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terça-feira, 25 de maio de 2010

Lutas pela memória

Rocío, documentário anti-franquista censurado em plena democracia, será transmitido em Coimbra e Lisboa, em sessões com a presença do cineasta, Fernando Ruiz Vergara, e do historiador Francisco Espinosa Maestre, co-fundador da Associação Todos Los Nombres e membro da comissão que colaborou com o juiz Baltasar Garzón na investigação dos crimes cometidos durante a Guerra Civil de Espanha e o franquismo.

O filme, que se centra numa romaria de Almonte (Huelva), vai além da contextualização político-social deste evento, revelando ainda a guerra civil e a posterior violência franquista na zona, identificando vítimas e principais responsáveis pela repressão. Este desaforo custou ao cineasta um processo judicial movido pela família Reales no início de 1980, pelo qual teve que pagar uma avultada indemnização, além da condenação a 2 anos e meio de prisão, de que só se descartou após recurso.

A este propósito Cláudia Castelo escreveu em 2007 o post Fernando Ruiz Vergara: crónica de uma perseguição política, com informação de Dulce Simões sobre este processo político e por sugestão de Paula Godinho. Nesse post podem ler-se comentários muito interessantes de Dulce Simões, de Francisco Espinosa Maestre (que refere outros casos de perseguição política) e do próprio Fernando Ruiz Vergara.

A versão integral do documentário permanece censurada em Espanha, mas em Portugal será possível vê-la, hoje em Coimbra, no Teatro da Cerca de S.Bernardo (21h30); amanhã, em Lisboa, na Livraria Ler Devagar da Lx-Factory (21h). A organização é da Cultra. Mais inf. sobre filme, lutas da memória, cineasta e historiador aqui.

sábado, 17 de abril de 2010

A história no congelador

O caso Garzón, que aqui referi na etapa de começo de julgamento e subsequente mobilização cidadã em sua defesa, é um lamentável folhetim já com algum lastro, como daqui se pode depreender.

Agora, são vários os jornalistas, comentadores e políticos que condenam o mesmo juiz Garzón que antes hiperbolizavam pelo seu afã contra o ditador Pinochet (terá sido diferente de Franco?), o terrorismo basco ou contra a corrupção. Não estava à espera que um jornalista como Nuno Ribeiro, que aprecio e costumo ler, se juntasse (com este comentário) a esse coro dos conformistas no apelo inaudito à congelação da história. Vejamos porquê.

Os críticos do juiz Garzón sustentam que este se propõe fazer uma abusiva condenação retrospectiva de crimes políticos, pois a tipificação de «crimes contra a Humanidade» surgiu apenas com o julgamento de Nuremberga, no pós-II Guerra Mundial, para julgar os crimes nazis. Estes críticos estão errados. Não se trata de nenhum anacronismo, a repressão franquista continuou para além da derrota do Governo legítimo republicano espanhol, até 1952, donde, já se enquadra na moldura dos crimes contra a Humanidade. Depois, a Convenção de Genebra é dos anos 20 e também foi ignorada pelos insubmissos franquistas aquando da Guerra civil que eles mesmos provocaram.

É pacífico que o lado republicano também cometeu atrocidades, e concordo que, nestes casos, as suas vítimas devem também ser consideradas vítimas e não apenas «falecidos», mas a questão não é essa, pois estes tiveram direito a enterro e a reconhecimento pelo Estado franquista. Já os do outro lado, não. São os seus familiares e outros cidadãos que se organizaram em associações cívicas de recuperação da memória para reivindicarem um direito legítimo e compreensível, o dos seus entes queridos terem o direito a um enterro condigno e ao reconhecimento da sua morte indigna. Em paralelo, uma parte da sociedade civil espanhola tem pressionado no sentido duma condenação oficial do regime franquista por causa da sua violência e ilegitimidade. As investigações judiciais poderão comprovar a existência duma política sistemática de perseguição e repressão política durante c. de 20 anos, e isso poderá levar a considerar o regime franquista como um regime genocida. Se assim for, qual é o drama? Não se deve procurar o esclarecimento sobre as maiores atrocidades? E a justiça, nem que seja simbólica?
Alegam os críticos que a lei da amnistia de 1977 proibiu condenações de abusos e crimes e que o Pacto de Transição pôs uma pedra neste assunto. Também não colhe. A lei da amnistia não englobou os «crimes contra a Humanidade», os quais não prescrevem, e não é a guerra civil em concreto que está em causa, ao contrário do que insinua o editorial do Público de hoje.

E o pacto de transição, tal como o nome indica, foi um compromisso político conjuntural efectuado pelas elites, com vista a assegurar a legitimação política do novo regime democrático, mostrando como os espanhóis conseguiam criar e viver numa democracia estável e respeitadora, assim afastando definitivamente o fantasma agitado pelo franquismo durante décadas a fio. Essa conjuntura acabou, e já há muito que tal pacto foi rasgado, mais concretamente na campanha para as eleições de 1993, precisamente pelo PSOE. A Lei da Memória Histórica foi um destes marcos, mas muitos outros existem. Neste caso, Garzón limitou-se a corresponder a pedidos da sociedade civil organizada. Já tinha feito o mesmo no caso Pinochet. Nessa altura o coro de críticos foi bem menor. Estranho, não é?
Quanto à adesão popular a esta questão, importa dizer que na sequência da abertura do processo ao franquismo por Garzón, o El País fez uma sondagem on line aos seus leitores, que teve quase 20 mil aderentes, tendo 70% apoiado a posição do super-juiz (vd. aqui). Também o El País criou, então, um oportuno dossiê temático sobre a memória histórica, que pode ser consultado aqui.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Palma Inácio, o último romântico aventureiro da resistência (1922-2009)

Era uma das figuras lendárias da resistência antifascista portuguesa, com merecimento. Faleceu hoje, aos 87 anos de idade.
Hermínio da Palma Inácio começou cedo a sua luta antiditatorial. Tinha 25 anos quando participou numa tentativa de deposição de Salazar, a Abrilada de 1947. Foi dos poucos a cumprir a sua parte, sabotando 20 aviões da base aérea de Sintra. Fracassado o golpe, passou à clandestinidade, mas seria preso em Setembro. Por pouco tempo: consegue fugir do Aljube 8 meses depois, numa fuga aparatosa. Refugia-se temporariamente em Casablanca, daí partindo para os EUA, onde tira o brevet de aviador civil. Pressionado para ser deportado, escapa-se para o Brasil, onde conhece Henrique Galvão e Humberto Delgado, ex-tenentes do 28 de Maio, bem como outras figuras ligadas ao anti-salazarismo.
É aquele brevet que abrirá portas para o 1.º acto de pirataria aérea internacional, desviando um avião da TAP que fazia a ligação Lisboa-Casablanca, aproveitado para o lançamento de folhetos anti-Salazar sobre Lisboa e várias cidades do Sul, no final de 1961, já depois do início da guerra colonial.
Antes, dera-se o assalto ao paquete Santa Maria, o 1.º acto de pirataria marítima internacional. Nele participaram Galvão, Camilo Mortágua e antifranquistas, todos eles ligados ao DRIL- Directório Revolucionário Ibérico de Libertação.
Palma Inácio identificava-se com esta faceta da resistência antifascista, na sua opção pela ousadia e a acção armada, e no seu relativo distanciamento face ao comunismo, que então inspirava grande parte dos movimentos guerrilheiros.
Seja como for, e dado o seu gradual afastamento face a Delgado e Galvão (que pontificavam no Brasil), dedide retornar à Europa para formar uma organização revolucionária ligada à acção directa, a Liga de Unidade e Acção Revolucionária (LUAR). A LUAR estreia-se com o assalto à dependência do Banco de Portugal na Figueira da Foz, em 1967, arrebanhando 30 mil contos (hoje, 150 mil euros), uma maquia então avultada. Detido pela Interpol, em Paris, é solto pouco depois, dado que o tribunal considerou o acto um assunto político.
No ano seguinte, e apesar das desavenças com outro correligionário, Emídio Guerreiro, resolve entrar de novo em Portugal e ocupar a Covilhã, ponto estratégico para uma acção de guerrilha inspiradora duma insurreição geral. Falha, é de novo preso, e de novo volta a escapar-se, para Espanha. Aí é preso, sendo libertado um ano depois. De França regressa a Portugal, em 1972, para nova operação audaz (o rapto de figurões do regime), mas é de novo detido. Dos calabouços só sairá com a revolução de 1974. Nesta fase, deixa de se identificar com a linha assumida pela LUAR e inscreve-se no PS, mas abandonando em definitivo a «política activa».
A 1 de Maio de 2007 fora-lhe prestada uma homenagem, com uma mostra documental e a atribuição do seu nome a um largo da sua vila natal, Ferragudo.
Para mais detalhes vd. entradas específicas no Dicionário de história do Estado Novo (esta feita por moi-même!) e no Dicionário de história de Portugal (suplemento) e a reportagem «Radiografia de um golpe de charme», por Paulo Moura.
Nb: imagem retirada daqui.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Espanha reconcilia-se com exilados e limpa simbologia franquista

O governo espanhol retomou a Lei da Memória Histórica, concretizando em decreto duas das suas propostas mais emblemáticas: a concessão da nacionalidade aos filhos e netos dos exilados (desde o fim da insurreição militar de 1936 até final de 1955); e a nomeação duma comissão científica para seleccionar os monumentos e edifícios públicos que serão limpos da simbologia franquista.
Mais informações aqui e excelente post sobre a problemática da simbologia aqui (donde retirei a imagem).
Na sequência da abertura do processo ao franquismo por Baltasor Garzón, o El País fez uma sondagem on line aos seus leitores, já com quase 17 mil aderentes, tendo 70% apoiado a posição do super-juiz (vd. aqui). Também o El País criou, entretanto, um oportuno dossiê temático sobre a memória histórica, que pode ser consultado aqui.

domingo, 19 de outubro de 2008

História, memória, política e justiça

As políticas da memória voltaram ao debate público internacional, e isso devido a 3 motivos principais: ao apelo lançado pelo historiador Pierre Nora para travar os excessos das leis anti-negacionismo; à abertura dum inquérito judicial sobre a repressão franquista; e à condenação de dirigentes militares por assassinatos políticos perpetrados durante as ditaduras militares argentina e chilena.
O 1.º pretende evitar que os historiadores sejam criminalizados pelas suas interpretações do passado, e é uma resposta à decisão do Parlamento Europeu (de 2007) que propõe considerar como delito de "banalização grosseira" (ou de "cumplicidade na banalização") os implicados ou apologistas de "genocídios, crimes de guerra com carácter racista e crimes contra a Humanidade", passível de pena de prisão e independentemente da época dos crimes e da autoridade política, administrativa ou judicial que os tome como provados. O contexto principal desta controvérsia remete para França, pelo facto daí já existirem uma série de leis específicas: lei Gayssot (1990, contra o negacionismo do Holocausto nazi), lei do reconhecimento do genocídio dos arménios (2001) e a lei Taubira, que qualifica de crime contra a Humanidade o tráfico e a escravatura efectuados pelos ocidentais no contexto colonial (sobre o assunto vd. Jorge Almeida Fernandes, "Garzón e os historiadores em cólera", Público de hoje, p.10-P2).
Pese apenas conhecer os seus contornos, concordo com esta tomada de posição, que, porém, não apaga o facto de muitos países europeus já proibirem a organização e/ou difusão de ideologia racista e/ou fascista.
O 2.º caso já aqui foi referido, e prende-se com a consideração pela suprema instância judicial espanhola da sua competência para averiguar sobre os desaparecidos vítimas da repressão franquista, estimados em c. de 114 mil pessoas, e para se proceder à abertura dalgumas valas comuns onde foram enterrados.
Neste caso, os seus críticos sustentam que o juiz Garzón propõe-se fazer uma abusiva condenação retrospectiva de crimes políticos, pois a tipificação de «crimes contra a Humanidade» surgiu apenas com o julgamento de Nuremberga, no pós-II Guerra Mundial, para julgar os crimes nazis. Estes críticos estão errados. Não se trata de nenhum anacronismo, a repressão franquista continuou para além da derrota do Governo legítimo republicano espanhol, até 1952, portanto, já se enquadra naquela moldura. Depois, a Convenção de Genebra é dos anos 20 e também foi ignorada pelos insubmissos franquistas aquando da guerra civil. É pacífico que o lado republicano também cometeu atrocidades, e concordo que, nestes casos, as suas vítimas devem também ser consideradas vítimas e não apenas «falecidos», mas a questão não é essa, pois estes tiveram direito a enterro e a reconhecimento pelo Estado franquista. Já os do outro lado, não. São os seus familiares e outros cidadãos que se organizaram em associações cívicas de recuperação da memória para reivindicarem um direito legítimo e compreensível, o dos seus entes queridos terem o direito a um enterro condigno e ao reconhecimento da sua morte indigna. Em paralelo, uma parte da sociedade civil espanhola tem pressionado no sentido duma condenação oficial do regime franquista por causa da sua violência e ilegitimidade. As investigações judiciais poderão comprovar a existência duma política sistemática de perseguição e repressão política durante c. de 20 anos, e isso poderá levar a considerar o regime franquista como um regime genocida. Se assim for, qual é o drama? Não se deve procurar o esclarecimento sobre as maiores atrocidades? E a justiça, nem que seja simbólica?
Alegam os críticos que a lei da amnistia de 1977 proibiu condenações de abusos e crimes e que o Pacto de Transição pôs uma pedra neste assunto. Também não colhe. A lei da amnistia não englobou os «crimes contra a Humanidade», os quais não prescrevem, e não é a guerra civil em concreto que está em causa, ao contrário do que defende o historiador Santos Juliá, citado e secundado pelo colunista Jorge Almeida Fernandes no já referido artigo. E o pacto de transição, tal como o nome indica, foi um compromisso político conjuntural efectuado pelas elites, com vista a assegurar a legitimação política do novo regime democrático, mostrando como os espanhóis conseguiam criar e viver numa democracia estável e respeitadora, assim afastando definitivamente o fantasma agitado pelo franquismo durante décadas a fio. Essa conjuntura acabou, e já há muito que tal pacto foi rasgado, mais concretamente na campanha para as eleições de 1993, precisamente pelo PSOE. A Lei da Memória Histórica foi um destes marcos, mas muitos outros existem. Neste caso, Garzón limitou-se a corresponder a pedidos da sociedade civil organizada. Já tinha feito o mesmo no caso Pinochet. Nessa altura o coro de críticos foi bem menor. Estranho, não é?
O último assunto é a condenação de oficiais superiores de ditaduras latino-americanas militares, primeiro na Argentina, agora no Chile. Na Argentina, o gen. Luciano Menéndez foi condenado a prisão perpétua por crimes cometidos durante a ditadura, num dos maiores campos de detenção clandestinos da época (vd. aqui). Já no início do ano, haviam sido afastados de funções docentes e de assessoria oficiais almirantes da reserva Roberto Pertussio e Miguel Troitiño, e ao capitão da reserva Hugo Santillán, por envolvimento na repressão ilegal pela ditadura militar instaurada em 1976 (vd. aqui). Outras condenações se seguiram (vd. aqui). No Chile, o Supremo Tribunal de Santiago condenou o gen. Sérgio Arellano Stark a 6 anos de prisão por homicídio qualificado, devido ao assassinato sumário de militantes de esquerda (caso da «Caravana da morte»: vd. aqui).
Isto representou a condenação simbólica, política e judicial das antigas ditaduras militares, após muitos anos de resistências e bloqueios (de que é elucidativo o caso Pinochet, que morreu antes de se conseguir levar a julgamento, por desatinos e cumplicidades várias).
Uma democracia tem o direito, e o dever, de condenar regimes anteriores que tenham sido ditatoriais e que, por isso, tenham perpetrado repressão política, social e cultural, e de condenar e/ou criminalizar parte desses actos, de acordo com as leis em vigor, tanto nacionais como internacionais. Tal deve, aliás, fazer parte dum saudável exercício de pedagogia democrática. E é um imperativo ético.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Memória e justiça em Espanha: Garzón ordena investigação judicial dos desaparecidos do franquismo e exumação de valas comuns

O juiz Baltazar Garzón declarou que a Audiência Nacional espanhola tem competência para julgar alguns dos crimes do franquismo, ordenando uma investigação judicial dos desaparecidos e a exumação de 19 valas comuns, incluindo a do poeta Federico Garcia Lorca. O argumento principal é o de que estão em causa crimes contra a Humanidade, o que cai na alçada deste tribunal e não foi abrangido pela Amnistia de 1997 nem são crimes que prescrevam. Segundo estimativas apresentadas no auto judicial, foram 114.266 os desaparecidos da Guerra Civil espanhola e da subsequente repressão franquista até 1951.
Este processo iniciara-se em Setembro, em resposta às denúncias apresentadas 2 meses antes por associações que lutam pela recuperação da memória histórica, que solicitavam uma investigação aos desaparecimentos, sequestros, assassinatos, torturas e exílios forçados cometidos após 1936, a fim de que o Estado espanhol "cumpra as suas obrigações de reparação" das vítimas pelas violações dos direitos humanos de que foram alvo (ap. El Mundo, cit. pelo Público).
Mais informações aqui ou aqui. Na imagem, presos políticos levados para um campo de concentração franquista.


terça-feira, 23 de setembro de 2008

Lista da memória entregue a Garzón

Foi ontem entregue a lista contendo parte das vítimas do franquismo, respondendo a um pedido do juiz Baltasar Garzón. Dela constam quase 150 mil pessoas. As associações de recuperação da memória tiveram 2 semanas para responder a este pedido, tal como mencionámos neste post anterior.
Entretanto, estas associações criaram o site Todos los nombres, onde estão contidos todos os nomes das vítimas.

sábado, 13 de setembro de 2008

Honrar os mortos: Garzón intercede pelas vítimas do franquismo

No dia 1 deste mês, a Espanha acordou diferente. Com uma iniciativa simples e justa, o super-juíz Baltasar Garzón virou uma página da história recente espanhola que teimava em não passar.
Aceitou as denúncias que 13 asociaciações cívicas espanholas para a recuperação da memória histórica haviam interposto em nome dos desaparecidos e fuzilados pelo franquismo, e solicitou junto de vários autoridades dados para confirmar da justeza daquelas denúncias e para elaborar um censo dos c.90 mil fuzilados, desaparecidos e enterrados em fossas comuns desde o golpe de Estado de 17/VII/1936. Deu assim sequência ao consigado na novel Lei da Memória Histórica, lei essa apoiada pela Amnistia Internacional.
Agora, essas associações estão a reunir toda a documentação possível para identificar e localizar esses desaparecidos, uma grande parte dos quais foram colocados em fossas comuns, sem direito a funeral nem a ritos de qualquer tipo. O testemunho dum dos seus dirigentes, Anxo Rodríguez (pres. da Asociación da Memoria Histórica de Ponteareas, Galiza), pode ser televisionado aqui.
A direita reagiu novamente mal, agitando que isso iria abrir feridas, mas as feridas, essas, estão abertas desde a Guerra Civil espanhola, para os familiares desses represaliados que nunca puderam fazer o luto condigno dos seus entes queridos, ao invés de muitos dos insurrectos franquistas que tiveram direito a placas comemorativas e a funeral. Nem que nunca viram reconhecido pelo Estado (e a sociedade) a injustiça desses horrores, o que cessará agora, com o regulamento do reconhecimento e reparação das vítimas da Guerra Civil e da posterior repressão franquista. Como muito bem disse o presidente Zapatero: "No puedo entender que eso sea abrir una herida, cuando se trata de cerrar una de las pocas que quedan".
Pior, a Igreja católica local negou a Garzón o acceso aos libros de defuntos das c. 23 mil paróquias do país, o que obrigou Zapatero a vir a terreiro denunciar a hipocrisia dos que assim insensivelmente recusavam um simples gesto de humanidade e compaixão: "No entiendo la hipocresía de aquellos que dicen que divide a un país que las personas mayores puedan saber donde están sus seres queridos. Como presidente y como patriota no puedo entender que se pueda negar el derecho a reconocer a sus seres familiares muertos en circunstancias trágicas".
Também o historiador Ángel Viñas escreveu um excelente artigo sobre o assunto, em que defende que a direita espanhola (a política e a judicial) enferma do medo do conhecimento histórico. E advoga que se deve abrir esse passado recente ao escrutínio público, por 3 razões principais: 1) por já existirem condições materiais precisas para poder abordar cientificamente, desapasionadamente, esse período; 2) evitar cair no ridículo como país, como Estado, como colectividade, como espanhóis, pois todas as sociedades devem fazer um exame público do passado; 3) dever de honrar os muertos. Como bem aponta Viñas: "El deseo de querer cerrar las puertas al conocimiento es pueril. No lo ha logrado ninguna sociedad".
A fechar, destaco o recente documentário sobre o campo de concentração franquista de Camposancos, na Galiza, que ficava defronte da portuguesa vila de Caminha. Chama-se Memorial de Camposancos, e é um impressivo marco sobre o que foi este horror tanto tempo defendido e, depois, silenciado. Na Galiza, a sua Junta autonómica tem já preparado esta lista dos desaparecidos na região, para a qual colaborou um dos ilustres Peões, o meu homónimo Lanero Táboas. Na imagem, fossa comum de vítimas da violência franquista em Burgos.
PS: Garzón é co-autor dum recente livro sobre a repressão argentina, apresentado por Ángel Viñas.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

A democracia também passa pela memória pública

A Lei da memória histórica foi hoje aprovada pelo parlamento espanhol. É uma lei de grande alcance histórico e político. Mais detalhes aqui.