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segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Colóquio Internacional 100 anos de Jorge Amado

Arrancou hoje o maior encontro em terras lusas dedicado ao grande escritor de língua portuguesa Jorge Amado.
Tem como subtítulo «O Escritor, Portugal e o Neorrealismo» e decorre em várias cidades e instituições do país (ver detalhes no programa).
Segue-se este a um outro encontro realizado no Brasil, o «Colóquio Internacional 100 anos de Jorge Amado: História, Literatura e Cultura», onde participaram alguns dos presentes oradores.
Outras iniciativas de tributo a Amado podem ser conhecidas em post do Lusografias.

domingo, 25 de março de 2012

Antonio Tabucchi, o mais pessoano dos italianos (1943-2012)

«Morreu Tabucchi, o escritor italiano que escolheu Portugal», por Sérgio B. Gomes, João Pedro Ferreira e Nicolau Ferreira
PS: o seu livro A cabeça perdida de Damasceno Monteiro será lido integralmente na Casa Fernando Pessoa, no próximo dia 2 de Abril, a partir das 10h30.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Tiradas

Na Catalunha como em toda a parte, em 1942 como agora.

«Ganhar dinheiro trabalhando muito é considerado uma mera redundância, uma vulgaridade desinteressante. Ganhar dinheiro sem fazer praticamente nada, eis o que tem mérito»

Josep Pla - Viagem de autocarro, p.132.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Leitura quaresmal

O livro de Herta Müller, Tudo o que tenho trago comigo, história de um sobrevivente de um campo de trabalho russo, guiou-me pela Quaresma. Narrativa sem Deus e que não procura um sentido, mas que remeti (talvez indevidamente) para o mais quaresmal dos livros, o do Êxodo.

Primeiro a partida, furtiva, triste, de quem não está preparado. De quem faz da caixa da grafonola uma mala, porque não tem mala, porque queria ficar. «Muita gente acha que fazer malas pertence ao rol das coisas que se exercitam, que se aprendem automaticamente como cantar e rezar. Nós não tínhamos exercício e também não tínhamos malas» (p.16).

Carregar a bagagem sem nexo para o sufocante percurso dos vagões, conduzidos pelo caminho mais longo, «longe da terra dos filisteus» (Ex. 13, 17-18). É a estrada do «deserto» que antecipa o combate, do qual não pode haver desertores.

Depois, os tijolos, o cimento. A opressão de um povo, mas sem uma sarça a arder sem Ninguém a ver (Ex. 3,7), só o medo «Eu acho que na nossa cabeça só uma coisa é ainda mais rápida que o cimento: o medo» (p.40).

E o cúmplice de tudo isto, «o anjo da fome» que fere todos os prisioneiros, marca o vazio. «Sou instruído pela fome e, por humildade, inacessível, não por orgulho.» (p.241). O tempo «da pele e do osso».

«Dou o campo de trabalho por encerrado. Desapareçam» (p.251). Uma notícia que não se sabe o que fazer com ela, o «anjo da fome» fica boquiaberto.

E outra vez, não os mesmos, nem o que resta deles, porque já são outros, vão fazer o caminho de volta, para um mundo ocupado pelos estranhos que os conheceram e amaram.

«TAMBÉM LÁ ESTIVE deve estar escrito nos tesouros […]. Sei entretanto que nos meus tesouros está escrito EU FIQUEI LÁ […] Nos meus tesouros está escrito DE LÁ NÃO CONSIGO SAIR. Quer num quer noutro há sempre exagero, mas TAMBÉM LÁ ESTIVE não existe em nenhum deles. E também não existe uma medida certa» (p. 284).

Para aqui, nos atira a Quaresma, para uma jornada, pelo caminho mais longo, para junto da incompreensão. E para aí permanecermos algum tempo. Depois vem a Páscoa. E o «anjo da fome» fica boquiaberto.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Mistérios de Lisboa - o livro

O filme Mistérios de Lisboa de Raul Ruiz conduziu-me para as páginas de Mistérios de Lisboa, o romance de Camilo Castelo Branco. A adaptação do livro acentua os aspectos fantásticos e oníricos que estão mais presentes neste título do que noutros, mas não de uma forma evidente. Menos fantástico do que o filme, o livro consegue ter um enredo mais mirabolante, personagens mais trágicas e um negrume com laivos de humor.

Na polémica tradicional entre «camilianos e «queirosianos», Camilo é por vezes apresentado como um autor passional contra um Eça de Queirós «cerebral». O que não é exacto, pois os primeiros e grandes romances de Eça, O Crime do Padre Amaro e O Primo Basílio são bastante passionais, romances de amores funestos onde se mata ou morre por excesso de amor ou de crueldade. A grande diferença é que as personagens de Eça – mesmo as mais trabalhadas como o padre Amaro ou a criada Juliana – dão um corpo a tipos sociais. Sabemos donde eles vêm e quando caem a sua trajectória é em grande parte explicada por razões sociológicas e psicológicas. A origem de muitas personagens de Camilo é obscura e pode sempre surpreender-nos. E a vida das personagens está sujeita a constantes mudanças interiores e exteriores. A qualquer momento podem enriquecer, cair na miséria, apaixonar-se, naufragar, mudar de nome e de profissão, converter-se ou perder-se. Eça pretende ser «objetivo», realista, na análise dos males da sociedade. Camilo usa a sua imaginação prodigiosa para exprimir os tormentos de múltiplas personagens indissociáveis de um mal estar social. Eça coloca-se acima das suas personagens. Camilo declara que as conhece do inferno – o que é metafórico – ou da prisão – o que foi por vezes factual.

Mistérios de Lisboa foi publicado em 1853, aos 29 anos, pelo autor que escreveria, em 1862, Coração, Cabeça e Estômago. A obra de 1953 é um expoente da fase do coração, que é uma das suas imagens recorrentes: «A suprema desgraça é o coração grande, a riqueza dos brios, o instinto do sublime, quando estes generosos sentimentos, esterilizados no embrião da pobreza, são como se não existissem.» (Livro Segundo, Capítulo II); «O que devia decidi-lo não eram os conselhos paternais do velho ministro de Luís XVIII; mas o coração, motor despótico de todas as molas da máquina humana, esse sim.» (Quarto, XII).

Eça podia, inicialmente, achar que era mais moderno do que Camilo por estar mais a par da filosofia, da política e da civilização europeia do seu tempo. Hoje sabemos que a modernidade de ambos está na suspeição precursora das verdades inquestionáveis acerca do homem e do seu papel na sociedade. Declara o padre Dinis, personagem de Mistérios..., à volta da qual se desenvolvem todos os enredos: «- Quem sou!...Duquesa, essa pergunta é-me feita há mais de cinquenta anos, tenho-me consultado para responder a ela, e nunca respondi ao meu próprio desejo de saber quem sou…» (Quarto, X). E interroga-se Alberto Magalhães, um dos nomes de uma personagem que finta sempre o destino até à tragédia final: «Quem eu sou? Pergunte-o à sociedade, e adopte a explicação que mais lhe convenha. Se me obriga a responder, por mim, digo-lhe que sou um misto de virtudes e de crimes.» (Quarto, XX)

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Tu rostro mañana

Tu rostro mañana, o último romance de Javier Marías que se estende por três volumes - Fiebre y lança, Baile y sueño, Veneno y sombra y adiós - acompanhou-me durante boa parte de 2010 – começou por ser uma leitura de verão, atravessou o outono e chegou ao inverno. O seu tom melancólico e agreste é mais adequado a estações com chuva e vento cortante do que à época balnear. Javier Marias retoma a voz da personagem donde saiu uma das novelas que o tornou conhecido nos anos 80 - Todas las almas, um retrato irónico do ambiente académico britânico no qual foi professor. O jogo ficcional autobiográfico – levando quem lê a acreditar que a voz narrativa é a mesma do autor, mas as circunstâncias não são necessariamente as mesmas – desenvolve-se e complexifica-se em Tu rostro mañana, romance em que o narrador se confronta com a narrativa da memória do pai que, tal como o pai do escritor, o conhecido filósofo Julián Marías, foi preso e proibido de ensinar pelos vencedores da guerra civil de Espanha, por causa da traição de um amigo. Tal como nas suas novelas mais celebradas - Coração tão branco e Amanhã na batalha pensa em mim, algumas citações de Shakespeare iluminam as histórias contadas, num tempo em que as palavras correntes parecem insuficientes para decifrar a tragédia das pessoas comuns.

Ao contrário das suas novelas fulgurantes, o leitor não é atirado para a narrativa por um enigma cuja explicação é prometida e a sua atenção captada a cada página por fórmulas encantatórias, personagens marcantes e observações agudas. O leitor de Javier Marías terá de fazer um esforço maior para seguir as deambulações e digressões do narrador pela história e actualidade de Espanha e do Reino Unido, por um vaivém entre História e literatura, universidade inglesas e serviços de espionagem, guerra civil de Espanha e a actual luta dos Estados europeus e dos Estados Unidos contas as ameaças ao seu poder. Tu rostro mañana é uma meditação sobre a traição, sobre a forma como a vida de uma pessoa depende de confiar nas pessoas certas e da sua vida ser contada com as palavras certas. O romancista cria uma ficção que é uma metáfora do próprio exercício ficcional ao inventar um narrador recrutado, através da rede académica, para um serviço ultra-secreto britânico de agentes cujo papel é serem «intérpretes de vidas». Ou seja, decifram as máscaras de personagens públicas, lendo nelas a sua ficção e a sua verdade. O jogo entre verdade e ficção é jogado com saborosa ironia por Javier Marias ao colocar, em epílogo, depois dos agradecimentos e dos posfácios, alguns relatórios de «intérpretes de vida» sobre Berlusconi, Michael Caine e Diana de Gales.

Depois de se ter afirmado como um escritor de sucesso na Espanha dos anos 80 e 90 que se orgulhava de separar literatura e política e se mostrava um brilhante pintor da nova e velha vida privada dos espanhóis, Javíer Marías escreve um romance que é uma falsa obra de chegada. Pois o que ele faz é cruzar caminhos percorridos, com novos caminhos, questionando o presente face à traumática memória da guerra civil espanhola, a relação da vida privada com a vida pública, o combate ao terrorismo pelos Estados democráticos com a prática de tortura por esses Estados.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

No centenário da morte de Leão Tolstoi


sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O meu nome é Vermelho

«O mundo surgiu-me de repente como um imenso palácio cujas salas comunicam entre si por mil portas abertas de par em par: e nós éramos certamente capazes de passar de uma salas para as outras pela graça da memória e da imaginação. Mas a maioria das pessoas são demasiado preguiçosas para utilizarem este dom, e preferem manter-se enclausuradas numa única sala.»
Orhan Pamuk - O meu nome é Vermelho, p.464.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Agatha Christie

faria hoje 120 anos. Fiquei a saber pela homenagem do Google, em que o G até ostenta um bigodinho à Poirot.
Este Verão foi a «memória arqueológica», Na Síria, que me acompanhou nas viagens de avião; noutros Verões, mais juvenis, os seus livros enchiam as intermináveis horas que era preciso esperar entre o almoço e o mergulho seguinte, de crime.
Na Síria, Agatha Christie faz um espirituoso relato das expedições arqueológicas em que acompanhou o marido nos anos 30 do séc. XX. Desde as primeiras páginas que descrevem os preparativos, as compras na «Secção Tropical», ou os tormentos da viagem, «o meu intelecto fica sempre diminuído pelas travessias marítimas», p.35, ou mais à frente quando descreve a vivência do Médio Oriente e o quotidiano das escavações, até o regresso ao conforto de Paris, a escritora mantém um delicioso tom sardónico de viajante que raramente se deixa deslumbrar, mas que, ao mesmo tempo, reconhece «que foi um modo de viver muito feliz», p. 281.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

3º Encontro de Escritores Moçambicanos na Diáspora

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Ainda Saramago

Muito se escreveu a pretexto do passamento de Saramago. Do que li, destaco a lúcida reflexão de Manuel Gusmão e o dossiê do Público, do qual li com gosto as evocações de Carlos Reis, Mário de Carvalho, Luiz Schwarcz (aqui se podem ler outros depoimentos), Urbano Tavares Rodrigues e Mia Couto. Fiquei estarrecido com o texto de Eduardo Lourenço, onde a projecção do próprio pretende impor uma pseudo-redenção final de Saramago como saída para a sua desilusão utópica, em gritante contraste com o sentido constante da intervenção cívica e literária do autor.
Sobre a ausência de altas figuras do Estado das cerimónias fúnebres do único Prémio Nobel da Literatura português, apenas reiterar as críticas oportunamente feitas a essa conduta, apesar dos dois dias de luto nacional. A situação é agravada quanto ao Presidente da República, Cavaco Silva, que teria necessariamente que estar lá enquanto representante de todos os portugueses numa ocasião simbólica por excelência.
O Vaticano, este Vaticano, primou novamente pela arrogância e deselegância; nb: já o comunicado do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura da Igreja católica portuguesa tem um tom bem diverso, que só pode ser elogiado pela sensibilidade e esforço de reflexão que representa: «Igreja enaltece “grande criador da língua portuguesa” mas lamenta “balizamentos ideológicos”».
Nb: na imagem, cartoon inspirado no quadro Des glaneuses (1857), de Jean-François Millet.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Divagações

Começar um livro no comboio para o Porto com significativo prefácio, «Assim, o romance que o leitor tem entre mãos representa menos uma saga multi-geracional do que uma viagem de descoberta literária. É um romance para quando estamos acordados a meio da noite e um foco de busca percorre o horizonte. É para quando estamos numa sala de espera, preocupados com notícias devastadoras. É para quando estamos resolvidos a nunca mais nos metermos no problema em que nos metemos ontem à noite. É para quando estamos no comboio, entre estações. É para quando estamos sós como nunca estivemos. É para quando nos embriagam as complexas ilusões e ambições de Verão e dançamos na rua. É para quando precisamos de mais testemunhos, de um pouco mais de contexto, a respeito do afecto.» Só podia ser o livro certo.
No Porto, a exposição de Lourdes Castro. Caminho de depuração artística até à obra Peça (c/ Francisco Tropa, 1998): uma mesa, um rolo de lençol branco, projectores. A impressão do que já é incorpóreo. O «negativo» de outro artista, outra exposição, Bartolomeu Cid dos Santos, a sua mesa com roldanas impressoras, o papel saturado de negro até ao limite, a sobreposição de imagens, paisagens, textos.
A demanda da artista vai connosco para fora do museu. Chove e faz frio e a exploração das «novas» ruas da cidade acaba na mais perfeita Pensão/Creperie. A Favorita.
Já em Lisboa, o livro certo termina com conselhos sensatos: «[...] Nunca durmam ao luar. Segundo os cientistas provoca loucura. Cortem o cabelo uma vez por semana. Comam peixe fresco ao pequeno almoço sempre que possível. Mantenham-se sempre aprumados. Apreciem o mundo [...]».
N.B.: O livro certo é de John Cheever, Crónica de Wapshot, Relógio de Água.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

David Copperfield kind of crap


























J. D. Salinger iria, provavelmente, detestar os seus próprios obituários. Recolhido há já vários anos, o escritor tinha-se lançado numa qualquer fuga de efeito vedeta mergulhado em literatura Zen, onde só eram admitidas jovens admiradoras.
«… knew quite a lot about the theater and plays and literature and all that sutff. If somebody knows quite a lot about those things, it takes you quite a while to find out whether they’re really stupid or not» (The catcher in the rye, cap. 15).
Mas é impossível não falar da sua grande obra The catcher in the rye. De leitura obrigatória no 12º ano (espero que ainda seja) e depois das soporíferas incursões escalabitanas de As viagens na minha terra, ou das meditações pessimistas de Menina e moça, Catcher in the rye mostrava o mundo, as «verdadeiras» angústias em deambulação nova iorquina e um herói que cada leitor daquela idade tomava quase como seu duplo.
Voltei a lê-lo mais tarde e voltou a apanhar-me, talvez já não pelas angústias, mas pelo sarcasmo de estilete com que Holden Caufield analisa cada situação e que o acaba por deixar encurralado.
Salinger também se encurralou, mas antes disso, não há dúvida que escreveu na nossa vida.

Imagens: William Holden e Jane Caulfield. Da junção dos dois nomes surge o de Holden Caulfield que detestava cinema. «If there's one thing I hate, it's the movies. Don't even mention them to me.»

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Um homem dividido vale por dois

De repente, o grande escritor «maldito» Luiz Pacheco voltou a estar na berlinda. Ainda bem, pois merece-o.

Associando-se ao trabalho de levantamento sistemático da produção escrita e gráfica de Pacheco pelo alfarrabista Luís Gomes (da Livraria Artes e Letras) e pela sua editora (Publicações D. Quixote), a Biblioteca Nacional de Portugal co-organizou a exposição «Contraponto: 1 homem dividido vale por 2» (até 27/II/2010 na Galeria da BNP) e co-editou o respectivo duplo catálogo, que «procura reunir a dupla faceta de autor e editor». Os catálogos intitulam-se Luiz Pacheco - 1 homem dividido vale por 2 e Contraponto- bibliografia.

A Contraponto a que aludem foi uma editora por si fundada em 1950, e onde foram divulgados grandes escritores portugueses e estrangeiros, sobretudo «de vanguarda».

Entretanto, em recente leilão, a BNP havia já comprado parte do espólio do artista, incluindo diversos textos seus (literários, recensões críticas a livros, provas tipográficas de Crítica de Circunstância), entrevistas e correspondência trocada com intelectuais e artistas.

Mais informações no site Luiz Pacheco - Portal oficial não-oficial, idealizado por João Tito. Textos do Peão sobre Luiz Pacheco: I e II.

sábado, 14 de novembro de 2009

Da liberdade de expressão no país da identidade nacional

Marie NDiaye ganhou o pémio Goncourt este ano, com o seu romance "Trois femmes puissantes" (um história de vidas despedaçadas entre França e África, não li mas estou com imensa vontade). Marie NDiaye, e a família (companheiro e três filhos) vivem em Berlin desde que Sarkozy se tornou presidente da república francesa. Mudaram-se essencialmente por razões políticas. Marie NDiaye numa entrevista ao "Les InRockuptibles" afirmou que considera a França de Sarkozy "monstruosa" e que acha "detestável esta atmosfera policiesca e vulgar... Besson, Hortefeux [actual e anterior ministros da Identidade Nacional e Imigração], toda essa gente, acho-os montruosos". São opiniões, cada um tem a sua, NDiaye tem esta. O deputado Eric Raoult, da UMP (partido de Sarkozy), tem outra, acha que NDiaye não tem direito a expressar-se. Raoult não manifesta o seu desacordo, nem se digna contra-argumentar as opiniões da escritora, simplesmente que ela devia estar calada. Repare-se na pérola de raciocínio: Raoult considera que NDiaye tendo ganho o mais prestigiado prémio literário francês se torna de certo modo numa embaixadora de França, e como tal não deve criticar o seu presidente da república, Raoult inventa assim um suposto "dever de reserva" (sic) para os vencedores do prémio Goncourt, com o apoio generalizado do seu partido. Ou seja, na cabeça desta gente, para se ganhar prémios literários (ou quaisquer outros, imagina-se) há que abster-se de criticar sua excelência, o presidente da república. Estranho conceito de liberdade de expressão. NDiaye, que antes de ter conhecimento da posição de Raoult até admitia que as suas próprias afirmações eram algo excessivas, mantém inteiramente o que disse, enquanto Bernard Pivot, membro do júri do prémio Goncourt é bem claro no desmentir a existência do tal "dever de reserva". E tudo isto ocorre em França, quando se debate a identidade nacional, como referiu o André. O que me leva a colocar uma questão: teria Raoult atacado o vencedor do prémio Goncourt se ele/a se chamasse Lefèvre, e tivesse um pouco menos de melanina na pele?
P.S. - Vale a pena ler "Entre a voz da Frente Nacional e a dum escritor livre, há que escolher" por Christian Salmon.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A última peça do puzzle saramaguiano


«Saramago: Há muita coisa na Bíblia que vale a pena ler»

Nb: sobre esta polémica outonal com final feliz, entretanto a concorrência veio no nosso encalço e lá desenrascou vários posts interessantes, que recomendo - «Caim» e «Falta-lhe a pátina, ainda bem...» (jrd); «Versículos satânicos» (Ricardo Noronha); «Bíblia» (Bruno Sena Martins); «Parte do ‘manual de más práticas’ de que eu gosto» (Nuno Ramos de Almeida); «Ópio do Povo» (Zé Neves); «um herege dos pequeninos» (Pedro Vieira). A imagem reproduz um cartoon de Mel Calman e é repescada duma série de posts que publiquei no Peão, em IX/2008, e que teve início precisamente nessa «Insegurança celestial».

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A polémica antes do romance

Tenho uma certeza acerca de Caim: vou ler o romance e vou lê-lo em breve, abrindo uma excepção à disciplina auto-imposta de não perder muito tempo com leituras que não estejam directa ou indirectamente relacionadas com a minha investigação em curso. Vou lê-lo não por causa das declarações de José Saramago, mas apesar delas, confiante na capacidade narrativa e poética do escritor, atestada na leitura de outros romances como O Ano da Morte de Ricardo Reis e Ensaio sobre a Cegueira. O meu interesse foi aguçado pela leitura do início do romance, aqui. O problema com as declarações de Saramago não é serem politicamente incorrectas ou infelizes. A iconoclastia faz parte da tradição cristã. O próprio Cristo deu as suas chicotadas no templo e escandalizou muita gente. Luís Buñuel, que foi o realizador mais radical na sátira ao catolicismo, considerava-se «ateu pela graça de Deus» - cfr. O meu último suspiro, o livro de memórias do génio espanhol.
O problema é a inconsistência das declarações de José Saramago, que se podem ler aqui. Começa por não entender o estatuto do texto bíblico ao compará-lo ao Corão. Segundo a fé islâmica o Corão foi ditado por Deus. Os livros da Bíblia são testemunhos da fé, textos de sapiência, leis, cartas, etc. A carta de um apóstolo não tem o mesmo estatuto de um versículo ditado directamente pelo Deus. Essa é também uma das razões por que a exegese bíblica está muito mais desenvolvida do que a do Corão.
É irónico que Saramago cite Hans Küng, um dos maiores teólogos católicos, profundo conhecedor da Bíblia e que também escreveu um extenso volume sobre o Islão, para fundamentar as suas afirmações. Hans Küng pode ter dito que historicamente a ideia de Deus afastou as pessoas. Mas certamente a teologia que formulou não serve o mesmo desígnio.
Saramago ataca a ideia de inferno. Não sou eu que a vou defender. Há igrejas cristãs protestantes que não acreditam no inferno. Mas o exemplo que o escritor dá para refutar a ideia de inferno é ridículo: «Nós, os humanos somos muito mais misericordiosos. Quando alguém comete um delito vai cinco, dez ou quinze anos para a prisão e depois é reintegrado na sociedade, se quer.» Passo por alto pela hipótese da necessidade de perdão pregada pelo cristianismo ter influenciado a concepção da punição como forma de reabilitação do criminoso. Os humanos mais severos condenam, no máximo, um criminoso a quinze anos de cadeia? Então que pena é que devia ter Hitler? Ou, para citar um exemplo de Saramago, um instigador das Cruzadas? Na China, onde a influência judaico-cristã é mínima, a pena de morte é aplicada a crimes que nos parecem leves.
O romancista termina acusando de idiotia a concepção de que o mundo foi criado em sete dias, concepção que de facto se encontra na Bíblia, mas não é levada no sentido literal do termo nem pela Igreja Católica, nem pelo judaísmo, nem por várias igrejas protestantes.
Nota final: Saramago fala como se as pessoas fizessem guerras em nome de uma abstracção, de um ser nunca visto. Todas as teologias são antropologias e sociologias. E as ideologias ateias também. São concepções do homem e da sociedade que estão na origem dos conflitos. Se o trabalho intelectual pode evitar guerras ou atenuar conflitos é aí que tem de se focar.

Forma e conteúdo

O último romance de José Saramago, Caim, já está aí nos escaparates, e a coisa promete dar brado. Pelo menos quanto às suas declarações de lançamento - p.e., «a Bíblia é um manual de maus costumes, um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana» (vd. mais aqui). As críticas bombásticas não se ficam pela Bíblia, alarga-as ao Corão, enfim, a todas as religiões. Sobre o livro, há que lê-lo. Sobre as declarações, há quem diga que foram infelizes, não na substância mas na forma: aqui levantará, seguramente, polémica (mas, atenção, JRV, que ele não qualificou ninguém de estúpido). Cabe relembrar que Saramago gosta de lançar debate e polémica nos seus lançamentos e noutras declarações, digamos, de intervenção política ou cívica. Seja como for, o contraproducente será se se ficar só pela forma destas declarações e não se olhar para o romance, o princípio de tudo isto.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Umberto Eco sobre José Saramago

O El País publica hoje o prólogo de Umberto Eco à edição italiana de O Caderno, de José Saramago, livro que reúne textos publicados no blogue do prémio Nobel português. No prólogo, Eco interroga-se acerca das relações entre o comentário de actualidade nos blogues e jornais e o trabalho de quem escreve romances, sem deixar de se auto-interrogar, pois também ele pratica os dois tipos de escrita. E esboça nas entrelinhas um diálogo entre Saramago e Ratzinger acerca de Deus e da sua presença ou ausência na violência humana. A ler aqui.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Senhores projectos



Uma casa de papel para um ser de palavras, um projecto de arquitectura para uma, ou várias, personagens dos livrinhos de «O Bairro» de Gonçalo M. Tavares. Foi este o desafio colocado a um grupo de alunos universitários de arquitectura. O resultado está patente ao público no Lx Factory, em Alcântara.
Gonçalo M. Tavares na «poética» que tem desenvolvido sobre «Bloom Books», declara, aqui, que na ficção não faz sentido a perguntar: onde? Ou, se o fizermos, não devemos levantar os olhos do texto. A história que estamos a ler acontece mesmo na página escrita. Mas como também escreve noutro lugar qualquer da sua «poética» que o texto não deve imitar a fotografia, temos a liberdade de construir as nossas imagens das histórias e de compará-las com as imagens que outros criaram. O senhor Valery, o senhor Kraus, o senhor Brecht podiam mesmo habitar as maquetes em exposição no Lx Factory? Para responder a esta pergunta é mesmo preciso levantar os olhos do texto, sair de casa e ir lá ver. Aqueles projectos de habitação podiam tornar-se reais e povoar Alfama, o Bairro Alto, etc? Na minha opinião de leigo alguns tinham pernas para ficar de pé frente ao rio.
Quanto à «poética» de Gonçalo M. Tavares, Borges escreveu que o valor de qualquer «poética» reside não em ser mais verdadeira do que outra, mas em ser mais estimulante para o escritor que a inventou ou adoptou. Que lhe faça, pois, bom proveito.