito a uma minoria.
Mas a questão é ainda mais complicada. Parece-me que se está a fazer caminho numa 'tradição' bloqueadora: sempre que no parlamento surge e se aprova certo tipo de propostas mais progressistas irrompe um referendo para contrariar a delegação de competências no poder representativo. Foi assim com a regionalização, foi assim com a IVG, será assim agora. Vejamos como.
Como manobra de atracção, a petição menciona em concreto os projectos de lei do BE e PEV. Ou seja, além do papão dos 'vermelhos', remete para a questão da adopção.
E o manifesto concretiza: atendendo à «consequência jurídica» do casamento homossexual - a adopção por casais do mesmo sexo, «com grave prejuízo do bem das crianças» -, exige-se um 'debate público' sobre as duas matérias. Mas a proposta parlamentar do PS não contempla a adopção, por defender que o casamento e a adopção são questões distintas, recorrendo ao caso belga. Até podem ser, mas é óbvio que também estão relacionadas. E é por aí que o movimento do contra irá pegar. Contudo, o busílis da questão é outro.
O que está subjacente a esta repentina cruzada, além de puro preconceito social, é a imposição dum único modelo de família a toda a sociedade: 'a família' heterossexual, procriadora, com casamento civil, com um pai a fazer de pai e uma mãe a fazer de mãe, com os respectivos filhotes, etc., etc.. Como essa imposição é impossível para outras configurações conjugais (uniões de facto, sem ser de facto, etc.), ou para diversos tipos de família historicamente existentes (viúvas com filhos, crianças criadas por padrinhos, avós, outros familiares, casais inférteis ou que não querem ter filhos, etc.). Quanto aos 'pais' e 'mães' deixarem de ser 'pais' e 'mães', enfim, estamos a falar de construções sociais e culturais que remetem novamente para o modelo da família patriarcal: o pai-chefe de família, distante, disciplinador (de preferência, autoritário) e não afectuoso; a mãe, subordinada, presente, afectuosa. Modelo esse em crescente erosão nas sociedades modernas, à medida que, entre outros processos, avançaram a emancipação das mulheres, novos modelos de parentalidade e conjugalidade, a laicidade, etc.. É isto e só isto que está em causa. O resto é areia para os olhos.