Nos últimos tempos tenho pensado por que é que muitas pessoas - isto é um impressão pessoal, não vem de nunhum estudo científico - altamente qualificadas, e mesmo politicamente à esquerda (no blogue o Daniel e o Renato já colocaram a questão algumas vezes, mas não estou a falar deles, o meu universo de referência é mais alargado - e isso tem-se visto por exemplo sistematicamente na imprensa nos últimos meses), se preocupam tanto com o desemprego dos licenciados e parecem razoavelmente insensíveis, a não ser de forma ritual, à questão do abandono escolar no ensino secundário. Sendo o desemprego da mão-de-obra qualificada muito baixo do ponto de vista estatístico (e abaixo da média europeia) - e provavelmente o existente é efeito de uma conjuntura de lenta abertura de mercados em certas áreas onde o crescimento permitirá, a prazo, uma mais firme absorção da mão-de-obra qualificada - e o abandono escolar, pelo contrário, um verdadeiro problema nacional (Portugal está nesta questão na cauda do universo OCDE), parece-me que a atenção (e a agenda) pública está realmente biased em favor da primeira questão.
Entretanto, tropecei, nas minhas leituras, nesta interessante e plausível explicação de Harvé Hamon, no seu Tant qu'il y aura des élèves (edição poche, 2004, Paris: Seuil, pp.14-15). Ele está a falar da realidade francesa, mas a análise servirá perfeitamente para Portugal:
«C'est désormais fait: le 'collège unique' est mis à mal, la pierre angulaire est fragmentée. Cela, on sentait venir. Ce qui était moins prévisible, c'était que l'affaire se déroulerait sans anicroche, presque sans protestation, sinon rituelle. Quand le contrat d'embauche des rejetons issus des classes moyennes est insatisfaisant, c'est l'émeute. Quand on chasse de la sphère scolaire les 'irréductibles' qui sont aussi les plus pauvres, c'est l'indifference. Le phénomène révèle aussi que la critique du monde politique, de son inaptitude à penser long, à viser le bien public par-delà les alternances, est à son tour insuffisante. Après tout, l'abandon du collège unique ne gène en rien les couches moyennes et supérieures qui contournent la plus élémentaire mixité sociale, gavent cord pour transformer les examens en concours. Il ne gêne pas non plus les enseignants qui préfèrent inscrire les carences des élèves au compte de ces derniers plutôt qu'à celui de l'institution».