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sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Zadie e Julian



De Zadie Smith, uma sólida primeira obra, Dentes Brancos, história de três famílias britânicas e jamaicanas, asiáticas, judias e católicas num multicultural bairro no norte de Londres; depois o Homem dos autógrafos (que não li) e agora Uma questão de beleza, em que novamente famílias, desta vez duas, se cruzam numa trama transatlântica em jeito de homenagem simétrica a E. M. Forster, “One may as well begin with Helen’s letters to her sister” (Howard’s End)/ “One may as well begin with Jerome’s emails to his father” (Uma questão de beleza).
É de literatura, dos clássicos ingleses que a autora fala para nos introduzir à sua escrita e à sua nacionalidade. Ou seja, Zadie Smith, nascida em Londres de uma mãe jamaicana e de um pai inglês, afirma que foi construindo as suas referências ao que é ser inglês, ou melhor à ideia do que é ser inglês, através das suas leituras e, sobretudo, da lista de leitura para a admissão em Cambridge. Descobriu, depois, que os seus colegas ingleses, brancos e privilegiados tinham ignorado a lista, que os seus favoritismos literários iam para os russos e para os franceses, ao passo que os dela, negra e suburbana, estavam no «cânone» inglês. E é neste «cânone» que Uma questão de beleza assenta.
Toda esta experiência numa das mais interessantes entrevistas a autores, recentemente publicadas no Ípisilon (07/12/07). É pelo menos original quando um escritor anglo-saxónico não refere o 11 de Setembro como decisivo na sua escrita, ou transformador na sua maneira de ver o mundo.
De Julian Barnes, já uma vasta obra, lida de forma mais ou menos intermitente, mas, aqui o ponto de ligação está no seu livro Arthur e George, uma reflexão sobre o que é ser inglês e que tem como ponto de partida um esquecido caso policial do início do séc. XX. Um solicitador inglês, mas mesmo inglês, com um estudo, trainspotter, sobre direito ferroviário e tudo, filho de um pastor indiano/parsi da Igreja de Inglaterra e de uma mãe escocesa chamado George (Edalji), é acusado de matar gado e Arthur (Conan Doyle), o próprio inventor de Sherlock Holmes, acaba por se envolver na questão. Uma questão de verdade e de autenticidade, temas caros a Julian Barnes, que até já retratou a Inglaterra em réplica e parque de diversões no seu livro Inglaterra, Inglaterra, e mais uma vez de nacionalidade.
Esta ligação também se estabelece comercialmente no site inglês da Amazon, em que quem comprou um dos livros comprou o outro. E como neste caso é, também, do sentimento de pertença que se trata, é possível comprar Zadie Smith em pacote com Ishiguro de quem já se falou aqui.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Um estranho numa terra estranha*

O título, emprestado da ficção científica, é o que melhor resume o que sentem os personagens de Kazuo Ishiguro e é essa característica que me faz seguir a sua obra.
Não que tenha saído um novo livro, mas terminei há pouco Quando éramos orfãos, (comprado, na feira, a 5 € no monte de saldos da Gradiva, que o nosso mercado editorial tem destas coisas), e, novamente, para além das memórias e da viagem (interior) do personagem, lá estava a estranheza, desta feita de um improvável detective inglês em Xangai dos anos 30, mas que também pode ser de um mordomo numa casa senhorial inglesa, no seu romance mais conhecido, Os despojos do dia, ou até de um grupo de clones, no recente Nunca me deixes.
E é o mesmo desconforto existencial que perpassa na sua narrativa, até já não haver lugar para o humano, e que engloba toda as relações sociais, da família ao emprego, mas sobretudo as relações afectivas, como se aí residisse a essência da compreensão do que é o humano, mas que está, naturalmente, vedada a personagens que se remetem para uma auto-contenção permanente.
Ignoro se este traço provém de ecos autobiográficos do escritor nascido no Japão, Nagasaqui, mas que vive em Inglaterra desde os seis anos e que tem como objectivo escrever romances internacionais e, portanto, desde logo gerados para além do que cada um consegue identificar como familiar ou próximo.
*HEINLEIN, Robert A. - Um estranho numa terra estranha. Europa-América.